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Caso Queremos! Desafios de uma startup na pandemia

Caso “Queremos!” Desafíos de una startup en la pandemia

Resumo

Criada em 2010, no Rio de Janeiro, a Queremos! surgiu com uma proposta inovadora de aproximar fãs e artistas através de uma estrutura de financiamento coletivo, que possibilitava a viabilização de shows em localidades que normalmente não estariam contempladas nas turnês originais. Após um reposicionamento do modelo de negócios em 2013, a empresa abandona o modelo de crowdfunding que a fez famosa para se especializar na produção de eventos ao vivo, o que lhe possibilitou, além de uma incursão para os EUA entre 2013 e 2016, a expansão da marca com forte presença nas principais capitais brasileiras nos anos seguintes. No entanto, após seu melhor ano em 2019, a empresa foi surpreendida pela pandemia da COVID-19, que afetou drasticamente o setor de entretenimento e live-events no Brasil e no mundo. O caso coloca o leitor no papel dos sócios da empresa, de forma a refletir sobre os desafios estratégicos e operacionais que a Queremos! teve de enfrentar a partir da proibição dos eventos ao vivo devido à pandemia. O caso é indicado para alunos de graduação e pós-graduação de cursos de administração e produção cultural preocupados em discutir temas e conceitos ligados à área de planejamento em tempos de incerteza, análise de risco, gestão da mudança, modelagem de negócios, e inovação em startups.

Palavras-chave:
Entretenimento; Live-events; Modelagem de negócios; Startups; COVID-19

Resumen

Creada en 2010, en Río de Janeiro, Queremos! ideó una propuesta innovadora para acercar a fans y artistas a través de una estructura de crowdfunding que hizo posible realizar espectáculos en lugares que normalmente no estarían cubiertos en las giras originales. Tras un reposicionamiento del modelo de negocio en 2013, la empresa acaba abandonando el modelo de crowdfunding que la hizo famosa para especializarse en la producción de eventos en directo, lo que le permitió, además de una incursión en EE. UU. entre 2013 y 2016, expandir la marca con fuerte presencia en las principales capitales brasileñas en los años siguientes. Sin embargo, luego de su mejor año ‒ 2019 ‒, la empresa fue sorprendida por la pandemia de COVID-19, que afectó drásticamente el sector de entretenimiento y eventos en vivo en Brasil y en el mundo. El caso pone al lector en el papel de los socios de la empresa, para reflexionar sobre los desafíos estratégicos y operativos que Queremos! tuvo que enfrentar desde la prohibición de eventos en vivo debido a la pandemia. El caso está indicado para estudiantes de grado y posgrado de carreras de administración y producción cultural, preocupados por discutir temas y conceptos relacionados con el área de planificación en tiempos de incertidumbre, análisis de riesgos, gestión del cambio, modelado de negocios e innovación en startups.

Palabras clave:
Entretenimiento; Eventos en vivo; Modelado de negocios; Startups; COVID-19

Abstract

Created in Rio de Janeiro in 2010, Queremos! came up with an innovative proposal to bring fans and artists together through a crowdfunding structure, which made it possible to perform shows in locations that normally would not be covered in the original tours. After repositioning the business model in 2013, the company abandoned the crowdfunding model that made it famous and focused on the production of live events. This enabled an expansion to the USA between 2013 and 2016 and gave the brand a strong presence in the main Brazilian capitals in the following years. However, after its best year in 2019, the company was surprised by the COVID-19 pandemic, which drastically affected the entertainment and live events sector in Brazil and worldwide. The case puts the readers in the role of the company’s partners in order to reflect on the strategic and operational challenges that Queremos! had to face from the prohibitions on live events due to the pandemic. The case is recommended for undergraduate and graduate students of administration and cultural production courses concerned with discussing topics and concepts related to the area of planning in times of uncertainty, risk analysis, management of changes, business modeling, and innovation in startups.

