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Gestão da inovação em empresas brasileiras de serviços de tecnologia da informação: modelos de inovação planejada, de aplicação rápida e de inovação deliberada a posteriori

Gestión de la innovación en empresas brasileñas de servicios de tecnología de la información: modelos de innovación planificada, de aplicación rápida y de innovación deliberada a posteriori

Resumo

Apesar de serviços serem considerados distintos de produtos, os modelos de gestão da inovação, consolidados e desenvolvidos com base em empresas industriais, são ainda apontados como rota principal para o desenvolvimento de inovações também em empresas de serviços. A percepção de que a inovação em serviços pode ocorrer em múltiplas dimensões, de maneira planejada, mas também de maneira não deliberada, identificada a posteriori, mostra a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre processos de inovação em empresas de serviços. Com base em um estudo de casos múltiplos, com dez empresas brasileiras de controle nacional prestadoras de serviços de tecnologia da informação (TI), analisamos neste artigo os modelos consolidados de gestão da inovação, baseados em planejamento prévio e execução do plano de inovação como os processos estruturados de desenvolvimento de novos serviços (NSD) - também aplicáveis a empresas de serviços de TI. Concluímos que os modelos consolidados de gestão da inovação são aplicáveis, porém foram identificadas quatro outras possibilidades. Três delas estão descritas na literatura: modelo de aplicação rápida por compressão, modelo de aplicação rápida experiencial e modelo baseado na prática. Também identificamos um modelo ainda não descrito, que denominamos inovação deliberada a posteriori, resultado de uma estratégia de inovação baseada na prestação de serviços. Apesar de modelos de gestão da inovação não conseguirem captar toda a diversidade existente em cada setor, reconhecer as possibilidades de inovação e de processos abre caminho para que as empresas desenvolvam competências e intensifiquem seus esforços de inovação.

Palavras-chave:
Gestão da inovação; Inovação em serviços; Indústria de software

Resumen

Aunque los servicios se consideren distintos de los productos, los modelos de gestión de la innovación, consolidados y desarrollados sobre la base de empresas industriales, se señalan como principal camino para el desarrollo de innovaciones también en las empresas de servicios. La percepción de que la innovación en servicios puede ocurrir en múltiples dimensiones, de manera planificada, pero también de manera no deliberada, identificada a posteriori, muestra la necesidad de profundizar los estudios sobre procesos de innovación en empresas de servicios. Con base en un estudio de casos múltiples, con 10 empresas brasileñas prestadoras de servicios de tecnología de la información (TI), este artículo analiza si los modelos consolidados de gestión de la innovación, como los que siguen un proceso estructurado de desarrollo de nuevos servicios (NSD), son también aplicables a empresas de servicios de TI. Se concluye que los modelos consolidados de gestión de la innovación se aplican a las empresas de servicios de TI, pero también se identificaron otras posibilidades. Asimismo, se identificó la existencia de un modelo todavía no descrito que denominamos innovación deliberada a posteriori, resultado de una estrategia de innovación fundamentada en la prestación de servicios. A pesar de que los modelos de gestión de la innovación no logren captar toda la diversidad existente en cada sector, reconocer las posibilidades de innovación y de procesos abre el camino para que las empresas puedan desarrollar competencias e intensifiquen sus esfuerzos de innovación.

Palabras clave:
Gestión de la innovación; Innovación en servicios; Industria de software

Abstract

Although service innovations present characteristics that make them different from innovation in goods, literature presents traditional innovation management models, such as those following a structured new service development (NSD) process, as valid and applicable to service companies. This article examines this issue in ten Brazilian IT service companies dedicated to software development, system integration, and mobile services development. The results show that reference innovation management models are applicable to service companies, but four other possibilities are also available, and a posteriori innovations can also result from deliberate efforts driven by the firm’s innovation strategy. Innovation management models are unable to capture all diversity that exists in different sectors of activity. Firms that acknowledge service innovation in its multiple dimensions and understand that the traditional innovation process is not the only successful way to develop innovations have a greater set of choices when defining and pursuing their innovation strategies.

Keywords:
Service innovation; Innovation management models; Software industry

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como foco a gestão da inovação em empresas de serviços de tecnologia da informação (TI). Partimos do pressuposto de que modelos de gestão da inovação influenciam o modo como empresas estruturam seus processos de inovação, definindo rotinas, sistemas e práticas organizacionais. Em sua origem, esses modelos foram desenvolvidos tendo como foco empresas industriais, porém têm sido considerados aplicáveis também a empresas de serviços em parte da literatura. Modelos de referência de gestão da inovação, como o proposto por Tidd, Bessant e Pavitt (2005TIDD, H.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Managing innovation: integrating technological, managerial organizational change. New York: McGraw-Hill, 2005.), modelo Stage-Gate (COOPER, 2008COOPER, R. The Stage-Gate Idea-to-Launch Processes - Update, What’s Next and NextGen Systems. Journal of Product Innovation Management, v. 25, n. 2, p. 213-232, 2008.) e o modelo de Funil da Inovação (CLARK e WHEELWRIGHT, 1993CLARK, K.; WHEELWRIGHT, S. Managing New Product and Process Development. Boston: Harvard Business School, 1993. p. 291-362.) apresentam a inovação como resultado de um processo formal e planejado. Essa visão também está presente na literatura relacionada a “desenvolvimento de novo serviço” (NSD)1 1 Desenvolvimento de novo serviço (New Service Development - NSD) é o “processo organizacional que relaciona capacidade de marketing e operacional para conceber, desenhar e implementar um novo serviço valorizado por um cliente” (TATIKONDA e ZEITHAML, 2002). e “engenharia de serviço” (SE)2 2 Engenharia de serviço (Service engineering - SE) é a disciplina que trata do desenvolvimento sistemático e design de serviços (BULLINGER, FAHNRICH e MEIREN, 2003). , na qual o processo de inovação em serviços é descrito por etapas pré-definidas, considerando características apontadas como específicas a serviços, como intangibilidade, heterogeneidade, seu caráter perecível e de produção e consumo simultâneo.

Essa perspectiva é questionada na literatura de inovação e gestão da inovação em serviços, principalmente em estudos desenvolvidos na perspectiva da demarcação (GALLOUJ e WINDRUM, 2009GALLOUJ, F.; WINDRUM, P. Services and Service Innovation. Journal of Evolutionary Economics, v. 19, n. 2, p. 141-148, 2009.). Duas características específicas a serviços foram apontadas nessa literatura. A primeira delas se refere à coprodução da inovação, ou seja, a intensa participação do cliente no desenvolvimento da inovação (SUNDBO e TOIVONEN, 2011TATIKONDA, M.; ZEITHAML, V. Managing the new service development process: multidisciplinary literature synthesis and direction for future research. In: BOONE, T.; GANESHAN, R. (Eds.). New directions in supply-chain management: technology, strategy and implementation. New York: American Management Association, 2002. p. 200-235.). A segunda se refere à inovação ad hoc (GALLOUJ e WINDRUM, 2009TEECE, D. Explicating dynamic capabilities: The nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, v. 28, n. 13, p. 1319-1350, 2007.), apresentada inicialmente por Gallouj e Weinstein (1997GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, v. 26, n. 4-5, p. 537-556, 1997.) como uma inovação que emerge da prestação do serviço, identificada a posteriori e formalizada a fim de ser replicável a outros clientes. Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) utiliza o termo inovação a posteriori e apresenta três modos pelos quais o processo de inovação pode ocorrer em serviços: o modelo baseado em planejamento, o modelo de inovação que emerge da prática da prestação do serviço e o modelo de inovação em que planejamento e execução ocorrem simultaneamente com colaboração dos clientes (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.).

