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EMPRESA FAMILIAR: IDENTIFICAÇÃO DAS REPERCUSSÕES ECONÔMICAS, TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS POR MEIO DA TRAJETÓRIA DOS SUCESSORES

FAMILY FIRMS: ECONOMICAL, TECHNOLOGICAL AND MANAGERIAL REPERCUSSIONS IDENTIFIED FROM THE PATH OF SUCCESSORS

RESUMO

Este artigo enfoca o processo sucessório em uma empresa familiar e suas repercussões nos resultados econômicos, tecnológicos e organizacionais de um grupo empresarial. Para tal, é apresentado o estudo de caso do grupo Ypióca, empresa brasileira que se encontra na 4ª geração e já preparando a 5ª geração. Com mais de um século e meio de existência, o grupo Ypióca integra um sistema de sete modernas empresas de porte médio. Seu principal produto está presente no mercado nacional e internacional: a aguardente de cana-de-açúcar. A coleta de dados da pesquisa foi realizada por meio de documentos e entrevistas com envolvidos no processo sucessório (atual dirigente-sucessor e herdeira da 4ª geração). São apresentadas as repercussões econômicas, tecnológicas e organizacionais nos resultados da empresa, assim como a análise do processo sucessório pela construção da sucessão.

PALAVRAS-CHAVE:
Empresa familiar; Repercussões; Sucessores

ABSTRACT

This paper deals with the succession process at the familiar firm and its influences on the economic and technological results to the enterprise. In order to attain this goal, this study presents the case of group Ypióca, a brazilian firm which is in the 4 th family generation going to the 5 th one. Over more than one century and a half, the corporation consolidated seven modern medium enterprises all of them engaged at the manufacturing of an high quality product that is included in the international an national markets: the aguardente from sugar cane. The data collection was made by means of documents and interviews from the person related to the succession process (the present successor-directrice that is the 4 th generation succeed). The economic and technological succession influences on the enterprise performance results are presented in this study as well the analysis of succession procedures by means of the succession process itself.

KEYWORDS:
Family firms; Repercussions; Successors

1 INTRODUÇÃO

Graças ao número de estudos e pesquisas sobre empresas familiares, que são bastante numerosos, podemos contar com um conjunto de conhecimentos de grande valia nos diagnósticos e prognósticos para esse tipo de organização.

Uma análise mais detalhada das chamadas empresas familiares as divide em dois grupos, de acordo com Martins et al. (1999, p. 34)MARTINS, Ives et al. Empresas familiares brasileiras: perfil e perspectivas. São Paulo: Negócios, 1999.:

O primeiro grupo corresponde às empresas de pequeno e médio porte de capital fechado, com a propriedade fortemente concentrada ou até exclusiva da família. O controle é muito centralizado em um ou mais membros da família, que ocupam os cargos administrativos mais importantes da firma e são denominadas de empresas familiares centralizadas (controle centralizado) ou fechadas (capital fechado). O segundo grupo é composto pelas empresas familiares de maior porte, as quais tendem a sofrer certas transformações como: abertura de capital, diminuição do grau de concentração da propriedade do capital, profissionalização da gestão e busca de maior descentralização do controle, com menos participação de familiares no quadro diretivo, com a possibilidade, inclusive, de presença exclusiva no Conselho de Administração. Elas são denominadas de empresas familiares descentralizadas (controle mais descentralizado) ou abertas (capital aberto).

O grupo empresarial Ypióca, objeto de nosso estudo, faz parte do segundo grupo enunciado por Martins et al. (1999)MARTINS, Ives et al. Empresas familiares brasileiras: perfil e perspectivas. São Paulo: Negócios, 1999..

A identificação das fases de crescimento ou estágio no qual se encontra a organização familiar caracteriza as diferentes abordagens de estilo gerencifal, no que diz respeito à liderança. As fases de vida das empresas têm sido objeto de interesse por parte das teorias de gestão e de análises das ciências sociais que tomam por sujeito as organizações. Todas as empresas passam por diferentes etapas, mais ou menos prolongadas, cada uma apresentando suas próprias peculiaridades. Este desenvolvimento pode ser comparado com o ciclo de vida do produto. Como os produtos, as empresas não se movem em torno de um ciclo na mesma velocidade e, ao contrário da maioria dos produtos, as empresas podem permanecer na mesma etapa durante um período de tempo considerável.

Os modelos de ciclos de vida das empresas em geral fazem claras distinções entre os estágios, marcados por mudanças específicas na estrutura e nas operações da organização. A transição entre as etapas vem, quase sempre, acompanhada por uma crise que, tendo sua origem em causas internas ou externas à empresa, supõe o final de uma etapa e o início da seguinte (WARD, 1994WARD, J. L. Como desarrolar la empresa familiar; planificacion, estrategia de crescimiento, rentabilidad y liderazgo familiar duraderos. Buenos Aires: El Atenneo, 1994. ).

O objetivo central do presente trabalho é traçar o percurso da passagem do bastão entre as gerações identificando seus ciclos de vida, assim como as dinâmicas das relações empresa versus família, e procurando mostrar os ônus dos sucessores em termos das repercussões econômicas e tecnológicas vivenciadas pelo grupo Ypióca.

Este artigo está estruturado em três partes: referencial teórico, metodologia da pesquisa e apresentação e análise dos resultados.

Como referencial teórico, o artigo enfoca, em primeiro lugar, alguns modelos que trabalham os ciclos de vida da empresa familiar e, em segundo lugar, os modelos das dinâmicas das relações empresa versus família.

Adotamos, para efeito da análise do grupo empresarial Ypióca, a tipologia apresentada por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.) quanto aos ciclos de vida da empresa familiar. O processo de crescimento da pequena e média empresa obedece e acompanha, quase sempre, a ordem que a literatura de gestão consagra como os ciclos de vida da organização.

