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Desastre socioambiental e Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) como instrumento de política pública: O caso da barragem de Fundão, MG

Social and environmental disaster and Transaction and Adjustment of Conduct Term (TTAC) as an instrument of public policy: The case of the dam of Fundão, MG, Brazil

Desastre socioambiental y Término de Transacción y Ajuste de Conducta (TTAC) como instrumento de política pública: El caso de la represa de Fundão, MG, Brasil

Resumo:

Este artigo inscreve-se na agenda de pesquisa dedicada à compreensão dos processos de governança e participação social nas políticas públicas que estão sendo formuladas e implementadas visando à reparação da bacia do rio Doce, localizada nos estados brasileiros de Minas Gerais e Espírito Santo, em razão do desastre socioambiental de grandes proporções, causado pelo rompimento da barragem de rejeitos de minérios das empresas Samarco S.A., Vale S. A., BHP Billiton Ltda., em Fundão (MG), no dia 5 de novembro de 2015. Com o objetivo de reparar e compensar os múltiplos prejuízos e agravos foi instituído um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) entre o governo federal, os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e as empresas mineradoras envolvidas. O artigo focaliza o TTAC como um instrumento de política pública e insere-se no debate sobre governança contemporânea. A análise está centrada no protagonismo tanto da Fundação Renova criada para a formulação e a implementação das políticas de restauração e de compensação, quanto nos órgãos públicos responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização das diversas políticas instituídas. Quanto aos resultados, busca-se salientar aspectos que evidenciem os traços do desenho institucional do TTAC e do seu modus de governança, o qual vem sendo praticado desde a assinatura do referido acordo, bem como os desafios decorrentes das assimetrias existentes nas relações entre as empresas mineradoras e o poder público, de um lado, e os atingidos de outro.

Palavras-chave:
Instrumento de política pública; Governança; Desastre socioambiental; Barragem de Fundão; Brasil

Abstract:

This article is part of the research agenda dedicated to understanding the processes of governance and social participation in public policies that are being formulated and implemented to repair the Rio Doce basin located in the states of Minas Gerais and Espírito Santo stemming from the socio-environmental disaster caused by the rupture of the ore tailings dam of Samarco S. A., Vale S. A., BHP Billiton do Brazil Ltda., in Fundão (MG), on November 5th, 2015. A Transaction and Adjustment of Conduct Term (TTAC) between the Brazilian federal government, the state governments, and the mining companies involved was established for recovery efforts and compensation for private losses and damages. This article focuses on TTAC as a tool for public policy, and forms part of the debate on contemporary governance. It centers on the analysis of the leadership both in the Renova Foundation (created for the formulation and implementation of policy) and in the public bodies responsible for the development of policy. As such, it seeks to emphasize aspects that show the traits of the institutional design of the TTAC and its mode of governance, which has been practiced since the signing of this agreement, as well as the challenges arising from the asymmetries existing in the relations between companies mining and public power on the one hand, and affected by the disaster on the other.

Keywords:
Instrument of public policy; Governance; Environmental disaster; Dam of Fundão; Brazil

Resumen:

Este artículo hace parte de la agenda de investigación destinada a comprender los procesos de gobernanza y participación social en las políticas públicas que están siendo formuladas e implementadas con el objetivo de recuperar la cuenca del rio Doce, ubicada en los estados de Minas Gerais y Espírito Santo, debido al desastre socio-ambiental de enormes proporciones causado por el rompimiento de la represa de residuos minerales de las empresas Samarco S. A., Vale S. A. y BHP Billiton Ltda., en Fundão (MG), el día 5 de noviembre de 2015. Con el objetivo de reparar y compensar los múltiples perjuicios y agravios fue establecido un Término de Transacción y Ajuste de Conducta (TTAC) entre el gobierno federal, los gobiernos del estado de Minas Gerais y del Estado de Espírito Santo y las empresas mineras involucradas. El artículo focaliza el TTAC como un instrumento de política pública y se inserta en el debate sobre gobernanza contemporánea. El análisis se centra en el protagonismo tanto de la Fundación Renova, creada para la formulación e implementación de las políticas de restauración y compensación así como en los órganos públicos responsables por el acompañamiento y fiscalización de esas mismas políticas. Cuanto a los resultados, se busca señalar aspectos que pongan en relieve los rasgos del diseño institucional del TTAC y de su modus de gobernanza, lo cual viene siendo practicado desde la firma del referido acuerdo, así como los desafíos derivados de las asimetrías existentes en las relaciones entre las empresas mineras y el poder público, por un lado, y los afectados por otro.

Palabras-clave:
Instrumento de política pública; Gobernanza; Desastre socioambiental; Represa de Fundão; Brasil

Introdução

Este artigo inscreve-se na agenda de pesquisa dedicada à compreensão dos processos de governança e participação social nas políticas públicas que estão sendo formuladas e implementadas visando à recuperação e compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração de Fundão, em Mariana, no estado de Minas Gerais.3 3 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse debate, consultar: Ramboll (2017), notadamente os capítulos 2 e 3, páginas 29-75. Trata-se, no caso em análise, do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (2016), doravante denominado TTAC, celebrado entre a União e os governos estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo, de um lado, e a Samarco, a Vale e a BHP Billiton Ltda. de outro. O objetivo do TTAC é criar os instrumentos institucionais capazes de dar concretude e nortear as ações de reparação, mitigação, compensação e indenização para o maior desastre socioambiental envolvendo rejeitos de mineração do mundo ocorrido em novembro de 2015, que abrangeu parte do complexo mineral da mineradora Samarco S. A., em Minas Gerais, as bacias dos rios Gualaxo do Norte e rio Doce e a costa norte do Espírito Santo.

Com o rompimento da barragem foram liberados cerca de 45 milhões de m3 3 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse debate, consultar: Ramboll (2017), notadamente os capítulos 2 e 3, páginas 29-75. de lama tóxica que percorreram quase 700 km de Mariana, em Minas Gerais, até a foz do rio Doce no estado do Espírito Santo. Além de 19 mortes, a lama de rejeitos provocou a destruição de residências e infraestruturas na região Bento Rodrigues/Mariana e Barra Longa (MG), e impactos sociais e ambientais de curto e longo prazo ao longo da calha do rio. Foram arrasadas áreas de vegetação nativa, pasto, territórios indígenas e tradicionais, bem como propriedades de produção familiar. Espécies de fauna e flora endêmicas do rio Doce foram extintas. As atividades pesqueiras e ribeirinhas ficaram comprometidas. A água contaminada com materiais pesados além de gerar danos ainda não dimensionados na saúde, alcançou a região costeira no norte do estado do Espírito Santo, cuja pluma tóxica de resíduos espalhou-se em um raio de até 15 km da foz, apresentando sólidos suspensos em toda a coluna d'água e decantação em áreas perto da foz (Ibama, 2015; Ramboll, 2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
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). Houve desabastecimento de água em várias cidades no percurso do rio Doce, as quais têm no rio a sua principal, quiçá única, fonte de captação. Ademais, os recursos hídricos da bacia do rio Doce desempenham um papel fundamental na economia do leste mineiro e do noroeste capixaba, uma vez que fornecem a água necessária aos usos doméstico, agropecuário, industrial e para geração de energia elétrica, dentre outros (ANA, 2015AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Encarte especial sobre a bacia do rio Doce: rompimento da barragem em Mariana, MG, Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. Informe 2015, Brasília. Disponível em: www.snirh.gov.br/portal/snirh/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos/encarteriodoce_22_03_2016v2.pdf. Acesso em: 12 maio 2017. https://doi.org/10.21168/rbrh.v11n4.p37-46
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). Em termos de magnitude, “o rompimento da barragem de Fundão foi o maior desastre tecnológico4 4 Destacamos que, em termos metodológicos, utilizamos de forma combinada diferentes estratégias de pesquisa: 1. Pesquisa bibliográfica; 2. Pesquisa documental nos materiais produzidos pelo CIF, Câmaras Técnicas, MPF, MPF e Ramboll Consultoria; 3. Coleta de dados secundários em sistemas oficiais de informação (Ibama, IBGE, Rede-Ufes etc.); e 4. Observação participante de uma das autoras no CIF e nas Câmaras Técnicas. da mineração, tanto em volume de rejeitos liberados, quanto em extensão geográfica de danos causados ao meio ambiente” (cf. Ramboll, 2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
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, p. 34).3 3 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse debate, consultar: Ramboll (2017), notadamente os capítulos 2 e 3, páginas 29-75.