Assim como Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) argumenta que o processo de inovação baseado em projetos que precedem a prática do serviço não é a única forma possível ou mesmo a mais bem-sucedida para criar inovações em serviços, outros autores também argumentam que diferentes processos de inovação são possíveis e desejados. Salerno, Gomes, Silva et al. (2015SALERNO, M. et al. Innovation processes: which process for which project?Technovation, v. 35, n. 1, p. 59-70, 2015.) identificaram oito tipos de processos de inovação, que diferem quanto a estrutura e conteúdo de acordo com características do projeto de inovação.

Neste artigo exploramos a gestão da inovação em serviços de TI por intermédio da seguinte pergunta de pesquisa: as abordagens consolidadas de gestão da inovação são aplicáveis e adotadas por empresas brasileiras de serviços de tecnologia da informação (TI)? Neste setor, as empresas são consideradas inovadoras, atuam como fornecedoras especializadas, investindo mais recursos em inovação do que outros setores de serviços (MIOZZO e SOETE, 2001MIOZZO, M.; SOETE, L. Internationalization of Services: A technological perspective. Technological Forecasting and Social Change, v. 67, n. 2-3, p. 159-185, 2001.), além de serem difusoras de inovação para outros setores da economia (BERNARDES e ANDREASSI, 2007BERNARDES, R.; ANDREASSI, T. Inovação em serviços intensivos em conhecimento. São Paulo: Saraiva, 2007.; MILES, KASTRINOS, BILDERBEEK et al., 1995MILES, I. et al. Knowledge-intensive business services: users, carriers and sources of innovation. Manchester: The University of Manchester, 1995.; TOIVONEN, 2004TOIVONEN, M. Expertise as business: Long-term development and future prospects of knowledge-intensive business services (KIBS). 2004. 297 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Helsinki University of Technology, Helsinki, 2004. Disponível em:<Disponível em:http://lib.tkk.fi/Diss/2004/isbn9512273152/isbn9512273152.pdf >. Acesso em:22 jul. 2019.
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).

Para alcançar o objetivo proposto, realizamos um estudo de casos múltiplos com dez empresas brasileiras, de controle nacional, de serviços de TI com alto valor agregado (ROSELINO, 2006ROSELINO, J. Análise da Indústria Brasileira de Software com Base em uma Taxonomia das Empresas: Subsídios para a Política Industrial. Revista Brasileira de Inovação, v. 5, n. 1, p. 157-201, 2006.), dedicadas ao desenvolvimento de software sob medida, integração de sistemas e desenvolvimento de serviços móveis, a fim de identificar o modelo de gestão da inovação adotado por meio do mapeamento das rotinas de gestão da inovação nessas organizações. A análise sugere que os modelos tradicionais de gestão da inovação são aplicáveis a empresas de serviços de TI, porém outros quatro modelos foram identificados, sendo três deles apresentados na literatura: modelo de aplicação rápida por compressão, modelo de aplicação rápida experiencial e modelo baseado na prática. O resultado mais interessante da pesquisa foi a identificação de um modelo ainda não descrito na literatura, que denominamos inovação deliberada a posteriori.

O artigo está organizado em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na segunda seção abordamos modelos generalizáveis de gestão da inovação e modelos dedicados ao desenvolvimento de novos serviços. Na terceira seção apresentamos os procedimentos metodológicos adotados, considerando o design da pesquisa, seleção da amostra, coleta e análise dos dados. Na quarta seção apresentamos os resultados obtidos analisando os modelos de gestão da inovação identificados.

REFERENCIAL TEÓRICO

Conceito de inovação em serviços adotado na pesquisa

Adotamos o conceito de inovação proposto por Schumpeter (1997SCHUMPETER, J. Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.), ou seja, um novo bem ou uma nova qualidade de um bem, um novo método de produção, abertura de um novo mercado, utilização de novas fontes de oferta de matérias-primas ou bens semimanufaturados ou nova organização da indústria. Também consideramos a inovação em serviços como um construto multidimensional, conforme proposto por Bilderbeek, Hertog, Marklund et al. (1998BILDERBEEK, R. et al. Services in innovation: Knowledge intensive business services (KIBS) as co-producers of innovation. SI4S Synthesis Paper, 1998. Disponível em:<Disponível em:https://www.academia.edu/19783553/SI4S_Services_in_Innovation_-_Knowledge-Intensive_Business_Services_KIBS_as_co-producers_of_innovation > Acesso em:10 jul. 2019.
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) e Den Hertog, Van der Aa e De Jong (2010HERTOG, P. D.; VAN DER AA, W.; DE JONG, M. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490-514, 2010.) e adotado na literatura recente de inovação em serviços (CARLBORG, KINDSTROM e KOWALKOWSKI, 2014CARLBORG, P.; KINDSTROM, D.; KOWALKOWSKI, C. The evolution of service innovation research: a critical review and synthesis. The Service Industries Journal, v. 34, n. 5, p. 373-398, 2014.). Inovação em serviços pode acontecer em múltiplas dimensões, com mudanças em uma dimensão geralmente implicando mudanças em outras dimensões do serviço. Dessa forma, adotamos o conceito de dimensões da inovação em serviço proposto por Den Hertog, Van der Aa e De Jong (2010HERTOG, P. D.; VAN DER AA, W.; DE JONG, M. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490-514, 2010.), buscando nas empresas rotinas estruturadas para o desenvolvimento sistemático de inovações relacionadas a: conceito de serviço, interface com clientes, sistema de entrega, opções tecnológicas, parcerias, modelos de receita, abertura de novos mercados e organização da indústria.

Modelos de gestão da inovação em serviços

O desenvolvimento contínuo e sistemático de inovações requer a definição de estruturas e rotinas que possibilitem um fluxo contínuo de inovações. Tidd, Bessant e Pavitt (2005TIDD, H.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Managing innovation: integrating technological, managerial organizational change. New York: McGraw-Hill, 2005.) propõem um modelo de gestão da inovação, em princípio aplicável igualmente a todas as empresas inovadoras de médio e grande porte, que envolve etapas de busca, seleção, implementação e aprendizado. A etapa de busca compreende a análise do cenário interno e externo a fim de identificar oportunidades de mudança. A etapa de desenvolvimento engloba a transformação da ideia em produto ou serviço, considerando aquisição dos conhecimentos e tecnologias necessários, o desenvolvimento propriamente dito, o lançamento da inovação no mercado e o gerenciamento do processo inicial de adoção da inovação e do uso da inovação no longo prazo. Na realização dessas etapas, a empresa tem a oportunidade de aprender e melhorar o seu processo para o desenvolvimento de inovações futuras. Mediante survey inter-setorial global de difusão de práticas de gestão da inovação, conduzido posteriormente por Tidd, procurou-se identificar com um questionário único a incidência da adoção de um mesmo grupo de práticas em distintos setores, incluindo serviços como TI, logística e serviços financeiros (TIDD e THURIAUX-ALEMÁN, 2016TIDD, J.; THURIAUX-ALEMÁN, B. Innovation Management Practices: Cross-sectorial adoption, variation and effectiveness. R&D Management, v. 46, n. 3, p. 1024-1043, 2016.).