Quanto às dinâmicas das relações empresa versus família, adotamos para efeito deste trabalho a tipologia apresentada por Guerreiro (1996)GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. . O referido modelo identifica as dinâmicas típicas por meio das quais uma família e uma empresa estabelecem laços uma com a outra em termos de propriedade e direção.

A segunda parte explica a metodologia adotada. Por intermédio de um estudo de caso, procuramos reconstituir a história do grupo empresarial Ypióca considerando a história de seu fundador e seus sucessores e apresentando as situações de transição e transferência de gestão.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa adota basicamente técnicas qualitativas apoiando-se, fortemente, na análise documental e na utilização dos relatos orais para a realização do trabalho.

Na terceira parte, a análise do estudo de caso está organizada em quatro etapas e/ou fases que perfazem um período de 156 anos. A primeira etapa/fase, compreendida entre 1846 e 1893, é denominada de “o bisavô-fundador”. A segunda fase, denominada de “o avô-sucessor”, abrange 1893 a 1929. A terceira fase que compreende o período correspondente de 1929 a 1968 e a qual chamamos de “o pai-empreendedor”. E, finalmente, a quarta e última fase, denominada “o dirigente atual: o filho-inovador”, corresponde de 1968 aos dias atuais. São identificadas, em cada uma das etapas/fases da empresa, as repercussões econômicas e tecnológicas vivenciadas pelo grupo Ypióca.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O CICLO DE VIDA DAS ORGANIZAÇÕES: A ESCOLHA DO MODELO

A literatura em gestão apresenta alguns estudiosos que adotam tipologias que tratam do ciclo de vida das organizações. Dentre as mais citadas, indicamos as tipologias de Adizes (1990ADIZES, Ichak. Os ciclos de vida das organizações. Como e por que as empresas crescem e morrem e o que fazer a respeito. São Paulo: Pioneira, 1990. ), de Mendhan (1989MENDHAN, Stanley. Os problemas internos e externos enfrentados pelas pequenas empresas. Digesto Econômico, ano 14, n. 339, nov./dez. 1989. ) e de Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.).

A tipologia adotada por Adizes (1990ADIZES, Ichak. Os ciclos de vida das organizações. Como e por que as empresas crescem e morrem e o que fazer a respeito. São Paulo: Pioneira, 1990. ) divide o ciclo de vida de uma organização em: estágios de crescimento (namoro, infância e toca-toca); o segundo nascimento e a maior idade (adolescência e plenitude) e o processo de envelhecimento (organização estável, aristocracia, burocracia incipiente, burocracia e morte).

Mendhan (1989MENDHAN, Stanley. Os problemas internos e externos enfrentados pelas pequenas empresas. Digesto Econômico, ano 14, n. 339, nov./dez. 1989. ) é outro estudioso que apresentou uma tipologia para os estágios de crescimento das pequenas e médias empresas, classificados na seguinte ordem: estágio inicial, estágio de expansão, estágio estático, estágio de declínio e encerramento. Para o autor, o desenvolvimento de pequenas e médias empresas no país não é aleatório. Ocorrem dentro de padrões conhecidos, influenciados por problemas internos e externos.

Adotamos, para efeito da análise do grupo empresarial Ypióca, a tipologia apresentada por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.). Para a autora, os estágios pelos quais passam as organizações podem ser definidos e apresentados na seguinte ordem seqüencial: existência, manutenção, êxito, desenvolvimento, utilização máxima dos recursos e esclerose. Cada um dos estágios citados é descrito de maneira explicativa, no interior deste trabalho, à maneira de Churchill (1983CHURCHILL, Neil. Les cinq stades de l’évolution d’une PME. Harvard-L’Expansion, n. 30, automne, 1983. ). O processo de crescimento da pequena e média empresa obedece e acompanha, quase sempre, a ordem que a literatura de gestão consagra como os ciclos de vida da organização.

ESTÁGIO 1: A EXISTÊNCIA/CRIAÇÃO DA EMPRESA

As pequenas e médias empresas iniciam seu processo de crescimento ainda no estágio da existência. Esse momento consiste em começar um empreendimento, o que requer uma série de investimentos. Nesse estágio, a organização é simples: o empreendedor tudo faz e supervisiona diretamente seus empregados. A origem social do empreendedor é uma característica posta em evidência nesse estágio. A maioria deles é composta pelos filhos de pais que jamais passaram dos ensinamentos primários ou filhos de operários ou de pequenos comerciantes.

A procura de clientes e a distribuição de seu produto ou prestação de serviço, a busca de fornecedores e de empregados, a necessidade de instalações, de infraestrutura, de apoio da família e de legalização da empresa são alguns dos problemas que o empreendedor deverá enfrentar no curso desse estágio. Os sistemas de planejamento formal são mínimos, quando não, inexistentes. A estratégia da empresa se resume em “ficar viva”. O empreendedor e a empresa constituem um conjunto. É o empreendedor quem efetua todas as tarefas importantes. Em certos casos, o empreendedor se acha incapaz de enfrentar os obstáculos inerentes aos negócios e abandona o empreendimento.

É bastante conhecida a constatação de que os dois períodos mais perigosos da vida de uma empresa se situam no momento de sua criação e no momento do processo sucessório; o risco de mortalidade é mais elevado quando da criação do que quando da transmissão (LEHMANN, 1993LEHMANN, Paul-Jacques. Le financement de la transmission des PME. Revue Française de Gestion, n. 95, sept./oct. 1993. , p. 116).

No Brasil, os altos impostos, a burocracia legal, a crise econômica, a falta de recursos e as altas taxas de juros foram citados por empresários como motivos considerados importantes para um eventual fracasso (CHÉR, 1996CHÉR, Rogério. Abrindo com sucesso o próprio negócio: fundamento e prática para o empreendedor brasileiro. São Paulo: Maltese, 1996. ).

