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#ELESIM, #ELENÃO, #ELASIM, #ELANÃO: O TWITTER E AS HASHTAGS DE AMOR E DE ÓDIO NA CAMPANHA PRESIDENCIAL BRASILEIRA DE 2018

#LOVEHIM, #LOVEHIMNOT, #LOVEHER, #LOVEHERNOT: Twitter and Hashtags of Love and Hate in 2018 Brazilian Presidential Campaign

#ÉLSI, #ÉLNO, #ELLASI, #ELLANO: El Twitter y los Hashtags de Amor y Odio en la Campaña Presidencial Brasileña de 2018

Resumo

Considerando o uso difundido de hashtags no Twitter, o objetivo deste artigo é analisar seu uso para manifestar amor e ódio aos candidatos à presidência da república em 2018. O arcabouço da Teoria da (Im)Polidez constitui a base para análise dos dados, assim como estudos acerca do estilo conversacional digital (SCOTT, 2015). De 6 de setembro a 6 de outubro de 2018, postagens dos candidatos, bem como de seus seguidores, foram coletadas diariamente, totalizando cerca de 3000 tuítes. Em geral, os resultados indicam que as hashtags atuaram como estratégia para intensificar manifestações de apoio a um determinado candidato por meio de postagens feitas no perfil de seu concorrente, sendo também usadas para manifestar ataque explícito e não racionalizado a rivais. Ademais, as hashtags apresentavam conteúdo derrogatório e injustificado, além de pouco elaborado e superficial. Esse uso aponta para um antidebate, marcado, paradoxalmente, por apoio e ataque, e impolidez linguística.

Palavras-chave:
Impolidez; Pragmática; Hashtags; Twitter; Eleições presidenciais 2018

Abstract

Considering the widespread use of hashtags on Twitter, the purpose of this paper is to analyze how hashtags were used to express love and hate for candidates who ran for presidency in Brazil in 2018. The theoretical framework of the (Im)Politeness theory was the foundation for data analysis, together with studies concerning digital conversational style (SCOTT, 2015). From September 6 to October 6, 2018, around 3000 tweets posted by the presidential candidates and their followers were collected daily. Overall, the results indicate that hashtags served as strategies to intensify the manifestation of support for a candidate particularly, in posts on their competitor´s profile or to explicitly attack their rivals. Further, aggressive and unjustified content was manifested, displaying derogatory content, which was superficial and not carefully elaborated and/or rationalized. This usage points to an anti-debate, marked by hashtags paradoxically conveying support and attack, and by linguistic impoliteness.

Keywords:
Impoliteness; Pragmatics; Hashtags; Twitter; 2018 Brazilian presidential elections

Resumen

Considerando el uso difundido de hashtags en Twitter, el objetivo de este artículo es analizar su uso para manifestar amor y odio a los candidatos a la presidencia de la república en 2018. La estructura de la Teoría de la (no) Cortesía constituye la base para análisis de los datos, así como estudios acerca del estilo conversacional digital (SCOTT, 2015). De 6 de septiembre a 6 de octubre de 2018, postajes de los candidatos y de sus seguidores fueron coleccionadas diariamente, totalizando cerca de 3000 tuites. En general, los resultados indican que los hashtags actuaron como estrategia para intensificar manifestaciones de apoyo a un determinado candidato por medio de postajes hechas en el perfil de su concurrente, siendo también usadas para manifestar ataque explícito y no racionalizado a rivales. Además, los hashtags presentaban contenido despectivo e injustificado, allá más de poco elaborado y superficial. Ese uso apunta para un anti debate, paradoxalmente marcado por apoyo y ataque, e no cortesía lingüística.

Palabras clave:
No cortesía; Pragmática; Hashtags; Twitter; Elecciones presidenciales 2018

1 VISÃO PANORÂMICA DO ARTIGO

O Twitter está mudando nossa forma de nos comunicar publicamente. Ott (2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.) postula que a era da tipografia deu lugar à era da televisão, que, por sua vez, está atualmente concedendo espaço à era do Twitter. No entanto, assim como em toda revolução comunicativa, o surgimento de uma nova mídia não representa o fim de uma mídia anterior, mas, sim, transformação. De fato, o autor argumenta que, inicialmente, o Twitter apresentava uma relação simbiótica com a televisão, de natureza ligada à autopromoção, que transformou o nosso panorama televisual e, por conseguinte, o próprio discurso público. Nessa direção, Ott (2017, p. 274) afirma que o discurso encontrado no Twitter, se comparado com o discurso da TV, por exemplo, tende a ser “mais impolido, impetuoso e também frequentemente difamador e desumanizador”.

Nessa perspectiva, Ott (2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.) aponta também que cerca de 80% do discurso produzido no Twitter é inócuo, configurando-se em postagens banais, com consequências insignificantes para os usuários em geral. A questão que move este estudo está justamente nos 20% restantes dos posts, em que debates sociais, culturais e políticos são filtrados e forjados pela lente dessa mídia social. Esse emprego do texto digital, bem como sua ampla divulgação, pode promover a farsa e o fanatismo, destruindo o diálogo e contribuindo para a insensibilidade humana e para o desprezo, tanto de figuras públicas, como de grupos sociais específicos (OTT, 2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.).