Dois modelos bastante disseminados de gestão da inovação são os modelos StageGate© (COOPER, 2008COOPER, R. The Stage-Gate Idea-to-Launch Processes - Update, What’s Next and NextGen Systems. Journal of Product Innovation Management, v. 25, n. 2, p. 213-232, 2008.) e Funil de Inovação (CLARK e WHEELWRIGHT, 1993CLARK, K.; WHEELWRIGHT, S. Managing New Product and Process Development. Boston: Harvard Business School, 1993. p. 291-362.) - bastante similares. Apesar de terem sido criados com foco no desenvolvimento de novos produtos, têm sido também considerados generalizáveis para serviços. O modelo StageGate© consiste em um conjunto de etapas de coleta de informações e desenvolvimento, buscando reduzir riscos e incertezas do projeto, seguidas por portões de decisão. O modelo engloba etapas de descoberta, definição do escopo, construção do plano de negócios, desenvolvimento, teste, lançamento e avaliação pós-lançamento. Os portões representam pontos de avaliação e decisão, quando os projetos são priorizados e, se necessário, descontinuados. Nesse modelo, a organização avalia seu projeto de inovação à medida que avança e aumenta gradativamente seu comprometimento com o projeto e as incertezas vão sendo discutidas em cada uma das etapas (COOPER, 2008COOPER, R. The Stage-Gate Idea-to-Launch Processes - Update, What’s Next and NextGen Systems. Journal of Product Innovation Management, v. 25, n. 2, p. 213-232, 2008.). O modelo do Funil de Inovação também se concentra no processo de desenvolvimento de produto, porém inclui a avaliação integrada dos múltiplos projetos (CLARK e WHEELWRIGHT, 1993CLARK, K.; WHEELWRIGHT, S. Managing New Product and Process Development. Boston: Harvard Business School, 1993. p. 291-362.).

O modelo de gestão estratégica da inovação tecnológica, proposto por Quadros, Santos e Barros Neto (2013SANTOS, J; SPRING, M. New service development: managing the dynamic between services and operations resources. International Journal of Operations & Production Management, v. 33, n. 7, p. 800-827, 2013.), também se apresenta como um modelo voltado para produtos e serviços. Estrutura-se em três dimensões: (i) processos e ferramentas, (ii) governança e organização e (iii) recursos. A dimensão de processos e ferramentas contempla os principais fluxos decisórios envolvidos no processo de inovação, considerando a adoção de práticas estruturadas para mapeamento e prospecção de oportunidades tecnológicas e mercadológicas, ideação, seleção estratégica, mobilização, implementação e avaliação. A dimensão de governança e organização abrange os aspectos relacionados à criação de uma cultura de inovação. A dimensão de recursos diz respeito ao conjunto de recursos tangíveis e intangíveis necessários para o desenvolvimento da capacidade de inovação. Os elementos que compõem cada um dos processos também estão presentes nos modelos anteriores, mas a análise das atividades com base nos principais fluxos decisórios permite que sejam identificadas rotinas específicas para lidar com atividades de ideação, mobilização e avaliação, não apenas dos projetos de inovação, mas do próprio processo de gestão da inovação. O processo de mobilização leva em conta recursos internos à empresa, e o estabelecimento de relacionamentos com universidades e instituições de pesquisa, parcerias com outras empresas e mobilização de clientes e fornecedores, contemplando o paradigma da inovação aberta (CHESBROUGH, 2006CHESBROUGH, H. Open innovation: Researching a new paradigm. Oxford: Oxforf University Press, 2006.). O modelo de inovação aberta contrasta com os modelos tradicionais, nos quais produtos e serviços são desenvolvidos internamente e distribuídos pela empresa. No modelo de inovação aberta o processo de inovação é distribuído, com processos gerenciáveis e intencionais que promovem o fluxo de conhecimentos externos para dentro das atividades de inovação da empresa, bem como o fluxo de conhecimentos internos e não explorados para fora da empresa (CHESBROUGH, 2006CHESBROUGH, H. Open innovation: Researching a new paradigm. Oxford: Oxforf University Press, 2006. ;CHESBROUGH e BOGERS, 2014CHESBROUGH, H.; BOGERS, M. Explicating Open Innovation: Clarifying an Emerging Paradigm for Understanding Innovation. In: CHESBROUGH, H.; VANHAVERBEKE, W.; WEST, J. New Frontiers in Open Innovation. Oxford: Oxford University Press, 2014. p. 3-28.).

A literatura dedicada ao desenvolvimento de novos serviços também dispõe de vários modelos que, apresar de tratar das especificidades do setor, apresentam um caráter geralmente linear e se apoiam basicamente nos mesmos processos e atividades identificados para o desenvolvimento de novos produtos (FROEHLE e ROTH, 2007FROEHLE, C.; ROTH, A. A Resource-Process Framework of New Service Development. Production and Operations Management, v. 16, n. 2, p. 169-188, 2007.; SCHEUING e JOHNSON, 1989SCHEUING, E.; JOHNSON, E. A proposed model for new service development. Journal of Services Marketing, v. 3, n. 2, p. 25-34, 1989.; TATIKONDA e ZEITHAML, 2002TATIKONDA, M.; ZEITHAML, V. Managing the new service development process: multidisciplinary literature synthesis and direction for future research. In: BOONE, T.; GANESHAN, R. (Eds.). New directions in supply-chain management: technology, strategy and implementation. New York: American Management Association, 2002. p. 200-235.). Os modelos de desenvolvimento de novos serviços apresentam diferenças na ênfase dada a etapas do processo, porém têm em comum a reflexão sobre o processo de inovação como uma iniciativa planejada, que se desenvolve por uma ideia até ser finalmente lançada no mercado (SANTOS e SPRING, 2013SANTOS, J; SPRING, M. New service development: managing the dynamic between services and operations resources. International Journal of Operations & Production Management, v. 33, n. 7, p. 800-827, 2013.).

Para além da abordagem focada em planejamento, a literatura de inovação em serviços aponta outras possibilidades, dentre as quais se destaca o modelo baseado em características, proposto por Gallouj e Weinstein (1997GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, v. 26, n. 4-5, p. 537-556, 1997.). Nesse modelo, um serviço é representado pela combinação de características e competências das empresas e dos clientes, aplicadas na concepção, design e prestação do serviço. Inovação em serviço é qualquer modificação no conjunto de características e competências que compõe o serviço (GALLOUJ e TOIVONEN, 2011GALLOUJ, F.; TOIVONEN, M. Elaborating the characteristics-based approach to service innovation: making the service process visible. Journal of Innovation Economics & Management, v. 8, n. 2, p. 33-58, 2011.; GALLOUJ e WEINSTEIN, 1997GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, v. 26, n. 4-5, p. 537-556, 1997.). Enquanto muitas das mudanças são planejadas, um conjunto de inovações, denominadas inovações ad hoc, não são planejadas, mas emergem na prestação dos serviços para os clientes (SUNDBO e TOIVONEN, 2001SUNDBO, J.; TOIVONEN, M. User-based innovation in services. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2001.). Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) denomina esse tipo de inovação como inovação a posteriori, associada ao desenvolvimento de serviços sob medida.

Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) analisou alternativas ao processo tradicional de gestão da inovação em serviços, identificando, além do modelo tradicional de projeto que precede a prática do serviço, dois outros modelos:

  1. o “modelo baseado na prática” associado às inovações a posteriori. Nesse caso, o processo de inovação não é consciente e deliberado, sendo a inovação identificada após a prestação do serviço;

  2. o “modelo de aplicação rápida” diz respeito à inovação não planejada em detalhes a priori, mas desenvolvida ao longo do tempo, colocada em prática de maneira preliminar ou em pequena escala, utilizando informações em tempo real para o seu aprimoramento. Esse modelo baseou-se nas observações de Eisenhardt e Tabrizi (1995EISENHARDT, K.; TABRIZI, B. Accelerating adaptive processes: product innovation in the global computer industry. Administrative Science Quarterly, v. 40, n. 1, 84-110, 1995.) sobre dois modelos para acelerar o processo de desenvolvimento de novos produtos na indústria de computadores: modelo por compressão e modelo experiencial. No modelo por compressão, o planejamento e a execução são etapas distintas que ocorrem rapidamente, sendo relevante quando o desenvolvimento envolve menos incertezas em relação a mercados e tecnologias. O modelo experiencial é relevante para projetos com maior incerteza, quando a empresa enfrenta um ambiente turbulento, ou quando a ideia ainda está imatura e seu desenvolvimento possui forte dependência de conhecimento tático. O modelo de aplicação rápida corresponde ao modelo experiencial proposto por Eisenhardt e Tabrizi (1995)EISENHARDT, K.; TABRIZI, B. Accelerating adaptive processes: product innovation in the global computer industry. Administrative Science Quarterly, v. 40, n. 1, 84-110, 1995..

Os modelos alternativos identificados por Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) são especialmente relevantes em serviços intensivos em conhecimento, como os serviços de TI, nos quais o conhecimento e a experiência acumulados ao longo do tempo são utilizados para a construção de novas soluções e novos conhecimentos, clientes são coprodutores das inovações, e inovações são desenvolvidas como solução para problemas específicos dos clientes (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.).

É interessante observar como a proposta do modelo de aplicação rápida, por Toivonen, tem um paralelo específico nos serviços de TI, o qual corresponde à discussão metodológica de desenvolvimento de software introduzido pelas proposições e práticas do movimento Ágil no final dos anos 90 (metodologia ágil de desenvolvimento de software). Até o advento das metodologias ágeis, o desenvolvimento de software era dominado pelo conceito de desenvolvimento em cascata (waterfall), em que a perspectiva era a de estabelecer um planejamento compreensivo e ex-ante de todos os requisitos funcionais e tecnológicos do software. Esse conceito se provou extremamente custoso, não apenas por desconsiderar o alto nível de imprevisibilidade inerente ao processo de desenvolvimento de software, mas também por desconsiderar a participação de clientes no processo de desenvolvimento, o que é uma característica diferenciadora nas metodologias ágeis.

METODOLOGIA

Com esta pesquisa buscamos responder se, e até que ponto, as abordagens consolidadas de gestão da inovação são aplicáveis e adotadas por empresas brasileiras de serviços de TI. A estratégia metodológica adotada foi o estudo de casos múltiplos. Estudos de caso são uma estratégia recomendada quando o tópico a ser analisado é novo (EISENHARDT, 1989EISENHARDT, K. Building theories from case study research. Academy of Management Review, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.), quando as questões estão relacionadas ao como e ao porquê, e quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos (YIN, 1984YIN, R. Case study research: design and methods. Londres: Sage, 1984.). A unidade de análise é a empresa, uma vez que se busca explorar as relações entre estratégia e processos de inovação em relação às dimensões da inovação em serviços (HERTOG, VAN DER AA e DE JONG, 2010HERTOG, P. D.; VAN DER AA, W.; DE JONG, M. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490-514, 2010.). Optamos por focar em serviços de TI, setor que faz parte do conjunto de serviços intensivos em conhecimento, reconhecidos como inovadores, bem como facilitadores e propagadores de inovação para outros setores da economia (BERNARDES e ANDREASSI, 2007BERNARDES, R.; ANDREASSI, T. Inovação em serviços intensivos em conhecimento. São Paulo: Saraiva, 2007.; TOIVONEN, 2004TOIVONEN, M. Expertise as business: Long-term development and future prospects of knowledge-intensive business services (KIBS). 2004. 297 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Helsinki University of Technology, Helsinki, 2004. Disponível em:<Disponível em:http://lib.tkk.fi/Diss/2004/isbn9512273152/isbn9512273152.pdf >. Acesso em:22 jul. 2019.
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).

