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Análise da integração da gestão de risco de desastres à política de desenvolvimento territorial local

Analysis of the integration of disaster risk management into local territorial development policy

Análisis de la integración de la gestión del riesgo de desastres con la política local de desarrollo territorial

Resumo

A emergência mundial do número de registros de ocorrências de desastres e as perdas e os danos gerados despontam a necessidade de integração da gestão de riscos de desastres às demais políticas públicas, para a construção de territórios resilientes. O Marco de Sendai e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil preveem a integração da gestão de riscos de desastres na formulação e implementação das políticas públicas de desenvolvimento, recebendo ênfase as políticas de uso da terra e o nível territorial local – estratégico por ser onde o risco se materializa e onde as políticas públicas tornam-se ações, além de concentrar atribuição de competências enquanto ente federativo. O estudo objetiva analisar a integração da gestão de riscos de desastres às políticas públicas de desenvolvimento territorial dos municípios, partindo dos Planos Diretores Físico-Territoriais para verificar o quanto a temática gestão de risco de desastres é incorporada a seu corpo textual. A pesquisa tem abordagem sistêmica; é estruturada nas etapas de levantamento, sistematização, análise e síntese. A pesquisa é básica; qualiquantitativa; explicativa; utiliza técnicas de pesquisa bibliográfica, documental; de natureza descritiva, estatística descritiva univariada e multivariada. O estudo de caso da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí mostra que os corpos de texto dos Planos Diretores Físico-Territoriais podem ser agrupados em três grandes classes: 1) infraestrutura, associada às dinâmicas durante e pós-desastre; 2) estruturação política, estratégica e organizacional, com abordagem mais sistêmica; e 3) visão prática/aplicada. Há maior concentração de planos na Classe 2 e há maior frequência de termos específicos na Classe 1. A análise de formas associadas à gestão de risco de desastres no corpo textual dos Planos Diretores Físico-Territoriais dos municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí verifica a baixa integração da gestão de risco de desastres às políticas públicas territoriais municipais.

Palavras-chave
políticas públicas; desenvolvimento territorial local; gestão de risco de desastres

Abstract

The worldwide emergence of the number of records of occurrences of disasters and the losses and damages generated highlight the need to integrate disaster risk management with other public policies, for the construction of resilient territories. The Sendai Framework and the National Civil Defense and Protection Policy provide for the integration of disaster risk management in the formulation and implementation of public development policies, with emphasis on land use policies and the local territorial level – strategic for being where the risk materializes and where public policies become actions, in addition to concentrating the attribution of competences as a federative entity. The study aims to analyze the integration of disaster risk management with public policies for territorial development of municipalities, starting from the Physical-Territorial Master Plans to verify how much the theme of disaster risk management is incorporated into its textual body. The research has a systemic approach; it is structured in the stages of survey, systematization, analysis, and synthesis. Research is basic; quali-quantitative; explanatory; uses bibliographic and documentary research techniques; descriptive in nature, univariate and multivariate descriptive statistics. The case study of the Itajaí River Basin shows that the body text of the Physical-Territorial Master Plans can be grouped into three major classes: 1) infrastructure, associated with the dynamics during and after the disaster; 2) political, strategic, and organizational structuring, with a more systemic approach; and 3) practical/applied vision. There is a greater concentration of plans in Class 2, and there is a greater frequency of specific terms in Class 1. The analysis of forms associated with disaster risk management in the textual body of the Physical-Territorial Master Plans of the municipalities in the Itajaí River Basin verifies the low integration of disaster risk management with municipal territorial public policies.

Keywords
public policies; local territorial development; disaster risk management

Resumen

El surgimiento mundial del número de registros de ocurrencia de desastres y las pérdidas y daños generados resaltan la necesidad de integrar la gestión del riesgo de desastres con otras políticas públicas, para la construcción de territorios resilientes. El Marco de Sendai y la Política Nacional de Defensa y Protección Civil contemplan la integración de la gestión del riesgo de desastres en la formulación e implementación de políticas públicas de desarrollo, con énfasis en las políticas de uso del suelo y el nivel territorial local, estratégico por estar donde el riesgo se materializa y donde las políticas públicas se convierten en acciones, además de concentrar la atribución de competencias como entidad federativa. El estudio tiene como objetivo analizar la integración de la gestión del riesgo de desastres con las políticas públicas para el desarrollo territorial de los municipios, a partir de los Planes Directores Físico-Territoriales para verificar cuánto se incorpora el tema de la gestión del riesgo de desastres en su cuerpo textual. La investigación tiene un enfoque sistémico; se estructura en las etapas de relevamiento, sistematización, análisis y síntesis. La investigación es básica; cuali-cuantitativa; explicativa; utiliza técnicas de investigación bibliográfica y documental; descriptiva en su naturaleza, estadística descriptiva univariada y multivariante. El estudio de caso de la Cuenca del río Itajaí muestra que el cuerpo del texto de los Planes Directores Físico-Territoriales puede agruparse en tres grandes clases: 1) infraestructura, asociada a la dinámica durante y después del desastre; 2) estructuración política, estratégica y organizacional, con un enfoque más sistémico; y 3) visión práctica/aplicada. Existe una mayor concentración de planes en la Clase 2 y hay una mayor frecuencia de términos específicos en la Clase 1. El análisis de las formas asociadas a la gestión del riesgo de desastres en el cuerpo textual de los Planes Directores Físico-Territoriales de los municipios de la Cuenca del Río Itajaí verifica la baja integración de la gestión del riesgo de desastres con las políticas públicas territoriales municipales.