Nos primeiros dias subsequentes ao rompimento foi necessária a intervenção do Ministério Público para que a Samarco apresentasse soluções emergenciais. A empresa também foi autuada pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, em função do desabastecimento de água nos municípios do norte do Estado. A Procuradoria Geral do Espírito Santo entrou com uma ação cautelar para que uma equipe de monitoramento e mitigação dos danos na fauna e flora fosse constituída (Gonçalves, Pinto e Wanderley, 2016GONÇALVES, Ricardo Junior de Assis Fernandes; PINTO, Raquel Giffoni; WANDERLEY, Luiz Jardim. Conflitos ambientais e pilhagem dos territórios na Bacia do Rio Doce. In: ZONTA, Marcio; TROCATE, Charles (org.). Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. Marabá: Editorial iGuana, 2016. p. 139-182. https://doi.org/10.21800/2317-66602016000300011
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). A partir daí uma série de ações civis públicas foram ajuizadas contra a empresa pelos Ministérios Públicos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, as quais estavam em curso até março de 2016, quando foi assinado o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta entre governos federal e estaduais e as empresas envolvidas.

O TTAC, enquanto instrumento instituído pelo governo, prevê a criação de uma série de programas de recuperação dos danos socioeconômicos e socioambientais, a serem executados de acordo com um plano tecnicamente fundamentado, fiscalizado e supervisionado pelo poder público (TTAC, 2016).

A análise dos instrumentos de políticas públicas se insere no debate sobre governança contemporânea. Embora o debate sobre governança seja amplo na literatura (Stoker, 1998STOKER, Gerry. Governance as theory: five propositions. International Social Science Journal, Paris, v. 50, n. 155, p. 17-28, 1998. https://doi.org/10.1111/1468-2451.00106
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), há um consenso de que o termo se refere ao desenvolvimento de estilos de governo nos quais as fronteiras entre e no interior dos setores públicos e privados têm se ofuscado.

O conceito de instrumento ao qual se faz referência tem origem na sociologia da ação pública francesa. Considerando que a política pública é um espaço sociopolítico, Lascoumes e Le Galès (2007LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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, p. 2) argumentam que “um instrumento de política pública constitui um dispositivo tanto técnico como social, que organiza relações sociais específicas entre o Estado e os destinatários” das políticas e que, portanto, guarda “relações de poder e questões de legitimidade, politização ou dinâmicas de despolitização”.

No caso em tela, parte-se do pressuposto que o referido acordo constitui um instrumento de política pública na medida em que orientou as relações entre os entes governamentais, os atingidos e as empresas mineradoras envolvidas por meio de dispositivos técnicos e sociais que visam coordenar o desenvolvimento das múltiplas ações de reparação e compensação de danos.

Inserindo-se nesse esforço teórico, este artigo é fruto de pesquisa em andamento e trata do tipo de instrumento escolhido para lidar com o referido desastre socioambiental – o TTAC. A intenção é evidenciar o complexo desenho institucional criado para implementar os programas e ações, assim como destacar os principais desafios observados no sistema de governança para viabilizar a participação e o controle social tanto no processo de formulação quanto de implementação das políticas previstas.4 4 Destacamos que, em termos metodológicos, utilizamos de forma combinada diferentes estratégias de pesquisa: 1. Pesquisa bibliográfica; 2. Pesquisa documental nos materiais produzidos pelo CIF, Câmaras Técnicas, MPF, MPF e Ramboll Consultoria; 3. Coleta de dados secundários em sistemas oficiais de informação (Ibama, IBGE, Rede-Ufes etc.); e 4. Observação participante de uma das autoras no CIF e nas Câmaras Técnicas.

Além dessa introdução, o artigo divide-se em mais quatro seções. A primeira explicita, em grandes linhas, a perspectiva teórica e as origens e a natureza dos instrumentos de política pública utilizados para a resolução negociada de conflitos. A segunda descreve as principais características do TTAC negociado, bem como o modelo de governança institucional que foi estabelecido entre o poder público e as mineradoras responsáveis pelo desastre. A terceira trata dos desafios observados no processo de implementação desse instrumento, considerando a magnitude e a abrangência dos múltiplos e assimétricos interesses que foram negociados e articulados pelo TTAC. A última seção busca alinhavar algumas considerações finais e pontuar veredas a explorar por essa agenda de pesquisa.

Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento alternativo de resolução de conflitos socioambientais

A análise das políticas públicas sob o prisma dos instrumentos, nos termos propostos por Lascoumes e Le Galès (2007)LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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, coloca em evidência que elas são resultados não apenas da estrutura institucional ou da interação de interesses, mas estão intimamente vinculadas à organização das relações de poder derivadas da escolha e do uso de certos instrumentos. Nesse sentido, o potencial analítico de voltar o olhar para os instrumentos repousa não apenas na motivação para a seleção de um ou de outro instrumento, mas sim, sobretudo, na identificação e vinculação da dimensão eminentemente política às políticas públicas.

Desse prisma, além do processo decisório, as políticas públicas e os métodos de implementação podem ser analisados por meio das instituições e organizações que as materializam, assim como via atividades dos governos que as definem e corporificam, baseados em instrumentos, orçamentos, práticas, normas e padrões (Halpern e Le Galès, 2011HALPERN, Charlotte. LE GALÈS, Patrick. No autonomous public policy without ad hoc instruments: a comparative and longitudinal analysis of the European Union's environmental and urban policies. Presses de Sciences Po, Revue française de science politique, v. 61, n. 1, p. 43-67, 2011. https://doi.org/10.3917/rfspe.611.0043
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). No entanto, a análise da instrumentalização é geralmente deixada para segundo plano na literatura correspondente, predominando os estudos das instituições e dos atores, seus interesses e suas crenças (Lascoumes e Le Galès, 2007LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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, p. 2). Isso se deve ao fato da literatura predominante, diferentemente dos autores citados, evidenciar os instrumentos tanto como uma forma de governança quanto como um meio de institucionalizar procedimentos técnicos.

Lascoumes e Le Galès verificaram, no entanto, a proliferação de instrumentos de coordenação de políticas públicas em vários setores (meio ambiente, regulação, mercado, infraestrutura etc.) nos últimos tempos. Eles identificaram múltiplas dimensões analíticas com o objetivo de analisar instrumentos de políticas em contextos de mudanças políticas. Argumentam que se, por um lado, os instrumentos são inovadores, por outro, eles não são dispositivos neutros, ou seja, produzem efeitos nos atores envolvidos (Lascoumes e Le Galès, 2007LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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, p. 7).