Em face do panorama geral até aqui descrito, o objetivo deste artigo é analisar as hashtags produzidas no Twitter durante a campanha eleitoral brasileira para presidente, no ano de 2018, à luz da noção de Face e da Teoria da (Im)polidez linguística.

A seguir, passamos ao quadro teórico que sustenta este estudo, ligado à descrição do Twitter como mídia social, bem como aos conceitos de Face e à Teoria da (Im)polidez Linguística.

2 O TWITTER COMO MÍDIA SOCIAL: A COMUNICAÇÃO DIGITAL E O CAMPO POLÍTICO

Gill (2017GILL, M. Adaptability and affordances in new media: Literate technologies, communicative techniques. Journal of Pragmatics, v. 116, p. 104-108, July 2017.) discute a questão da adaptabilidade e dos propiciamentos (do inglês affordances) na comunicação digital. Na verdade, do ponto de vista linguístico, ainda há muito que ser pesquisado e descrito, já que estamos ainda vivenciando as mudanças que a rápida difusão das mídias sociais, em especial as que permitem interatividade, tem promovido em nossa forma de nos socializar. De fato, essa difusão é responsável pela reconfiguração dos gêneros textuais e dos padrões comumente presentes na interação humana. No entanto, assim como argumentado por Barton e Lee (2013BARTON, D.; LEE, C. Language Online: Investigating Digital Texts and Practices. London: Routledge, 2013.), a novidade que o meio online representa para as formas de comunicação humana precisa ser discutida, em face dos desafios teóricos e descritivos que a nova mídia engendra. Tanto Gill (2017) quanto Herring (2013), citada em Barton e Lee (2013), salientam que nem todo fenômeno linguístico presente na Web 2.0 deve ser considerado novo. A autora denomina discurso mediado por computador mídia-convergente (do inglês convergent media computer-mediated discourse, ou CMCMD) aquele que é reconhecido como advindo de modos de comunicação online tais como e-mail, chats e fóruns de discussão com pouca diferença em relação a seu formato na Web 1.0; aquele que é adaptado e reconfigurado na Web 2.0; e aquele que é emergente, isto é, não existia ou existia, mas estava fora da percepção social antes da Web 2.0. Gill (2017) argumenta que, independentemente daquilo que é considerado novo em termos tecnológicos para a comunicação, as práticas comunicativas refletem aspectos historicamente enraizados de atividade socialmente construída e negociada.

Ainda na perspectiva da construção do discurso online e das novas tecnologias para a comunicação, Barton e Lee (2013BARTON, D.; LEE, C. Language Online: Investigating Digital Texts and Practices. London: Routledge, 2013.) enfatizam que a tecnologia, mais precisamente a Web 2.0, não determina as mudanças no cotidiano das pessoas, mas fazem parte das mudanças sociais. Isto quer dizer que as mudanças possibilitadas pela tecnologia levam a mudanças na vida das pessoas, que, por sua vez, têm impacto direto nas práticas comunicativas e no uso da linguagem. Importante destacar também que o uso da tecnologia ocorre de forma diferenciada para diferentes usuários, que irão adaptá-la em função da sua necessidade e contexto de uso. Por sua vez, é por meio da linguagem que as mudanças sociais oriundas da adoção da tecnologia acontecem.

A linguagem tem, então, papel central na compreensão das mudanças e da comunicação: ao mesmo tempo, a linguagem é influenciada pelas mudanças na forma de perceber o mundo e pelas novas formas de comunicação. Além disso, o meio online é um ambiente mediado por textos, multimodal e dinâmico (BARTON; LEE, 2013BARTON, D.; LEE, C. Language Online: Investigating Digital Texts and Practices. London: Routledge, 2013.). Por causa disso, o objeto que se coloca como central no estudo da comunicação online deve levar em conta não só a novidade trazida pela Web 2.0, mas também o uso da linguagem, que molda e é afetada pela tecnologia. A noção de adaptabilidade, proposta em Verschueren e Brisard (2002VERSCHUEREN, J.; BRISARD, F. Adaptability. In: ӦSTMAN, J.-O.; VERSCHUEREN, J. (Eds.), Handbook of Pragmatics Online. Amsterdam: John Benjamins, 2002. p. 1-24.), e também adotada por Gill (2017GILL, M. Adaptability and affordances in new media: Literate technologies, communicative techniques. Journal of Pragmatics, v. 116, p. 104-108, July 2017.), engloba esses dois aspectos, uma vez que tem como foco as várias circunstâncias técnicas, sociais e materiais do ambiente online às respostas dos interactantes, sem se esquecer do papel que essas respostas têm em se transformar em padrões regulares, gêneros e práticas comunicativas. Consequentemente, é possível encontrar novas formas de alcançar objetivos comunicativos conhecidos, bem como novas práticas que emergem em contextos e mídias diversos, dando origem a formas de comunicação específicas.