Keywords:
Entertainment; Live-events; Business modeling; Startups; COVID-19

INTRODUÇÃO

Criada em 2010, a Queremos! ficou conhecida internacionalmente após ter sido uma das finalistas da TechCrunch Disrupt Battlefield de 2012, uma das maiores feiras de startups do mundo, responsável por reunir e premiar, anualmente, em São Francisco, empreendedores que apresentaram as inovações mais disruptivas do período. A startup, que surgiu como uma plataforma digital de financiamento coletivo, possibilitava a realização de shows sob demanda com uma proposta de trazer artistas para mais perto de seus fãs. Apesar de fundada no Rio de Janeiro com base em uma iniciativa independente que reuniu a experiência corporativa de cinco amigos, Pedro Seiler, Tiago Compagnoni, Bruno Natal, Felipe Continentino e Pedro Garcia, que identificaram uma demanda ainda não atendida por shows internacionais na cidade, o sucesso do modelo logo fez com que as operações da empresa ganhassem escala, rendendo à Queremos! presença nas principais praças do Brasil e dos Estados Unidos já nos anos seguintes.

No entanto, depois de bons anos de expansão, com seu período mais promissor tendo ocorrido entre 2018 e 2019, a Queremos!, juntamente com diversas outras empresas do setor do entretenimento, acabou sendo pega de surpresa pela pandemia da COVID-19, responsável por causar, já nos primeiros meses de 2020, a completa paralisação de eventos ao vivo no Brasil e no mundo. Tal conjuntura trouxe para a indústria da música e entretenimento uma crise sem precedentes, além de sérios complicadores financeiros para a Queremos!, que dependia do fluxo de caixa operacional dos shows para se manter. Ao ver muitas empresas do setor fecharem as portas e com medo de que aquela realidade pudesse estar cada vez mais próxima, Pedro Seiler e os demais sócios perceberam que o modelo que tinham já não lhes servia mais.

ANTECEDENTES

No final dos anos 2000 e início da década de 2010, diversas empresas foram criadas com um modelo de negócios baseado na internet. A ampliação do acesso em rede nesse período favoreceria a convergência de uma multidão de pessoas desconhecidas em torno de um objetivo em comum, possibilitando, inclusive, o financiamento coletivo de produtos e serviços - modelo que ficou conhecido como crowdfunding ou financiamento coletivo. A ideia era simples e partia do conceito de que muitas pessoas dispostas a oferecer pequenos valores poderiam, em conjunto, arrecadar os recursos financeiros necessários para a criação de novos produtos, a prestação de novos serviços ou até mesmo o subsídio para o desenvolvimento de uma startup. Em geral, os interessados na campanha de financiamento coletivo recebem, em troca do apoio, contrapartidas como brindes, o produto em si ou uma quantia em dinheiro, caso todo o valor esperado da campanha seja arrecadado.

O mercado de financiamento coletivo era promissor. De acordo com a empresa de pesquisa e consultoria MasSolution1 1 MasSolution. (2012, maio). Crowdfunding industry report: market trends, composition and crowdfunding platforms. Recuperado de https://www.crowdfunding.nl/wp-content/uploads/2012/05/92834651-Massolution-abridged-Crowd-Funding-Industry-Report1.pdf , por meio dessa modalidade, foram captados 530 milhões de dólares e 854 milhões de dólares, em 2009 e 2010, respectivamente, em todo o mundo. Pedro Seiler e seus amigos sabiam dos números e do potencial do modelo. Em um encontro entre os cinco, surgiu a ideia de criar a Queremos!, uma plataforma multilateral que tinha por objetivo aproximar e promover a interação entre fãs e artistas, em prol da viabilização de shows em localidades que normalmente não estão incluídas na turnê original.