A análise da instrumentalização, dentro dessa perspectiva, permite observar e problematizar tanto as razões que levam à escolha de determinados instrumentos como os resultados produzidos pelos mesmos. Longe de possuírem uma neutralidade axiológica os instrumentos, enquanto um tipo particular de mecanismo que estrutura ou influencia a política pública, são portadores de valores e as suas escolhas não se restringem meramente a questões técnicas. Ao contrário, o tipo de instrumento de política pública escolhido determina em parte a representação do problema em jogo e, consequentemente, os interesses privilegiados, as possibilidades oferecidas, os atores envolvidos, os comportamentos esperados, os recursos disponíveis e suas formas de utilização (Lascoumes e Le Galès, 2007LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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, p. 9).

Assim, os instrumentos e a forma como são institucionalizados são um meio que orienta as relações entre governantes e governados por meio de dispositivos que incluem elementos técnicos e componentes sociais. Em outros termos, os instrumentos informam e incidem sobre as diferentes capacidades de ação dos atores e organizam as relações de poder de determinado modo. Contudo, por possuírem história e força própria de ação, muitas vezes os instrumentos mobilizados geram implicações inesperadas e/ou específicas estruturando a política pública dentro de uma determinada lógica – sinalizando para a necessária análise da dinâmica de instrumentalização. Isso significa que além de problematizar que a escolha de determinados instrumentos em detrimento de outros é objeto de conflito político, na medida em que estruturam o processo e influenciam os resultados, é necessário igualmente reconhecer que os instrumentos produzem efeitos nos atores envolvidos independentemente dos seus objetivos (Lascoumes e Le Galès, 2007LASCOUMES, Pierre. LE GALÈS, Patrick. Introduction: understanding public policy through its instruments-from the nature of instruments to the sociology of public policy instrumentation. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v. 20, n. 1, p. 1-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1468-0491.2007.00342.x
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; Halpern e Le Galès, 2011HALPERN, Charlotte. LE GALÈS, Patrick. No autonomous public policy without ad hoc instruments: a comparative and longitudinal analysis of the European Union's environmental and urban policies. Presses de Sciences Po, Revue française de science politique, v. 61, n. 1, p. 43-67, 2011. https://doi.org/10.3917/rfspe.611.0043
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).

Nesse registro, podemos identificar desde o final da década de 1980 a incorporação de instrumentos de políticas públicas relacionados às chamadas iniciativas de “resolução negociada” de conflitos no ambiente político-institucional do País (Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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; Acselrad, 2014ACSELRAD, Henri. Mediação e negociação de conflitos ambientais. In: VIÉGAS, Rodrigo; PINTO, Raquel; GARSON, Luiz. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur., 2014. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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; Coli, 2015COLI, Luis Régis. “Resolução negociada” e desigualdades territoriais: emergência e adoção de políticas públicas na “prevenção” e mediação de conflitos fundiários urbanos. Revista Latitude, Maceió, v. 9, n. 2, p. 315-342, 2015. https://doi.org/10.28998/2179-5428.20150205
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).

Essas iniciativas, que estimulam meios não judiciais para solucionar disputas e promover acordos que substituíram o confronto pelo consenso, surgiram durante a década de 1960 nos Estados Unidos, como parte de uma política conciliatória que buscava “conter” a politização da sociedade norte-americana em um contexto de reivindicações crescentes por direitos (Nader, 1994NADER, Laura. Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, p. 18-29, 1994.). Ainda que inicialmente estivessem fortemente associados aos conflitos ambientais e relações de trabalho, atualmente os mecanismos de caráter harmonioso, amigável e consensual de resolução de conflitos espraiam-se para diferentes questões, como as diplomáticas, urbanas, comerciais e empresariais (Viégas, 2016VIÉGAS, Rodrigo Nuñez. O campo da resolução negociada de conflito: o apelo ao consenso e o risco do esvaziamento do debate político. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 21, p. 7-44, 2016. https://doi.org/10.1590/0103-335220162101
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).

A difusão dos mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos orientados pelo “modelo da harmonia” intensificou-se e internacionalizou-se na década de 1990, com a migração das técnicas de mediação e negociação para as arenas políticas internacionais, face às fortes reconfigurações na geopolítica mundial (Nader, 1994NADER, Laura. Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, p. 18-29, 1994.). A ascensão econômica dos países em desenvolvimento, a independência de antigas colônias na África e a crescente participação de novos mercados nas relações comerciais, como a China, conjugadas com a exportação de commodities de recursos naturais, parecem guardar relação com a difusão crescente de metodologias de pacificação de conflitos no relacionamento internacional entre estados. Para Nader (1994)NADER, Laura. Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, p. 18-29, 1994., essas estratégias atuam na manutenção dos atores mais fortes no jogo político, na medida em que desencoraja litígios em fóruns jurídicos públicos e estimula a negociação em arenas especializadas de mediação que despolitizam os direitos dos mais fracos. Na mesma linha, Viégas (2016VIÉGAS, Rodrigo Nuñez. O campo da resolução negociada de conflito: o apelo ao consenso e o risco do esvaziamento do debate político. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 21, p. 7-44, 2016. https://doi.org/10.1590/0103-335220162101
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, p. 28) argumenta que o apelo às soluções consensuais “dificilmente são nacionais ou têm origem interna em algum país; são antes mundiais […], voltadas para eliminar disparidades e diferenças históricas entre os países”.

Na esteira desses processos, o Banco Mundial, por exemplo, publicou em 1996 um documento que discute os elementos para uma reforma no Poder Judiciário na América Latina e Caribe, após o diagnóstico de que nesses países o processo de desenvolvimento econômico é acompanhado por uma crise no sistema judiciário, que tem se mostrado ineficiente para “satisfazer as demandas [… e] promover o desenvolvimento do setor privado” (Banco Mundial, 1996BANCO MUNDIAL. O setor judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Banco Mundial: Washington, D.C, 1996. Disponível em: www.sitraemg.org.br/post_type_artigo/conheca-o-documento-319-do-banco-mundial. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.11606/t.8.2005.tde-18072006-132037
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, p. 10). A morosidade e o acúmulo de processos, a acessibilidade restrita, a ausência de transparência e previsibilidade das decisões, a baixa confiabilidade pública, os critérios pouco claros de nomeação, os custos orçamentários, as práticas de corrupção, dentre outros, são alguns dos inúmeros aspectos estruturais, organizativos e administrativos considerados na reforma do judiciário. Em um aspecto particular, o acesso à justiça aos socialmente desfavorecidos, o relatório sugere a adoção de instrumentos não judiciais de tratamento de conflitos como uma resposta a morosidade do sistema e os custos da litigância.

No Brasil, no contexto de reformas político-econômicas neoliberais, a utilização de formas de tratamento de conflito que não propriamente a via judicial pode ser datada desde 1980, com notáveis iniciativas na década seguinte (Bezerra, 2007BEZERRA, Gustavo. Análise crítica dos discursos e práticas da “Resolução Negociada” de conflitos ambientais na América Latina. Anais do 12º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, Ufpa, Belém, 2007. https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4775.2017v13n1.34953
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; Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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). No que tange especificamente aos conflitos ambientais, a Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998) faz referência à celebração de “termo de compromisso” como instrumento extrajudicial para atendimento de exigências impostas pelas autoridades ambientais, visando à correção de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras ao meio ambiente.