A perspectiva adotada no estudo de caso baseou-se nos trabalhos de Nelson, Winter e Teece (NELSON, 1991NELSON, R. Why do firms differ? How does it matter? Strategic Management Journal, v. 12 (S2), p. 61-74, 1991.; NELSON e WINTER, 1982NELSON, R.; WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. Nova York: Oxford University Press, 1982.; TEECE, 2007TEECE, D. Explicating dynamic capabilities: The nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, v. 28, n. 13, p. 1319-1350, 2007.; TEECE, PISANO e SHUEN, 1997TEECE, D.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic Capabilities and Strategic Management. Strategic Management Journal, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.), nos estudos sobre inovação em serviços (BILDERBEEK, HERTOG, MARKLUND et al., 1998BILDERBEEK, R. et al. Services in innovation: Knowledge intensive business services (KIBS) as co-producers of innovation. SI4S Synthesis Paper, 1998. Disponível em:<Disponível em:https://www.academia.edu/19783553/SI4S_Services_in_Innovation_-_Knowledge-Intensive_Business_Services_KIBS_as_co-producers_of_innovation > Acesso em:10 jul. 2019.
https://www.academia.edu/19783553/SI4S_S...
; GALLOUJ e WEINSTEIN, 1997GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, v. 26, n. 4-5, p. 537-556, 1997.; HERTOG, VAN DER AA e DE JONG, 2010HERTOG, P. D.; VAN DER AA, W.; DE JONG, M. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490-514, 2010.; SUNDBO e GALLOUJ, 1999SUNDBO, J.; GALLOUJ, F. Innovation as a loosely coupled system in services. In: METCALFE, J.; MILES, I. Innovation Systems in the Service Economy. Norwell: Kluwer Academic Publishers, 1999. p. 43-68.; TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.), e em modelos consolidados de gestão da inovação (CHESBROUGH, 2006CHESBROUGH, H. Open innovation: Researching a new paradigm. Oxford: Oxforf University Press, 2006.; CLARK e WHEELWRIGHT, 1993CLARK, K.; WHEELWRIGHT, S. Managing New Product and Process Development. Boston: Harvard Business School, 1993. p. 291-362.; COOPER, 2008COOPER, R. The Stage-Gate Idea-to-Launch Processes - Update, What’s Next and NextGen Systems. Journal of Product Innovation Management, v. 25, n. 2, p. 213-232, 2008.; QUADROS, SANTOS e BARROS NETO, 2013SANTOS, J; SPRING, M. New service development: managing the dynamic between services and operations resources. International Journal of Operations & Production Management, v. 33, n. 7, p. 800-827, 2013.; TIDD, BESSANT e PAVITT, 2005TIDD, H.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Managing innovation: integrating technological, managerial organizational change. New York: McGraw-Hill, 2005.). Cada empresa foi analisada considerando estratégia, estrutura e capacidades (NELSON, 1991). Estratégia compreende os compromissos da empresa em relação a inovação, seus objetivos e como pretende alcançá-los. Estrutura se refere a como a empresa está organizada para a inovação e como os fluxos decisórios são gerenciados. As capacidades foram compreendidas tendo como base as rotinas e práticas de gestão da inovação utilizadas, agrupadas de acordo com sua função ou objetivo no processo de inovação. Por meio da análise de modelos consolidados de gestão da inovação e de estudos dedicados às práticas e capacidades de inovação (QUADROS, INACIO JUNIOR, EGLER et al., 2017QUADROS, R. et al. Diffusion of innovation management practices in manufacturing industry in Brazil. In: PORTLAND INTERNATIONAL CONFERENCE ON MANAGEMENT OF ENGINEERING AND TECHNOLOGY, 2017, Portland. Proceedings… Portland: PICMET, 2017. p. 1-9.; QUADROS, SANTOS e BARROS NETO, 2013QUADROS, R.; SANTOS, G.; BARROS NETO, M. R&D+i strategic management in a public company in the brazilian electric sector. Journal of Technology Management & Innovation, v. 8, n. 2, p. 235-250, 2013.; TIDD e THURIAUX-ALEMÁN, 2016TIDD, J.; THURIAUX-ALEMÁN, B. Innovation Management Practices: Cross-sectorial adoption, variation and effectiveness. R&D Management, v. 46, n. 3, p. 1024-1043, 2016.), agrupamos as rotinas nas seguintes etapas do processo de inovação: mapeamento/prospecção de opções tecnológicas, mapeamento/prospecção de opções mercadológicas, ideação, seleção estratégica, mobilização de recursos (próprios, públicos, participação de clientes, parcerias com outras organizações), desenvolvimento, difusão e avaliação. Entrevistas foram conduzidas com base em um roteiro estruturado abordando (i) dados da organização, (ii) percepção da empresa quanto a inovação em serviços (conceito de inovação para a empresa e exemplos de inovação desenvolvidas nos últimos dois anos), (iii) estratégia de inovação, (iv) organização das atividades de inovação, e (v) rotinas e práticas estruturadas para cada uma das etapas listadas acima. Informações institucionais públicas, informações financeiras e documentos e vídeos internos disponibilizados pelas empresas, notícias em relação a investimentos e prêmios de inovação obtidos e estudos de caso desenvolvidos sobre as empresas por instituições de ensino e pesquisa foram utilizados como fontes suplementares de informação.

A seleção da amostra envolveu um estudo preliminar das empresas que atuam no setor, identificando campo de atuação, soluções oferecidas e discurso da empresa em relação à inovação. Os critérios utilizados para a definição da amostra foram a atividade principal, buscando diversidade com atividades de desenvolvimento de software sob medida, a integração de sistemas e desenvolvimento de serviços e aplicativos móveis, e o porte. A definição do porte teve como critérios o número de pessoas empregadas e a receita operacional bruta (COMISSÃO EUROPEIA, 2003COMISSÃO EUROPEIA. Recomendação da Comissão de 6 de Maio de 2003 relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas. EUR-Lex Access to European Union law, 06 maio 2003. Disponível em: <Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/NOT/?uri=CELEX:32003H0361 >. Acesso em: 13 jul. 2019.
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). Empresas de grande porte (GRD) empregam mais de 250 pessoas e possuem faturamento superior a R$ 300 milhões. Empresas de médio grande porte (MGRD) empregam mais de 250 pessoas e possuem faturamento entre R$ 90 e R$ 300 milhões. Empresas de médio porte empregam entre 50 e 250 pessoas e possuem faturamento entre R$ 16 e R$ 90 milhões. Apesar de micro e pequenas empresas serem predominantes nesse setor no Brasil (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2015MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Bases Estatísticas RAIS e CAGED. Brasília, 29 jul. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/inicial.php >. Acesso em:15 jul. 2019.
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), optamos por analisar empresas de médio e grande porte, que possuem maior potencial de desenvolvimento sistemático de inovações (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Inovação 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.).

Foram selecionadas dez empresas brasileiras de serviços de TI (Tabela 1), com o objetivo de explorar a diversidade nos processos e tipos de inovação em empresas de diferentes atividades e porte. Os serviços oferecidos pelas empresas são considerados de alto valor agregado, incluindo etapas mais complexas de desenvolvimento de solução em software, envolvendo conhecimentos específicos de engenharia de software, análise de sistemas, design de alto nível e modelagem da arquitetura de soluções (ROSELINO, 2006ROSELINO, J. Análise da Indústria Brasileira de Software com Base em uma Taxonomia das Empresas: Subsídios para a Política Industrial. Revista Brasileira de Inovação, v. 5, n. 1, p. 157-201, 2006.).

No período de julho a setembro de 2015, realizamos entrevistas com os responsáveis pela gestão da inovação nas empresas selecionadas e, quando possível, com outros integrantes da equipe. Como a pesquisa requeria acesso a informações estratégicas, as entrevistas foram realizadas com executivos das empresas, ou com os responsáveis pela área de inovação com acesso e conhecimento sobre as relações entre a estratégia e a organização e estruturação de rotinas de inovação. As entrevistas ocorreram de maneira presencial, sendo apenas duas delas (A_DEV, F_DEV) realizadas via teleconferência. As empresas B_INT, D_DEV e I_INT atenderam nossa solicitação para entrevistas complementares. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para análise. Compreendemos que a utilização de dados de entrevistas para o desenvolvimento teórico apresenta potencial bias, que pode ser mitigado pelo uso de múltiplos informantes dentro da organização (EISENHARDT e GRAEBNER, 2007EISENHARDT, K.; GRAEBNER, M. Theory building from cases: Opportunities and Challenges. Academy of Management Journal, v. 50, n. 1, p. 25-32, 2007.). Essa abordagem foi utilizada de acordo com a disponibilidade das empresas. Nos demais casos, buscamos acesso a informantes-chaves e informações complementares, reconhecendo a limitação que essa decisão metodológica representa no desenvolvimento deste estudo exploratório.