Primeiros shows

Em 2010, a Queremos! realizou seus primeiros shows. A empresa começou a operar como uma plataforma de financiamento coletivo, por meio da qual as pessoas identificadas como “empolgados” financiavam a vinda de artistas internacionais para se apresentarem em casas de shows espalhadas por toda a cidade do Rio de Janeiro. Para confirmar a realização de um show, um número mínimo de “empolgados” precisaria desembolsar cerca de R$ 200 cada um, de forma a garantir financeiramente a realização do evento. Uma vez confirmada a apresentação, era iniciada a venda de ingressos para o público em geral, e, caso o volume de vendas superasse um patamar predeterminado, os “empolgados” eram reembolsados, de modo que, em muitos casos, poderiam assistir aos shows de graça. Na situação em que não se conseguia um número mínimo de ingressos vendidos, a empresa devolvia o valor investido de maneira integral para os “empolgados”. A dinâmica desse modelo pode ser mais bem observada na Figura 1 (Anexo).

O primeiro show contou com o incentivo de 60 “empolgados”, que ajudaram a trazer a banda sueca de indie pop Miike Snow para o Rio de Janeiro, num show produzido pela própria equipe da Queremos!, em um modelo que viria a se consolidar e ampliar, com a empresa desenvolvendo também a própria plataforma de ingressos. Segundo os sócios, a repercussão, à época, foi tão grande que outros agentes, como o Canal Multishow e a Produtora Das Duas, também acabaram se envolvendo nesse evento, que trouxe cerca de 850 pessoas para o Circo Voador - uma casa de shows fundada 1989 em um dos bairros símbolo da boemia carioca, a Lapa -, no dia 20 de setembro de 2010. Como forma de compensar os “empolgados” que viabilizaram a vinda da banda, a empresa realizou o reembolso total do valor investido, assim, eles poderiam ir ao evento de graça.

Todos os sócios-fundadores da Queremos! estavam no Circo Voador naquela noite de segunda-feira para ver o resultado da sua ideia. O show começou às 22h30, e a toda hora alguém passava pelos cinco amigos para dar os parabéns, como se fosse o aniversário de algum deles. Na verdade, o clima era de um “feliz faça você mesmo” para todo mundo ali presente. O sinal de casa cheia mostrava que uma grande quantidade de paradigmas estava sendo quebrada naquele momento. No fim do show, eles sabiam que não podiam parar por ali, e o espírito coletivo da empreitada deveria continuar.

Os sócios aproveitaram, então, aquele momento para divulgar o próximo show que pretendiam realizar, com o lançamento da campanha #QueremosBaSnoRio, que contou com site próprio e uma grande mobilização de fãs em redes sociais como o Twitter. Dessa vez, o movimento responsável por trazer a banda escocesa de indie folk Belle and Sebastian aos palcos do Circo Voador contou com o financiamento de 140 pessoas, o que representava um aumento de 133% na mobilização para efetuar o espetáculo se comparado com o primeiro evento da empresa. Mais uma vez, o show aconteceu com ingressos esgotados. Dessa forma, a Queremos! encerrou o ano de 2010 com dois shows, mas com grandes perspectivas de ampliação para os meses seguintes.

Crescimento e internacionalização

O ano de 2011 foi um momento de afirmação para a plataforma da empresa, que, cada vez mais, buscava estreitar o relacionamento entre fãs e artistas, oferecendo a oportunidade para qualquer um trazer a sua banda preferida para perto de casa, por meio do apoio e da mobilização dos fãs. Nesse ano, a Queremos! realizou um total de 16 eventos, com o destaque para o LCD Soundsystem, em fevereiro de 2011, no Vivo Rio, uma casa de shows localizada na zona sul carioca com capacidade para cerca de 5 mil pessoas. Ainda muito centrada nas bandas de indie rock estrangeiras, a Queremos! conseguiu mobilizar 505 “empolgados” para financiar a vinda dos escoceses da Primal Scream, que tocou seu rock alternativo nos palcos do Circo Voador no dia 23 de setembro de 2011 e, que, apesar de competir com a Rihanna no Palco Mundo do quinto maior festival de música do mundo, o Rock in Rio, naquela mesma noite, desempenhou uma apresentação “histórica”, de acordo com a agência de notícias Omelete2 2 Viveiros, E. (2011, setembro 27). Primal Scream no Rio de Janeiro 2011. Omelete. Recuperado de https://www.omelete.com.br/musica/primal-scream-no- rio -de -janeiro-2011 .

