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Obtenção de carvão ativado a partir do resíduo fuligem de candeia

Obtention of activated carbon from candeia soot residue

RESUMO

Neste trabalho, o resíduo fuligem de candeia foi utilizada para obter carvão ativado. A ativação foi investigada utilizando três reagentes (NaOH, H3PO4 e CO2). Os resultados de análise térmica e microscopia eletrônica de varredura mostram que os carvões ativados possuem maior estabilidade térmica e partículas mais regulares e menores quando comparados ao precursor. Medidas de área superficial mostraram que os carvões ativados com NaOH e CO2apresentaram resultados iguais a 804 e 435 m2g-1, respectivamente, e maior capacidade para adsorver o azul de metileno (222 e 118 mgg-1, respectivamente). Os valores de capacidade de adsorção são cerca de 10,6 e 5,6 vezes maiores para os carvões ativados em comparação à capacidade de adsorção da fuligem. Os resultados demonstram o grande potencial de se obter carvão ativado a partir de fuligem residual.

Palavras-chave
Carvão ativado; fuligem; adsorção

ABSTRACT

In this study, candeia soot waste was used for the production of activated carbons. Activation was investigated using three reagents (NaOH, H3PO4 and CO2). The results of thermal analysis and scanning electron microscopy show that the activated carbons present higher thermal stability and more regular and smaller particles when compared with the precursor. Surface area measurements showed that NaOH and CO2 activated carbons present higher specific surface areas (804 and 435 m2g-1, respectively) and higher abilities to adsorb methylene blue (222 and 118 mgg-1, respectively). The adsorption capacity values of the activated carbons are nearly10.6 and 5.6 times higher than the value found for the candeia soot residue. The results demonstrate the great potential of obtaining activated carbons from residual soot.

Keywords
Activated carbon; soot; adsorption

1. INTRODUÇÃO

Anualmente, milhões de toneladas de resíduos agroindustriais são gerados por processos industriais. Grande parte dos resíduos são biomassas de origem natural, apresentando potencial para diversas aplicações [11 VANHOLME, B. et al., “Towards a carbon-negative sustainable bio-based economy”, Frontier in plant science, v. 4, pp.1-17, Jun. 2013.]. Porém, devido às limitações técnicas e econômicas, os resíduos gerados geralmente não são utilizada como matéria prima para obtenção de novos materiais e acabam sendo destinados a aterros ou utilizados como fonte de energia. A utilização dos resíduos para geração de energia é exercida por praticamente todas as indústrias de beneficiamento de produtos da agroindústria, já que esse setor necessita de uma grande demanda energética [22 TORQUATO, S.A., RAMOS, R.C., “BIOMASSA DA CANA-DE-AÇÚCAR E A GERAÇÃO DE BIOELETRICIDADE EM SÃO PAULO: usinas signatárias ao Protocolo Agroambiental Paulista”, Informações Econômicas, v. 43, n. 5, Set. 2013.]. Durante a combustão da biomassa é gerada a fuligem, que é um resíduo sólido, rico em carbono, proveniente da pirólise incompleta [33 SADEZKY, A. et al., “Raman microspectroscopy of soot and related carbonaceous materials: Spectral analysis and structural information”, Carbon, v. 43, n. 8, pp. 1731–1742, Mar. 2005.]. Este resíduo é coletado em lavadores de gases e normalmente destinado a aterro industrial ou é aplicado no solo [44 YAASHIKAA, P.R. et al., “Advances in production and application of biochar from lignocellulosic feedstocks for remediation of environmental pollutants”, Bioresource Technology, v. 292, pp. 122030, Jul. 2019.].

Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos [55 BRASIL, Lei N° 12.305 de 02 de agosto de 2010 - Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).Disponível em:<http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=636>Acesso em 29 de agosto de 2019.
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] a fuligem residual apresenta potencial de contaminação ambiental, afetando a qualidade do ar, do solo e da água. A presença de partículas finas de fuligem na atmosfera pode causar doenças respiratórias e circulatórias, tais como asma, hipertensão e câncer de pulmão. Na literatura encontram-se trabalhos que utilizam biomassa para obtenção de carvão ativado (CA) ou biocarvões, [66 PENIDO, E.S.; et al., “Combining biochar and sewage sludge for immobilization of heavy metals in mining soils”, Ecotoxicology and Environmental Safety, v. 172, pp. 326-333, Mai. 2019., 77 PENIDO, E.S.; et al., “Cadmium binding mechanisms and adsorption capacity by novel phosphorus/magnesium-engineered biochars”, Science of the Total Environment, v. 671, pp. 1134-1143, Jun. 2019.] porém na etapa de carbonização perde-se o potencial energético destes materiais. [88 HU, X.; GHOLIZADEH, M.; “Biomass pyrolysis: A review of the process development and challenges from initial researches up to the commercialisation stage”, Journal of Energy Chemistry, v. 39, pp. 109–143, Jan. 2019.] No caso da fuligem, a energia armazenada na biomassa é quase toda utilizada. Desta forma, investigar processos para obter carvão ativado a partir de fuligem se torna muito interessante e vantajoso. Sendo assim, neste trabalho a fuligem de candeia foi ativada utilizando diferentes reagentes e o potencial de adsorção dos carvões ativados obtidos foi investigado para adsorção do corante azul de metileno, utilizado como molécula modelo.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Materiais

A fuligem de candeia (FC) utilizada no estudo foi cedida por uma empresa de extração de alfa-bisabolol, situada no estado de Minas Gerais. Os reagentes NaOH, H3PO4 e azul de metileno utilizados foram da marca Synth.

