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Investigação e arte: enunciação e propósitos* * Este trabalho foi apresentado no Seminário Internacional ARTE_PESQUISA: Inter-Relações, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da UNESP, pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da USP e pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UNICAMP, e realizado entre os dias 9 e 11 de outubro de 2012 no Instituto de Artes da UNESP, São Paulo. A conferência foi realizada no dia 10 de outubro de 2012.

Resumos

Pretendemos refletir sobre o que se depara ao artista enquanto criador e investigador, ao mesmo tempo em que olhamos o universo da criação e investigação contemporâneas nas instituições universitárias e museológicas. Uma abordagem ao que se pode entender por criação e investigação legitimadas, é ainda alvo de atenção.

criação e investigação na contemporaneidade; instituições universitárias e museológicas; investigação e arte


We intend to reflect on what the artist faces as a creator and researcher, while at the same time examining the universeof legitimized creation and research in the contemporary institutions of the universities and of the museums. An approach to what can be understood as legitimized creation and research is still the target of our attention.

contemporary creation and research; university institutions and museums; art and research



Gilbertto Prado, Série Amazonas, 2011.

Esta é a primeira vez que viajo a este fantástico país, que é continental, em funções académicas. Tantas outras sem conta o fiz, por razões da minha actividade artística e que, cada vez, me deixou mais admirado e apaixonado por tanta e diversa criatividade, emoção e alegria, em olhar a vida e a arte. Muito tenho que aprender sempre que aqui venho, e muito grato lhes estou. E, porque falo de agradecimento, em especial daqui endereço também mais uma vez, o meu reconhecimento ao Professor Maurícius Farina, da UNICAMP, pelo amigo convite que me dirigiu para aqui estar presente. E às Professoras Rejane Coutinho da UNESP, anfitriã destas conferências, e Monica Tavares, da USP, por o subscreverem.

As maiores felicitações pela capacidade de união e co-organização nestas três grandes universidades brasileiras, para pensarem e discutirem este tão interessante quanto complexo problema de abordagem da arte e da investigação, nos seus programas pós-graduados.

O Museu e a Universidade, The Two Art Histories, edição das comunicações das conferencias coordenadas por Charles W. Haxthausen1 1 . Cf: HAXTHAUSEN, Charles W. The Two Art Histories: The Museum and the University. Williamstown, Mass: Sterling and Francis Clark Art Institute, 2002. , apresenta-nos como uma pertinente observação à situação que se vive a consciência de como muitos historiadores de arte, muitas das academias e universidades e museus, consoante se trate, identificam diferentes audiências, diferentes valores, diferentes concepções de bolsas e, em alguns casos, diferentes práticas profissionais, dependendo estas das proveniências, enunciados e dos seus contextos. Não deixa de ser interessante esta nota introdutória, como referência emblemática às instituições com as quais trabalhamos e às quais nos dirigimos: a universidade e o museu.

Se a sociedade e o seu contexto político, como anunciou Nicolas Borriaud e a que chamou de alter-modernismo, é da cultura globalizada e necessariamente do desenvolvimento sustentável, importa compreender como acertar respostas oportunas ao papel que cabe aos artistas, aos professores e investigadores neste contexto.

E, assim, se pode começar a compreender como é possível que Dieter Lesage, em Who’s Afraid of Artistic Research2 2 . Cf: http://www.artandresearch.org.uk/v2n2/lesage.html, consultado em 24 de março de 2013. , retrato do artista como investigador, aponte como uma das mais plausíveis hipóteses do Processo de Bolonha, a contribuição para o fim da hegemonia das ciências naturais na investigação.

No encontro em 2008, em Gradcam, Dublin (editado pela Art and Research, Vol. 2 No. 2), podemos até surpreendermo-nos com a epígrafe: Da nova ciência à ciência sem nome. Esta apologia entusiástica da investigação em arte, não sendo uma novidade em fóruns internacionais, não deixa de ser notada como um crescente indicador do espaço reservado aos artistas, investigadores e professores das nossas universidades.