Conforme Rodrigues (2011)RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011., o Compromisso de Ajustamento de Conduta, também conhecido como Termo de Ajustamento de Conduta, foi inserido na legislação brasileira por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, enquanto instrumento de proteção extrajudicial extensivo aos demais direitos difusos e coletivos, foi inserido pelo Código de Defesa do Consumidor que, com isso, alterou a Lei da Ação Civil Pública (nº 7.347/1985).7 7 Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; ANA – Agência Nacional de Águas; DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral; Funai – Fundação Nacional do Índio. A partir de então, a legislação brasileira passou a dispor sobre a possibilidade de órgãos públicos proporem e celebrarem compromissos para ajustarem condutas de pessoas físicas ou jurídicas às exigências legais de proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Segundo Abelha (2004 apudViégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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, p. 118), a ideia de se “legitimar” órgãos públicos à propositura de compromissos de ajustamento deveu-se à concepção de que entes com personalidade jurídica (como o Ibama, o Procon, o Ministério Público etc.) “são aqueles que lidam direta e diariamente com a realidade dos direitos da sociedade, experimentando todos os dias, em concreto, a necessidade de pacificação social pela via extrajudicial”.

O objetivo dos Termos de Ajustamento de Condutas é a proposição de soluções aos conflitos “de maneira alternativa à propositura de Ação Civil Pública […], porque evita a burocratização do processo judicial”, gerando flexibilidade e criatividade para adequação a casos específicos (Viégas, 2007VIÉGAS, Rodrigo Nuñez. As resoluções de conflito ambiental na esfera pública brasileira: uma análise crítica. Confluências, Niterói, v. 9, n. 2, p. 23-49, 2007. https://doi.org/10.22409/conflu9i2.p20100
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, p. 28). Esses termos versam sobre responsabilidades civis e sua celebração permite que os litígios ambientais possam, por exemplo, ser submetidos à apreciação de experts concedendo maior confiabilidade e celeridade as suas resoluções (Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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, p. 48).

Contudo, ainda que se constituam em uma forma de tratamento de conflito pela via não judicial, os Termos de Ajustamento de Condutas não foram criados “com o objetivo explícito de promover o campo da resolução negociada” (Acselrad e Bezerra, 2007ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo. Inserção econômica internacional e “Resolução Negociada” de conflitos ambientais na América Latina. Grupo de Trabajo Ecología Política del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Quito, 2007., p. 16). Tampouco sua origem está ancorada no campo ambiental. Contudo, a ausência de um processo de normatização (Viégas, 2007VIÉGAS, Rodrigo Nuñez. As resoluções de conflito ambiental na esfera pública brasileira: uma análise crítica. Confluências, Niterói, v. 9, n. 2, p. 23-49, 2007. https://doi.org/10.22409/conflu9i2.p20100
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; Rodrigues, 2011RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.), associado aos conflitos que emergem contemporaneamente em relação ao meio ambiente, permitiram que esse tipo de instrumento fosse “capturado” por aquele campo, conformando um subcampo específico dentro do campo ambiental (Acselrad e Bezerra, 2007ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo. Inserção econômica internacional e “Resolução Negociada” de conflitos ambientais na América Latina. Grupo de Trabajo Ecología Política del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Quito, 2007., p. 13). Assim, ao admitir que cada órgão público com personalidade jurídica conceba e operacionalize seus Termos de Ajustamento de Condutas, a legislação brasileira mais do que permitir a adequação às necessidades específicas, concedeu, sob esse registro, amplo espaço para que os conflitos ambientais sejam tratados em arenas específicas, de forma individualizada e com a presença de atores tidos como autoridades no assunto “contribuindo, consequentemente, para uma reconfiguração relativa das regras do jogo vigentes no campo ambiental” (Acselrad e Bezerra, 2007ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo. Inserção econômica internacional e “Resolução Negociada” de conflitos ambientais na América Latina. Grupo de Trabajo Ecología Política del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Quito, 2007., p. 13). Informando apenas genericamente, e ainda sob controvérsias, o que se pode fazer e quem pode fazer, sem especificar como fazer, os registros e as condições em que Termos de Ajustamento de Condutas são celebrados não estão dados a priori (Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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, p. 130). Ao contrário, são objetos de disputas politicamente orientadas em que concorrem sentidos contrários sobre os diferentes modos de vida, os usos e as apropriações dos territórios e seus recursos naturais, enfim, sobre o próprio desenvolvimento econômico.

O desenho institucional do TTAC no caso do desastre socioambiental da barragem de Fundão

O contexto sociopolítico e as razões pelas quais foram criados os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos orientados pelo “modelo da harmonia”, e a sua posterior disseminação para os países em desenvolvimento na década de 1990, evidenciam em grande medida as suas intencionalidades e pressupostos face aos conflitos difusos e abrangentes que impactam comunidades e nações na geopolítica mundial contemporânea. Ademais, como vimos, no Brasil, esse tipo de instrumento ganhou força e legitimidade exatamente a partir dos anos 1990, quando a crise e a inflexão do modelo desenvolvimentista em curso evidenciaram seus limites. Para restaurar o crescimento econômico e estabilizar a economia, foram realizadas reformas político-institucionais e econômicas respaldadas pelo consenso neoliberal que, entre outras ações, visou flexibilizar e reduzir as atividades do Estado transferindo-as para o setor privado.6 6 Sobre as questões da crise do modelo desenvolvimentista e crise e reforma do estado no Brasil ver, entre outros, Sallum (1996), Sola (1993) e Velasco e Cruz (1994), Diniz (2000).

No que concerne ao sistema de justiça, foram introduzidas, como vimos, reformas com o intuito de criar novas formas de tratamento de conflitos que não propriamente a via judicial, mas sim soluções de caráter “consensual”. Para tanto, foi feito todo um esforço no sentido de “reconfigurar instituições vinculadas às arenas tradicionais de tratamento de conflitos difusos e/ou transindividuais, como, por exemplo, o Ministério Público” (Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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, p. 3). Seus profissionais foram reorientados para que passassem a atuar como “mediadores” ou “negociadores” com a finalidade de conduzir as partes litigantes a acordarem entre si, evitando as complicações de um processo judicial (Viégas, Pinto e Garson, 2014VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
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).

Nesse sentido, a lógica que pautou a busca de “harmonização” e “pacificação” dos múltiplos e assimétricos interesses impactados, no caso em enfoque, se efetuou sob o signo dessas orientações. Significa dizer, por outras palavras, que o acordo consubstanciado nas duzentas e sessenta cláusulas do instrumento negociado entre as empresas mineradoras e o governo buscou “harmonizar” os interesses das populações de quarenta e um municípios diretamente afetadas com aqueles das mineradoras causadoras do desastre.

Está claro, portanto, que o adequado entendimento da dimensão política que perpassa o TTAC implica em considerar, como pano de fundo, de um lado, as mudanças efetuadas nas gramáticas do sistema jurídico brasileiro direcionado à resolução de conflitos de natureza difusa e, de outro, a conjuntura crítica de ingovernabilidade e de tensões políticas que marcou o cenário nacional brasileiro durante todo o ano de 2015 – que veio a culminar com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016.

Desse modo, olhar sob a perspectiva da análise política para o instrumento Termo de Transação e Ajuste de Conduta celebrado entre a União e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, nos permite desvelar suas lógicas internas e, sobretudo, a forma como determinados interesses são tratados e privilegiados enquanto outros permanecem desassistidos e relegados a segundo plano. Também nos permitirá verificar como as instituições responsáveis pelo acompanhamento e controle no âmbito nacional, subnacional dos dois estados e dos municípios impactados, interferem e impactam a implementação dos programas e ações previstos no TTAC. Mais precisamente, em que medida a dimensão federativa interfere na operacionalização e execução dos programas em cada um dos estados e nos municípios afetados é um dos aspectos que necessita ainda ser investigado e analisado.

