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Formação inicial e o repertório para teclado em grupo

Initial Training and Repertoire for Group Keyboard

Resumo:

O presente artigo apresenta algumas reflexões sobre o repertório desenvolvido no componente curricular Teclado e suas possíveis contribuições para a formação inicial de professores de música. Desenvolvido em aulas coletivas, parte do repertório é analisado e aplicado por meio de atividades realizadas no componente pertencente a matriz curricular do curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual de Feira de Santana. São objetos da análise três métodos: 1) Diorama de Cacilda Borges Barbosa (caderno preparatório); 2) 13 Pequenas Peças Brasileiras de Moema Craveiro Campos; 3) Miniaturas (peças para piano) de Maria da Graça Santos. Como resultado, verifica-se que o domínio de conhecimentos e práticas musicais é fundamental para o exercício docente na área, visto que o fazer musical é uma ferramenta essencial para o ensino de música. Todavia, o fazer musical deve ser ampliado a partir da articulação com saberes teóricos e pedagógicos musicais.

Palavras-chave:
formação inicial; repertório; teclado em grupo

Abstract:

This paper presents some thoughts on the repertoire developed in the curricular component keyboard and their contributions to the initial training of music teachers. Developed in group lessons, part of this repertoire is analyzed and applied through activities performed in the component pertaining to curriculum of the Bachelor's Degree in Music at the State University of Feira de Santana. They are objects of analysis three methods: 1) Diorama - Cacilda Borges Barbosa (preparatory documents); 2) 13 Small Parts Brazilian -Moema Craveiro Fields; 3) Miniatures (piano pieces) - Mary Grace Santos. As a result, it appears that the domain knowledge and musical practices is critical to the teaching practice in the area, as the music making is an essential tool for music education. However, music making was extended from the joint with theoretical knowledge.

Keywords:
initial training; repertoire; keyboard group

1 - Introdução

A pós-modernidade caracteriza-se por grandes mudanças em diversas esferas como a economia, a política, a diversidade sócio-cultural, a difusão das redes sociais, os avanços científicos e tecnológicos, a (re) definição de valores, o crescimento demográfico, entre outros. Tais mudanças apresentam implicações no ensino musical, desde a ampliação de espaços de atuação à elaboração de propostas metodológicas e emergem novas exigências educativas, sobretudo, na formação de profissionais capacitados para atuar na área. Diante desta realidade é oportuno verificar as condições atuais desta formação e as interferências de componentes curriculares de caráter específico a exemplo dos que envolvem a prática musical.

Neste sentido, é por meio do repertório que muitas habilidades pedagógicas musicais são desenvolvidas como a prática de acompanhar, decodificar cifras e padrões rítmicos, além do desenvolvimento técnico instrumental. Nesta perspectiva, o presente artigo apresenta algumas reflexões sobre parte do repertório desenvolvido no componente curricular Teclado, pertencente a matriz curricular do curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), através da análise de três métodos: 1) Diorama de Cacilda Borges Barbosa (caderno preparatório); 2) 13 Pequenas Peças Brasileiras de Moema Craveiro Campos; 3) Miniaturas (peças para piano) de Maria da Graça Santos. Na análise também são contempladas as atividades desenvolvidas a partir do repertório selecionado.

1.1 - A estrutura das aulas de Teclado

Para as aulas do componente curricular Teclado no curso de Licenciatura em Música da UEFS são utilizados teclados eletrônicos e piano, as quais são explorados os recursos disponíveis em cada um dos instrumentos. Desta forma, a nomenclatura do componente curricular abrange a literatura instrumental para instrumentos de teclas e não se limita ao instrumento teclado eletrônico.

O uso do teclado possibilita a utilização dos recursos tecnológicos como mudança de registros, ritmos variados, facilidade de locomoção além de contemplar o uso de cifras, específicas da literatura para teclado. Já a utilização do piano, sobretudo, para os alunos de nível intermediário a avançado em instrumentos de teclas, promove o desenvolvimento técnico instrumental por meio de uma literatura específica para piano, ao contemplar independência entre mãos, leitura simultânea de claves, texturas variadas, uso dos pedais, controle sonoro, entre outros.

Um dos desafios presentes na estruturação do componente é a logística: número de professores versus número de estudantes versus número de instrumentos. Poucos instrumentos e professores, em descompasso com quantidade dos matriculados no curso. A consideração deste fator aponta para a adoção de aulas em caráter coletivo como uma estratégia eficaz.