A questão pertinente e que subsiste na epígrafe citada, é não tanto encontrar espaço porque ele é vasto e fértil para investigação em arte, mas potenciá-la naquilo que ela é sem equívocos, que do pós-modernismo ao alter-modernismo ainda referindo Nicolas Borriaud e desaguando nesse estado nomádico, não nos deverá afastar do essencial à realização da obra enquanto objecto que subjaz a todo e qualquer outro discurso e que o releva; à arte e investigação em arte, da nova ciência à ciência sem nome.

E, citaria Ilka Kabakov em conversa com Robert Storr, 1955: “you are touching upon the most important dilemma facing any viewer of a work of art: wether to gain concrete knowledge and then leave, or to emerse yourself in what is offered”3 3 . Cf: KABANOV, Ilka; STORR, Robert. In conversation with Robert Storr. In: GROYS, Boris (org.). Ilya Kabakov. Londres: Phaidon Press Limited, 1998 . No seu ensaio Teoria como prática da arte: notas para a disciplina, Jonathan Lahey Dronsfield4 4 . DRONSFIELD, Jonathan Lahey. Theory as art practice: Notes for discipline . Art & Research, vol. 2, No 2, primavera de 2009. inverte a aproximação ao problema colocando factores em arbitrariedade: a investigação na arte contemporânea dirige-se ao lugar sensível onde duas presentes modalidades o “visible” e o “writable”, imagem e texto, são ou virão a ser indissociáveis. O “visible” é o objecto que não é só imagem. E o “writable”, é o susceptível de ser dito ou escrito.

Mas, ainda se prestarmos atenção à enunciação, poderemos colocar a questão sobre o contexto em que as academias e as universidades colocam a tónica ao problema.

“And an artist writing a PhD may be presenting that writing, the way in wich art speaks, how it writes what it wants to say of itself, as his or her practice or as theory, or both”5 5 . Idem, Ibdem. .

Ao contrario do autor, não creio que nas artes plásticas a questão central se coloque entre o que é “visível” e o que é “textual” e na negociação entre ambos. Antes cremos, que a qualidade dos discursos tendem tangencialmente instituírem-se como autónomos, se bem que identitários cada um deles do mesmo objecto e do mesmo problema na mesma circunstância. Todavia, haverão de os transcender.

“Artist have always known, with or without knowing, this power of revealing”6 6 . Idem, Ibdem. .

E, aqui, estamos de acordo. O que então se coloca como determinante para o sucesso deste debate é, com efeito, e que a arte e teoria são e querem dizer cada uma e ambas. Como Deleuze as terá referido: sistema de relações dentro de uma grande esfera, com uma multiplicidade de partes que são elas também teóricas e práticas7 7 . Ver, a esse respeito, os estudos de Gilles Deleuze. .

Por aqui se percebe a complexidade da abordagem para o tema que nos reuniu aqui.

Assim, a prática teorizada, a filosofia adjacente à construção de um pensamento potenciador do discurso que sobre o objecto venha a ocorrer também ele sobre o pensamento e a experiência da prática artística, apenas é um dos lados ainda que relevante da questão que se institui sobre a origem e a causa do objecto de arte e de investigação centrada nele, sobre ele ou a partir dele ou concorrentemente concomitante.

Neste universo interdisciplinar e de múltiplas direcções onde nos encontramos, todos os domínios do conhecimento têm sido apropriados pelos artistas para o seu trabalho e investigação. Das ciências humanas às ciências exactas, todas. E, por um lado vão-se colocando com maior ou menor pertinência nas academias e nas universidades, formulários de investigação que atravessam nomenclaturas indiscutíveis do que se optou por chamar “arte com investigação”, em contraponto com a “investigação artística”, onde também não é de todo excluir no contexto internacional, a juntar a estas duas abordagens uma terceira: “arte acerca da investigação”!

Sublinho que o que nos interessa não nos deverá escapar do horizonte.

O que difere no tempo e o atravessa, é o enunciado do ensino e da prática institucional da arte que hoje se reclama, e a que o Processo de Bolonha veio sublinhar e reformular na instauração do primeiro, segundo e terceiros ciclos sequenciais e determinantes em prossecução de estudos e práticas de arte e do design.