Palabras clave
políticas públicas; desarrollo territorial local; gestión del riesgo de desastres

1 INTRODUÇÃO

Em 2015, o grande alinhamento em Acordos, Marcos e Agendas internacionais evidenciou questões subjacentes ao risco, convergindo para a necessidade de o desenvolvimento ser mais sustentável, reduzindo a vulnerabilidade e aprimorando a resiliência, numa Agenda Política Global (NAÇÕES UNIDAS, 2019NAÇÕES UNIDAS. Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. Global assessment report on disaster risk reduction – GAR19. UNDRR, Geneva, 2019. Disponível em: https://gar.unisdr.org/report-2019. Acesso em: 10 ago. 2019.
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). Neste mesmo ano, o Marco de Sendai (2015) avançou com a instituição de metas, princípios e prioridades de ação, trazendo novas abordagens conceituais e analíticas de governança da gestão de risco de desastres (GRD) para o desenvolvimento sustentável.

Sendo a governança da GRD um processo interdependente e colaborativo (INTERNATIONAL RISK GOVERNANCE COUNCIL [IRGC], 2018INTERNATIONAL RISK GOVERNANCE COUNCIL. Guidelines for the governance of systemic risks. IRGC, Lausanne, 2018. Disponível em: https://irgc.org/risk-governance/systemic-risks/guidelines-governance-systemic-risks-context-transitions/. Acesso em: 3 mar. 2019.
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), no que diz respeito às políticas públicas, as prioridades do Marco de Sendai (NAÇÕES UNIDAS, 2015, p. 17NAÇÕES UNIDAS. Estratégia Internacional para a Redução de Desastres. Marco de Sendai para la Reducción del Riesgo de Desastres – 2015-2030. UNISDR, Genebra, 2015. Disponível em: https://www.unisdr.org/files/43291_spanishsendaiframeworkfordisasterri.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
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) abordam a temática nas suas quatro prioridades:

Prioridade 1 – Compreensão do risco de desastres: “[...] (n) Aplicar informações sobre riscos em todas as suas dimensões [...] para desenvolver e implementar políticas de redução do risco de desastres”. (p. 11).

Prioridade 2 – Fortalecimento da governança do risco de desastres para gerenciar o risco de desastres: O fortalecimento da governança do risco de desastre requer: “[...] 27 (a) Integrar a redução do risco de desastres de modo intra e intersetorial. Avaliar e promover a coerência e o desenvolvimento, conforme apropriado, de marcos nacionais e locais de leis, regulamentos e políticas públicas [...]”. (p. 13).

Prioridade 3 – Investir na redução do risco de desastres para a resiliência: “[...] 30 (f) Promover a integração das avaliações de risco de desastres no desenvolvimento e na implementação de políticas de uso da terra, incluindo o planejamento urbano, avaliações de degradação do solo e habitações informais e não permanentes, bem como o uso de diretrizes e ferramentas de acompanhamento informadas por previsões de alterações demográficas e ambientais”. (p. 15).

Prioridade 4 – Aumentar a preparação para desastres com uma resposta eficaz e para “Reconstruir Melhor” em recuperação, reabilitação e reconstrução: 33. “[...] (a) Preparar ou revisar e atualizar periodicamente políticas, planos e programas de prevenção de desastres e de contingência, com a participação das instituições pertinentes e considerando cenários de mudanças climáticas e seu impacto sobre o risco de desastres, e facilitar, conforme adequado, a participação de todos os setores e partes interessadas”.

Os estudos do International Risk Governance Council (2018) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2013)PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Atlas Brasil, Cidade, 2013. Disponível em: http://atlasbrasil.org.br/2013/. Acesso em: 18 fev. 2017.
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acerca dos desafios para governança da GRD apontam a necessidade de as políticas públicas: a) integrarem a GRD, examinando as mais diversas políticas setoriais; b) conectarem-se com a realidade local; c) destinarem recursos para sua implementação; d) possuírem estrutura organizacional-institucional para a sua implementação; e) compreenderem e considerarem o risco, suas consequências e causas de fundo; f) possuírem mecanismos de responsabilização para garantir sua implementação; g) passarem por avaliação (coerente, de visão sistêmica); e h) envolverem a população no processo de criação e manutenção, gerando confiança.

As políticas públicas de GRD necessitam integrar-se às demais políticas públicas setoriais para tornarem-se intrínsecas ao processo de desenvolvimento, na busca de um desenvolvimento territorial mais sustentável, resiliente. No Brasil, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (BRASIL, 2012BRASIL Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Brasília, DF, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm. Acesso em: 3 jan. 2013.
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) prevê sua integração às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável.

Segundo o Guia para Desenvolvimento de Políticas para Integrar a Adaptação às Alterações Climáticas na Cooperação para o Desenvolvimento (ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO [OCDE], 2014ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Guidelines for resilience systems analysis. OECD Publishing, Paris, 2014. Disponível em: https://www.oecd.org/dac/Resilience%20Systems%20Analysis%20FINAL.pdf Acesso em: 14 jan. 2018.
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), a implementação de uma abordagem integrada de políticas públicas demanda uma estreita coordenação entre: a) as agências governamentais; b) os vários níveis do governo; c) os governos e doadores; e d) a sociedade civil e o setor privado.

A sistemicidade dos riscos de desastres requer a integração de políticas públicas para um desenvolvimento mais sustentável, a fim de tornar a população cada vez mais resiliente. Sabendo-se que as políticas públicas buscam o sucesso na resolução de problemas coletivos para o bem-estar social, devem considerar minimamente a prosperidade econômica, a equidade social, a justiça e a sustentabilidade ambiental, então estas deverão ser as preocupações das políticas públicas (WU; RAMESH; SCOTT, 2014WU, Xu; RAMESH, Michael Howlett; SCOTT, Fritzen. Guia de políticas públicas: gerenciando processos. Tradução de Ricardo Avelar de Souza. Brasília: Enap, 2014. 160 p.).

Neste processo integrado e multinível entre as várias políticas públicas urbanas, é no nível territorial local que a) as políticas públicas se tornam ações – e em que efetivamente pode ocorrer sua integração; b) os riscos se materializam (OCDE, 2011); e c) há substancial atribuição de competências pelas políticas públicas nacionais (BRASIL, 2012BRASIL Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Brasília, DF, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm. Acesso em: 3 jan. 2013.
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, BRASIL, 2001BRASIL Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Institui o Estatuto da Cidade. Brasília, DF, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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).