O caráter da aula atende não apenas a esta logística, mas apresenta benefícios para o desenvolvimento discente por meio da execução instrumental em grupo tornando-se um importante recurso didático. De fato, ter o outro indivíduo para observar, trocar experiências e construir novas referências na aprendizagem, apresenta contribuições para o aprendizado no instrumento como o ouvir harmônico, o aprimoramento instrumental, práticas de acompanhamento e a ampliação de repertório.

Nesta perspectiva, SWANWICK (1994)6 SWANWICK, Keith. "Ensino instrumental enquanto ensino de música". Cadernos de Estudo: Educação Musical. São Paulo: Atravez, n. 4/5, p.7-14, 1994., afirma que o ensino em grupo pode ser considerado uma valiosa estratégia para o ensino instrumental, além de se transformar em uma importante ferramenta no processo de iniciação e de democratização do ensino instrumental. CRUVINEL (2005)3 CRUVINEL, F. M. (2005). Educação musical e transformação social - uma experiência com ensino coletivo de cordas. Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura. também destaca as vantagens da utilização da interação na aprendizagem musical realizada em grupo e aponta para ações resultantes deste processo como a socialização, a cooperação, a motivação, o rendimento e o ambiente lúdico proporcionado.

Outro aspecto a ser destacado são as contribuições para a formação pedagógica musical a partir da participação em grupos musicais, seja como condutor, ouvinte ou executante, para oportunizar a compreensão dos mecanismos acerca da prática musical coletiva, ao possibilitar um laboratório para observação de propostas metodológicas e para a condução didática.

2 - O repertório e a formação pedagógica musical

A escolha do repertório está associada aos objetivos do componente curricular e ao desenvolvimento das habilidades discentes pretendidas. SLOBODA (2000)8 SLOBODA, J. A. (2000). "Individual differences in music performance". Trends in Cognitive Sciences. vol. 4, n. 10, Oct., p.397-403. defende que as habilidades a serem desenvolvidas não devem limitar-se as habilidades técnicas e motoras. Segundo o autor são necessárias também habilidades interpretativas que gerem diferentes performances expressivas de uma mesma peça de acordo com o que se quer comunicar de forma estrutural e emocional. Neste contexto, o aspecto afetivo também deve ser considerado.

De acordo com pesquisas sobre a seleção de repertório (TOURINHO, 19959 TOURINHO, A. C. G. S. (1995). "A motivação escolar na aula de violão em grupo: influência do repertório de interesse do aluno". Salvador: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia.; FIREMAN, 20064 FIREMAN, M. C. (2006). "O repertório na aula de violão: um estudo de caso". 2006. 150 f. Dissertação (Mestrado em Música). Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia.), a consideração do interesse do estudante também é um fator essencial para o desenvolvimento motivacional no processo de ensino e aprendizagem de um instrumento musical. Todavia, nem sempre o repertório que o estudante deseja é o mais apropriado para o seu nível, assim como pode ocorrer de não contemplar as habilidades necessárias para a sua formação pedagógica musical. Cabe ao professor o concenso de mesclar peças, escolhidas pelo estudante e acessíveis às suas habilidades, com peças e livros didáticos específicos para o aprendizado do instrumento, que permitam o desenvolvimento de habilidades, tanto musicais, relacionadas a aspectos interpretativos, estilísticos, técnicos, quanto a habilidades para a atuação pedagógica, relacionadas a transposição, acompanhamento, entre outros.

Outros fatores a serem considerados são as possibilidades de ampliação do repertório, que deverá ser desprovido de preconceitos, de caráter eclético, ao contemplar desde o erudito ao popular, do antigo ao moderno. Neste sentido, SWANWICK (2003)7 ______. (2003). "Ensinando música musicalmente". Trad.: Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna. considera fundamental desenvolver habilidades musicais variadas que ultrapassem a execução, a exemplo da criação, apreciação, conhecimentos teóricos e técnicos. Contudo, é importante considerar o desenvolvimento gradativo destas habilidades no processo de ensino aprendizagem.

O repertório selecionado poderá estar incluso em livros didáticos, popularmente chamados por métodos, criados especificamente para aulas coletivas ou adaptados para esta modalidade de ensino. Mas, por que adotar repertório voltado para piano solo em aulas coletivas? Justamente por considerar que as aulas se inserem em um curso de formação de professores de música, é necessário contemplar um repertório que aborde a diversidade musical presente na música brasileira, além de possibilitar o diálogo entre períodos e gêneros musicais variados, a exemplo da junção de peças folclóricas brasileiras com a inserção de elementos musicais característicos da música contemporânea.