O discurso na esfera política é um exemplo particular de mudança nas práticas contemporâneas de comunicação. É possível perceber um apagamento da diferença entre as atividades online e offline (BARTON; LEE, 2013BARTON, D.; LEE, C. Language Online: Investigating Digital Texts and Practices. London: Routledge, 2013.; GILL, 2017GILL, M. Adaptability and affordances in new media: Literate technologies, communicative techniques. Journal of Pragmatics, v. 116, p. 104-108, July 2017.). De fato, podemos observar figuras políticas que usam as redes sociais, como o Facebook e Twitter, para fazer comunicados, se dirigir a seus eleitores e fazer campanha eleitoral. De modo especial, Donald Trump é uma figura política que faz uso do Twitter para articular a política de governo dos Estados Unidos. Os pronunciamentos oficiais, ora realizados por meio dos canais de comunicação da Casa Branca, antecedem ou são feitos exclusivamente por meio do Twitter. Os tuítes parecem possibilitar uma reação a eventos em tempo real, além de imprimirem autenticidade à própria voz do presidente americano, adicionando uma camada de personalização aos pronunciamentos feitos. Gill (2017GILL, M. Adaptability and affordances in new media: Literate technologies, communicative techniques. Journal of Pragmatics, v. 116, p. 104-108, July 2017.) argumenta que esse uso do Twitter é um exemplo de adaptabilidade pragmática em relação à nova mídia. Apesar da restrição de caracteres (inicialmente 140, sendo aumentado para 280, em 2018), os tuítes de Donald Trump alcançam o efeito desejado, incorporando e reforçando o seu estilo espontâneo (GILL, 2017).

Um exemplo de tuíte do presidente americano pode ser visto a seguir, quando da eleição em segundo turno do então candidato Jair Bolsonaro, em 28 de outubro de 2018. Nele, Donald Trump comunica que havia parabenizado o presidente recém-eleito por telefone, e que os dois governos trabalhariam em conjunto em relação a vários aspectos, incluindo comércio. O exemplo é ilustrativo do papel que o Twitter tem exercido como forma de comunicação ao mesmo tempo oficial e de massa, ligada ao aspecto veloz, imediatista e líquido da comunicação digital como um todo (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2008).

Figura 1
Tuíte de Donald Trump

A alegada simplicidade ou diretividade (OTT, 2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.) e o estilo conversacional coloquial (SCOTT, 2015SCOTT, K. The Pragmatics of Hashtags: Inference and Conversational Style on Twitter. Journal of Pragmatics, v. 81, p. 8-20, 2015.) são marcas do discurso no Twitter. Mensagens sofisticadas, ou detalhadas, não são a norma. Para ser claro, um tuíte precisa ser inteligente ou espirituoso, mas não complexo ou denso, como ocorre em textos formais ou documentais. De acordo com Ott, uma evidência de que o Twitter não possibilita discurso complexo é a prática corriqueira de postagens com links para vídeos, notícias, relatórios governamentais e resultados de pesquisas, uma vez que a informação contida nesses links é muito complexa para ser tuitada. Essa característica pode ser vista nos tuítes do presidente americano, projetando seu eu vernacular na esfera pública de questões oficiais, ignorando, assim, o limite entre os dois. Esse fato representa um desafio para os gêneros convencionalmente usados na comunicação presidencial. Apesar de Trump não ser o primeiro presidente a se comunicar via Twitter, rompendo a barreira entre as esferas pública e privada, seu uso dos propiciamentos do microblog é único. Os tuítes de Trump alcançam objetivos pragmáticos específicos ao projetar-se como uma pessoa imprevisível, impulsiva, colérica, rude, e, acima de tudo, espontânea (GILL, 2017GILL, M. Adaptability and affordances in new media: Literate technologies, communicative techniques. Journal of Pragmatics, v. 116, p. 104-108, July 2017.).

As características do microblog permitem que o conteúdo nele postado seja gerado de forma impulsiva. Esse fato se deve ao pouco ou nenhum esforço despendido para gerar um tuíte. Qualquer usuário pode tuitar de qualquer lugar, desde que esteja conectado à rede mundial de computadores. Para Ott (2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.), os tuítes são frequentemente criados em resposta a um estado afetivo, havendo a transferência desse estado para a rede, sendo facilitado pelo pouco esforço empregado para tuitar. As mensagens com alta carga emocional ou afetiva tendem a ser retuitadas mais frequentemente do que tuítes neutros.

Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à incivilidade gerada pelo Twitter. Duas características levam a esse uso: a informalidade e a interação sem interlocutor definido (OTT, 2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.). A informalidade, característica de boa parte do discurso online (CRYSTAL, 2011CRYSTAL, D. Internet Linguistics. A Student Guide. New York: Routledge, 2011.; SCOTT, 2015SCOTT, K. The Pragmatics of Hashtags: Inference and Conversational Style on Twitter. Journal of Pragmatics, v. 81, p. 8-20, 2015.), expressa pela desconsideração das regras de gramática e estilo, enfraquece as normas que geralmente levam à civilidade. A interação sem locutor definido, por sua vez, leva os usuários a interagir em um contexto onde não há consideração sobre o efeito da interação no interlocutor. Essa impessoalidade pode levar os usuários a dizer coisas desagradáveis quando o outro não está fisicamente presente (OTT, 2017).

Além do caráter informal e conversacional, e da possibilidade de discurso incivilizado, outras características moldam a forma como a comunicação acontece no microblog. Assim como ocorre em outras plataformas de mídia social, o Twitter combina recursos do discurso escrito e oral. A esse respeito, Crystal (2011CRYSTAL, D. Internet Linguistics. A Student Guide. New York: Routledge, 2011.) mostra como a comunicação online exibe recursos seletivos e adaptados, oferecendo aos usuários possibilidades exclusivas ao meio digital. Alguns exemplos desses recursos incluem hiperlinks, emoticons, emojis e hashtags, todos amplamente difundidos nas mídias sociais.