A informação mais sintomática e preocupante que a pesquisa do Sebrae revela é que aproximadamente 80% destas empresas não ultrapassam o primeiro ano de vida. Estas informações, segundo Bernhoeft (1996BERNHOEFT, Renato. Como criar, manter e sair de uma sociedade familiar (sem brigar). São Paulo: Ed. Senac SP, 1996. , p. 54) “carecem das justificativas e causas que levaram essas pessoas a desativarem ou dissolverem seus negócios”.

Para Gracioso (1995GRACIOSO, F. (Org.). Grandes sucessos da pequena empresa. Histórias reais. Brasília: Sebrae, 1995. , p. 10), “a taxa média de sobrevivência dos pequenos empreendimentos entre cinco e dez anos é de apenas 24%, enquanto, entre as empresas com até cinco anos de vida, essa taxa sobe para 47,5%”. Para o autor citado, a falta de competência gerencial e de conhecimento prático do ramo que o empresário escolheu para operar é apontada como uma das causas desse desaparecimento. Gracioso (1995GRACIOSO, F. (Org.). Grandes sucessos da pequena empresa. Histórias reais. Brasília: Sebrae, 1995. , p. 24) afirma que o empreendedor criador de empresa deve ter raciocínio lógico e desenvolvimento mental. Treinar a arte de pensar com lógica, não se deixar levar pela emoção, desprezando a razão. A intuição é importante, mas “uma vez encontrada uma idéia ela deve ser submetida ao crivo da razão antes de ser adotada”.

Consultando a literatura existente consagrada ao modo de ação e aos problemas das pequenas e médias empresas, é fácil isolar algumas motivações individuais que determinam os objetivos dos empreendedores quando da criação de empresas. Entre essas motivações podemos relacionar as mais significativas e mais freqüentemente citadas: auto-realização profissional; rendimento particular; criação de um produto ou de um serviço; materialização de uma habilidade específica; independência financeira; posse de seu próprio negócio. No estágio da existência/criação da empresa, os empreendedores apresentam esse perfil: racional, maduro, que pondera cuidadosamente os prós e contra antes de escolher um novo caminho; inovador, perseverante, positivo, prudente, criativo; com objetivos claros e bem definidos, com consciência dos riscos.

ESTÁGIO 2: A MANUTENÇÃO

Encontrando-se nesse estágio, a pequena e média empresa demonstram a potencialidade do “negócio”. Já contam com uma boa e contente clientela, apresentando uma produção ou serviços satisfatórios. O problema principal é a relação entre receita e despesa. A organização é ainda simples. Ela pode contar com um número limitado de empregados, supervisionados por um diretor comercial que executa as ordens emanadas do dirigente-proprietário. O planejamento formal consiste em uma previsão financeira. O objetivo maior continua sendo a sobrevivência e o dirigente-proprietário é o único representante da organização.

Nesse estágio, a empresa pode continuar a crescer em tamanho e em rentabilidade e passar ao estágio 3. Entretanto, ela pode permanecer nesse estágio e cessar suas atividades se o dirigente a abandonar ou se demitir. As empresas familiares figuram nessa categoria.

O grau de instrução do empreendedor é uma variável que deve ser levada em consideração para caracterizar o dirigente da pequena e da média empresa, já que ele muda sensivelmente segundo o tamanho da empresa. A maior parte dos pequenos empreendedores não efetua nenhum esforço para a melhoria de sua formação ou sua especialização. Ao assumir o estágio da manutenção, o empreendedor pode ser caracterizado como um homem com coragem para assumir riscos, detentor de habilidades administrativas e que necessita da tolerância da família para manter seu negócio.

ESTÁGIO 3: O ÊXITO/EXPANSÃO

O estágio do êxito caracteriza-se pela decisão estratégica e imperativa de explorar novos mercados ao seu redor, a fim de se expandir ou manter uma certa estabilidade e um certo rendimento, assegurando as bases para outras atividades que o dirigente-proprietário decida empreender. A questão fundamental consiste em utilizar a organização como meio de expansão em direção a novos mercados ou como ponto de apoio para o dirigente-proprietário, por ocasião do seu desengajamento parcial ou total da empresa.

Esse desengajamento pode ser devido à vontade de montar um novo negócio, de exercer uma função política ou, simplesmente, de consagrar seu tempo a outras distrações ou a outros centros de interesses estranhos à organização. Sua principal motivação é a auto-realização. No estágio êxito/expansão, o dirigenteproprietário consolida sua organização, reunindo todos os recursos necessários ao crescimento e arrisca todos os fundos para financiar essa expansão. O dirigente-proprietário que leva a organização ao estágio êxito-expansão pode ser caracterizado como um tomador de decisão, um consolidador de empresa, apresentando necessidade de crescimento. É um empreendedor-gestionário e inovador que privilegia o crescimento. Se a organização atinge esse estágio, a empresa aborda o quarto estágio.

ESTÁGIO 4: O DESENVOLVIMENTO

No curso desse estágio, os principais problemas concernem à obtenção de um crescimento rápido e às possibilidades de financiamento desse crescimento; as questões mais importantes são as da delegação do poder e das finanças.

Chegando a esse estágio, a empresa é descentralizada no que concerne a certas áreas, como serviço de venda e produção, por exemplo. Assiste-se a um planejamento operacional e estratégico. O dirigente da empresa e a idéia de organização são, nesse estágio, relativamente distintos, mesmo se essa última é ainda dominada pela presença do primeiro.

É no decorrer desse estágio de sua vida que a organização poderá se transformar numa grande empresa, caso ela deseje manter esse crescimento do ponto de vista financeiro e de direção. Caso contrário, a organização pode, em geral, ser vendida com lucro. É verdade que algumas empresas atravessam esse estágio sem a presença da direção de origem. Isso pode ser devido ao fato de o empreendedor que fundou essa sociedade e levou-a até o estágio do êxito ter sido substituído, voluntaria ou involuntariamente. Se a empresa atinge o estágio do desenvolvimento, ela pode restringir sua atividade e ficar numa posição favorável dentro de um certo ponto de equilíbrio determinado. Se os problemas são muito graves, a empresa pode retornar ao estágio da manutenção ou ainda desaparecer totalmente. No estágio do desenvolvimento a delegação do poder, a distinção quase perfeita entre pessoa física e pessoa jurídica e a descentralização das atividades caracterizam o perfil do empreendedor.