Na ausência de métodos voltados para o ensino coletivo que abordem estes aspectos, parte do repertório apresentado e analisado a seguir, foi selecionado dentre obras para piano solo. Vale ressaltar, que a seleção foi desenvolvida com licenciandos sem experiência prévia na execução de instrumentos de teclas, aos quais tiveram acesso ao mesmo por meio de atividades variadas, que serão descritas a seguir.

2. 1 - A análise dos métodos

Segundo BARROS (2008)2 BARROS, L. B. (2008). "O potencial pedagógico do volume preparatório da obra Diorama para piano de Cacilda Borges Barbosa". Monografia (Graduação). Curso de Licenciatura do Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro. alguns compositores como Lorenzo Fernandez (1897-1948), Heitor Villa Lobos (1887-1959), Francisco Mignone (1897-1986), contribuíram para a criação de obras com fins didáticos. Além do alto conteúdo musical, algumas destas obras apresentam objetivos para o desenvolvimento de habilidades específicas, além de resguardarem tradições de determinadas culturas. Das composições brasileiras com o mesmo propósito pedagógico destacam-se os métodos analisados neste artigo, quais sejam: 1) Diorama de Cacilda Borges Barbosa (caderno preparatório); 2) 13 Pequenas Peças Brasileiras de Moema Craveiro Campos; 3) Miniaturas (peças para piano) de Maria da Graça Santos.

Estes métodos tem em comum a finalidade de desenvolver habilidades técnicas instrumentais, além de abordar a música brasileira, desde a utilização de ritmos e gêneros típicos, a exemplo de chorinhos, a elementos melódicos familiares da nossa cultura como o uso do sistema modal na música nordestina. De acordo com ZORZETTI (2010, p.729)11 ZORZETTI, D. (2010). "Música brasileira para o ensino do piano no nível elementar". I Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música e XV Colóquio do Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO. Anais... Rio de Janeiro, 8 a 10 de novembro. a utilização de peças que façam parte do contexto sócio-cultural dos estudantes tornam-se um elemento motivador no ensino instrumental:

A opção por música brasileira se deve ao fato de acreditarmos ser importante que o material de ensino contenha temas relacionados ao contexto a que se destina, isto é, que utilize uma linguagem compreensível ao estudante e que o repertório tenha algum tipo de ligação com seu universo, pois esses são aspectos que podem despertar um maior interesse e funcionar como fatores de motivação.

Outro fator em comum é o nível de dificuldade das peças que, em sua grande maioria, se classificam do nível básico ao nível elementar. Segundo UZLER (1995)10 USZLER, M.; GORDON, S.; MACH, E. (1995). The well-tempered keyboard teacher. New York: Schirmer Books. os elementos musicais que correspondem a esta transição de nível estão relacionados a conceitos de leitura da notação musical, habilidades técnicas e habilidades funcionais a exemplo da utilização simultâneas das claves de sol e de fá, exploração, sobretudo, da região central do teclado, uso de semínimas, mínimas, quiálteras, síncopes, notas duplas, acordes em blocos e quebrados, preparação para a execução da textura polifônica, certo grau de independência entre as mãos em relação às dinâmicas, articulação e textura, entre outros.

Já sobre o nível elementar, REIS (2000)5 REIS, C. S. (2000). "A obra de Lorenzo Fernandes e a aprendizagem pianística na infância". Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. defende que o estudante precisa desenvolver competências pianísticas que envolvem o senso rítmico, noções de fraseado, toque e articulação, definição de planos sonoros, percepção de organização estrutural, uso simples do pedal e percepção da dimensão estética musical. Tais competências correspondem a uma maturidade musical desejável para estudantes deste componente na graduação. Todavia, há particularidades a serem observadas entre os métodos analisados, ao contribuir com o desenvolvimento destas competências, conforme descrição a seguir:

1) Diorama de Cacilda Borges Barbosa (caderno preparatório):

Direcionada para piano e estudo de ritmo e som, a obra caracteriza-se pela organização por grau de dificuldade, através de uma série de peças progressivas que difundem a rítmica brasileira, voltada para o ensino instrumental de jovens e adultos.