2.2. Obtenção dos Carvões Ativados

Nas ativações de caráter químico, o precursor foi impregnado com agente ativante (NaOH ou H3PO4) e as misturas resultantes foram mantidas em agitação por 24 h. Após evaporar o solvente os materiais foram aquecidos em forno tubular (10 °Cmin-1, 100 mLmin-1 de N2) até a temperatura de ativação. A Tabela 1 apresenta as condições experimentais utilizadas, selecionadas por meio de revisão na literatura [99 GIUSTO, L.A.R.; et al., “Preparation of Activated Carbon from Sugarcane Bagasse Soot and Methylene Blue Adsorption”, Water Air Soil Pollution, pp. 228-249, Jun. 2017., 1010 GONZÁLEZ-GARCÍA, P., “Activated carbon from lignocellulosics precursors: A review of the synthesis methods, characterization techniques and applications”, Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 82, pp. 1393–1414, Fev. 2018.]. Após a etapa de ativação, o carvão ativado com NaOH foi lavado com solução de H3PO4. Em seguida utilizou-se água destilada para reduzir a acidez dos carvões até atingir pH neutro.

Tabela 1
Condições utilizadas nos processos de ativação química da fuligem.

Na ativação física, a FC foi acondicionada em tubo de quartzo inserido em forno tubular e a mesma foi aquecida a 900 °C(10 °Cmin-1) por 1h sob fluxo de CO2 (150 mLmin-1).

Os CA obtidos foram identificados como CAOH, CAH e CACO para os materiais ativados com NaOH, H3PO4 e CO2, respectivamente.

2.3. Caracterização dos materiais

Os CA e a FC foram caracterizados por análise termogravimétrica e análise térmica diferencial(TG e DTA - Shimatzu-DTG-60AH, de 30 à 900 °C, 10 °Cmin-1 em ar sintético.), análise elementar (CHN - Elementar Vario EL cube), microscopia eletrônica de varredura (MEV - LEO EVO 40 XVP, tensão de 20 KV) e área superficial especifica BET (QuantaChromeAsiQwin 2.0), com temperatura e tempo de desgaseificação iguais a 200 °C e 12h, respectivamente.

2.4. Ensaios de adsorção

As isotermas de adsorção foram registradas utilizando 10 mg de amostra e 10 mL de solução de azul de metileno (AM) 10, 25, 50, 100, 250, 500 e 1000 mg L-1. As amostras permaneceram em contato por 24h sob agitação. Em seguida a mistura foi centrifugada (5 min a 3000 rpm) e o sobrenadante coletado. A eficiência da adsorção foi monitorada pela descoloração do AM utilizando um espectrofotômetro na região do ultra-violeta/visível (UV/vis -Micronal AJX-3000PC) no comprimento de onda de 665 nm.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 apresenta os resultados das análises térmicas TG e DTA obtidas para os materiais estudados. Nota-se que a FC apresenta três perdas de massas referentes à desidratação (30 a 155 °C), decomposição de compostos orgânicos (240-390 °C) remanescentes na fuligem (carbonização incompleta durante sua formação) e oxidação do carbono (390-530 °C) [88 HU, X.; GHOLIZADEH, M.; “Biomass pyrolysis: A review of the process development and challenges from initial researches up to the commercialisation stage”, Journal of Energy Chemistry, v. 39, pp. 109–143, Jan. 2019.]. Estes eventos são acompanhados por um pico exotérmico largo (Fig. 1A). Os resultados de TG obtidos para os CA (Fig. 1B) mostram que houve um aumento na estabilidade térmica, principalmente para a amostra CAH, onde a oxidação do carbono inicia em 440 °C. É interessante notar que o perfil termogravimétrico do CAOH mostra que a decomposição do carbono ocorre em duas etapas (320 a 505°C e 505 a 660 °C) que são acompanhadas por dois eventos exotérmicos, observados na Fig.1C. Este comportamento pode estar relacionado com a presença de resíduos do agente ativante que não foram completamente removidos na etapa de lavagem. [1111 SCHETTINOJÚNIOR, M. A.,et al., “Preparação e caracterização de carvão ativado quimicamente a partir da casca de arroz”. Química Nova, v. 30, n. 7, pp. 1663-1668, Mar. 2007.].