ESTÁGIO 5: A UTILIZAÇÃO MÁXIMA DOS RECURSOS

O estágio da utilização máxima dos recursos trata, antes de tudo, de consolidar e de controlar os trunfos financeiros obtidos pelo crescimento rápido e, igualmente, de conservar as vantagens de uma pequena e média empresa, inclusive a flexibilidade de ação e o espírito de dinamismo. A organização deve pensar em reforçar a direção e a administração a fim de eliminar os problemas surgidos pelo grau de crescimento, em como desenvolver seu profissionalismo no planejamento estratégico, na direção por objetivos e em sistemas de contabilidade, sem, entretanto, modificar seu dinamismo.

A empresa detém, agora, os meios humanos e financeiros para poder proceder a um planejamento operacional e estratégico. A direção é descentralizada e se beneficia de um pessoal competente e experiente. Os sistemas da organização são bem desenvolvidos. A separação entre dirigente e empresa é visível, tanto do ponto de vista financeiro quanto de sua utilização. O espírito inovador, entretanto, é a força que mais identifica esse estágio de vida da organização. A empresa chegou à maturidade. Seus trunfos são seu porte, seus recursos financeiros e a competência de sua direção. Se ela for capaz de manter e conservar seu dinamismo e seu espírito inovador, se constituirá, sem dúvida, numa força importante no mercado. Caso contrário, poderá entrar num último estágio, aquele da esclerose.

ESTÁGIO 6: A ESCLEROSE

Esse estágio de “esclerose” se caracteriza pela falta de inovação e pela recusa em assumir riscos. Um exemplo foi a Sobrecil, do setor da construção civil, que foi assumida por empreendedores quando se encontrava em concordata. Os empreendedores “ajudaram a tirá-la desta posição e foi a partir dessa experiência que criaram uma nova empresa” (BARROS; PRATES, 1996BARROS, Betania; PRATES, Marco Antonio. O estilo brasileiro de administrar. São Paulo: Atlas, 1996. , p. 108).

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2.2 O MODELO DAS DINÂMICAS DAS RELAÇÕES EMPRESA X FAMÍLIA: MODELO ADOTADO

Gersick et al. (1997) apresentam o modelo de três círculos que descreve o sistema da empresa familiar como três subsistemas independentes, mas superpostos: gestão/empresa, propriedade e família. Os círculos da gestão/empresa, dos proprietários e da família podem criar um quadro de qualquer sistema de empresa familiar em determinado momento. Por meio do conjunto de três eixos de desenvolvimento de propriedade, família e empresa, o modelo descreve um espaço tridimensional. Este quadro, no dizer de Gersick et al. (1997)GERSICK et al. De geração a geração. Ciclos de vida das empresas familiares. São Paulo: Negócios, 1997. , pode ser um valioso passo na compreensão da empresa.

O modelo proposto por Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ) identifica as dinâmicas típicas pelas quais uma família e uma empresa estabelecem laços uma com a outra em termos de propriedade e direção. Adotamos, para efeito da análise do grupo empresarial Ypióca, a tipologia apresentada por Guerreiro (1996).

A citada autora, em seus estudos abordando a relação empresarial entre a família e a organização, desdobra essa relação em quatro tipos básicos, dependendo da simultaneidade ou precedência relativa do acesso da família à condição empresarial e da constituição da empresa. Essas dinâmicas foram designadas por ascensão-fundação, ascensão-aquisição, continuidade-fundação e continuidadesucessão.

Com o objetivo de identificar o conjunto de modalidades típicas das dinâmicas pelas quais uma família e uma empresa estabelecem laços em termos de propriedade e direção, tomaremos o dirigente como referência primeira.

A primeira dessas dinâmicas - ascensão-fundação - acontece por ocasião da fundação da empresa por famílias até então afastadas da atividade empresarial.

A existência prévia de empresas que vêm a ser adquiridas por famílias até então não proprietárias de capitais empresariais são designadas de ascensão-aquisição e constitui a segunda dinâmica. Nessa dinâmica, encontram-se antigos assalariados a quem surge a oportunidade de adquirir uma empresa já existente, algumas vezes aquela em que eram empregados. Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. , p. 219) explica

que a ausência de sucessores na anterior família proprietária da empresa, o surgimento de dificuldades financeiras e laborais, impossibilitadoras de manter o empreendimento na posse de seus primeiros proprietários, ou, ainda, a saída de alguns sócios, são algumas do conjunto das situações que mais freqüentemente explicam a aquisição do capital de uma empresa, ou parte dela, por um ou por vários dos seus trabalhadores.

Constitui a terceira dinâmica aquela composta por famílias com antecedentes empresariais, cujos descendentes fundam novas empresas. E é nomeada de dinâmica da continuidade-fundação. Conforme Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. , p. 218), o

que caracteriza a dinâmica de ligação da família à empresa é o fato de o grupo familiar já ser detentor de empreendimentos quando alguns dos seus membros decidem criar (ou, em casos mais residuais, comprar) outras empresas, normalmente após um período de atividade profissional como assalariados.

A dinâmica da continuidade-sucessão constitui dinâmica completamente inversa da primeira análise. Ela é encontrada quando já existem empresas familiares e o empresário dá continuidade à gestão do patrimônio empresarial da família. As análises sobre o planejamento do processo sucessório, os duelos encontrados e pesquisas elaboradas pela autora a respeito da visão de dirigentes sobre o assunto em questão são referenciados em seções neste estudo.

Pelo estudo de caso aqui apresentado, procurou-se identificar e descrever as fases marcadas por mudanças significativas e desenvolvimento do grupo empresarial Ypióca, buscando, ainda, analisar os motivos que levaram à utilização de modelos de gestão diferenciados.