Com respeito às hashtags, o estudo de Oliveira e Carneiro (2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018.) discute como estas cumprem um papel dual. Elas contribuem para o cálculo interpretativo do leitor, oferecendo pistas contextuais, ou referenciais. Além disso, elas também podem operar para circunscrever a troca comunicativa (ou a postagem) em um ambiente interacional “transitório e licencioso, amplamente frutífero para a ocorrência de ataques verbais e de descortesia, ou de impolidez” (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018., p. 7).

Outro estudo importante sobre o uso hashtags no Twitter, também conduzido em ambiente brasileiro, é o de Recuero et al. (2015RECUERO, R. et al. Hashtags. Functions in the Protests Across Brazil. SAGE Open: p. 1-14, April-June 2015.). Nessa pesquisa, os usos de hashtags durante os protestos ocorridos no Brasil em 2013 são analisados por meio das funções de linguagem propostas por Jakobson (1960JAKOBSON, R. Linguistics and Poetics in Style in language. Cambridge: MIT Press, 1960.). As funções identificadas incluíam principalmente elementos injuntivos, ligados aos apelos por mobilização social e política. No referido estudo, as hashtags também cumpriam a função referencial da linguagem, associada, nesse caso, às informações sobre as mobilizações sociais para as quais elas convocavam a participação popular. Foram também identificadas hashtags de uso emotivo para expressar apoio ao evento social, como ocorre em (1) e (2), a seguir (RECUERO et al., 2015RECUERO, R. et al. Hashtags. Functions in the Protests Across Brazil. SAGE Open: p. 1-14, April-June 2015., p. 6), em que a posição posterior das hashtags no post também as categoriza como metacomentários:

  • (1) # vemprarua

  • (2) Amanhã. 5 da tarde. Praça da Sé! #ProtestoSP

As hashtags são também utilizadas para oferecer um tom jocoso à interação digital. Nesse caso, elas atuam como forma de comunicar deboche e/ou desdém. Oliveira e Carneiro (2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018.) identificaram o uso de hashtags servindo para debochar ou para ironizar uma notícia séria, postada no Twitter. Esse uso modifica o tom inicial da interação e cria um ambiente de cumplicidade no Twitter. Esse uso pode ser ilustrado na figura 2:

Figura 2
#terremoc

Na figura 2, as hashtags funcionam também como marcadores de postura (ou atitude) (HADDINGTON, 2012HADDINGTON, P. Pragmatics of stance. The Encyclopedia of Applied Linguistics. London: Blackwell, 2012.) no Twitter. Essa função, ligada à postura, é geralmente cumprida por meio de metacomentários, que explicitam a relação da postagem com o texto anterior, adicionando uma camada a mais de significado à postagem (SCOTT, 2015SCOTT, K. The Pragmatics of Hashtags: Inference and Conversational Style on Twitter. Journal of Pragmatics, v. 81, p. 8-20, 2015.).

Há ainda uso das hashtags como estratégia de impolidez, também discutido por Oliveira e Carneiro (2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018.). Nesse caso, as hashtags atuam para atacar a imagem pública do outro de forma agressiva e ofensiva. A ofensa pode ser dirigida a um ou mais usuário(s) do Twitter ou a um veículo de comunicação, sendo o ataque direcionado não somente ao conteúdo da notícia, mas também a seu autor. Um exemplo deste último uso pode ser observado na figura 3:

Figura 3
#caguei

É precisamente esse uso agressivo e ofensivo, em que as hashtags atuam como instrumentos de ataque verbal, que será mais detalhado a seguir neste texto.

Para melhor discutir o tema, apresentamos um breve referencial teórico, ligado aos conceitos de Trabalho de Face e de (Im)polidez linguística.

3 TRABALHO DE FACE E (IM)POLIDEZ LINGUÍSTICA

Na perspectiva de Goffman (1973GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie quotidienne: les relations en public. V. 2. Paris: Les Editions de Minuit, 1973.), o trabalho de face refere-se às ações linguísticas e não linguísticas realizadas pelos participantes para “reivindicar seus valores sociais, ou para manter sua autoimagem de forma considerada satisfatória para a interação” (HAUGH, 2013HAUGH, M. Disentangling face, facework and im/politeness. Sociocultural Pragmatics, v. 1, n. 1, p. 46-73, 2013., p. 65).

O conceito de território, também ligado ao conceito de face, refere-se tanto ao território físico e pessoal quanto ao espaço psicológico do indivíduo, bem como a partes do corpo, roupas e objetos pessoais (GOFFMAN, 1973GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie quotidienne: les relations en public. V. 2. Paris: Les Editions de Minuit, 1973.). A noção de território estende-se, ainda, aos domínios reservados da interação, ou seja, o direito do indivíduo de controlar quem pode começar o turno, bem como o direito de um indivíduo ou de um grupo de pessoas de se proteger da intrusão e da indiscrição de outros (GOFFMAN, 1973).