Compreendendo aqui e na condição académica do artista, embora ele não queira ser académico mas goste de estar na academia, uma avaliação cada vez mais pertinente e exigente entre aquilo a que viemos falando de relação entre teoria e prática para a investigação em arte.

Se o valor da palavra ou do som e consequentemente também do sinal e da imagem, são territórios obrigatórios e privilegiados da acção, então a valiosa e rigorosa interpretação e desempenho do artista e do professor, do investigador e se quiserem do académico ou universitário, será coordenar e potenciar cada uma das linguagens para desejável e consequente investigação no domínio da sua disciplina, privilegiando-a e colocando-a em dialogo interactivo com a comunidade académica internacional.

Não importa tanto o que foi produzido em detrimento de um determinado espaço de investigação ou de uma específica área disciplinar. Mas antes, quanto se investiu em matéria de interesse globalmente requerido pela comunidade internacional de artistas, professores e investigadores.

Voltando ao ponto onde comecei: a assumpção de um artista ou professor do seu território de interesses sendo eles próprios múltiplos e interdisciplinares, deverá ser acompanhada por uma acção que, independentemente de a poder transcender, deverá ser localmente alicerçada e defendida. Só assim se poderá garantir um interesse exponencial pertinente de valer noutros contextos.

A inevitabilidade da contaminação das experiências partilhadas por universidades e centros de investigação irão forçosamente obrigar à elevação de padrões de qualidade exponencialmente suportados por apoios ou patrocínios cada vez mais exigentes em requerer e de maior grau de dificuldade em conseguir. Essa experiência a que me referi, de visitas a exposições finalistas de instituições de ensino artístico em diversos países europeus e da sua uniformização pouco valiosa, é o sinal de que as reformas de que agora somos chamados a ser intérpretes são uma boa oportunidade para repensarmos todas estas relações e a nossa qualidade de desempenho. Porque, em arte: está-se.

Numa segunda parte da minha comunicação gostaria de poder questionar alguns valores que me parecem essenciais ter em atenção, quer na prática da arte, quer em cada uma das acepções das suas relações com a investigação como a enunciei e que aqui parecem fazer sentido, para a redefinição dos programas pós-graduados que estão a ser avaliados a médio e longo prazo pelas instituições como matéria de estudo: a universidade e o museu.

A saber: um questionamento constante e inequívoco sobre as fontes de informação e seu relacionamento quer com a experiência dita do ensino-aprendizagem, quer como o lugar e as plataformas de tratamento interdisciplinar dessas fontes, assim como da informação propriamente dita com vista à realização de investigação.

Uma avaliação regular sobre a estratégia ou estratégias conjugadas adoptadas na investigação e os resultados de campo e da enunciação ou, ainda em escrita de redacção ou em escrita de processo criador de objecto artístico.

Uma avaliação pontuada e ponderada sobre o valor ético que como diria Spinoza, também é simultaneamente estético, da relação de identidade entre o autor, o discurso e o objecto que ele realiza, e deixa ao olhar e ao questionamento colectivo.

Aparentemente fácil em atingir este consenso a reflexão que nos move, vai ainda para além destes pressupostos.

A cada vez maior e acutilante consciência cívica do cidadão de que a universidade é intérprete, deve cultivar, e de modo mais sensível, aqueles programas. E aí promovem e debatem o olhar do mundo e a sua projecção nele dos estudantes em pós-graduação quer ao nível de mestrado quer de doutoramento e que devem fazer pensar as nossas instituições cada vez mais e com maior responsabilidade de exemplo e de dedicação.

Sabemos há muito tempo que a melhor pedagogia é o exemplo. E, por mais que isso nos custe, o que restará na nossa memória futura é isso mesmo.