Por apresentar um modelo altamente inovador e singular no mundo àquele momento, a Queremos! terminou o ano de 2011 sendo selecionada para participar do programa de aceleração da 21212, uma aceleradora de empresas com escritórios localizados nas cidades do Rio de Janeiro e de Nova Iorque que buscava empresas brasileiras digitais e de potencial global. Com o objetivo de apoiar a estruturação empresarial da Queremos! e permitir um crescimento sustentável, os sócios da aceleradora também se preocupavam em discutir o modelo de negócios e desenvolver o processo de criação, estruturação e captação de investimentos da empresa.

A Queremos! conseguiu, no período entre 2011 e 2012, grandes avanços no sentido de mobilizar fãs e ocupar casas de shows. Os sócios perceberam que existia uma grande possibilidade de expansão do seu modelo de negócio para outros palcos e cidades. No dia 4 de maio de 2012, os californianos da Foster the People, trazidos por 630 “empolgados”, lotaram o Circo Voador, embalando a multidão com seu sucesso Pumped Up Kicks. Na semana seguinte, o grupo se apresentou para milhares de pessoas no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, na primeira edição brasileira do Festival Lollapalooza.

Com o aumento da relevância dos shows, a empresa deu um grande passo rumo ao seu processo de expansão ao promover um show de hip hop dos canadenses do Badbadnotgood, em São Francisco, na Califórnia, no dia 12 de setembro de 2012. Essa primeira aparição internacional da empresa contou com o financiamento de 200 crowdfunders e abriu espaço para que o modelo, futuramente conhecido como WeDemand! nos EUA, conquistasse também outras praças brasileiras. Antes do final daquele ano, a Queremos! já realizava shows em outras grandes cidades do Brasil, como Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo. Os eventos, que ficavam restritos a grupos estrangeiros com uma pegada mais alternativa no início, passaram a conquistar também bandas nacionais e outros estilos musicais.

Com a escalada do número de shows e praças, a Queremos! acabou sendo selecionada como uma das 30 finalistas, em meio a um universo de mais de 5 mil inscritas, da TechCrunch Disrupt Battlefield, uma competição global de startups que tem por objetivo premiar empresas que apresentaram modelos de negócios inovadores e disruptivos. A premiação da TechCrunch rendeu grande visibilidade à empresa, sendo entendida pelos sócios como a porta de entrada que lançaria a Queremos! no mercado internacional, significativamente maior que o brasileiro.

A Queremos! finalizou o ano de 2012 com 23 shows realizados, número que dava a Pedro Seiler e seus sócios grandes esperanças de que o ano de 2013 reservaria boas oportunidades. Afinal, os sócios entendiam que a empresa apresentara ótimos números de crescimento para um modelo de negócio disruptivo nos últimos anos, um resultado capaz de desconstruir os moldes tradicionais até então praticados pela indústria de entretenimento ao vivo.

Dilemas do modelo de crowdfunding

Entretanto, as possibilidades que se desenhavam criavam também mais cobrança por resultados e outros desafios inerentes à complexidade de novos e maiores mercados. Apesar de o modelo de negócio ter sido premiado internacionalmente, os sócios sabiam que precisavam mostrar números consistentes para os investidores que acreditavam na empresa.

Entre os sócios, havia um grande debate sobre que rumo a Queremos! deveria seguir para se tornar mais rentável. Todos estavam seguros de que haviam feito de tudo para engajar o público com os shows e que tiveram sucesso nessa empreitada. As campanhas de financiamento coleti vo eram um sucesso e permitiam a realização da maior parte dos eventos. Contudo, a principal fonte de renda da empresa era o lucro com a bilheteria depois de devolverem aos “empolgados” o valor investido. E apesar do sucesso dos shows, a venda de ingressos não estava trazendo o retorno esperado.