Nesse sentido, vale destacar que onze órgãos públicos foram legitimados como compromitentes no acordo, sendo cinco autarquias públicas federais7 7 Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; ANA – Agência Nacional de Águas; DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral; Funai – Fundação Nacional do Índio. e seis autarquias estaduais dos estados de Minas Gerais8 8 IEF – Instituto Estadual de Florestas; Igam – Instituto Mineiro de Gestão de Águas; Feam – Fundação Estadual Do Meio Ambiente. e do Espírito Santo9 9 Iema – Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos; Idaf – Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo; Agerh – Agência Estadual de Recursos Hídricos. – todos pertencem à área ambiental, apesar da complexidade dos impactos nas dimensões social, econômica e cultural. Foram estabelecidos quarenta e um programas visando a restauração, mitigação e compensação dos danos causados, os quais estão estruturados em dois eixos distintos, um socioeconômico e outro socioambiental.

O desenho institucional do acordo prevê que os programas serão detalhados e executados por uma fundação de caráter privado criada para essa finalidade, denominada Fundação Renova, sob orientação, supervisão, validação, monitoramento e fiscalização de uma instância externa ampla e superior – Comitê Interfederativo (CIF) – constituída por doze membros (entre representantes do Poder Executivo Federal,10 10 Dois representantes do Ministério do Meio Ambiente (Ibama e ANA) e dois do Governo Federal (Casa Civil e Secretaria de Governo). Estadual,11 11 Dois representantes do estado de Minas Gerais – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir); dois representantes do estado do Espírito Santo – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Regional (Sedurb). dos municípios afetados12 12 Dois representantes dos municípios de Minas Gerais – Mariana e Rio Doce –, um representante dos municípios do Espírito Santo – Linhares. e do Comitê de Bacias),13 13 Um representante do Comitê de Bacia Hidrográfica do Doce – CBH-Doce. e presidido por um dos representantes indicados pelo Ministério do Meio Ambiente (TTAC, Cláusula 244, § 6º). Além disso, posteriormente, foram criadas onze Câmaras Técnicas temáticas para auxiliar o CIF no desempenho de suas funções.

Decorrem desse modelo institucional dinâmicas muito complexas na interação entre os governos e suas diversas instituições envolvidas, o Comitê Interfederativo e as Câmaras Técnicas, de um lado e, a Fundação Renova e suas mantenedoras, de outro. A forma como esse conjunto de instituições governamentais e a Fundação Renova visualiza as metas e os objetivos dos programas a serem implementados, confluem para um processo decisório no âmbito do CIF que nem sempre encontra trânsito fácil, o que acaba gerando morosidade na definição dos mesmos e, por conseguinte, a situação de atraso e não atendimento das populações impactadas na urgência necessária que a situação de desastre socioambiental exige.14 14 Para as inúmeras situações de atraso na execução dos programas definidos pelo TTAC, ver: Ramboll (2017 e 2018).

Neste sentido, o desenho institucional e a estrutura de governança criada pelo TTAC, evidencia a natureza das relações entre os diversos atores, bem como a forma como se organizam as relações de poder entre eles, tanto na esfera do poder público quanto no âmbito da Fundação Renova e das empresas mineradoras responsáveis pelo desastre.

A Fundação Renova elabora os estudos e diagnósticos que subsidiarão as definições das ações para elaboração e execução dos programas definidos pelo TTAC. Uma vez formuladas as ações e metas dos programas, essas são enviadas ao Comitê Interfederativo (CIF) para análise e aprovação. Para a tarefa de análise o CIF criou onze Câmaras Técnicas cuja atribuição é “auxiliar o CIF no desempenho da sua finalidade de orientar, acompanhar, monitorar e fiscalizar a execução das medidas impostas no TTAC” (CIF, Deliberação nº 07/2016). O passo subsequente nas Câmaras Técnicas desdobra-se em duas possibilidades: a) são emitidos pareceres para deliberação pelo CIF, os quais podem ser aprovados na íntegra, ou podem ser ajustados e/ou alterados na reunião do CIF; e b) são emitidas notas técnicas que são enviadas a Fundação Renova com orientações para ajustes a serem efetuados nas propostas apresentadas, o que significa que elas deverão voltar ao CIF para análise e aprovação. O Diagrama 1, a seguir, mostra os principais fluxos que caracterizam essas relações.

Diagrama 1

Vale destacar que o TTAC não previu a criação de Câmaras Técnicas como órgãos auxiliares do CIF. Porém, o Ibama, na qualidade de presidente do CIF, por meio da Portaria nº 18/2016,15 15 Publicada no Diário Oficial da União no dia 08 de julho de 2016, p. 49. aprovou o regimento interno do Comitê Interfederativo, o qual em seu Art. 5º estabelece que o CIF “poderá instituir Câmaras Técnicas, permanentes ou provisórias, fixando, no ato de criação, sua composição, atribuições e forma de operação”. Desse modo, por meio da deliberação nº 07/2016, foram instituídas dez Câmaras Técnicas, como órgãos consultivos para auxiliar o CIF, e definidos os programas que cada Câmara Técnica seria responsável, bem como a que órgãos do poder público caberia a coordenação e a vice coordenação das mesmas. Posteriormente, a Câmara Técnica de Saúde Educação, Cultura e Lazer foi desmembrada em duas, tendo em vista a abrangência da área de saúde que passou a existir de forma independente (cf. CIF, Deliberação nº 67/2017). O Quadro 1, a seguir, relaciona as onze Câmaras Técnicas e os programas que cada uma delas é responsável junto ao Comitê Interfederativo.

Quadro 1
Câmaras Técnicas e programas relacionados

Desafios observados no processo de implementação dos programas previstos no TTAC

Entre os muitos desafios e dificuldades que podem ser observados na implementação e governança dos programas criados pelo TTAC estão aqueles que decorrem do desenho institucional inicialmente negociado, que se caracterizou por uma estrutura organizacional complexa que concedeu ampla autonomia decisória e gestora às empresas mineradoras para execução do acordo por meio da Fundação Renova. Ademais, como agravante, embora a estrutura institucional estabelecida mencione a possibilidade de participação dos atingidos nos programas de forma efetiva “em todas as etapas e fases decorrentes do presente Acordo” (Cláusula 11ᵃ do TTAC), e que o acesso à informação relativa a todos os programas deve ser garantido aos atingidos, devendo estas serem “divulgadas em linguagem acessível” e “apresentadas de uma forma transparente, clara e, sempre que possível, objetiva” (Cláusula 12ᵃ do TTAC), o que tem se verificado, até o presente, é que tais dispositivos contratuais não vêm sendo respeitados pela Fundação Renova.16 16 Sobre os problemas da participação dos atingidos e do acesso à informações, conforme preconizados pelas Cláusulas 11 e 12, ver notas técnicas da Câmara Técnica de Comunicação, Participação, Diálogo e Controle Social dos anos de 2016, 2017 e 2018 <http://ibama.gov.br/cif/notas-tecnicas/ct-cpdcs>. Ver também: Ramboll (2017; 2018).

Por outro lado, embora o TTAC tenha criado um Comitê Interfederativo para orientar, acompanhar, monitorar, fiscalizar e validar a execução dos programas, a definição do desenho técnico-operacional e execução de cada um deles ficou a cargo da Fundação Renova, cuja lógica de atuação tem sido presidida pelos preceitos corporativos do mercado. O Comitê Interfederativo apesar de contar com as Câmaras Técnicas, como instâncias prioritárias para a discussão técnica e busca de soluções às divergências relacionadas à implementação dos programas, nem sempre encontra curso fácil para exercer seu poder disciplinar sobre as estratégias da Fundação Renova para driblar os interesses públicos em favor dos interesses corporativos das mantenedoras.