A fim de sistematizar o trabalho de Goffman (1973GOFFMAN, E. La mise en scène de la vie quotidienne: les relations en public. V. 2. Paris: Les Editions de Minuit, 1973.), e de propor uma análise linguística mais especializada, Brown e Levinson (1987BROWN, P.; LEVINSON, S. Politeness: Some universals in language usage. Vol. 4. Cambridge University Press, 1987.) revisitaram essa noção e propuseram um conceito importante ligado aos Atos Ameaçadores de Face (FTA - Face Threatening Acts, em inglês). Os FTAs ​​são classificados de acordo com o tipo de face ameaçada (a positiva ou a negativa) e ao fato de a ameaça ter sido desferida contra o ouvinte ou contra o falante (BROWN; LEVINSON, 1987BROWN, P.; LEVINSON, S. Politeness: Some universals in language usage. Vol. 4. Cambridge University Press, 1987., p. 65-68). Dessa forma, pedidos de qualquer ordem podem ameaçar a face negativa do ouvinte. Se recusados, pedidos também podem ameaçar a face positiva do solicitante, o mesmo ocorrendo com ofertas, por exemplo. Críticas atacam a face positiva do ouvinte. Do mesmo modo, agradecimentos e elogios podem ameaçar a face negativa do falante, pois imprimem no ato de fala a noção de um débito a ser reconhecido (OLIVEIRA; CARNEIRO, 2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018.).

Quanto ao conceito de Polidez, Leech (1983LEECH, G. Principles of pragmatics. London and New York: Longman, 1983.) o entende como um tipo de limitação ao comportamento humano que nos faz evitar a discordância ou a ofensa, podendo manter ou aumentar a Polidez (LEECH, 1983LEECH, G. Principles of pragmatics. London and New York: Longman, 1983.). Naturalmente, o reverso disso se dá, em alguns aspectos, com respeito à Impolidez, como se verá a seguir.

4 IMPOLIDEZ LINGUÍSTICA

Os estudos sobre impolidez linguística abrangem uma variedade de relações sociais. Eles incluem, sobretudo, situações em que os meios de alcançar a impolidez são inteiramente, ou predominantemente, linguísticos. De acordo com Bousfield’s (2008BOUSFIELD, D. Impoliteness in interaction. Vol. 167. Amsterdam: John Benjamins Publishing, 2008., p. 72), a impolidez constitui-se na comunicação intencional de atos conflitivos e injustificados, propositadamente realizados de forma: (a) não mitigada e (b) com agressão deliberada.

Na mesma perspectiva, para Culpeper (2005CULPEPER, J. Impoliteness and entertainment in the television quiz show: The Weakest Link. Journal of Politeness Research. Language, Behaviour, Culture. v.1, n.1, p. 35-72, 2005., 2011) e Culpeper e Hardaker (2017), a impolidez ocorre quando: (1) o falante comunica o ataque à face intencionalmente, ou (2) o ouvinte percebe o comportamento como intencional, ou, ainda, quando ocorre uma combinação de (1) e (2).

Em quase todos os modelos disponíveis, no entanto, a impolidez está sempre relacionada a emoções negativas e à perda da face. Diante disso, descritores comuns de atitudes envolvendo impolidez são: vergonha, humilhação, raiva; sentir-se ferido, triste ou chateado (CULPEPER, 2005CULPEPER, J. Impoliteness and entertainment in the television quiz show: The Weakest Link. Journal of Politeness Research. Language, Behaviour, Culture. v.1, n.1, p. 35-72, 2005., 2011; CULPEPER; HARDAKER, 2017).

Atos de impolidez podem ainda ocorrer de forma direta (bald on record): a ameaça de face é feita de forma direta, clara, inequívoca e concisa; ou indireta (off record), realizados por meio de uma implicatura, mas de tal maneira que determinada intenção atribuída supere claramente qualquer outra (humor repreensivo).

Nesses atos, a impolidez positiva refere-se ao uso de estratégias ameaçadoras da face positiva, ou seja, dos desejos do interlocutor, tais como ignorar, excluir, usar marcadores de desinteresse, de falta de consideração, usar linguagem secreta ou obscura, procurar o conflito, usar palavras tabu, xingar.

Na contraparte da impolidez positiva, a impolidez negativa consiste em estratégias destinadas a danificar a face negativa do outro. A linguagem é destinada a ameaçar, mostrar superioridade, desprezar, ridicularizar, ser desdenhoso, a não levar o outro a sério, menosprezar o outro, invadir o espaço do outro (literalmente ou metaforicamente), bem como a associar o outro com aspectos explicitamente negativos, ou com um único aspecto negativo (uso marcado dos pronomes “Eu” e “Você”), colocar o débito do outro em destaque.

Em relação à ofensa, Haugh sugere que “a ofensa pode ser entendida como uma ação social iniciada pelo destinatário em que ele interpreta as ações, ou a conduta do interlocutor (ou de alguma outra pessoa ou grupos de pessoas), como ofensivas” (HAUGH, 2013HAUGH, M. Disentangling face, facework and im/politeness. Sociocultural Pragmatics, v. 1, n. 1, p. 46-73, 2013., p. 37). Para o autor, trata-se de um ato pragmático que é concebido e restringido pelo tipo de atividade em que surge.