Tabela 1
Empresas da amostra

A análise dos dados foi conduzida listando todas as rotinas e práticas apresentadas pelas empresas em cada uma das etapas do processo de inovação, comparando-as de forma a identificar diferenças e similaridades. Associamos as rotinas e práticas às diferentes dimensões da inovação em serviço (HERTOG, VAN DER AA e DE JONG, 2010HERTOG, P. D.; VAN DER AA, W.; DE JONG, M. Capabilities for managing service innovation: towards a conceptual framework. Journal of Service Management, v. 21, n. 4, p. 490-514, 2010.) com base nas informações coletadas quanto ao propósito das rotinas e em exemplos de inovações desenvolvidas, buscando evidências de seu caráter estruturado. Dois aspectos apontados no referencial teórico (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) mereceram atenção na coleta e análise dos dados: o caráter planejado e deliberado das iniciativas e a construção com aplicação rápida no mercado. O caráter consciente e deliberado foi apontado pelos executivos quando apresentaram como as inovações eram identificadas. A existência de práticas para o aprofundamento iterativo dos requisitos e validação das ideias em desenvolvimento com clientes e usuários indicou a construção da inovação com aplicação no mercado. Após listar as práticas e rotinas estruturadas, analisamos a sequência das atividades nas dimensões da inovação em serviços e começamos a propor modelos de processos de inovação associados às dimensões da inovação. A análise dos dados ocorreu de maneira recursiva: iniciou com o primeiro caso e foi sendo reavaliada com a análise de cada empresa. À medida que incluímos cada caso, reavaliamos os modelos propostos, validando se eram capazes de representar os processos da empresa ou se outros modelos deveriam ser propostos. Essa análise comparativa permitiu que os modelos fossem refinados a cada ciclo. Ao final da pesquisa, os modelos foram apresentados para as empresas participantes.

RESULTADOS

Identificamos rotinas estruturadas para a gestão da inovação relacionadas às dimensões de conceitos de serviço, sistemas de entrega e opções tecnológicas. A concepção de uma solução com base em realidade virtual para treinamento de operadores de centrais elétricas e a concepção de solução para monitoramento de tráfego com base na utilização de sensores, câmeras e diferentes módulos de software fornecidos por empresas parceiras são exemplos de inovações em conceito de serviço. Essas inovações envolvem a concepção de uma nova solução, com possível desenvolvimento de módulos de software ou a utilização de módulos de software de terceiros, porém sem que a solução final possa ser considerada um software de prateleira. Inovações em sistema de entrega estão relacionadas a processos internos e práticas organizacionais relacionadas à prestação dos serviços. Exemplos de inovações em opções tecnológicas são o desenvolvimento de sistema de curadoria de conteúdo digital com base em preferências dos usuários, sistema para fiscalização de impostos que utiliza inteligência artificial para analisar notas fiscais emitidas por empresas e sistema para construção de painéis de controle agregando informações de múltiplos sistemas gerenciais de operações. Nas demais dimensões da inovação em serviço (interface com clientes, parcerias, modelos de receita, novos mercados e organização da indústria), identificamos iniciativas, porém sem evidências de rotinas e práticas estruturadas para o desenvolvimento sistemático desses tipos de inovação.

Identificamos quatro modelos de desenvolvimento de inovação associados a três dimensões da inovação em serviços que corroboram em grande medida os processos de inovação apresentados por Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.). Dada a proximidade dos modelos encontrados, optamos por manter a nomenclatura inicialmente proposta por Toivonen (2010), enfatizando o modelo de aplicação rápida experiencial e incluindo o modelo de aplicação rápida por compressão. Os modelos de desenvolvimento de inovação identificados na literatura são: (i) modelo de projeto separado da prática, (ii) modelo de aplicação rápida por compressão, (iii) modelo de aplicação rápida experiencial e (iv) modelo baseado na prática. No entanto, os achados empíricos evidenciaram um quinto modelo, que denominamos modelo de inovação deliberada a posteriori, como um caso próximo, mas distinto do modelo baseado na prática. Nas seções a seguir detalhamos cada um dos modelos.

Modelo de projeto separado da prática

Figura 1
Modelo de projeto separado da prática4 4 Apesar de as figuras se apresentarem, no todo ou em parte, como modelos lineares, na prática das empresas isto não ocorre. Os processos apresentam idas e vindas e feedbacks, com o comportamento caótico que caracteriza o “fuzzy front end” (ALAM, 2006). Existem muitas interações entre as etapas do processo de inovação, que não foram apresentadas apenas com o intuito de permitir uma melhor visualização das diferenças entre os modelos.

Esse modelo corresponde aos modelos tradicionais de gestão da inovação, em que empresas iniciam o processo buscando oportunidades, gerando ideias, selecionando aquelas mais promissoras para desenvolvimento, até que o serviço é finalmente oferecido ao mercado e avaliado (Figura 1). O lançamento da inovação ocorre somente ao final do processo. Este modelo caracteriza-se pelo seu caráter deliberado e planejado, com práticas para elicitação de requisitos e definição de escopo antes do desenvolvimento, similar ao modelo de desenvolvimento de software em cascata e às práticas tradicionais de gestão de projetos (PMI, 2008PMI. Project Management Body of Knowledge (PMBOK). Pennsylvania: Project Management Institute, Inc, 2008.). Essas práticas foram identificadas em relação a inovações de sistema de entrega, opções tecnológicas e conceito de serviço (Quadro 1).

Quadro 1
Exemplos de aplicação do modelo de projeto separado da prática

Modelo de aplicação rápida por compressão e experiencial

A ideia de planejamento prévio está presente no modelo de projeto separado da prática. A ênfase no planejamento e a validação tardia no mercado foram problemas que levaram a uma nova abordagem de gestão de projetos no setor, com práticas que incentivavam a cocriação com clientes e ciclos curtos de ideação, desenvolvimento e validação das soluções. No modelo de aplicação rápida (experiencial) (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.), considera-se que as etapas de planejamento e execução são integradas, ocorrem de maneira iterativa, incremental e rápida, com base em informações obtidas diretamente no mercado. Essa abordagem se materializa nas empresas pelo uso de práticas de desenvolvimento ágil, em especial pelo uso da metodologia Scrum. O modelo de aplicação rápida experiencial segue a proposta de Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.), apoiando-se na aplicação no mercado.

Figura 2
Modelo de aplicação rápida experiencial

Quando os projetos de inovação se voltam para ideias capazes de abrir novos mercados, incertezas existem em relação ao problema a ser resolvido, ao mercado-alvo e à solução que deve ser oferecida, resultando em uma percepção maior de risco. As empresas C MOV, I INT e J INT adotaram o modelo de aplicação rápida experiencial (Figura 2), que também se baseia em práticas ágeis, porém insere um componente de validação direta no mercado ao final dos ciclos. No setor de serviços de TI, o modelo de aplicação rápida experiencial se tornou conhecido com a difusão da “Metodologia de Desenvolvimento de Clientes”, proposta por Steve Blank, e que, apesar de voltada para o universo de startups, também se difundiu entre empresas estabelecidas com o objetivo de criar novos negócios (BLANK, 2013BLANK, S. The Four Steps to the Epiphany: successful strategies for products that win. 2nd. ed.Pescadero: K&S Ranch, 2013.). O depoimento do CEO da empresa C MOV ilustra a utilização desse modelo.