Na prática as atividades das Câmaras Técnicas consistem na análise das proposições conceituais e técnicas para operacionalização dos programas, encaminhados pela Renova ao CIF para avaliação e aprovação. Entre 2016 e 2018 foram aprovadas 261 deliberações e 293 notas técnicas, oriundas das diversas Câmaras Técnicas e o/ou do próprio CIF. As deliberações consistem em decisões aprovadas pelo CIF sobre questões relativas tanto aos programas em execução quanto à aplicação de multas e/ou mudanças em algum aspecto do TTAC. Já as notas técnicas referem-se às orientações sobre como os programas devem ser executados. Na maioria das vezes as notas técnicas tratam de problemas de inadequação, inconsistências e/ou desrespeito às cláusulas do TTAC, contidos nas propostas apresentadas pela Renova ao CIF. Como resultado, instala-se um círculo vicioso, que faz com que uma dada proposição retorne diversas vezes a Fundação Renova, para que seja revista e alterada segundo as exigências apresentadas pela Câmara Técnica que a analisou. Em termos processuais, essa dinâmica gera morosidade e descompassos entre o que está sendo discutido no âmbito das Câmaras Técnicas e do CIF, e o que de fato está ocorrendo nos territórios atingidos.

Isto porque, em termos de dinâmica de funcionamento, o CIF cumpre uma agenda de reuniões mensais com dois ou três dias de duração, sendo que o local das reuniões segue um rodízio entre as cidades de Brasília, Belo Horizonte e Vitória, ocasião em que são apresentados e discutidos os assuntos da pauta previamente estabelecida, que contém propostas tanto de deliberações quanto de notas técnicas das Câmaras Técnicas. Essas propostas são enviadas para a secretaria executiva do CIF, com antecedência mínima de vinte dias, pelas Câmaras Técnicas, para que possam entrar na pauta de discussões do mês. Por sua vez, as Câmaras Técnicas seguem rito idêntico ao do CIF, pois também reúnem seus membros mensalmente durante dois dias, seguindo o mesmo esquema de rodízio, em período anterior à reunião do CIF, ocasião em que dividem o tempo em dois momentos: a) reunião entre os membros da Câmara para analisar e discutir as propostas apresentadas pela Fundação Renova sobre os programas sob sua responsabilidade, para emissão de notas técnicas e/ou propostas de deliberação; b) reunião dos membros da Câmara Técnica com os técnicos da Fundação Renova, ocasião em que os técnicos da Renova apresentam novas propostas e/ou ajustes às propostas em elaboração, balanços sobre o que e como estão sendo realizadas as ações dos programas, e os membros da Câmara apresentam questionamentos, críticas e sugestões para os programas em pauta.

A resultante desse modelo institucional é a existência de instâncias decisórias, cujos pressupostos éticos políticos refletem lógicas e intencionalidades distintas, as quais na maioria das vezes expressam conflitos, que derivam de orientações divergentes, quais sejam a lógica do interesse público versus a lógica do mercado. Como consequência imediata, além dos frequentes conflitos observados nas relações entre a Fundação Renova e os atingidos, resultantes das assimetrias presente nessa relação, observou-se ao longo dos três anos pós-desastre, uma série de problemas. Esses vão desde atrasos e morosidade na execução dos programas socioeconômicos, até o não estabelecimento de uma comunicação dialógica, participativa e transparente da Fundação Renova para lidar com a diversidade de públicos e também com os múltiplos danos causados à população que vive ou depende do território e dos recursos naturais da região afetada.17 17 Trata-se de danos de ordem material, como a perda de propriedades, de renda (devido à interrupção total ou temporária das condições de trabalho até então disponíveis), de bens de uso coletivo e também danos imateriais, como a perda de padrões de organização social, identidade coletiva, vínculos de vizinhança e comunitários, além de práticas culturais diversas que configuram os diferentes modos de vida. Isso sem falar nos ricos e agravos à saúde física e mental da população impactada (Ramboll, 2017, p. 15). Estes fatores, ao lado da dinâmica das relações instauradas entre o CFI e as Câmaras Técnicas, por um lado, e a Fundação Renova e as mantenedoras, por outro, cujas lógicas tendem ao conflito e ao impasse, contribuem para aumentar a morosidade na execução dos programas. Como consequência para a população atingida, resta muita insegurança, sofrimento e dor com as perdas inestimáveis causadas pelo desastre socioambiental da barragem de Fundão.

Ilustrativo quanto aos aspectos acima mencionados é um parecer emitido recentemente pela Câmara Técnica de Organização Social, corroborando a análise efetuada pela Ramboll,18 18 Ramboll Consultoria contratada pelo Ministério Público Federal para prestação de serviços de assessoria técnica. o qual aponta como um dos principais problemas do Programa de Cadastro o fato de não ser considerada pela Renova uma metodologia de identificação da totalidade das áreas em que se constatam os múltiplos impactos, conforme apregoa a cláusula 20 do TTAC. Além disso, segundo o parecer, a Fundação Renova apegou-se a uma interpretação literal das cláusulas do TTAC para se abster de proativamente identificar e atender as demandas dos atingidos dentro e fora de toda a área de abrangência socioeconômica (Cláusula 1, inciso 6), bem como de executar ações em prol de atingidos que residirem fora dessas áreas (Cláusula 16 do TTAC), uma vez que interpretou literalmente o conceito de município, incluindo apenas os listados nas cláusulas do TTAC (Cláusula 1, incisos 7 e 8). Outro aspecto destacado é o fato de o cadastro ter-se configurado em uma feição generalista, única para todo o rio, sem levar em conta as múltiplas peculiaridades locais, reduzindo os danos potenciais à ideia pré-concebida de atingido com que trabalhava a empresa, qual seja: trabalhador formal e/ou pescador, documentado, com residência formal e comprovação de renda, retirando do cadastramento e do rol de atingidos a ampla população de trabalhadores informais (CIF e CTOS, Nota Técnica 29, p. 1-2).

Esse último aspecto reforça a natureza de um dos principais elementos de tensões e desafios, qual seja, a própria imprecisão do TTAC em relação aos programas direcionados aos impactos socioeconômicos, em especial os impactos sociais, assim como em relação a participação dos atingidos. Em relação aos programas, a formulação genérica e imprecisa, não definindo mecanismos operacionais e metas a serem cumpridas, resulta na dificuldade de acompanhamento e controle social tanto pelas instituições de governo como pelas comunidades impactadas. A inconsistência do instrumento criado para reparação dos danos abre espaço para que a Fundação Renova faça uma interpretação das cláusulas que define os programas sociais segundo critérios que não contemplam a historicidade das condições de vulnerabilidades das populações atingidas, cuja implicação é o tratamento dos desiguais como se iguais fossem, desconsiderando a condição dos atingidos de sujeitos portadores de direitos que se encontram destituídos pelo desastre. No que tange a participação, o problema não é menos grave. Segundo Losekann (2018)LOSEKANN, Cristiana. A participação como um problema para as instituições de justiça: uma análise a partir do acordo de governança e participação para o desastre no Rio Doce. Jota. Opinião & Análise, 2018. Disponível em: www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-participacao-como-um-problema-para-as-instituicoes-de-justica-09082018. Acesso em: 5 mar. 2019. https://doi.org/10.5540/03.2018.006.01.0322
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/...
o termo “participação” aparece 40 vezes ao longo do acordo e se apresenta com significados confusos e ambíguos. Desse modo, comparece com sentidos diversos como “presença”, “representação”, “delegação”, “controle”, “engajamento”, entre outros, cujos significados estão associados a instâncias específicas que por sua vez se sobrepõem em termos de funções.