3 METODOLOGIA

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Este artigo, por meio de um estudo de caso, procura reconstituir a história do grupo empresarial Ypióca pela história do seu fundador e seus sucessores, apresentando as situações de transição e transferência de gestão.

Do ponto de vista metodológico, adotamos, basicamente, técnicas qualitativas apoiando-nos, fortemente, na análise documental e na utilização dos relatos orais. O estudo de caso foi desenvolvido em três etapas. Na primeira etapa, foi realizado um levantamento de dados sobre o grupo Ypióca. Estes dados foram coletados por entrevistas com o atual dirigente da empresa, com uma das herdeiras da 4ª geração e com dois gerentes do grupo. Na segunda etapa, foi feito um levantamento de dados de caráter documental analisando-se a documentação escrita fornecida pelo grupo Ypióca, assim como uma visita de conhecimento ao Museu da Cachaça que retrata toda a história da trajetória da empresa, objeto de nosso estudo. Na terceira etapa, foram examinados e analisados todos os dados coletados na investigação com o objetivo de descrever a trajetória do grupo.

3.2 A HISTÓRIA DE UMA GRANDE EMPRESA FAMILIAR

Com mais de um século e meio de existência, o grupo Ypióca integra um sistema de sete modernas empresas de porte médio, gerando 2.000 empregos diretos e mais de 20.000 indiretos. Ypióca é a única aguardente do Ceará, e uma das poucas do país, encontrada em todos os grandes supermercados, atacadistas, distribuidores e casas especializadas em todo o Brasil, sendo exportada para os Estados Unidos, Japão e diversos países da Europa. A busca constante da excelência fez com que o grupo Ypióca se modernizasse, adquirindo máquinas de alta tecnologia e desenvolvendo um processo integrado, que permite o controle total da produção. Da seleção da matéria-prima e plantio até a industrialização de embalagens (por meio da reciclagem de subprodutos), é garantida a preservação do meio ambiente, outra preocupação do grupo Ypióca.

Em 2001, a Ypióca lançou a primeira cachaça do mundo produzida com adubo orgânico e de fermentação natural.

4 UMA PERIODIZAÇÃO DA TRAJETÓRIA EMPRESARIAL DO GRUPO YPIÓCA

Na tentativa de identificar o ciclo de vida da empresa, adotamos a tipologia apresentada por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.), que reconhece os estágios pelos quais passam as organizações. Os estágios são os seguintes: 1º estágio: existência/criação da empresa; 2º estágio: manutenção; 3º estágio: êxito/expansão; 4º estágio: desenvolvimento; 5º estágio: utilização máxima dos recursos; o 6º e último: esclerose.

São identificadas, também, no estudo, as dinâmicas típicas pelas quais uma família e uma empresa estabelecem laços uma com a outra em termos de propriedade e direção, de acordo com o modelo proposto por Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ). Essas dinâmicas foram designadas por ascensão-fundação, ascensão-aquisição, continuidade-fundação e continuidade-sucessão. Os tópicos descritos foram identificados em cada uma das etapas e/ou fases que perfazem o período de existência do grupo Ypióca.

4.1 O BISAVÔ-FUNDADOR - DE 1846 A 1893

Histórico: Dario Telles de Menezes, um português de visão privilegiada, desembarcou no Ceará, em 1840, trazendo na bagagem o segredo dos melhores destilados europeus. Instalou-se na cidade cearense de Maranguape, distante 30 km da capital do estado, onde deu início a um engenho batizando-o de Ypióca. A plantação de cana-de-açúcar e seu cultivo com enxada, pois não existia naquela época nenhum tipo de máquina agrícola, foi iniciada em uma faixa de um hectare. Com a cana moída, em um engenho de três moendas e a destilação feita em um alambique de carga, de baixa produção, foi fabricado, em 1846, o primeiro litro de aguardente Ypióca, no Estado do Ceará. O alambique produzia, em média, 30 litros por dia. Depositada em um pequeno tonel de madeira, a aguardente era vendida a granel, pois naquela época não existia engarrafamento. Dario Telles de Menezes, depois de 47 anos como dono da propriedade, entregou-a ao seu filho Dario Borges Telles - seu sucessor.

Ciclo de vida: De acordo com a tipologia formulada por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.), a empresa inicia seu processo de crescimento no estágio da existência/criação da empresa. Esse momento consiste em começar um empreendimento, o que requer uma série de investimentos. A empresa no estágio de sua criação apresenta uma organização estrutural e decisional muito simples, sendo o dirigenteproprietário o “homem orquestra”. Ainda não ascendeu às classes sociais mais elevadas. São, geralmente, filhos de operários ou de pequenos comerciantes que não atingiram os ensinamentos primários ou elementares.

A empresa objeto da pesquisa, mostrando o início de seu processo de fundação e crescimento, caracteriza e identifica o ciclo de vida organizacional como sendo o estágio existência/criação.

Dinâmica família x empresa: Segundo o modelo de Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ), a primeira dinâmica que identifica o conjunto de modalidades típicas das dinâmicas pelas quais uma família e uma empresa estabelecem laços, em termos de propriedade e direção, acontece por ocasião da fundação da empresa por famílias até então afastadas da atividade empresarial. Essa dinâmica é chamada de ascensão-fundação e tem no dirigente sua principal figura. Essa é a dinâmica que identifica o grupo empresarial estudado.

4.2 O AVÔ-SUCESSOR - DE 1893 A 1929

Histórico: A segunda geração, capitaneada por Dario Borges Telles, introduziu o engenho de ferro fundido, mas o processamento ainda era absolutamente manual. Com a morte de Dario Borges Telles, ficaram na orfandade seis filhos menores. Para melhor acompanhar os afazeres desenvolvidos na propriedade, sua esposa viúva, Eugênia Menescal Campos, transferiu-se para a fazenda de Maranguape, sede da empresa.