É tudo muito rápido aqui. Botar no ar é colocar um aplicativo na loja. Você desenvolve em 4, 5, 10 dias. Ele botou no ar e ficou esperando. Chegou um cliente, fez um teste, chegou outro, fez outro teste. Ele fez tudo. Ele, manualmente. É diferente de dizer: Eu tenho um projeto, vou automatizar tudo, sistema, ERP, vai ser incrível! Não, para tudo isso! Não vai fazer nada disso. Faz tudo você sozinho. Funcionou bem? Os clientes estão felizes? Está tudo funcionando? Então a gente automatiza. [...] O dia que precisar, a gente faz. Faz na mão duas pessoas. Agora tenho 50 clientes e passou um mês. Agora tenho dados. Interessa? Não interessa? Cliente gosta? Não gosta? Quanto ele está disposto a pagar?

Entretanto, não são todas as empresas que apoiam seu desenvolvimento na experiência em tempo real. Dessa forma, propomos a manutenção do modelo por compressão (EISENHARDT e TABRIZI, 1995EISENHARDT, K.; TABRIZI, B. Accelerating adaptive processes: product innovation in the global computer industry. Administrative Science Quarterly, v. 40, n. 1, 84-110, 1995.) com a denominação de “modelo de aplicação rápida por compressão”, no qual o planejamento e execução ocorrem em ciclos rápidos, incrementais, porém se apoiam apenas em validação interna à organização (Quadro 2).

Identificamos o modelo de aplicação rápida por compressão sendo utilizado principalmente no desenvolvimento de inovações em opções tecnológicas, ou seja, componentes, sistemas ou soluções de software (A DEV, B INT, C MOV, F DEV, G DEV, I INT, J INT), mas também no desenvolvimento de competências tecnológicas para novos conceitos de serviço (G DEV).

Quadro 2
Exemplos do modelo de aplicação rápida por compressão

Modelo de projeto baseado na prática e inovação deliberada a posteriori

Um quarto modelo foi identificado, nele o desenvolvimento das inovações ocorre como parte dos projetos dos clientes. Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) considera que nesse modelo as inovações são desenvolvidas de maneira não deliberada, ou seja, elas ocorrem como parte da prestação do serviço e somente depois são reconhecidas como inovações - desenvolvidas por meio desse modelo, são denominadas inovações a posteriori (GALLOUJ e WEINSTEIN, 1997GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, v. 26, n. 4-5, p. 537-556, 1997.; TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.). Esse modelo se distingue pela venda antecipada da solução e pelas etapas de mapeamento e formalização ao final do desenvolvimento (Figura 3).

Na amostra, inovações desse tipo estavam relacionadas à dimensão de conceito de serviço. O depoimento do diretor de inovação corporativa da empresa A DEV ilustra esse modo de inovação.

As inovações, na verdade, florescem onde a empresa funciona. A empresa funciona onde estão fazendo os projetos, nas áreas de negócios, na área de infraestrutura, em quem está vivendo os desafios. [...] Às vezes as lideranças estão fazendo uma ação que nem elas percebem que é uma inovação. [...] A empresa tem que ter formas de todos visualizarem facilmente os casos de sucesso. O processo de inovação tem muito mais necessidade de existir, às vezes, para mapear do que propriamente para estimular que as coisas aconteçam.

Apesar de a empresa A DEV se mostrar sensibilizada para as inovações a posteriori, rotinas para mapeamento e formalização estavam sendo ainda estruturadas: “Agora mesmo o que a gente está tentando fazer é um experimento. A gente está incitando uma área com budget, para ela viabilizar projetos, pura e simplesmente com objetivo de conseguir fazer com que as ações que ocorrem ali possam ser mapeadas”. A empresa B INT realiza o mapeamento de inovações apoiando-se em programas de incentivos governamentais, como descrito pelo seu coordenador de inovação:

A gente tentou centralizar este tipo de coisa. Fizemos o mapeamento. A organização tem isto tudo como grupo, tem empresas que ela já adquiriu, tem estas tecnologias sendo desenvolvidas. Então a gente consegue também dar este feedback interno. A gente enxerga como estratégico o entregável com o mapeamento dos projetos considerados mais inovadores da empresa. Eu tenho este mapeamento. Em função da Lei do Bem. O mapeamento é do ano. Então acaba que esta informação sempre vai vir. A nossa ideia é sempre ter uma visão mais estratégica sobre isto.

Apesar do desenvolvimento de inovações baseadas na prática da prestação dos serviços ser uma possibilidade para empresas de desenvolvimento de software sob medida e integração de sistemas, bem como demais empresas do setor que atuam baseadas em projetos, as demais empresas não se mostraram sensibilizadas para essa opção.

Figura 3
Inovação segundo o modelo baseado na prática

Interessante ressaltar que Toivonen descreve a inovação a posteriori como uma inovação não consciente. Entretanto identificamos uma empresa na amostra (E INT) que aplica esse modelo de maneira consciente e intencional. Essa empresa se dedica a atividades de integração de sistemas. Oportunidades de inovação em conceito de serviço estão geralmente associadas à utilização de novos componentes de software customizáveis ou a novas aplicações de componentes existentes. Uma vez identificada a oportunidade, as equipes comerciais e de marketing mobilizam-se para identificar clientes dispostos a desenvolver o projeto, enquanto a equipe técnica adquire capacidades internamente ou externamente nas tecnologias necessárias. O projeto de inovação se inicia somente quando algum cliente se dispõe ao desenvolvimento do projeto, atuando como patrocinador.

A tendência é que a gente tenha um discurso, tenha uma infraestrutura que facilite a implementação de soluções a partir de um núcleo. Se as soluções ao final forem diferentes, provavelmente serão, mas vão ter o mesmo princípio, a mesma base. Por exemplo, uma sala de controle e operação, uma solução que a gente entregou para um cliente grande. A ideia é que a gente replique essa sala. Vamos ter diferenças para cada tipo de cliente, mas o núcleo será muito similar. [...] A gente passa a ter um patrocinador, alguém que vai pagar aquele projeto, confiando na gente. [...] Todos os clientes são bem envolvidos, mas nessa concepção de ter o primeiro para fazer o framework, tem um status diferente. No primeiro eu tenho que pegar uma ideia do nada e trabalhar inclusive com esse cliente para criar uma coisa. Nesse processo de criar, depois que eu já pré-vendi, vendi e entreguei, eu aprendi muita coisa, principalmente as regras daquela indústria. Aí eu começo a entender o que eu posso tirar de particularidades daquele cliente e só concentrar nas regras da indústria.

O processo começa com o mapeamento da oportunidade, seleção, concepção preliminar da solução e venda do projeto, somente após o qual o projeto de inovação se inicia com participação do cliente na concepção da solução final. Ao final do projeto existe uma etapa de análise e formalização da inovação, identificando os elementos da solução que podem ser replicados em outros projetos da empresa. Ao contrário da proposta apresentada por Toivonen (2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.), a inovação a posteriori na empresa E INT é deliberada e consiste na principal estratégia da empresa para desenvolvimento de novos conceitos de serviço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa identificou que, em empresas de serviços de TI, pelo menos cinco modelos de gestão da inovação podem ser utilizados, explorando relações entre esses modelos e as dimensões da inovação em serviços. Contribuímos com a literatura de inovação em serviços identificando e descrevendo um modelo distinto e alternativo aos já apresentados na literatura: o modelo de inovação deliberada a posteriori. Com isso, reforçamos o argumento de que projetos planejados e separados da prestação do serviço não constituem a única forma, ou a forma mais bem-sucedida, para inovar (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.; SALERNO, GOMES, SILVA et al., 2015SALERNO, M. et al. Innovation processes: which process for which project?Technovation, v. 35, n. 1, p. 59-70, 2015.). Existem outros modelos de inovação a serem considerados, cuja relevância e efetividade demandam aprofundamento.