Da universidade e dos museus, as instituições que fazem a história da arte em sentidos complementares, por vezes acertivas no paralelismo, ou concorrentes outras vezes, mas, as nossas instituições na sociedade como a olhamos de momento e que balizam todo o resto circunstancial porque são elas que legitimam o pensamento e a acção sobre o que nos propusemos pensar, realizar e investigar. E, essas acepções de que falávamos de “arte com investigação”, “investigação artística” e “arte acerca da investigação”, não são mais que estruturas de abordagem ou, se quisermos, estratégias que em última instancia, sabemos, não se sobrepõem ou colidem com aquilo a que chamamos de arte e do seu significado universal.

São conceitos do museu e das academias que cultivamos e de que necessitamos para trabalhar, e que realizam a história que fazemos no quotidiano.

No seu ensaio retrato do artista como investigador, Dieter Lesage, afirma que uma das mais plausíveis hipóteses do processo de Bolonha é a contribuição para o fim da hegemonia das ciências naturais exactas no campo da investigação como já referimos e, no que eu acredito, apesar das vicissitudes de alguma desmobilização nas academias e na universidade, em torna da defesa do estudante de arte e da perda da sua formação intelectual e oficinal, proveniente da diminuição das horas de contacto e da acreditação dos seus programas de estudo.

Não pomos em causa a crise do critério, como em crise vivemos, mas a verdade na arte como na investigação não deve deixar de nos orientar como afirma Jean-François Lyotard: O critério da operatividade é tecnológico, não é pertinente para julgar o verdadeiro.

Kathrin Busch, em Artistic Research and the Poetics of Knowledge8 8 . Cf: BUSCH, Kathrin. Artistic Research and the Poetics of Knowledge. In: Art & Research, Volume 2. No. 2. primavera de 2009 . , diz-nos que a arte contemporânea se dirige a um lugar sensível onde duas presentes e opostas modalidades, o visível e o escrito, o que se olha e o que se lê escrito, são ou tendem a ser indiscerníveis. Ora, vendo bem, o que os programas pós-graduados das nossas universidades propõem é essencialmente questionar o nosso pensamento, sistematizá-lo e promover a qualidade da criação plástica e do design e da sua reflexão teórica também sem subserviência de um pensamento ou prática de um a outro. O ponto de vista dos interlocutores que interferem na construção e acompanhamento dos programas pós graduados é diverso, e informa-se nas estruturas académicas que geralmente os motivaram e os formaram. Por isso, nada mais natural saber que cada um olha do modo que olha o objecto, sem ser detentor da verdade ou do conhecimento, mas contribuindo com o seu ponto de vista para a construção sustentada e metodológica da investigação do estudante em investigação. Nada mais natural saber que o acaso de sermos em determinado momento intérpretes no nosso mundo e com responsabilidades institucionais atribuídas não nos dá o direito de não equacionarmos e definirmos com cada vez mais abertura, e nem por isso menos exigência, a nossa abordagem de condução e orientação nos programas de investigação e pesquisa que nos propusemos seguir e acompanhar com os estudantes que nos escolheram ou às nossas instituições, para saberem mais de si próprios, do mundo e da arte.

  • 1
    . Cf: HAXTHAUSEN, Charles W. The Two Art Histories: The Museum and the University. Williamstown, Mass: Sterling and Francis Clark Art Institute, 2002.
  • 2
    . Cf: http://www.artandresearch.org.uk/v2n2/lesage.html, consultado em 24 de março de 2013.
  • 3
    . Cf: KABANOV, Ilka; STORR, Robert. In conversation with Robert Storr. In: GROYS, Boris (org.). Ilya Kabakov. Londres: Phaidon Press Limited, 1998
  • 4
    . DRONSFIELD, Jonathan Lahey. Theory as art practice: Notes for discipline . Art & Research, vol. 2, No 2, primavera de 2009.
  • 5
    . Idem, Ibdem.
  • 6
    . Idem, Ibdem.
  • 7
    . Ver, a esse respeito, os estudos de Gilles Deleuze.
  • 8
    . Cf: BUSCH, Kathrin. Artistic Research and the Poetics of Knowledge. In: Art & Research, Volume 2. No. 2. primavera de 2009 .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2012

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2012
  • Aceito
    26 Out 2012
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