Ciclo de vida: A tipologia apresentada por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.) mostra que estando a organização no estágio da manutenção já demonstra, claramente, um grande potencial para o desenvolvimento. A empresa já adquiriu uma boa clientela, apresentando produtos e serviços satisfatórios. O problema enfrentado no atual estágio é a relação entre receita e despesa. A organização continua simples. Conta com um número limitado de empregados, supervisionados por um diretor comercial que executa as ordens do dirigente. O objetivo da organização continua sendo o da sobrevivência. Caso ela continue a crescer em tamanho e rentabilidade passará para o estágio de êxito. A previsão financeira é, até agora, a única função onde o planejamento formal é executado.

Dinâmica família x empresa: Segundo o modelo de Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ), a dinâmica da continuidade-sucessão é encontrada quando já existe a empresa e o empresário dá continuidade à gestão do patrimônio empresarial da família. Essa dinâmica é identificada com o grupo empresarial estudado quando a geração no poder dá continuidade às atividades da empresa, introduzindo alguma tecnologia.

4.3 O PAI-EMPREENDEDOR - DE 1929 A 1968

Histórico: Paulo era o mais velho dos seis filhos de Dario Borges Telles e Eugênia Menescal Campos. Tinha 14 anos de idade por ocasião da morte de seu pai e estudava em Fortaleza, capital do estado. Os contadores de história - um dos elementos de base do conhecimento da cultura organizacional - narram o episódio que passamos a descrever: “Certo dia, durante um fim de semana, quando descia do pátio da fazenda, avistou ao longe uma mulher que passava a cavalo por dentro do canavial. Informando-se sobre quem era aquela senhora, disseram-lhe ser sua mãe, Dona Eugênia, que fiscalizava o serviço de campo da propriedade. Paulo afirmou para a sua irmã Telina, que estava a seu lado, que aquele trabalho não era para sua mãe, mas sim, para ele próprio. Chegando a Fortaleza, pediu demissão de seu emprego, cancelou sua matrícula no colégio e, na semana seguinte, chegava a Ypióca com todos os seus pertences. Sua mãe, preocupada se ele iria demorar-se na fazenda, ouviu como resposta: ‘Não minha mãe, cheguei para ficar em definitivo. Assumirei a responsabilidade desta propriedade e desta casa, ajudarei a criar e educar todos os meus irmãos e a senhora terá a vida que merece’. Dona Eugênia, emocionada, chorando, abraçou o filho e disse-lhe: ‘entregarei nas tuas mãos tudo o que nos pertence, tudo o que teu pai nos deixou, porque confio em ti’. Paulo estava assumindo seu lugar de sucessor”. Sem conflitos e seguindo a prática milenar: a passagem do bastão para o primogênito. Ao assumir, Paulo Campos Telles estabeleceu importantes inovações como o engarrafamento em litros com conta-gotas e o envelhecimento em tonéis de bálsamo que permitiram a estocagem da aguardente por mais de dois anos.

Ciclo de vida: Na tipologia proposta por Leone (1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.), esse estágio leva o dirigente a uma decisão estratégica: explorar novos mercados ou seu desengajamento parcial ou total da empresa. Suas motivações podem ser de vários tipos: vontade de montar um novo negócio, exercer uma função política ou, simplesmente, consagrar seu tempo a outras distrações. A organização já está consolidada. Tendo as características de liderança o dirigente reúne os recursos visando o crescimento e arrisca financiamentos para promover a expansão de sua empresa. Chegando ao estágio êxito/expansão o dirigente-proprietário caracteriza-se como um tomador de decisão, um consolidador de empresa, um inovador que procura o crescimento.

O grupo Ypióca encontrava-se, naquele momento, no estágio êxito/expansão identificado pelas importantes inovações introduzidas pelo dirigente empreendedor, assim como pela exploração de novos mercados, pela consolidação da organização e sua visão de crescimento.

Dinâmica família x empresa: Segundo o modelo de Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ), a dinâmica da continuidade-sucessão é encontrada quando já existe a empresa e o empresário dá continuidade à gestão do patrimônio empresarial da família. Essa é a dinâmica identificada no grupo empresarial estudado quando o sucessor intensifica o crescimento da empresa, fazendo o patrimônio aumentar e seu produto atingir os mercados nacional e internacional.

4.4 O DIRIGENTE ATUAL: O FILHO-INOVADOR - DE 1968 AOS DIAS ATUAIS

Histórico: A quarta geração, na pessoa de Everardo Ferreira Telles, nascido em 4 de fevereiro de 1943, “ao receber a direção da empresa, nada teve a reclamar pois tudo estava em perfeita ordem, mas o sucessor queria mais. Queria duplicar, triplicar, quem sabe, formar um grupo empresarial” (www.ypioca.com.br). O dirigente atual assumiu a direção da empresa em 1968 inovando com tecnologia de ponta, o que propiciou a criação de novas empresas e a diversificação dos produtos, fazendo da Ypióca uma das empresas de bebidas mais sólidas do país. Ao chegar em Maranguape em 1968, encontrou ali apenas uma fábrica que produzia 800 mil litros de aguardente. Hoje, sete empresas pertencem ao grupo Ypióca. São cinco as unidades produtoras da aguardente. A produção é, hoje, de 60 milhões de litros/ano.

Ciclo de vida: No estágio do desenvolvimento, o dirigente enfrenta duas questões cruciais: a delegação de poder e a administração das finanças. Algumas áreas como vendas e produção são descentralizadas. Já se faz sentir, na empresa, os resultados do planejamento operacional e estratégico. A pessoa física já não mais se confunde com a pessoa jurídica, embora a empresa ainda seja dominada pela presença do dirigente-proprietário. Ao atingir o estágio de desenvolvimento a organização poderá se tornar uma grande empresa, restringindo suas atividades ao ponto de equilíbrio ou poderá ser vendida.Algumas empresas atravessam esse estágio já tendo organizado e planejado seu processo sucessório. O fundador já passou o bastão voluntariamente ou involuntariamente. Se os problemas tornam-se muito graves com os novos sucessores, a empresa pode retornar ao estágio da manutenção ou desaparecer. O grupo pesquisado encontra-se, atualmente, no estágio do desenvolvimento, identificando nesse estágio sua descentralização, seu planejamento operacional e estratégico, pessoal competente e experiente, sucessão profissionalizada, sistemas de organização bemdesenvolvidos e o espírito inovador de seu dirigente.