Tais problemas no TTAC dão margem a interpretações diversas, segundo a ótica dos interesses dos distintos gestores que atuam na execução dos programas, bem como daqueles responsáveis por seu acompanhamento e fiscalização. Como resultante, avolumam-se impasses, lacunas e atrasos na implementação dos programas pela Fundação Renova, os quais podem ser melhor visualizados nos estudos de avaliação dos Programas de Reparação Integral da Bacia do Rio Doce realizados pela Ramboll. No que concerne aos programas vinculados a área social, por exemplo, essas análises demonstram que os programas são incompletos e insuficientes com relação à cobertura espacial, à metodologia utilizada e ao tratamento dado aos atingidos como protagonistas desse trágico processo, portanto, em claro desacordo com as cláusulas do TTAC (Ramboll, 2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
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, p. 13).

Um outro aspecto importante que deve ser salientado é a não adoção de estratégias de comunicação dialogada e participativa para lidar com a diversidade de públicos, considerando que a complexidade das questões decorrentes da tragédia tem dificultado sobremaneira a execução dos programas voltados para a área socioeconômica. Quanto a esse aspecto, vale salientar que a natureza da ação emergencial secundarizou (e invisibilizou) territórios e segmentos populacionais. Assim, no primeiro momento parecia que o desastre afetara somente o estado de Minas Gerais, na fase subsequente admitiu-se que também o estado do Espírito Santo havia sido afetado, mas se restringiu aos maiores aglomerados urbanos. Dessa forma, a organização social e, consequentemente a participação se limitou ao que era visto e sobressaia na grande mídia.

Se em uma política pública que possui arena institucionalizada formalmente já se colocam enormes desafios na relação entre o poder público e a sociedade civil, no caso específico que envolveu grandes corporações e a enorme desconfiança da atuação dos entes governamentais nas medidas preventivas, esse ambiente se tensionou sobremaneira. Dessa forma, a participação e, consequentemente, o diálogo ficam sob suspeição quanto à verdadeira intenção de promover reparações e oferecer respostas aos atingidos pelo desastre.

Nesse sentido, a fragilidade da comunicação constituiu-se em um aspecto que reforçou o sentimento de desconfiança, pois não houve (e não há) uma estratégia de interlocução organizada com a população que não seja pelos canais instituídos pela Fundação Renova, em uma perspectiva de autodefesa das empresas envolvidas no desastre socioambiental. Assim, a leitura feita pela população, de forma geral, é que os entes governamentais estão pouco imbuídos de intenção no sentido de coordenar e responder com celeridade e eficácia às reparações e compensações necessárias, impostas pelo TTAC, visto pelo poder público como um recurso capaz de conferir mais agilidade nas respostas.

Temos clareza que muitos outros aspectos poderiam ser elencados como desafios e tensões que vêm perpassando o processo de implementação do TTAC, mas considerando que esse instrumento de política está apenas no início de sua operacionalização é preciso que seja dado um tempo maior para que outras análises avaliativas possam ser realizadas. No entanto, o que já ficou evidente é que grande parte dos desafios enfrentados pela política de reparação via TTAC está no caráter insulado do processo negocial e na forma como vem sendo implementados os programas definidos. Ou, em outras palavras, as dificuldades derivam do fato de que ele foi elaborado e negociado sem qualquer tipo de participação dos municípios e de suas respectivas populações atingidas. Nem prefeitos, muito menos os atingidos, movimentos sociais e/ou organizações da sociedade civil local tiveram oportunidade de tomar parte na sua discussão, muito menos influenciar na definição dos termos em que se daria o acordo. Por outro lado, o complexo e intricado desenho institucional estabelecido pelo TTAC vem contribuindo para gerar morosidade ao invés de celeridade nas decisões e ações, notadamente no que concerne aos programas do eixo socioeconômico, cuja maioria, passados três anos do desastre ainda carecem de maior celeridade na implementação das ações previstas no TTAC. Com isso, as populações atingidas acabam sendo lesadas duplamente frente às suas necessidades e direitos, na medida em que, em primeiro lugar foram impedidas de continuar dando sequência ao normal transcurso das suas vidas, em segundo porque continuam impedidas de exercer seus direitos constitucionais básicos à saúde, à alimentação saudável, ao trabalho, à moradia, dentre outros, pela morosidade com que as ações de reparação vêm sendo executadas pela Fundação Renova (Ramboll, 2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
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e 2018RAMBOLL Consultoria. Avaliação do programa de reparação integral da Bacia do rio Doce. Mar. 2018. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-ramboll/view. Acesso em: 4 fev. 2019.
www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
).

Considerações finais

Ao refletir sobre a dimensão política do TTAC, como um instrumento de políticas públicas para coordenar as ações de reparação e compensação dos danos causados pelo desastre do rio Doce, observamos alguns desafios importantes que indicam a magnitude das questões elencadas como sendo lócus de difíceis negociações e de impasses.

Destacamos, primeiramente, o próprio contexto de difusão desse instrumento alternativo de resolução de conflitos para os países em desenvolvimento, na década de 1990, que evidencia em grande medida as intencionalidades e os pressupostos que subjazem à readequação dos institutos legais de negociações de conflitos em situações de relações de subalternidades. Nessa direção, a conjuntura política crítica que norteou o contexto no qual o termo foi assinado é uma variável que merece ser explorada, para um melhor entendimento dos termos que presidem o acordo.

Igualmente, a complexa trama do desenho institucional do TTAC, com distintos atores e interesses envolvidos, os quais não se encontram devidamente articulados no acordo, vem contribuindo para gerar morosidade ao invés de celeridade nas decisões, notadamente no que concerne aos programas do eixo socioeconômico. Soma-se a isso o próprio sistema de regulação dos recursos hídricos no Brasil, no qual a bacia do rio Doce está inserida, que abrange vários órgãos e distintos setores de políticas (órgãos normativos e consultivos, governo subnacionais, órgãos gestores, parlamento e escritório técnico) em múltiplos níveis territoriais (nacional, estadual e municipal), cujo rigor na fiscalização nem sempre tem primado pelas melhores práticas.

Outro aspecto relevante do desenho institucional criado pelo TTAC está na criação de uma Fundação de direito privado para executar os programas, cujo controle está nas mãos das empresas rés e não nas mãos do poder público. Além disso, o fato de ser uma fundação cujos quadros gestores, em grande parte têm origem nessas empresas, sem nenhuma trajetória de experiência para lidar com a produção e execução de políticas públicas, impõem um custo adicional à mudança nos mapas cognitivos desses gestores, com grande expertise para lidar com o mercado e muito pouca para lidar com as questões de interesse público.

Por fim, a imprecisão do TTAC quanto à participação, diálogo e controle social da sociedade civil e da população atingida, reforçou a insegurança e ampliou os níveis de desconfiança em relação ao cumprimento dos termos do acordo. O que ficou evidente nas análises realizadas até aqui é que grande parte dos questionamentos em relação ao TTAC e sobre a forma pouco transparente como vem sendo implementados os programas definidos, deriva do fato de que ele foi elaborado e negociado sem qualquer tipo de participação das populações atingidas, portanto sem chances de poder influenciar na definição dos termos em que o acordo se daria. Ademais, as questões apontadas revelam instrumentos e práticas que demonstram o quão distante está o processo de reparação e compensação dos danos do desastre socioambiental da barragem da Samarco/Vale/BHP do Brasil, em Fundão-Mariana de ações adequadas ao tratamento de danos e agravos interdimensionais, altamente complexos, quando não caóticos, que gerou transgressão aos direitos humanos, com lesões às presentes e futuras gerações.