O modelo por compressão foi inicialmente identificado por Eisenhardt e Tabrizi (1995EISENHARDT, K.; TABRIZI, B. Accelerating adaptive processes: product innovation in the global computer industry. Administrative Science Quarterly, v. 40, n. 1, 84-110, 1995.) no contexto do desenvolvimento de novos produtos. No setor de serviços de TI, identificamos o modelo de aplicação rápida por compressão sendo utilizado principalmente no desenvolvimento de inovações em opções tecnológicas e no desenvolvimento de competências tecnológicas para novos conceitos de serviço. No modelo de aplicação rápida por compressão, a empresa integra planejamento e execução em ciclos rápidos, construindo gradativamente suas capacidades e sua inovação, apoiando-se em validação interna.

O modelo de inovação baseado na prática (TOIVONEN, 2010TOIVONEN, M. Different types of innovation processes in services and their organisational implications. In: GALLOUJ, F.; DJELLAL, F. The handbook of innovation and services - A multi-disciplinary perspective. Cheltenham: Edward Elgar, 2010. p. 221-249.) apresenta a inovação a posteriori como resultado de um processo não consciente. Entretanto, observamos que ela também pode resultar de um processo consciente e deliberado. Nesse caso, a empresa reconhece a inovação a posteriori como parte da estratégia de inovação centrada no desenvolvimento de novos serviços, identificando oportunidades e engajando clientes para atuar como patrocinadores e como cocriadores das soluções. O modelo de inovação deliberada a posteriori representa uma alternativa promissora para empresas prestadoras de serviço sob medida, pois sua incorporação ao processo de inovação transforma a empresa de reativa às inovações desenvolvidas em projetos sob medida para ativa na busca de inovações que possam expandir a atuação da empresa com um cliente cocriador e patrocinador. Nossos achados reforçam a abordagem teórica que enfatiza as especificidades setoriais nos processos de gestão da inovação. Modelos de referência abrangentes e universais de organização e gestão da inovação, como os de Tidd, Bessant e Pavitt (2005TIDD, H.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Managing innovation: integrating technological, managerial organizational change. New York: McGraw-Hill, 2005.), são ferramentas úteis para profissionais e pesquisadores delinearem os limites do campo da gestão da inovação e estabelecerem os principais grupos de práticas e as interações entre eles. No entanto, falta-lhes agudeza analítica para compreender como padrões de concorrência setoriais distintos determinam padrões diferentes de adoção de práticas de gestão da inovação (PAVITT, 1990PAVITT, K. What we know about the strategic management of technology. California Management Review, v. 32, n. 3, p. 17-26, 1990.). Mais ainda, como se demonstrou neste estudo, os modelos de processo de inovação variam entre segmentos de negócio de um determinado setor, e mesmo entre distintos modelos de negócio em um dado segmento.

Essa pesquisa teve caráter exploratório. A amostra foi direcionada para empresas de serviços de TI que se consideram inovadoras ou que são reconhecidas como inovadoras por premiações de inovação e rankings baseados em rentabilidade, condições de trabalho e internacionalização. A montagem da amostra intencional, robusta e baseada na escolha de empresas que se destacam no setor faz-nos crer que as práticas identificadas correspondem a o que seria mais avançado em termos de gestão da inovação entre empresas brasileiras do setor de serviços de TI e relacionadas a atividades, principalmente de desenvolvimento de software sob medida e soluções de integração. Para os gestores de inovação em empresas de serviços de TI, a compreensão da diversidade de tipos de inovação e de modelos permite que as empresas se sensibilizem para o desenvolvimento de capacidades de inovação além das capacidades relacionadas aos modelos tradicionais, ampliando seu portfólio de estratégias e práticas gerenciais no desenvolvimento de inovações.

Estudos futuros explorando as relações entre modelos de inovação e dimensões da inovação em serviços, o desenvolvimento de escalas de maturidade nos processos de gestão da inovação, e métricas de avaliação do processo considerando diferenças setoriais, maturidade e ciclo de vida das organizações podem auxiliar gestores nessa tarefa, que se mostra cada dia mais importante para o crescimento e a sobrevivência das empresas. O conceito de inovação a posteriori nas empresas de serviços também requer aprofundamento, seja em relação ao seu caráter deliberado ou não deliberado, às práticas para mapeamento e formalização sistemáticos das inovações, às semelhanças e diferenças entre inovação a posteriori e modelos utilizados por empresas de desenvolvimento de produtos e processos sob medida (NASCIMENTO e FERRAZ, 2000NASCIMENTO, P.; FERRAZ, F. Akros: a subcontratação do desenvolvimento de produtos. In: SIMPÓSIO DE GESTÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 21., 2000, São Paulo. Anais... São Paulo: PGT/FEA/FIA/POLI-USP, 2000.; SALERNO, GOMES, SILVA et al., 2015SALERNO, M. et al. Innovation processes: which process for which project?Technovation, v. 35, n. 1, p. 59-70, 2015.), bem como sua relação com os resultados da empresa frente a outras estratégias de inovação.

REFERÊNCIAS

  • ALAM, I. Removing the fuzziness from the fuzzy-front end of service innovations through customer interactions. Industrial Marketing Management, v. 35, n. 4, p. 468-480, 2006.
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  • 1
    Desenvolvimento de novo serviço (New Service Development - NSD) é o “processo organizacional que relaciona capacidade de marketing e operacional para conceber, desenhar e implementar um novo serviço valorizado por um cliente” (TATIKONDA e ZEITHAML, 2002).
  • 2
    Engenharia de serviço (Service engineering - SE) é a disciplina que trata do desenvolvimento sistemático e design de serviços (BULLINGER, FAHNRICH e MEIREN, 2003BULLINGER, H.; FAHNRICH, K.; MEIREN, T. Service engineering - methodical development of new service products. International Journal of Production Economics, v. 85, n. 3, p. 275-287, 2003.).
  • 3
    Por questões de confidencialidade, os nomes das empresas não são publicados. Foram substituídos por codinomes baseados na atividade principal (DEV: desenvolvimento sob medida, INT: integração de sistemas, MOV: desenvolvimento de serviços móveis).
  • 4
    Apesar de as figuras se apresentarem, no todo ou em parte, como modelos lineares, na prática das empresas isto não ocorre. Os processos apresentam idas e vindas e feedbacks, com o comportamento caótico que caracteriza o “fuzzy front end” (ALAM, 2006ALAM, I. Removing the fuzziness from the fuzzy-front end of service innovations through customer interactions. Industrial Marketing Management, v. 35, n. 4, p. 468-480, 2006.). Existem muitas interações entre as etapas do processo de inovação, que não foram apresentadas apenas com o intuito de permitir uma melhor visualização das diferenças entre os modelos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2018
  • Aceito
    07 Jun 2019
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