Dinâmica família x empresa: Segundo o modelo de Guerreiro (1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ), a dinâmica da continuidade-sucessão é encontrada quando já existe a empresa e o empresário dá continuidade à gestão do patrimônio empresarial da família. Essa é a dinâmica que identifica o grupo empresarial estudado. A diversificação dos produtos, o aumento da capacidade produtiva da empresa e a criação de novas empresas mostram essa dinâmica.

5 ANÁLISE DO PROCESSO SUCESSÓRIO

5.1 CONSTRUÇÃO DA SUCESSÃO: A PASSAGEM DO BASTÃO

  • 1ª geração e a preparação do processo sucessório: O processo sucessório estava sendo preparado por meio do treinamento “lado a lado” e dos ensinamentos passados de pai para filho. O empreendedor bisavô-fundador, que morreu em 1893, passou o bastão para seu filho sucessor e primogênito, seguindo a prática milenar.

  • 2ª geração e a preparação do processo sucessório: O “avô-sucessor” não deixou preparado o processo sucessório. Sua esposa, Eugênia, assumiria a direção da empresa e administraria o empreendimento por 10 anos, cabendo a ela a preparação de seu filho primogênito-sucessor.

  • 3ª geração e a preparação do processo sucessório: Paulo Campos teve dois filhos Everardo e Maria Eugênia (nome em homenagem à sua mãe). Anos mais tarde, Paulo Campos veria a confirmação de suas palavras ditas no dia em que Everardo nasceu: “Se ele seguir meu exemplo, este patrimônio se ampliará e se solidificará”. Estava, mais uma vez, posto e encerrado o processo sucessório. Sem conflitos e seguindo, novamente, a prática milenar: a passagem do bastão para o primogênito. Paulo Campos acompanhava de longe a administração do filho, sendo por este chamado apenas para opinar em decisões mais sérias.

  • 4ª geração e a preparação do processo sucessório: ocorre a preparação da 5ª geração. O atual dirigente está no comando do grupo há 35 anos. Tem seis filhos e cinco deles já trabalham no grupo. Nota-se a preocupação do dirigente em profissionalizar a gestão e a sucessão. A composição dos filhos-sucessores na administração do grupo está assim definida, no mo-53 mento: um filho na Diretoria Comercial, com formação em Administração de Empresas; dois filhos na Diretoria Financeira, com formação em Administração de Empresas; um filho na Diretoria de Exportação com formação em Administração de Empresas; um filho na Diretoria Industrial, com formação em Agronomia. Há ainda um filho menor de idade, estudante do 1º grau.

Os Quadros 1 e 2 mostram a trajetória e a construção da sucessão.

QUADRO 1
TRAJETÓRIA E CONSTRUÇÃO DA SUCESSÃO
QUADRO 2
TRAJETÓRIA E CONSTRUÇÃO DA SUCESSÃO

5.2 APLICAÇÂO DOS MODELOS TEÓRICOS

MODELO DO CICLO DE VIDA - EIXO EMPRESA E MODELO DAS DINÂMICAS DAS RELAÇÕES EMPRESA X FAMÍLIA

O Quadro 3 identifica o ciclo de vida e a dinâmica das relações empresa versus família, a cada geração de dirigentes sucessores.

QUADRO 3
AS GERAÇÕES DE DIRIGENTES SUCESSORES, O CICLO DE VIDA E A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO

6 REPERCUSSÕES ECONÔMICAS NO PROCESSO SUCESSÓRIO DA EMPRESA

6.1 EVOLUÇÃO DA EMPRESA EM TERMOS DE PRODUÇÃO X DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS (POR ANO)

As repercussões econômicas dizem respeito à capacidade produtiva que passa de 30 litros diários na 1ª geração para 60 milhões de litros/ano na 4ª geração. A empresa aumenta suas unidades produtivas, diversifica sua produção. No estágio do desenvolvimento, que corresponde à 4ª geração de dirigente, constata-se que o grupo Ypióca integra um sistema de sete modernas empresas de porte médio. A exploração de novos mercados é notada a partir da 3ª geração de dirigente. Seu principal produto está presente no mercado nacional e internacional: a aguardente de cana-de-açúcar. Os Quadros 4, 5, e 6 mostram, graficamente, essas repercussões.

QUADRO 4
A EVOLUÇÃO DA EMPRESA EM TERMOS DE PRODUÇÃO E A GERAÇÃO SUCESSORA
QUADRO 5
A CRIAÇÃO DE NOVOS EMPREENDIMENTOS E A CORRESPONDENTE GERAÇÃO DE DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS
QUADRO 6
A CONQUISTA DE NOVOS MERCADOS E A CORRESPONDENTE GERAÇÃO DE DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS

O Quadro 5 apresenta, graficamente, o aumento da produção da aguardente de cana-de-açúcar Ypióca de acordo com a trajetória das gerações de dirigentes-proprietários, objeto do processo sucessório.

6.2 EVOLUÇÃO DA EMPRESA EM TERMOS DE CRIAÇÃO DE EMPRESAS X DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS (POR GERAÇÃO)

O Quadro 5 apresenta a criação de novos empreendimentos e a correspondente geração de dirigentes-proprietários.

6.3 EVOLUÇÃO DA EMPRESA EM TERMOS DE MERCADO X DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS (GERAÇÃO/ANO)

O Quadro 6 mostra a conquista de novos mercados. Nota-se que, somente a partir da 3ª geração, seu principal produto está presente nos mercados nacional e internacional.