  • 1
    Este artigo é resultado parcial da pesquisa intitulada “A Samarco, o estado e a sociedade diante do desastre da barragem de Fundão” (Edital Fapes nº 03/2017 – Universal) e da pesquisa “Sem o rio e sem o mar: implementação de tecnologia social de governança participativa para políticas públicas de recuperação da bacia do rio Doce no Espírito Santo” (Edital Capes-CNPq-Fapemig-Fapes-ANA nº 6/2016). Versões anteriores do texto foram apresentadas no 18º Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em Brasília, em julho de 2017, e no 31º Congresso Associação Latino Americana de Sociologia, realizado em Montevidéu, Uruguai, em dezembro de 2017.
  • 2
    Os desastres naturais são aqueles causados por alterações poderosas e repentinas de ordem climática e meteorológica, natural ou biológica. Já os desastres tecnológicos procedem da incisiva intervenção humana sobre o meio, os quais derivam, sobretudo, dos riscos produzidos na e pela modernidade os quais são fabricados socialmente (Beck, 1992BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity. Trad. Mark Ritter. London: Sage, 1992.; Giddens, 1991GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.). Sobre este tema ver, entre outros: Lieber e Romano-Lieber (2005)LIEBER, Renato Rocha; ROMANO-LIEBER, Nicolina Silvana. Risco e precaução no desastre tecnológico. Cadernos Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 67-84, 2005., Bonatti e Carmo (2016)BONATTI, Thiago Fernando; CARMO, Roberto Luiz do. Desastres tecnológicos: revisitando a discussão sobre a questão dos eventos de contaminação a partir da relação entre população, espaço e ambiente. In: 20º Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2016. Anais do… Disponível em: www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/index. Acesso em: 15 mar. 2019. https://doi.org/10.5151/despro-eneac2016-amb01-1
    www.abep.org.br/publicacoes/index.php/an...
    , Valencio et al. (2009)VALENCIO, Norma; SIENA, Mariana; MARCHEZINI, Victor; GONÇALVES, Juliano Costa (orgs.). Sociologia dos desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: RiMa Editora, 2009. Disponível em: www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/diversos/mini_cd_oficinas/pdfs/livro-sociologia-dos-desastres.pdf. Acesso em: 9 set. 2018.
    www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/dive...
    .
  • 3
    Para uma discussão mais aprofundada sobre esse debate, consultar: Ramboll (2017)RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    , notadamente os capítulos 2 e 3, páginas 29-75.
  • 4
    Destacamos que, em termos metodológicos, utilizamos de forma combinada diferentes estratégias de pesquisa: 1. Pesquisa bibliográfica; 2. Pesquisa documental nos materiais produzidos pelo CIF, Câmaras Técnicas, MPF, MPF e Ramboll Consultoria; 3. Coleta de dados secundários em sistemas oficiais de informação (Ibama, IBGE, Rede-Ufes etc.); e 4. Observação participante de uma das autoras no CIF e nas Câmaras Técnicas.
  • 5
    Não há consenso na literatura no campo do Direito quanto a clara datação da inserção do Termo de Ajustamento de Conduta na legislação nacional. Ver parte dos argumentos em Viégas, Pinto e Garson (2014)VIÉGAS, Rodrigo Nuñez; PINTO, Raquel Giffoni; GARSON, Luis Fernando Novoa. Negociação e acordo ambiental: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll; Fase e Ettern/Ippur, 2014. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br. Acesso em: 1 maio 2017. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-9628/2016.v2i1.917
    http://br.boell.org/pt-br...
    .
  • 6
    Sobre as questões da crise do modelo desenvolvimentista e crise e reforma do estado no Brasil ver, entre outros, Sallum (1996)SALLUM JR., Brasilio. Labirintos: dos Generais à nova República. São Paulo: DCS/FFLCH/USP/Hucitec, 1996., Sola (1993)SOLA, Lourdes (org.). Estado, mercado e democracia: política e economia comparadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. e Velasco e Cruz (1994)VELASCO E CRUZ, Sebastião. A produção do consenso: discurso econômico e conflitos políticos na transição brasileira. In: 18º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, Caxambu, 23-27 de novembro, 1994., Diniz (2000)DINIZ, Eli. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais: Brasil anos 1990. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. https://doi.org/10.1590/s0104-44782000000100012
    https://doi.org/10.1590/s0104-4478200000...
    .
  • 7
    Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; ANA – Agência Nacional de Águas; DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral; Funai – Fundação Nacional do Índio.
  • 8
    IEF – Instituto Estadual de Florestas; Igam – Instituto Mineiro de Gestão de Águas; Feam – Fundação Estadual Do Meio Ambiente.
  • 9
    Iema – Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos; Idaf – Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo; Agerh – Agência Estadual de Recursos Hídricos.
  • 10
    Dois representantes do Ministério do Meio Ambiente (Ibama e ANA) e dois do Governo Federal (Casa Civil e Secretaria de Governo).
  • 11
    Dois representantes do estado de Minas Gerais – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir); dois representantes do estado do Espírito Santo – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Regional (Sedurb).
  • 12
    Dois representantes dos municípios de Minas Gerais – Mariana e Rio Doce –, um representante dos municípios do Espírito Santo – Linhares.
  • 13
    Um representante do Comitê de Bacia Hidrográfica do Doce – CBH-Doce.
  • 14
    Para as inúmeras situações de atraso na execução dos programas definidos pelo TTAC, ver: Ramboll (2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    e 2018RAMBOLL Consultoria. Avaliação do programa de reparação integral da Bacia do rio Doce. Mar. 2018. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-ramboll/view. Acesso em: 4 fev. 2019.
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    ).
  • 15
    Publicada no Diário Oficial da União no dia 08 de julho de 2016, p. 49.
  • 16
    Sobre os problemas da participação dos atingidos e do acesso à informações, conforme preconizados pelas Cláusulas 11 e 12, ver notas técnicas da Câmara Técnica de Comunicação, Participação, Diálogo e Controle Social dos anos de 2016, 2017 e 2018 <http://ibama.gov.br/cif/notas-tecnicas/ct-cpdcs>. Ver também: Ramboll (2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    ; 2018RAMBOLL Consultoria. Avaliação do programa de reparação integral da Bacia do rio Doce. Mar. 2018. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-ramboll/view. Acesso em: 4 fev. 2019.
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    ).
  • 17
    Trata-se de danos de ordem material, como a perda de propriedades, de renda (devido à interrupção total ou temporária das condições de trabalho até então disponíveis), de bens de uso coletivo e também danos imateriais, como a perda de padrões de organização social, identidade coletiva, vínculos de vizinhança e comunitários, além de práticas culturais diversas que configuram os diferentes modos de vida. Isso sem falar nos ricos e agravos à saúde física e mental da população impactada (Ramboll, 2017RAMBOLL Consultoria. Relatório consolidado referente aos trabalhos dos primeiros nove meses de avaliação dos programas socioeconômicos e socioambientais. Dez. 2017. Disponível em: www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-mariana/documentos/relatorio-consolidado-da-ramboll-de-2017/view. Acesso em: 4 fev. 2019. https://doi.org/10.5585/rdb.v3i2.45
    www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-marian...
    , p. 15).
  • 18
    Ramboll Consultoria contratada pelo Ministério Público Federal para prestação de serviços de assessoria técnica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2018
  • Aceito
    13 Mar 2019
  • Publicado
    30 Jul 2019
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