A necessidade de integração da GRD se choca com a escassez de literaturas que busquem analisar esta condição de integração com as políticas setoriais. Também o aumento da dinamicidade e da complexidade associadas ao risco de desastres modifica e requer novas abordagens para a sua gestão. Considerando esta lacuna, a pesquisa opta por uma das políticas setoriais locais e desenvolve metodologia para analisar a integração da GRD. O estudo objetiva compreender a integração da GRD às políticas públicas de planejamento urbano em nível territorial local.

Para tanto, o estudo parte da análise dos corpos de texto dos Planos Diretores Físico-Territoriais (PDFTs) – instrumento de planejamento territorial em nível territorial local, previsto no Estatuto da Cidade, na busca de formas (palavras) específicas que possam representar relação com a GRD. A Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí, SC, com registros históricos de inundações e deslizamentos, é definida como área de estudo, e os Planos Diretores Físico-Territoriais dos 50 municípios do Comitê do Itajaí têm seu corpo de texto analisados com o software IRaMuTeQ.

O estudo pretende se apresentar como base de dados para a tomada de decisões e aperfeiçoamento da governança de GRD nos níveis local (municípios) e regional (Associações de Municípios e Comitê de Bacia Hidrográfica) – que podem implementar ações sinérgicas abrangendo demandas de vários municípios. Considerando os pressupostos apresentados, o estudo se apresenta em estado da arte; recorte espacial do estudo; percurso metodológico; análise e resultados; e considerações finais.

1 POLÍTICAS PÚBLICAS, RISCOS DE DESASTRES E USO DA TERRA

Para transformar, a governança de riscos de desastres precisa estar alinhada e influenciada por uma governança mais ampla da transformação social, ambiental e tecnológica (DJALANTE; LASSA, 2019DJALANTE, Riyanti; LASSA, Shuaib. Governing complexities and its implication on the Sendai Framework for Disaster Risk Reduction priority 2 on governance. Progress in Disaster Science, v. 2, [on line], 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2590061719300109. Acesso em: 3 set. 2019.
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). Trata-se da integralidade com as demais políticas públicas de desenvolvimento, apresentada por Narváez, Lavell e Ortega (2009)NARVÁEZ, Lizardo; LAVELL, Allan; ORTEGA, Gustavo Pérez. La gestión del riesgo de desastres: un enfoque basado en procesos. Lima: Secretaría General de la Comunidad Andina, 2009. Disponível em: http://www.comunidadandina.org/predecan/doc/libros/PROCESOS_ok.pdf. Acesso em: 1º jul. 2015.
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, em que GRD deve ser entendida como um processo (e não um produto) de relação direta com o modelo de desenvolvimento, devendo estar explícita e presente no desenho de políticas, estratégias e instrumentos de desenvolvimento, em diferentes escalas territoriais.

De enfoque multidisciplinar e sustentando as diferentes visões teóricas, a compreensão de políticas públicas perpassa pelos termos: polity (instituições políticas), politics (processos políticos); policy (conteúdos da política); e policy arena (processos de conflito e consenso na área da política). A policy arena pode ter caráter de: a) políticas distributivas – caracterizadas por um baixo grau de conflito dos processos políticos; b) políticas redistributivas – orientadas para o conflito; c) políticas regulatórias – trabalham com ordens e proibições, decretos e portarias; e d) políticas constitutivas ou estruturadoras – determinam as regras do jogo e, com isso, a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias (FREY, 2000FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 21, jun. 2000. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/89. Acesso em: 2 maio 2017.
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).

As políticas públicas têm diferentes definições, mas acabam por assumir uma abordagem sistêmica – em que o todo é mais que a soma das partes – e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses devem ser considerados (SOUZA, 2003SOUZA, Celina. Políticas públicas: questões temáticas e de pesquisa. Caderno CRH, Salvador, v. 16, n. 39, p. 11-24, 2003. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18743. Acesso em: 2 maio 2017.
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). Para Souza (2003)SOUZA, Celina. Políticas públicas: questões temáticas e de pesquisa. Caderno CRH, Salvador, v. 16, n. 39, p. 11-24, 2003. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18743. Acesso em: 2 maio 2017.
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, política pública é

[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações e/ou entender por que e como as ações tomaram certo rumo em lugar de outro (variável dependente). Em outras palavras, o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real. (SOUZA, 2003, p. 13SOUZA, Celina. Políticas públicas: questões temáticas e de pesquisa. Caderno CRH, Salvador, v. 16, n. 39, p. 11-24, 2003. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/18743. Acesso em: 2 maio 2017.
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).

Em sua etimologia, política ou politikos, do grego, significa “de, para, ou relacionado a grupos que integram a polis” (MAAR, 2017MAAR, Wolfgang Leo. O que é política? São Paulo: Brasiliense, 2017. (Coleção Primeiros Passos, 54).), uma concepção participativa de democracia, marcada pela representatividade, pela busca do equilíbrio entre interesses divergentes e não predeterminados, que valorizam o cidadão como agente principal (HABERMAS, 2002HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.).

Secchi, Coelho e Pires (2019)SECCHI, Leonardo; COELHO, Fernando de Souza; PIRES, Valdemir. Políticas públicas: conceitos, casos práticos, questões de concursos. 3. ed. São Paulo: Cengage, 2019. consideram que uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema entendido como coletivamente relevante; e estas políticas públicas podem fazer uso de diversos instrumentos para que as orientações e diretrizes sejam transformadas em ação (planos, projetos, programas etc.). Os riscos de desastres se organizam como sistemas complexos, cuja complexidade requer a integração de políticas públicas para um desenvolvimento territorial mais sustentável (IRGC, 2018INTERNATIONAL RISK GOVERNANCE COUNCIL. Guidelines for the governance of systemic risks. IRGC, Lausanne, 2018. Disponível em: https://irgc.org/risk-governance/systemic-risks/guidelines-governance-systemic-risks-context-transitions/. Acesso em: 3 mar. 2019.
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).