O sarcasmo e o deboche são considerados metaestratégias de (im)polidez, pois por meio deles, o FTA é realizado por meio de uma estratégia de polidez, entendida como insincera e superficial. Um ataque à face (imagem pública de si) pode ser simplesmente ignorado e não respondido. Se for respondido, há escolha para responder. A escolha tende a ser entre aceitar a indelicadeza ou contra-atacar. A aceitação envolve concordar com um insulto; o contra-ataque envolve responder diretamente à grosseria. Pode-se também simplesmente ficar em silêncio, aceitar a ofensa ou defender-se.

O uso de linguagem agressiva e do insulto foi identificado por Jamet e Jobert (2013JAMET, D.; JOBERT, M. Aspects of linguistic impoliteness. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2013.) ao realizarem pesquisas em ambiente digital. Acerca disso, os autores discutem como o fascínio por palavras-tabu pode remeter à infância, bem como ao ser psicanalítico primitivo. Nessa perspectiva, o estágio anal encontra uma nova forma verbal de desenvolvimento, que tanto enfatizava a expulsão do corpo (pelo uso de palavrões: #TomarNoCu), como também possibilitava a transgressão de regras adultas, ou seja, operando como uma forma de dizer não (JAMET; JOBERT, 2013JAMET, D.; JOBERT, M. Aspects of linguistic impoliteness. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2013.).

Para os autores, o uso agressivo da linguagem configura-se em uma situação circular em que o poluidor torna-se poluído (polluter-getting polluted). Esse círculo é marcado pelo acúmulo de insultos e pode conduzir ao vácuo argumentativo, em que o excesso de linguagem ofensiva impede a ocorrência de argumentação racional. São, portanto, ações linguísticas marcadamente pouco elaboradas do ponto de vista argumentativo, e, por seu conteúdo altamente agressivo, também podem ser consideradas limitadoras dos direitos e das liberdades do outro.

Tendo traçado o panorama teórico da pesquisa, ligado à (Im)polidez e à agressividade verbal, partimos agora para descrever os procedimentos utilizados na coleta de dados, bem como para sua análise.

5 COLETA DE DADOS

Para analisar os possíveis usos de hashtags durante o período eleitoral, cerca de três mil tuítes3 3 Os tuítes dos candidatos não contêm, necessariamente, hashtags. contendo tais itens foram coletados na rede social Twitter, diariamente, durante o período compreendido entre 6 de setembro de 2018 e 6 de outubro do mesmo ano. Os dados incluem, além das postagens iniciais dos candidatos, tuítes em resposta às postagens dos seguintes candidatos: Álvaro Dias (PODE), Cabo Daciolo (PATRI), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (NOVO) e Marina Silva (REDE) Dos candidatos José Maria Eymael (PSDC), João Goulart Filho (PPL) e Vera Lucia (PSTU) dados não foram incluídos devido à baixa ocorrência de tuítes e respostas. Além dos tuítes em resposta às postagens dos candidatos, foram analisadas hashtags relacionadas às eleições presidenciais que figuraram entre os trending topics.

Para que um tuíte fosse incluído na análise ele precisava conter uma hashtag que estivesse inserida em uma postagem de cunho agressivo ou impolido, isto é, a postagem continha ofensas a um candidato. Assim que um tuíte com as características previamente descritas era identificado, ele era armazenado em forma de imagem. Esses passos foram realizados sempre tomando-se o cuidado de preservar o contexto comunicativo imediato para que o fluxo da interação não ficasse perdido. Isto quer dizer que não somente o tuíte do usuário, mas também a postagem do candidato foram coletados. No caso dos trending topics, a busca se deu por hashtags que expressavam tanto apoio como rejeição a um dado candidato.

Após a coleta dos dados, procedeu-se a uma análise quantitativa descritiva, bem como a uma análise daqueles que representavam ataques à face dos usuários/candidatos. A seguir, apresentamos uma análise desses exemplos, mostrando como as hashtags são usadas como elementos para expressar apoio/rejeição no contexto da campanha eleitoral de primeiro turno.

6 ANÁLISE DAS HASHTAGS: AMOR, IMPOLIDEZ LINGUÍSTICA E ATAQUE VERBAL

Os comentários agressivos como respostas às postagens dos candidatos foram frequentes nos dados coletados. Um total de 909 ou 22,3% das hashtags foram usadas para atacar diretamente a face positiva um candidato, desqualificando-o(a) como futuro presidente do Brasil. Assim, cerca de pouco mais de 20% das hashtags perseguiam o objetivo de desferir ataques incivilizados, o que parece estar de acordo com o encontrado por Ott (2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.). Já as hashtags agressivas e de apoio apareceram 595 vezes nos trending topics, ou seja, 14,6 % do total dos dados.

As hashtags também foram usadas, em sua maior parte, para manifestar apoio a um candidato, mas no perfil de um concorrente. Das 4075 hashtags, 2571 foram usadas com esse propósito, ou seja, 63% dos dados.

No gráfico 1, a seguir, esses dados quantitativos podem ser melhor visualizados:

Gráfico 1
total de uso de hashtags ofensivas e de apoio.