Existem muito poucos livros voltados para o aluno iniciante adulto, especialmente de autores brasileiros. Isso se deve ao fato das edições se dedicarem mais ao ensino de crianças. Tais livros utilizam de uma roupagem visual voltada para as crianças, com desenhos de bichos, brinquedos, partituras coloridas e com tamanho grande para facilitar a leitura para elas, e peças com temas e títulos infantis. [...] Assim sendo, o Diorama oferece ao professor de piano uma opção de repertório que pode ser trabalhado com jovens e adultos, pelo fato de não utilizar desenhos nem figuras e pela temática (BARROS, 20082 BARROS, L. B. (2008). "O potencial pedagógico do volume preparatório da obra Diorama para piano de Cacilda Borges Barbosa". Monografia (Graduação). Curso de Licenciatura do Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro., p.3).

Por se tratar de um componente curricular direcionado para adultos, o método contribui para a aproximação com esta faixa etária, sobretudo, por estimular o desenvolvimento da musicalidade desde o princípio, que não induz em nenhum momento à leitura fragmentada, através de indicações de fraseado, com melodias simples, porém musicais, com uma textura de melodia acompanhada de fácil entendimento e escuta, e que trabalha a percepção de blocos contrastantes (BARROS, 20082 BARROS, L. B. (2008). "O potencial pedagógico do volume preparatório da obra Diorama para piano de Cacilda Borges Barbosa". Monografia (Graduação). Curso de Licenciatura do Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro.). Tais características auxiliam a execução em planos sonoros diferenciados e, consequentemente, da experimentação e exploração do uso do pedal.

A estética dos estudos incentiva a análise harmônica, bem como o desenvolvimento de ritmos brasileiros através da utilização de síncopes e contratempos. Segundo BARROS (2008)2 BARROS, L. B. (2008). "O potencial pedagógico do volume preparatório da obra Diorama para piano de Cacilda Borges Barbosa". Monografia (Graduação). Curso de Licenciatura do Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro. a beleza consiste na presença da tradição carioca, com larga utilização do contraponto e a melódica do chorinho, somada ao tratamento em que a melodia passeia entre as mãos, nas claves de sol e de fa, ao induzir o desenvolvimento do deslocamento das mãos no teclado, independência entre mãos e o controle sonoro. O controle se consolida na tentativa da execução mais expressiva das peças do método.

Com este método foram contempladas peças específicas para cada estudante, para trabalhar particularidades e habilidades pessoais, e uma peça abordada coletivamente, aos quais todos executaram. Com esta peça, foram desenvolvidas as seguintes atividades:

Figura 1
Quadro das atividades da peça Estudo nº 59

2) 13 Pequenas Peças Brasileiras de Moema Craveiro Campos:

O livro apresenta uma coletânea de peças curtas para piano solo compostas a partir de diversos gêneros brasileiros como a bossa-nova, baião, modinha, entre outros. Segundo CAMPOS (2002, p.5)2 CAMPOS, M. C. (2002). In: 13 pequenas peças brasileiras. São Paulo: Irmãos Vitale. p.12. ao oferecer-lhes

[...] ritmos que naturalmente já estão nos seus 'ouvidos'[...] daria a eles a chance de desenvolver a leitura de alguns padrões rítmicos que, embora pareçam difíceis, são parte de nossa raiz [...] Cada peça representa um gênero diferente, explicitado por títulos como: Baião Mulato, Choro de Criança, Sertaneja, Nova Bossa, Nova Modinha, dentre outros.

Justamente o conhecimento prévio discente dos gêneros abordados como referência promoveu a motivação dos mesmos em aprender e apreender tais gêneros, por meio da execução musical. No processo da aprendizagem das peças, notou-se que a articulação entre a percepção auditiva com a leitura musical, possibilitou uma execução musical fluente.

Esta percepção discente também foi incentivada através da utilização do CD que acompanha o livro. Além de trazer todas as peças interpretadas pela autora, contempla explicações técnicas e estéticas para a interpretação de cada uma. Além deste apoio pedagógico por meio do incentivo a percepção auditiva e da utilização de gêneros brasileiros diversos, as linhas melódicas traduzem a musicalidade brasileira através da construção simples das mesmas.

Nas composições não há citações de temas folclóricos ou populares brasileiros, entretanto, há um cuidado em resgatar características melódicas presentes nos diversos gêneros musicais, a exemplo do uso de células rítmicas sincopadas, uso de modos, entre outros, com o objetivo de "usar a riqueza da música brasileira para motivá-los" (CAMPOS, 20022 CAMPOS, M. C. (2002). In: 13 pequenas peças brasileiras. São Paulo: Irmãos Vitale. p.12., p.5).