A integração de políticas públicas serve a inúmeros propósitos desejáveis. Primeiro, ela garante que as políticas sejam pelo menos minimamente consistentes – e idealmente sinérgicas – com cada um dos principais objetivos de políticas da sociedade. Segundo, ela leva em conta oportunidades de identificação de políticas inovadoras que se valem de possíveis sinergias entre as principais metas. Terceiro, ela oferece oportunidades de identificar quaisquer permutas necessárias entre os objetivos e de propor medidas corretivas. E, finalmente, os esforços voltados para políticas de integração aumentam a transparência e responsabilidade nas atitudes de diferentes stakeholders em relação a objetivos diferentes. (WU; RAMESH; SCOTT, 2014, p. 141-42WU, Xu; RAMESH, Michael Howlett; SCOTT, Fritzen. Guia de políticas públicas: gerenciando processos. Tradução de Ricardo Avelar de Souza. Brasília: Enap, 2014. 160 p.).

Entre os diferentes níveis de implementação de políticas públicas, o local recebe grande ênfase, pois a) os impactos das alterações climáticas manifestam-se localmente e afetam as atividades de subsistência locais; b) a vulnerabilidade e a capacidade adaptativa são determinadas pelas condições locais; e c) as atividades de adaptação são frequentemente mais bem observadas em nível local (OCDE, 2011). Alvim e Castro (2010)ALVIM, Angélica Tanus Benatti; CASTRO, Luiz Guilherme Rivera (Ed.). Avaliação de políticas urbanas: contexto e perspectivas. São Paulo: SciELO; Editora Mackenzie, 2010. sintetizam que a escala local é a escala de ação.

Os governos locais são o nível de governança formal do Estado, mais próximo da população, e podem criar um ambiente favorável para as ações de adaptação local (resiliência) quando fornecem um quadro de apoio para as normas, regras, incentivos financeiros e outros tipos de conhecimento, serviços e capacidades para ajudar os indivíduos, famílias e organizações comunitárias a tomar decisões que reduzam a sua exposição aos riscos climáticos (OCDE, 2011).

A integração das políticas públicas tem maior ênfase nas Prioridades 2 e 3 do Marco de Sendai, com destaque às políticas de uso da terra na Prioridade 3, como: a) o planejamento urbano; b) as avaliações de degradação do solo e habitações informais e não permanentes; e c) as diretrizes e ferramentas de acompanhamento informadas por previsões de alterações demográficas e ambientais (NAÇÕES UNIDAS, 2015NAÇÕES UNIDAS. Estratégia Internacional para a Redução de Desastres. Marco de Sendai para la Reducción del Riesgo de Desastres – 2015-2030. UNISDR, Genebra, 2015. Disponível em: https://www.unisdr.org/files/43291_spanishsendaiframeworkfordisasterri.pdf. Acesso em: 25 jan. 2017.
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). Os planejadores do uso da terra têm um papel crítico a desempenhar na construção de comunidades resilientes, sendo a política e o cenário legal uma base sólida para as boas práticas (GLAVOVIC; SAUNDERS; BECKER, 2010GLAVOVIC, B. C; SAUNDERS, W. S. A.; BECKER, J. S. Land-use planning for natural hazards in New Zealand: the setting, barriers, ‘burning issues’ and priority actions. Natural hazards, [s.l.], v. 54, n. 3, p. 679-706, 2010. Disponível em: https://agris.fao.org/agris-search/search.do?recordID=US201301883411. Acesso em: 20 mar. 2018
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):

As políticas públicas urbanas são o conjunto das práticas efetivas de ação governamentalestatal voltado para as estruturas e processos urbanos. Políticas públicas urbanas são voltadas para os processos de produção, transformação e apropriação do ambiente construído, incluindo infraestruturas e estruturas físicas, os serviços e equipamentos urbanos, sua localização relativa no território e as práticas sociais aos quais se articulam e dos quais não podem ser separadas. (ALVIM; CASTRO, 2010, p. 36ALVIM, Angélica Tanus Benatti; CASTRO, Luiz Guilherme Rivera (Ed.). Avaliação de políticas urbanas: contexto e perspectivas. São Paulo: SciELO; Editora Mackenzie, 2010.).

Os planos de desenvolvimento urbano bem elaborados dizem respeito à construção de resiliência a um leque de perigos, e aos riscos que eles produzem individualmente ou combinados, pois atuam nas causas de base do risco (a pobreza como a vulnerabilidade aos riscos climáticos) nos diferentes elementos de uma estratégia de desenvolvimento urbano (OCDE, 2011). A política urbana no Brasil teve princípios, diretrizes e instrumentos fundamentados nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, apenas regulamentados pelo Estatuto da Cidade, na Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2001BRASIL Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Institui o Estatuto da Cidade. Brasília, DF, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. Acesso em: 20 set. 2018.
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). No Estatuto da Cidade, o Plano Diretor (Físico-Territorial) é instituído como instrumento de política urbana municipal, o qual pode contemplar outros instrumentos (institutos tributários e financeiros, jurídicos e políticos).

Os Planos Diretores Físico-Territoriais dos municípios, estabelecidos por lei complementar específica, são o principal instrumento das políticas de planejamento urbano territorial local e determinam o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, fixando condições e os prazos de implementação.

A integração da gestão de risco de desastres aos Planos Diretores Físicos-Territoriais é um processo de inter-relação e assertividade entre os atores envolvidos, necessário para alcançar cidades mais resilientes: “O Estado pode e deve usar a governança pública e a ativação social como instrumentos de integração de seus stakeholders locais e contribuir para que todos se reconheçam e tenham lugar na vida pública” (DE SANT’ANNA; QUEIROZ NETO; MARCHI, 2020).