Do ponto de vista qualitativo, as expressões de Impolidez (CULPEPER, 2017CULPEPER, J.; HARDAKER C. Impoliteness. In: CULPEPER, J.; KADAR, D. The Palgrave Handbook of Linguistic (Im) politeness. London: Palgrave Macmillan, 2017. p. 199-225.) foram encontradas nos dados de diversas maneiras. A ameaça à face positiva e negativa dos candidatos foi expressa, de modo especial, pelas hashtags, publicadas isoladamente, ou após uma postagem inicial. A impolidez linguística foi realizada de forma direta (on record), principalmente por meio do uso de palavras-tabu e/ou de xingamentos, conforme os exemplos a seguir. Os exemplos 1, 2 e 3 mostram a postagem inicial do candidato, e as respostas que se seguiram a ele:

Exemplo 1:

Exemplo 2:

Exemplo 3:

No exemplo 1, a postagem do candidato salienta aspectos relevantes de seu programa político, ligados à geração de emprego e à criação de vagas na Educação Infantil. Essa postagem é rechaçada com hashtags isoladas de insulto, do tipo #CiroFilhodaPuta, bem como com postagens de elogio em forma de agressão: Parabéns pela ignorância.

No exemplo 2, o internauta manda o candidato “calar a boca”, e também refere-se a este por meio de um atributo pejorativo, ‘chuchu’. A expressão remete à reputação do referido candidato, considerado por alguns como ‘sem graça’, ou seja, sem carisma. O termo é utilizado como um agravante, pois despersonaliza e desumaniza o candidato. Em ambos os casos, as hashtags são usadas para agredir a imagem do candidato, pela invasão de seu espaço cibernético individual (sua conta individual no Twitter) e pela desmoralização de sua reputação.

No terceiro exemplo, as hashtags #HaddadFantoche, #paumandado e #poste foram usadas como forma de rechaçar a postagem inicial na conta do candidato, ligada à sua agenda política. Essas hashatgs têm natureza agressiva e imputam ao candidato um papel secundário e não autêntico atribuído a ele e, por extensão, à sua própria candidatura.

O exemplo 4, a seguir, apresenta uma hashtags de apoio ao candidato João Amoedo e também de rejeição ao candidato Guilherme Boulos, e fazem referência à participação nos debates eleitorais. Ambas as manifestações estão presentes na mesma postagem: paradoxalmente, as hashtags demonstram apoio a um candidato e, ao mesmo tempo, rejeição a um outro: #JoãoNoSbt e #ForaBoulos.

Exemplo 4:

O exemplo 5 mostra o uso de palavras de xingamento para demonstrar rejeição a determinado candidato. Essa rejeição é feita com o uso de termos-tabu, considerados bastante agressivos em nossa cultura #EiBozonaroVaiTomarNoCu.

Essa hashtag, em particular, é iniciada por uma interjeição, Ei, que tem o propósito duplo de (a) ressaltar o caráter espontâneo, informal e dialogal pretendido na interação, e (b) chamar a atenção para seu conteúdo agressivo, o que é feito de modo apelativo. Esses dois elementos ampliam a Impolidez e potencializam o insulto, pois marcam a invasão da face negativa, bem como a depreciação da face positiva do candidato em questão.

Exemplo 5:

No exemplo 6, a hashtag # EleSimENoPrimeiroTurno foi usada para manifestar apoio, ou seja, em vez de ódio, amor a um candidato. Esse apoio, ou esse amor, no entanto, é, algumas vezes, construído com base na depreciação de candidatos rivais, bem como da classe política em geral.

No exemplo 6, é também possível observar que os tuítes aos quais as hashtags integram-se evidenciam conteúdo multimodal. As imagens são empregadas para reforçar o caráter impolido, irônico e agressivo das mensagens. Esse aspecto é bastante evidenciado neste exemplo, em que o Estado brasileiro aparece metonimicamente representado por uma porca alimentando seus filhotes (os partidos políticos). A imagem promove também a imediata associação com a expressão Mamar nas tetas do governo, bastante difundida no repertório linguístico-cultural nacional.

Exemplo 6:

Os exemplos 7 e 8, a seguir, também são ilustrativos do apoio a um candidato ligado à rejeição e à invasão do espaço cibernético de seus rivais.

Exemplo 7:

Exemplo 8:

Em 7, a hashtag é apresentada como resposta direta à postagem de um candidato, por meio do apoio a outro: #geraldo45. No entanto, a hashtag é usada em uma postagem do candidato Henrique Meirelles (@meirelles).

Como o exemplo 8 mostra, as hashtags novamente referendam o apoio a um candidato concorrente (#ciro12, #CiroPresidente, #CiroSim) dentro de uma resposta que critica o candidato autor da postagem, @Haddad_Fernando, sendo chamado de ‘poste’, em #PosteNao. Nesses dois exemplos, o espaço cibernético dos candidatos é igualmente invadido com o intuito não somente de atacar suas faces, mas também como forma de promoção da imagem de seus rivais, o que é feito de modo desrespeitoso e agressivo por meio das hashtags. Essas hashtags continham conteúdo opinativo e, quase sempre, ofensivo, como se verá seguir.

Os exemplos 9 e 10 mostram o uso isolado da hashtag para atacar diretamente o candidato. Em 9, o autor se dirige ao candidato Álvaro Dias e o chama de lixo, enquanto em 10, o autor faz referência ao partido do candidato, Guilherme Boulos.