Das 13 peças presentes no livro, a Cantoria nas Teclas foi a selecionada para ser ensinada e executada coletivamente, através das seguintes atividades:

Figura 2
Quadro das atividades da peça Cantoria nas Teclas

3) Miniaturas (peças para piano) de Maria da Graça Santos:

Lançado em 2004, pela Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba), instituição ao qual a compositora baiana exerceu atividades de ensino, o livro contém 68 pequenas peças. Datadas de 1967, 1980, 1986, 1992, 2000 e 2001, das miniaturas, conforme denomina a compositora, 29 são de autoria completa e 39 versões oriundas do folclore brasileiro.

Das 29 composições originais, é nítida a influência do compositor Béla Bartók por meio da exploração de determinados aspectos técnicos, a exemplo da imitação, movimento contrário, ostinato, temas melódicos alternados entre as mãos, temas com pequenas variações, síncopes, contratempos, mudança de compassos, baixo com notas repetidas e a utilização do sistema modal. Possibilitar o desenvolvimento e a execução destes aspectos torna-se o principal objetivo desta parte do livro.

Já na segunda parte, encontram-se as versões de peças oriundas do folclore brasileiro. Nesta parte, um dos principais objetivos é o de difundir peças pouco conhecidas, ao promover a aproximação dos executantes e ouvintes a raízes musicais brasileiras. Sobre as versões, destaca-se o diálogo presente entre a tradição musical, por meio dos temas folclóricos, e a inovação em fazer uso de aspectos da música contemporânea, a exemplo do sistema serial, acordes dissonantes e exploração variada de texturas musicais.

Sobre o uso do pedal, a compositora argumenta que a pedalização é dispensável, uma vez que sugere que seja priorizado um "som mais puro na execução e que tal som, tanto quanto possível, não seja dependente do pedal" (SANTOS, 20043 SANTOS, M. G. (2004). In: Miniaturas: peças para piano. Salvador: Edufba. p.9., p.8). Todo este conjunto de elementos musicais torna o grau de dificuldade do álbum mais complexo em detrimento dos outros analisados. Ao executante é necessário certo grau de habilidade pianística e maturidade musical, tanto para escolher dedilhados que favoreçam a execução das articulações solicitadas, como também para realizar todos estes elementos com fluência musical.

Com relação as letras das músicas folclóricas, SANTOS (2004)3 SANTOS, M. G. (2004). In: Miniaturas: peças para piano. Salvador: Edufba. p.9. defende que melodias com letras possibilitam uma melhor compreensão de rítmos e que as repetições musicais com pequenas variações ajudam no desenvolvimento da leitura e na memorização. Apesar de ser uma composição para piano solo, a versão de Ciranda, Cirandinha foi selecionada para ser trabalhada coletivamente, através do desenvolvimento das seguintes atividades:

Figura 3
Quadro das atividades da peça Ciranda, Cirandinha

3 - Considerações finais

Da análise dos métodos apresentada, nota-se a riqueza musical presente em ambos. Desta riqueza, vale ressaltar a capacidade em um só momento de contemplar o desenvolvimento de aspectos técnicos, motores, estéticos e culturais em concordância com a literatura consultada (REIS, 2002; SWANWICK, 20037 ______. (2003). "Ensinando música musicalmente". Trad.: Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna.; SLOBODA, 20008 SLOBODA, J. A. (2000). "Individual differences in music performance". Trends in Cognitive Sciences. vol. 4, n. 10, Oct., p.397-403.). Por serem concebidos especificamente para a utilização em aulas de instrumentos, há todo um cuidado na seleção e progressão dos elementos musicais abordados, assim como no estabelecimento de um diálogo com tradições musicais brasileiras, que refletem em uma execução musical mais fluente em função a aproximidade discente como os gêneros brasileiros contemplados.

O fato de explorar elementos pertencentes à cultura brasileira e a música contemporânea, já contribuem para a formação inicial de professores de música, visto que possibilita o acesso discente a um repertório variado e, consequentemente, a práticas musicais diferenciadas. Ao vivenciar e ter como referência em sua formação um repertório variado cria-se condições para uma abertura futura, enquanto docentes, para contemplação da diversidade no ensino de música. No entanto, paralelo a estas influências, é necessário que componentes do eixo prático musical, pertencentes a matriz curricular de cursos de licenciatura, promovam ações com a intencionalidade de contribuir com a formação pedagógica musical. Neste sentido, no relato da experiência vivenciada na UEFS, destacam-se as atividades desenvolvidas a partir do repertório selecionado.