Considerando o potencial estratégico deste plano e a integração almejada entre a GRD e as políticas públicas territoriais, o estudo analisa esta integração com base na ocorrência de formas (palavras) específicas de GRD no corpo de texto dos Planos Diretores Físicos-Territoriais dos municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí (BHRI).

2 RECORTE ESPACIAL DO ESTUDO

Localizada em Santa Catarina e com cerca de 15.000 km2, a BHRI tem 1.531.575 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas de população 2020. Portal do IBGE, Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?edicao=28674&t=resultados. Acesso em: 2 maio 2020.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
), com taxa de crescimento de 1,64% no período de 2000 a 2010 (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Taxa de crescimento populacional (2000-2010). Portal do IBGE, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatJstJcas.html. Acesso em: 20 ago. 2019.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/dow...
). Convergindo para o Oceano Atlântico, a BHRI é representada por 50 municípios que ocupam cerca de 15% do território estadual (95.730 km2), tendo todo seu território no Estado de Santa Catarina (COMITÊ DO ITAJAÍ, 2010COMITÊ DO ITAJAÍ. Sistema de Informações de Recursos Hídricos do Estado de Santa Catarina. Plano de recursos hídricos da bacia do Rio Itajaí. Florianópolis: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, 2010. Disponível em: http://www.aguas.sc.gov.br/basedocumental-rio-itajai/noticias-rio-itajai/item/download/173_162158b668453a53c5b010ac0aa1f41https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwieiKn8653pAhUPGLkGHQdSDj0QFjABegQIAxAB&url=http%3A%2F%2Fwww.sirhesc.sds.sc.gov.br%2Fsirhsc%2Fbaixararquivo.jsp%3Fid%3D527%26NomeArquivo%3DPlano%2520de%2520Bacia%2520do%2520Itaja%25ED%2520-%2520Documento%2520S%25EDntese.pdf&usg=AOvVaw3AmDfl KSPwqWlnuPbSzIxI. Acesso em: 20 nov. 2018.
http://www.aguas.sc.gov.br/basedocumenta...
). O relevo acentuado com vales em “v”, somado à ocupação urbana próxima ao rio e em direção aos morros, contribuiu para a recorrência histórica de desastres naturais (Figura 1).

Figura 1
Localização, associações de municípios e relevo da BHRI

Regionalmente, a BHRI se estrutura com o comitê de bacia hidrográfica e as associações de municípios. O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí – o Comitê do Itajaí –, composto por 50 municípios, e as três associações de municípios de maior representação na BHRI (99,13% da população do Comitê do Itajaí [IBGE, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas de população 2020. Portal do IBGE, Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?edicao=28674&t=resultados. Acesso em: 2 maio 2020.
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]): do Alto Vale (AMAVI), com sede em Rio do Sul; da Foz do Itajaí (AMFRI), com sede em Itajaí; e do médio Vale (AMMVI), com sede em Blumenau.

Santa Catarina é o terceiro estado brasileiro em perdas (danos e prejuízos) causadas por desastres no período de 1995 a 2014 (UFSC; BANCO MUNDIAL, 2016), contabilizando 17,6 bilhões de reais, representando 9,62% dos 182,8 bilhões de perdas do país. Na BHRI, as perdas e os danos alcançaram repercussão nacional nas enchentes de 1983 e 1984, e nos deslizamentos de 2008. O estudo de Jansen e Vieira (2016)JANSEN, Giane Roberta; VIEIRA, Rafaela. Desastres naturais: o Brasil e a bacia hidrográfica do rio Itajaí/SC. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON URBAN RISKS, 2016. Atas [...]. Lisboa, Portugal: Centro Europeu de Riscos Urbanos [CERU], 2016. p. 251-8. Disponível em: http://www.ceru-europa.pt/icur2016/ICUR2016_Proceedings.pdf Acesso em: 3 mar. 2019.
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apontam que todos os 50 municípios do Comitê do Itajaí declararam, em 2013, a incidência de algum tipo de desastre natural (inundações graduais, inundações bruscas e/ou deslizamentos) em seus territórios no período dos cinco anos analisados, segundo dados do Censo Munic 2013 (IBGE, 2014INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos municípios brasileiros 2013. Portal do IBGE, Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://ftp://ftp.ibge.gov.br/Perfil_Municipios/2013/munic2013.pdf. Acesso em: 10 out. 2014.
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).

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa tem abordagem sistêmica, estruturada nas etapas de levantamento, sistematização, análise dos resultados e síntese. Trata-se de uma pesquisa básica; qualiquantitativa; explicativa; técnicas de pesquisa bibliográfica, documental, de natureza descritiva, utiliza estatística descritiva univariada (dados gerais) e multivariada (software).

O levantamento dos Planos Diretores Físico-Territoriais dos municípios da BHRI ocorreu com o Levantamento de Dados GRD na BHRI, realizado de março a outubro de 2018, por meio de Termo de Cooperação entre a Universidade Regional de Blumenau (FURB), a Associação do Municípios do Alto Vale do Itajaí (AMAVI), a Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), a Associação dos Municípios da Foz do Itajaí (AMFRI), o Comitê do Itajaí e a Secretaria de Estado da Defesa Civil. Dos 50 municípios do universo de pesquisa, apenas 27 retornaram o levantamento. Os demais PDFT foram obtidos em busca nas páginas das municipalidades e nas páginas eletrônicas de Leis Municipais (DIÁRIO OFICIAL DOS MUNICÍPIOS DE SANTA CATARINA, 2019DIÁRIO OFICIAL DOS MUNICÍPIOS DE SANTA CATARINA. Consulta eletrônica. Florianópolis, 2019. Disponível em: https://www.diariomunicipal.sc.gov.br/site/. Acesso em: 15 maio 2019.
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; GEDOCNET 2019GEDOCNET Busca de leis municipais. 2019. Disponível em: http://www.legislacaomunicipal.com/?pg=busca_leis. Acesso em: 15 maio 2019.
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), atingindo todo o universo de pesquisa.