Exemplo 9:

Exemplo 10:

Em 11, 12 e 13 evidenciamos também o uso da hashtag como elemento de reforço a um post anterior. Essas hashtags, por si sós, atacam a face do candidato e são utilizadas como estratégia de impolidez on record.

Exemplo 11:

Exemplo 12:

Exemplo 13:

Observamos ainda que as hashtags agressivas foram usadas, muitas vezes, de maneira coordenada, figurando entre os trending topics do Twitter brasileiro. O exemplo 14 ilustra esse tipo de coordenação, ou seja, de conclamação para a disseminação do insulto.

Exemplo 14:

Na seção seguinte (Discussão), detalhamos alguns pontos que julgamos mais salientes em nossa análise. Isso será feito na tentativa de melhor contribuir com a área de (Im)polidez em ambiente digital, particularmente por meio do uso de hashtags no Twitter, como identificadas em nosso estudo.

7 DISCUSSÃO

Em nossos dados, observamos que as hashtags do Twitter dos candidatos foram usadas para demostrar apoio. Esse apoio, algumas vezes, ocorreu por meio de postagens feitas na conta do Twitter de um candidato rival, caracterizando uma forma de ataque verbal e de ameaça de face a um oponente.

O emprego das hashtags agressivas no Twitter também foi marcado pela transformação de uma mensagem inicial de apoio (ou de amor) a um candidato, em uma postagem de ódio, feita por apoiadores de seu rival. Nesses casos, registrou-se, quase sempre, a presença de xingamentos e de expressões consideradas vulgares e agressivas em nossa sociedade, como também observado por Oliveira e Carneiro (2018OLIVEIRA, A.L.A.M.; CARNEIRO, M. M. #Caguei: Agressividade no twitter. (Con)textos linguísticos, v.12, n. 22, p. 7-20, 2018.).

Mais especificamente, as hashtags foram muitas vezes usadas para imprimir usos linguísticos invasivos, derrogatórios e ameaçadores aos candidatos à presidência do Brasil no ano de 2018. Acreditamos que esses empregos ofensivos da linguagem estejam associados, entre outros fatores, ao já largamente apregoado descaso com a política nacional, bem como à atração pelo emprego de formas linguísticas consideradas tabu (JAMET; JOBERT, 2013JAMET, D.; JOBERT, M. Aspects of linguistic impoliteness. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2013.). Esses fatores, somados à sensação de anonimato, sem a iminente responsabilização pelos ataques empreendidos, tornam o Twitter um campo frutífero para o ataque verbal, muitas vezes paradoxalmente acompanhado de uma expressão inicial de apoio a um candidato oponente. A seguir, passamos às considerações finais do estudo.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados aqui analisados apresentaram as seguintes características quantitativas: (a) do total de cerca de 3000 tuítes analisados foram encontradas 4075 hashtags; destas, 22,3% foram usadas nas postagens para atacar diretamente a face de um candidato, desqualificando-o(a) como futuro presidente do Brasil por meio de xingamentos; dentre as postagens analisadas nos trending topics, as hashtags agressivas (ódio) e de apoio (amor) apareceram 595 vezes, ou seja, representaram 14,6 % dos dados analisados.

Observamos, também, que as hashtags do Twitter foram usadas para manifestar apoio a um candidato, o que foi feito, muitas vezes, no perfil de um candidato rival. Das 4075 hashtags analisadas, 2571 foram usadas com esse propósito, ou seja, 63% dos dados. Esse uso configura-se em uma forma de invasão do espaço cibernético do outro e, portanto, opera como uma estratégia deliberada de impolidez negativa.

Quanto ao emprego das hashtags agressivas, contendo xingamentos e insultos, observamos que esse uso derrogatório afasta-se das características do falante racional e colaborativo, como proposto por Brown e Levinson (1987BROWN, P.; LEVINSON, S. Politeness: Some universals in language usage. Vol. 4. Cambridge University Press, 1987.), para aproximar-se de usos pouco elaborados e menos racionalizados, como em Jamet e Jobert (2013JAMET, D.; JOBERT, M. Aspects of linguistic impoliteness. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2013.). Essa constatação também encontra ressonância na discussão de Ott (2017OTT, B. The age of Twitter: Donald J. Trump and the politics of debasement. Critical Studies in Media Communication, v. 34, n.1, p. 59-68, 2017.), ao caracterizar o ambiente online como propício à superficialidade e à incivilidade.

As hashtags agressivas, presentes em nossos dados, evidenciaram também uma situação circular do tipo poluidor torna-se poluído (polluter-getting polluted), associada ao vácuo argumentativo, ou seja, ao antidebate (JAMET; JOBERT, 2013JAMET, D.; JOBERT, M. Aspects of linguistic impoliteness. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2013.).

Com os dados aqui apresentados pretendemos lançar luz para o uso de hashtags no Twitter brasileiro, em particular no período das eleições presidenciais de 2018, em que essa mídia social esteve bastante produtiva. Esperamos que outros estudos possam ampliar nossos resultados, por exemplo, analisando postagens realizadas em outras mídias sociais no mesmo período.

REFERÊNCIAS

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  • BROWN, P.; LEVINSON, S. Politeness: Some universals in language usage. Vol. 4. Cambridge University Press, 1987.
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  • 3
    Os tuítes dos candidatos não contêm, necessariamente, hashtags.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2018
  • Aceito
    02 Out 2019
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