7 REPERCUSSÕES TECNOLÓGICAS NO PROCESSO SUCESSÓRIO DA EMPRESA

7.1 EVOLUÇÃO DA EMPRESA EM TERMOS DE TECNOLOGIA X DIRIGENTES-PROPRIETÁRIOS (POR GERAÇÃO)

O Quadro 7 mostra as transformações e inovações tecnológicas pelas quais passaram o grupo estudado e as correspondentes gerações sucessoras. As repercussões tecnológicas são basicamente evidenciadas pelo processo produtivo absolutamente manual, pela destilação feita em alambique de carga de baixa produção, pela ausência de engarrafamento, pela venda a granel, feito em barris de madeira, observadas na 1ª geração, passando para engarrafamento automático, máquinas de alta tecnologia e desenvolvendo um processo integrado, que permite o controle total da produção na 4ª geração.

QUADRO 7
AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E AS CORRESPONDENTES GERAÇÕES DE SUCESSORES

Engenho de madeira com três moendas na vertical. Processo produtivo absolutamente manual. Destilação feita em alambique de carga de baixa produção. Ausência de engarrafamento. Venda a granel, feito em barris de madeira.

8 CONCLUSÕES

A proposta deste artigo foi traçar o percurso da passagem do bastão entre as gerações de dirigentes sucessores, mostrando as repercussões econômicas e tecnológicas vivenciadas pelo grupo Ypióca, objeto do estudo de caso. As fases vivenciadas pela empresa familiar - nominadas, para efeito desta pesquisa, como o bisavô-fundador, o avô-sucessor, o pai-empreendedor e o filho-inovador - foram identificadas pela trajetória do processo sucessório.

Foram identificados os estágios vivenciados pelo grupo familiar ao longo do seu ciclo de vida. Em cada um dos estágios, ocorreram fatos influenciadores, tanto no que diz respeito às repercussões econômicas quanto tecnológicas, da história do grupo. No que diz respeito às etapas do ciclo de vida da organização no estágio existência/criação da empresa, a organização é simples: o empreendedor tudo faz e supervisiona diretamente seus poucos empregados; enquanto no estágio do desenvolvimento a empresa descentraliza e profissionaliza sua gestão. É uma grande empresa familiar. Possui 2.000 empregos diretos e mais de 20.000 indiretos. Quanto às dinâmicas das relações empresa versus família, identificamos que o grupo inicia sua trajetória na fase pessoal do fundador denominada “ascensão-fundação”, crescendo e evoluindo para o modelo da continuidade-sucessão durante as três gerações seguintes.

As repercussões econômicas dizem respeito à capacidade produtiva que passa de 30 litros diários no estágio existência/criação da empresa para 60 milhões de litros/ano no estágio do desenvolvimento. A empresa aumenta suas unidades produtivas, diversifica sua produção. No estágio do desenvolvimento, que corresponde à 4ª geração de dirigente, constatamos que o grupo Ypióca integra um sistema de sete modernas empresas de porte médio. A exploração de novos mercados é notada a partir da 3ª geração de dirigente. Seu principal produto está presente nos mercados nacional e internacional: a aguardente de cana-de-açúcar.

As repercussões tecnológicas são basicamente evidenciadas pelo processo produtivo absolutamente manual, pela destilação feita em alambique de carga de baixa produção, pela ausência de engarrafamento, pela venda a granel, feito em barris de madeira observadas no estágio existência/criação da empresa, passando para engarrafamento automático, máquinas de alta tecnologia e desenvolvendo um processo integrado que permite o controle total da produção no estágio do desenvolvimento.

Os modelos de gestão identificados em cada fase dos modelos de ciclo de vida (LEONE, 1994LEONE, Nilda. A organização da PME: os problemas encontrados e as soluções propostas: o que revelam os estudos franceses. Revista Estudos Avançados em Administração, João Pessoa, v. 2, n. 1, p. 223-250, jun. 1994.) e das relações empresa versus família (GUERREIRO, 1996GUERREIRO, Maria das Dores. Famílias na actividade empresarial. PME em Portugal. Oeiras: Celta, 1996. ) mostram diferentes situações de transição e transferência de gestão. As estratégias adotadas na gestão do filho-inovador demonstram o novo modelo de gestão adotado.

  1. Comercial - tem como preocupação principal a qualidade e adota um sistema de preço único nacional para o produto aguardente. Mantém equilíbrio entre produção e mercado.

  2. Produção - mantém estoque para envelhecimento para manter a qualidade do produto. Trabalha em sistema de parceria (compra de matéria-prima da aguardente).

  3. Financeira - recursos próprios, reinvestindo o lucro. Endividamento zero, há mais de 15 anos.

  4. Recursos Humanos - na área da agricultura: pagamento referente a sete dias dos seis dias trabalhados; moradia, luz elétrica, assistência médica, escola e alimentação gratuitos. Na área industrial: no engarrafamento-alimentação, transporte, remuneração acima do salário mínimo.

  5. Estilo de gestão - Os níveis hierárquicos são em número de três: diretoria, gerência e chefias; a administração é baseada num misto de profissionalização e família; adota-se o princípio da verticalização, da cana-de-açúcar até a entrega da mercadoria no exterior, como forma de manter a qualidade do produto.

  6. Objetivos para curto, médio e longo prazo:

    • 6ª unidade produtora com capacidade instalada de 50 milhões de litros/ safra, em três anos, inaugurada em setembro de 2003;

    • contrato com a Bold International, na Holanda para distribuição do produto no Mercado Comum Europeu e em países escandinavos;

    • negociações com a China e a Coréia do Sul;

    • pesquisa para lançamento de novos produtos;

    • possibilidade de fabricação de celulose beneficiada para exportação.

    • O grupo pesquisado demonstrou possuir a capacidade de administrar suas relações, preparando, em quase todas as gerações, seus sucessores, representantes da família empreendedora.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2006

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2004
  • Aceito
    25 Jun 2006
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