A análise do corpo textual dos PDFT dos municípios utilizou o software IRaMuTeQ 0.7 alpha 2, vinculado ao software R, versão 3.1.3, adotando as orientações dos manuais desenvolvidos pelo Laboratório de Políticas Públicas Participativas (L3P), vinculado ao MediaLab da Universidade Federal de Goiás (UFG) (LABORATÓRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARTICIPATIVAS, 2016LABORATÓRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARTICIPATIVAS. Como usar o Iramuteq? – vídeo tutorial Iramuteq. 25 ago. 2016. [Vídeo]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=toTEOutfbu8. Acesso em: 3 mar. 2019.
https://www.youtube.com/watch?v=toTEOutf...
); e dos manuais desenvolvidos pelo Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição (LACCOS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (IRAMUTEQ, 2019IRAMUTEQ. Interface de R pour les analyses multidimensionnelles de textes et de questionnaires: un logiciel libre construit avec des logiciels libres. IraMuTeQ, 2019. Disponível em: http://wwwiramuteq.org/. Acesso em: 3 mar. 2019.
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). O estudo se baseou nas análises de Estatísticas Básicas, Nuvem de Palavras, Similitude, Classificação pelo Método de Reinert e Especificidades e AFC.

4 RESULTADOS

Com a análise lexográfica de Estatística Básica do IRaMuTeQ, foi realizada busca das formas (palavras) específicas de GRD, que pudessem evidenciar sua integração no corpo do texto dos PDFTs dos municípios (Quadro 1).

Quadro 1
Formas específicas que podem evidenciar a previsão da GRD nos corpos de texto dos PDFT dos municípios

A seleção das 18 formas específicas considera o tipo de formas: a) formas “base”; b) formas recorrentes em situações de desastres; e c) formas que explicitam desastres mais recorrentes na região (Quadro 1). As formas associadas aos processos de GRD (geração de conhecimento, prevenção, mitigação, preparação, resposta, reconstrução) e o Órgão de Gestão (Defesa Civil) não foram inseridas por considerar que têm afinidade com outras áreas temáticas além da GRD (como educação, saúde e social).

A forma composta “movimento gravitacional e massa” adotou como termo de origem a forma “gravitacional”, trazendo maior simplificação e especificidade à pesquisa. Também foram considerados os possíveis lexemas (conjunto de palavras de mesma classe morfológica que diferem entre si por sufixos reflexivos), apontados sob forma de verbo nesta pesquisa (inundar e deslizar). Com base na tabela de ocorrência das formas específicas gerada na análise de Especificidades e AFC, também foi realizada uma análise individualizada da integração da GRD com cada um dos PDFTs dos municípios, em software Excel.

Os resultados serão apresentados considerando a análise conjunta de corpos de texto de todos os PDFTs e, por vezes, compreendendo-os de forma individualizada. A análise conjunta de todos os corpos de texto dos 50 PDFTs dos municípios da BHRI verificou a existência de 15.272 formas (palavras), com 1.121.655 ocorrências – o que inclui as formas repetidas no texto – e 4.223 formas que apresentam uma única ocorrência, chamadas hápax (representam 27, 65% das formas e 0,38% das ocorrências).

A análise de Estatísticas Básicas apresenta a contagem individual de formas presentes no corpo textual de todos os PDFTs analisados, podendo-se evidenciar que obtiveram maior ocorrência o verbo “ser”, em primeiro lugar, com 14.600 ocorrências; e o substantivo “área”, em segundo lugar, com 9.915 ocorrências. Analisando-se os dados de frequência de Estatística Básica, foram encontradas 11 das 18 formas específicas selecionadas para a busca. Essas formas e a sua frequência são apresentadas no Quadro 2. As formas específicas que obtiveram maior frequência foram “risco” (524), “encosta” (78), “inundação” (60), “abrigo” (55) e “desastre” (52). Apenas há duas formas do Tipo A – Base (risco e desastre), mas juntas elas têm mais que o dobro de todas as demais formas juntas.

Quadro 2
Formas que podem revelar a integração da GRD aos PDTs dos municípios da BHRI e tiveram ocorrência como Formas Ativas na análise de Estatística Básica

A análise da Nuvem de Palavras com o corpo textual de todos os PDFTs gerou a representação visual da frequência de formas (Figura 2), obtidas anteriormente de forma numérica na análise de Estatística Básica. As formas em maior tamanho apresentam maior ocorrência no conjunto dos corpos de texto dos PDFTs. Têm destaque na nuvem de palavras as formas “ser” e “área”, seguidas por “município”, “dever”, “uso”, “poder” e “lei”, com maior número de ocorrências. Para viabilizar a legibilidade da nuvem de palavras, foi estabelecida a frequência mínima de 500 vezes por forma. Essa limitação faz com que apenas a forma específica “risco” apareça na nuvem de palavras (pois é a única forma específica com mais de 500 ocorrências). Comparando o tamanho das palavras na nuvem, a forma específica “risco” tem baixo protagonismo.

Figura 2
Nuvem de palavras do corpo textual dos PDTs dos municípios da BHRI

A Análise de Similitude (Figura 3) permite compreender a estruturação geral dos corpos de texto dos PDFTs dos municípios da BHRI: a) um grande halo central pode ser observado na Figura 3, com destaque para ocorrência da forma “ser”; b) quatro outras ramificações, com halos periféricos e de maior sub-ramificação, representados pelas formas de maior ocorrência “município”, “área”, “lei” e “uso”; c) demais halos mais próximos ao halo central, de menor sub-ramificação. A forma específica “risco” aparece no halo periférico da forma “área”, conforme indicado na imagem.

Figura 3
Análise de similitude do corpo textual dos PDTs dos municípios da BHRI

Também se verificam diferenças na intensidade das conexões entre os diferentes halos, representadas pelas espessuras das ramificações. Destaca-se que, embora periféricos, os quatro halos com maior sub-ramificações apresentam uma conexão caracterizada como intensa. Também se destaca a intensidade da ramificação com o halo da forma “dever”.