Figura 1
Curvas TG e DTA da FC (A) e dos CA (B e C) (ar sintético - 100 mLmin-1, 10 °Cmin-1).

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos por análise elementar CHN, e teores de carbono fixo e cinzas calculados pelos dados de TG.

Tabela 2
Resultados da análise elementar CHN e valores de carbono fixo e cinza obtido por TG.

Os resultados mostram que os teores de carbono fixo determinados por TG e os teores elementares de carbono obtidos por análise elementar estão próximos, indicando que o precursor e os CA apresentam um alto teor de carbono fixo. A redução no teor de carbono observado para os CA em relação à FC está relacionada com o seu consumo durante o processo de ativação [1212 MARSH, H., RODRÍGUEZ-REINOSO, F., Activated carbon,Amsterdam, Elsevier Science, 2006.]. Nota-se também redução nos teores de H e N após ativação, o que certamente estão relacionados com a perda de grupos funcionais e compostos orgânicos voláteis durante o tratamento térmico. Nota-se que a relação C/H aumentou na seguinte ordem: CAH < CACO < CAOH.

A área superficial específica(S) dos CA foi obtida a partir das isotermas de adsorção/dessorção de N2 utilizando o método BET (Fig. 2).

Figura 2
Isotermas de adsorção/dessorção (A) e distribuição de poros (B) das amostras CAOH, CACO e CAH.

Os valores de S obtidos para os carvões CAOH, CACO e CAH foram iguais a 804, 435 e 89 m2g-1, respectivamente. Estes resultados corroboram com aqueles obtidos por CHN (relação C/H). Se pode perceber que as ativações com NaOH e CO2 foram cerca de 9 e 4,9 vezes mais eficientes do que a realizada com o H3PO4. Na Figura 2B, verifica-se claramente o aumento no volume de poros dos carvões ativados com CO2 e NaOH, o que justifica o aumento de área superficial. Estes resultados mostram que a interação/reação dos agentes ativantes com o material precursor ocorre de forma eficiente, mesmo quando se utiliza um precursor carbonizado. Por outro lado, o H3PO4 age de forma mais eficaz com precursores não carbonizados [1111 SCHETTINOJÚNIOR, M. A.,et al., “Preparação e caracterização de carvão ativado quimicamente a partir da casca de arroz”. Química Nova, v. 30, n. 7, pp. 1663-1668, Mar. 2007.], o que resultou em uma ineficiência no processo de ativação.

A Figura 3 apresenta imagens de MEV para as amostras estudadas. A imagem da Fig.3A mostra que a FC possui estrutura fibrosa e superfície irregular contendo grandes cavidades. Por outro lado, a morfologia das amostras de CA, principalmente do CAOH e CACO, apresentam cavidades menores, com formato mais arredondado e superfície mais lisa. Nota-se também que após a ativação houve redução na dimensão das partículas. Estes resultados estão coerentes com o aumento da área superficial dos carvões CAOH e CACO.

Figura 3
Imagens de MEV dos materiais estudados com ampliação de 1000x.
Figura 4
1 Isotermas de adsorção do AM pelos materiais estudados (25°C, pH 7) (A), e relação S/qmáx(B).

A Figura 4A apresenta as isotermas de adsorção do AM pelos carvões estudados. Nota-se que as capacidades máximas de adsorção (qmax) do AM pela FC e CAH foram praticamente iguais (21 mgg-1) indicando que a ativação realizada com ácido não foi eficiente. Por outro lado, os valores de qmax para o CACO e CAOH foram 118 e 222 mgg-1, respectivamente. Na Figura 4B nota-se que a área superficial e qmax dos carvões aumentam de forma proporcional, sendo que a relação S/qmax das amostras CAH, CACO e CAOH apresentam valores iguais a 0,236; 0,271 e 0,276 m2mg-1, respectivamente. Estes mostram que os carvões CACO e CAOH adsorvem valores muito próximos do corante AM por unidade de área.

4. CONCLUSÕES

Os resultados obtidos mostraram que os reagentes NaOH e CO2 foram eficientes para ativar o resíduo, fuligem de candeia, e obter carvão ativado com área superfial de 804 e 435 m2g-1, respectivamente. Por outro lado, o H3PO4 não foi eficiente no processo de ativação. Sendo assim, conclui-se que pode-se utilizar a fuligem de candeia para obter um material com valor tecnológico e agregado, e que possui aplicação como material adsorvente como observado ao utilizar a molécula modelo de azul de metileno.

AGRADECIMENTOS

FAPEMIG, CAPES, CNPq, UFLA,Laboratório de Microscopia Eletrônica (LME-UFLA), aos Laboratórios do Centro de Análise e Prospecção Química da UFLA (CAPQ/UFLA)e à Rede Mineira de Química (RQMG).

BIBLIOGRAFIA

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    MARSH, H., RODRÍGUEZ-REINOSO, F., Activated carbon,Amsterdam, Elsevier Science, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2020
  • Aceito
    03 Fev 2021
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