Inicialmente, o planejamento das atividades voltadas para o ensino coletivo favoreceu a formação pedagógica musical a partir do desenvolvimento de competências para o trabalho em equipe, como o respeito ao outro e o convívio com divergências de opiniões, pontos de vistas e nível técnico musical. Este desenvolvimento criou condições didáticas para lidar com grupos, visto que nem todos os licenciandos possuíam a experiência prévia na execução instrumental coletiva.

Outras contribuições para a formação pedagógica foram ações voltadas para o desenvolvimento de habilidades necessárias para a atuação docente a exemplo da capacidade de refletir sobre o ensino de música na escola e as possibilidades de utilização dos conhecimentos aprendidos e apreendidos no componente curricular Teclado neste contexto, além de desenvolver a habilidade de planejar aulas de música, ao identificar conteúdos musicais a serem explorados nas peças estudadas e aplicados em aulas de música por meio da elaboração de planos de aula.

Com relação a aspectos musicais, as atividades contemplaram fatores significativos para o desenvolvimento da formação instrumental, ao abranger desde elementos técnicos a elementos estéticos/expressivos. O domínio de conhecimentos e práticas musicais é fundamental para o exercício docente na área, visto que o fazer musical é uma ferramenta essencial para o ensino de música. Todavia, é importante que o fazer musical seja ampliado a partir da articulação com saberes teóricos por meio de atividade de discussão, leitura de textos, apresentação de seminários, entre outros.

Sobre esta articulação, nota-se ser uma estratégia possível de ser adotada em componentes curriculares de caráter prático inseridos em cursos de licenciatura em música. A estratégia, que reside na seleção do repertório e nas atividades aplicadas a partir do mesmo, aponta para ações a serem desenvolvidas em consonância com os paradigmas sociais da pós-modernidade e suas influências na formação e atuação de profissionais da área de Educação Musical.

Referências

  • 1
    BARANCOSKI, I. A Literatura pianística do século XX para o ensino do piano. Per Musi, v.9, 2004, p.89-113.
  • 2
    BARROS, L. B. (2008). "O potencial pedagógico do volume preparatório da obra Diorama para piano de Cacilda Borges Barbosa". Monografia (Graduação). Curso de Licenciatura do Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro.
  • 3
    CRUVINEL, F. M. (2005). Educação musical e transformação social - uma experiência com ensino coletivo de cordas Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura.
  • 4
    FIREMAN, M. C. (2006). "O repertório na aula de violão: um estudo de caso". 2006. 150 f. Dissertação (Mestrado em Música). Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia.
  • 5
    REIS, C. S. (2000). "A obra de Lorenzo Fernandes e a aprendizagem pianística na infância". Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • 6
    SWANWICK, Keith. "Ensino instrumental enquanto ensino de música". Cadernos de Estudo: Educação Musical São Paulo: Atravez, n. 4/5, p.7-14, 1994.
  • 7
    ______. (2003). "Ensinando música musicalmente". Trad.: Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna.
  • 8
    SLOBODA, J. A. (2000). "Individual differences in music performance". Trends in Cognitive Sciences vol. 4, n. 10, Oct., p.397-403.
  • 9
    TOURINHO, A. C. G. S. (1995). "A motivação escolar na aula de violão em grupo: influência do repertório de interesse do aluno". Salvador: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia.
  • 10
    USZLER, M.; GORDON, S.; MACH, E. (1995). The well-tempered keyboard teacher New York: Schirmer Books.
  • 11
    ZORZETTI, D. (2010). "Música brasileira para o ensino do piano no nível elementar". I Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música e XV Colóquio do Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO. Anais.. Rio de Janeiro, 8 a 10 de novembro.

Referências de partituras

  • 1
    BARBOSA, C.B. (1988). In: Diorama - caderno preparatório, Rio de Janeiro. p.39.
  • 2
    CAMPOS, M. C. (2002). In: 13 pequenas peças brasileiras São Paulo: Irmãos Vitale. p.12.
  • 3
    SANTOS, M. G. (2004). In: Miniaturas: peças para piano Salvador: Edufba. p.9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2016
  • Aceito
    04 Abr 2016
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