Os quatro halos periféricos de maior sub-ramificação podem ser interpretados como grandes áreas temáticas na estruturação do corpo de texto dos PDFTs dos municípios da BHRI, mas não significa que estejam presentes em todos os PDFTs. Na análise de Classificação do Método de Reinert, conforme a análise algorítmica hierárquica e a frequência das formas, o dendograma da Figura 4 revelou três agrupamentos e as formas de maior ocorrência em cada um deles. Para garantir a legibilidade, foi estipulada frequência mínima de 500 vezes por forma.

Figura 4
Dendograma com agrupamentos e frequência das formas dos corpos de texto dos PDFTs dos municípios da BHRI na análise de Classificação do Método de Reinert

Enquanto os agrupamentos Classe 2 (36,7%) e Classe 1 (35,5%) apresentam maior representatividade percentual de ocorrência, a estrutura do dendograma (representação à esquerda na imagem) mostra maior afinidade temática entre as formas dos agrupamentos da Classe 1 e Classe 3 (27,9%). Considerando a análise da nuvem de palavras de cada classe, observa-se que: a) a classe 1 enfatiza as questões associadas à infraestrutura (dimensões, capacidades, usos); b) a classe 2 destaca a estruturação da política (programa, ação, política); questão estratégica e organizacional (multiníveis e população); e c) a classe 3 evidencia em “como acontece”, visão aplicada/prática (instrumentos, prazos, processos) e atores (executivo, prefeitura, poder, conselho, proprietário).

Apenas a Classe 2 apresenta uma forma específica – “risco” (Figura 4) – devido à limitação de 500 ocorrências (conjunto de corpos de texto dos PDFTs) para permitir a legibilidade do dendograma. Com base nas tabelas numéricas geradas na análise, foi possível identificar as formas específicas “inundação” e “desastre” pertencendo à Classe 2 (além da forma “risco”), e “encosta” e “abrigo” à Classe 1. Ainda na Classe 2, observou-se a ocorrência de formas como “proteção”, “proteger”, “defesa” e “prevenção”, que podem conotar inclusive uma visão mais abrangente sobre os processos de GRD. É relevante destacar que a classificação dos PDFTs nas Classes 1, 2 e 3 considera as formas com maior ocorrência em seu corpo de texto, mas isso não impede as formas das demais Classes de estarem presentes em seu corpo textual, em menor frequência.

O Quadro 3 compila a classificação dos PDFTs municípios por classe de formas2 2 Considerando que uma forma pode ser agrupada em classes por sua ocorrência e associação com outras formas em corpos de texto (como na Figura 4), os corpos de texto também podem ser analisados nesse sentido, pois apresentam uma maior vinculação com algum agrupamento/classe de formas. Cabe elucidar que a classificação de um corpo textual em alguma classe não o impede de ter ocorrência de formas que pertençam ao agrupamento de outra classe. – também gerada pela análise de Classificação do Método de Reinert; e a análise de Especificidades e AFC – com a frequência das formas específicas de GRD (Quadro 2) por PDFT de cada município; além da abrangência das Associações de Municípios.

Quadro 3
Análise detalhada da ocorrência das formas específicas de GRD por PDFTs

Verifica-se que dez (10) municípios pertencem à Classe 1 (vermelha), vinte e quatro (24) municípios pertencem à Classe 2 (verde) e dezesseis (16) municípios à Classe 3 (azul). Quantitativamente, a maioria dos PDFTs pertence à Classe 2. É relevante destacar que a classificação dos PDFTs nas Classes 1, 2 e 3 considera as formas com maior ocorrência em seu corpo de texto, mas isso não impede as formas das demais Classes de estarem presentes em seu corpo textual, em menor frequência. Da mesma forma, a presença de determinada forma no corpo textual de um PDFT não determina que ele pertença à Classe em que a forma tem maior ocorrência. Os municípios que apresentam maior ocorrência de formas específicas de GRD por classe são: Rio do Sul – Classe 1, com 75 ocorrências; Blumenau – Classe 2, com 36 ocorrências; e Balneário Piçarras, Navegantes e Penha na Classe 3, com o mesmo número de ocorrências (20).

Estabelecendo relação direta entre o número de ocorrências de formas específicas de GRD nos PDFTs dos municípios e seu grau de integração, esta representação é feita no Quadro 3 em tonalidades de cor laranja, sendo adotada a tonalidade mais intensa para municípios com maior integração. São dezoito (18) os municípios que apresentam maior integração da GRD nos corpos de texto dos PDFTs dos municípios da BHRI (36%) (em ordem decrescente): Rio do Sul, José Boiteux, Presidente Getúlio, Dona Emma, Witmarsum, Vitor Meireles, Ibirama, Blumenau, Alfredo Wagner, Balneário Piçarras, Navegantes, Penha, Brusque, Itajaí, Lontras, Ilhota, Luiz Alves e Pomerode. Os sete (7) municípios que apresentam maior integração da GRD com os PDFTs pertencem à Classe 1.

Dos 32 municípios em que se considera baixa a integração da GRD aos PDFTs dos municípios da BHRI, três pertencem à Classe 1, dez pertencem à Classe 3 e os demais (19) pertencem à Classe 2. Com base em todas as análises parciais produzidas, foi elaborado o Quadro 4 como forma de síntese que indica os agrupamentos das formas, sua caracterização e abrangência por municípios, além da integração da GRD aos PDFTs dos municípios da BHRI e breve análise de relação com o contexto regional em que se inserem.

Quadro 4
Análise geral da integração da GRD aos PDFTs dos municípios da BHRI
  • São três as classificações dos agrupamentos das formas dos PDFTs dos municípios da BHRI: Classe 1, com ênfase em questões de infraestrutura (dimensões, capacidades, usos); b) a Classe 2 tem enfoque na estruturação da política, a questão estratégica e organizacional, e c) a Classe 3 evidencia-se na visão prática/aplicada;

  • Classe 1 registra a maior frequência de formas específicas de GRD nos PDFTs dos municípios da BHRI;

  • Classe 2 apresenta maior variedade de formas, contempla a maior quantidade de municípios, porém apresenta baixa frequência de formas específicas (com exceção de Blumenau);

  • Classe 3 não registra ocorrências de formas específicas (para frequência mínima de 50 vezes).

  • Os 18 dos 50 municípios da BHRI com maior frequência das formas específicas de GRD nos PDFTs representam apenas 36% do universo de pesquisa;

  • Nesses 18 municípios, apresentam maior integração da GRD aos PDFTs municípios da AMAVI (sete primeiros, com destaque para Rio do Sul como 1º colocado), AMFRI (10a, 11a, 12a e 14a colocações) e AMMVI (com a exceção do 8º lugar para Blumenau, os demais estão na 13a, 16a, 17a e 18a posições);

  • As formas específicas somadas a outras formas que apresentam relação com GRD na Classe 2 mostram variedade e direcionamento temático de abordagem mais sistêmica, associada aos processos de GRD.

As formas específicas de GRD que indicam integração às políticas públicas territoriais locais apontam 18 municípios (36% dos 50 municípios da BHRI) com maior integração dessas formas nos corpos de texto dos PDFTs, num perfil em que maioria é pertencente à AMAVI e está vinculada à Classe 1, numa associação a questões de infraestrutura, dimensões, capacidades e usos.

Embora se conheça o protagonismo histórico do município de Blumenau nas questões associadas à GRD (sua estruturação organizacional-institucional, com destaque para levantamentos de risco e perigo, Plano Diretor de Defesa Civil, projetos e programas de educação ambiental), são os municípios do alto vale (pertencentes à AMAVI) que apresentam maior integração da GRD às políticas públicas territoriais locais, quando se analisa a frequência dessas formas. A prevalência da Classe 1 entre esses municípios de maior integração da GRD aos PDFTs revela um perfil de abordagem que não se refere à GRD como um processo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a análise qualiquantitativa de formas associadas à GRD no corpo textual dos PDTs dos municípios da BHRI, verifica-se a baixa representatividade da integração da GRD às políticas públicas territoriais municipais na BHRI. Embora a frequência de formas associadas à temática GRD não determine a qualidade da abordagem da temática, ela retrata, no mínimo, a intenção de integrá-la às políticas públicas territoriais.

A análise qualiquantitativa mostra a organização dos PDFTs em três classes: de enfoque à infraestrutura (Classe 1); estruturação da política, questão estratégica e organizacional (Classe 2); e à visão prática/aplicada (Classe 3). Destacam-se os municípios da AMAVI, tanto na Classe 1, em que lidera a frequência de formas específicas entre os PDFTs dos municípios da BHRI, como na Classe 2, que apresenta um enfoque temático mais sistêmico, com a maioria dos municípios. Considera-se a importância de novos estudos com pesquisa qualitativa, a fim de compreender a abordagem que a temática recebe nos PDFTs dos municípios da BHRI para verificar em que medida as formas específicas se inserem no contexto de GRD.

As frequências de formas específicas sobre GRD encontradas nos PDFTs dos municípios são consideradas muito baixas, uma vez que esses 50 municípios da BHRI declararam ocorrências de desastres naturais em 2013, conforme apontado no item Recorte Espacial do Estudo. Considerando a premissa da integração da GRD às políticas públicas de desenvolvimento territorial nos municípios, as análises permitem concluir que ainda é pouco significativa a integração da GRD às políticas públicas territoriais dos municípios da BHRI, quando analisadas as formas dos corpos textuais dos PDFTs dos municípios.

Considerando o processo de inter-relação e assertividade desejável entre os atores envolvidos na integração da GRD às políticas públicas territoriais locais, recomenda-se, para o aperfeiçoamento dos instrumentos municipais de políticas públicas:

Aos municípios:

  1. a) estimular a integração entre os gestores das políticas públicas analisadas – coordenador(a) municipal de Defesa Civil e secretário(a) municipal de Planejamento Urbano – na discussão de problemáticas do município; na compreensão de demandas comuns; e das consequências da não integração dessas políticas;

  2. b) qualificar os gestores envolvidos em suas temáticas específicas, a fim de que compreendam a importância das políticas públicas setoriais que gerem;

  3. c) investir nas ações regionais, como encontros e capacitações de gestores promovidos por atores como associações de municípios, universidades, estado e sociedade.

Às associações de municípios:

  1. a) investir na capacitação de seus profissionais a fim de compreenderem seu papel colaborativo para a integração das políticas públicas na região;

  2. b) promover momentos de trocas entre os municípios, para compreender suas estratégias de levantamentos e estruturação organizacional-institucional;

  3. c) sensibilizar os municípios, com base nos resultados deste estudo, para a importância e consequências da não integração da GRD às políticas.

Às universidades:

  1. a) qualificar-se, prestar serviços e assessorias e promover capacitações capazes de dar suporte ao desenvolvimento da gestão de riscos de desastres, considerando as demandas regionais.

Ao estado:

  1. a) promover, por meio de suas Coordenadorias Regionais de Defesa Civil e de forma integrada às associações de municípios, as mesmas ações indicadas anteriormente.

O estudo apresenta grande potencial de contribuição à governança da GRD na BHRI, uma vez que os resultados disponibilizados podem ser incorporados pelos gestores na tomada de decisão, para formulação e implementação de políticas públicas que construam territórios mais autônomos e inteligentes.

  • 2
    Considerando que uma forma pode ser agrupada em classes por sua ocorrência e associação com outras formas em corpos de texto (como na Figura 4), os corpos de texto também podem ser analisados nesse sentido, pois apresentam uma maior vinculação com algum agrupamento/classe de formas. Cabe elucidar que a classificação de um corpo textual em alguma classe não o impede de ter ocorrência de formas que pertençam ao agrupamento de outra classe.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2020
  • Revisado
    03 Ago 2021
  • Aceito
    26 Set 2021
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