O diretor criativo e cofundador da plataforma, Bruno Natal, entendia que a Queremos! deveria buscar aumentar a rentabilidade de cada show. Ele acreditava que poderia alavancar a marca Queremos! para ser o novo modelo de realização de eventos ao vivo, com a escala trazendo a lucratividade. Seu time havia planejado ações para incrementar a venda de ingressos, com o investimento em divulgação e marketing para atingir um público maior para cada show, aumento do tíquete médio com maior oferta de produtos e experiência nos eventos e também por meio da busca de outras fontes de receita como patrocínios e ações de associação de marcas. Bruno acreditava que a plataforma de crowdfunding era o grande diferencial estratégico da Queremos!, e que, no longo prazo, seria o que permitiria a geração de crescimento exponencial, potencializando os efeitos da rede que eles estavam criando.

Por outro lado, Felipe Continentino, um dos fundadores e diretor de operações da empresa, sentia na pele a dificuldade representada pelo atual modelo de negócios. Por se tratar de um crowdfunding, era preciso seguir uma série de procedimentos específicos, inclusive contatar a banda antes de tudo para saber se aceitariam fazer o show e quanto custaria:

Era como se estivéssemos fazendo toda a pré-produção do show sem saber se ele ia acontecer. Isso sem falar no custo de desenvolver e manter uma plataforma de financiamento coletivo, com todas as complexidades envolvidas em lidar com o dinheiro das pessoas.

Felipe era radical em relação à plataforma. Ele acreditava que ela deveria ser descontinuada como crowdfunding e ser transformada numa rede social, em que o fã poderia demonstrar a sua intenção de ir ao show da banda, mas sem se comprometer diretamente com a compra do ingresso. Isso reduziria significativamente o custo de operação, o que praticamente equilibrava a rentabilidade da empresa. Assim, a Queremos! poderia focar nas atividades de produção dos shows com base na utilização das informações dos fãs sobre a intenção de compra. Além disso, estava em desenvolvimento um sistema de bilheteria digital para os eventos produzidos por meio da plataforma, o que poderia se tornar mais uma linha de receita para a empresa.

Ambos concordavam que o modelo de refunding, reembolso dos valores pagos pelos “empolgados”, deveria acabar. O entendimento de todos os sócios era que o reembolso não gerava nenhum incentivo adicional para o superfã, que estava realmente interessado em trazer a banda para tocar na sua cidade e acabava assumindo o papel de “empolgado” de forma a poder apoiar os shows desde o princípio. Depois de confirmado o show, havia dúvidas também sobre o engajamento dos “empolgados”. Esses fãs fariam algum esforço para vender mais ingressos pelo reembolso ou prefeririam ver o show mais vazio e confortável?

A EXPANSÃO DA QUEREMOS!

Por conta da complexidade operacional e das perdas financeiras associadas ao modelo de negócios, em 2013, a Queremos! decidiu abdicar da sua plataforma de financiamento coletivo. Apesar de não ter sido fácil abrir mão do modelo que havia projetado a empresa nacional e internacionalmente, Pedro Seiler entendia que essa era a decisão mais adequada a se tomar, caso quisessem prosperar no longo prazo. Com isso, a Queremos! concentraria seus esforços na produção dos shows em si, mas sem desconsiderar a força que sua plataforma assumira nos últimos anos. Nessa nova fase, a plataforma da empresa passaria a ser responsável por promover a aproximação de fãs, artistas, produtores, casas de shows e agentes que, por meio da interação com o site, poderiam cadastrar-se gratuitamente e propor a realização de um show em determinada localidade. Essa segunda fase do modelo é apresentada na Figura 2 (Anexo).

A eliminação dos entraves operacionais gerados pelo financiamento coletivo e a demonstração de força da rede criada pela Queremos! - que, em 2013, já contava com 2 milhões de cadastros e 4 milhões de pedidos para mais de 6 mil artistas - possibilitaram uma nova captação de investimento, proporcionando à empresa sua tão sonhada expansão para o mercado norte-americano. O novo aporte permitiu a abertura de um escritório no coração pulsante de Nova Iorque, o que fez com que, inclusive, Tiago se mudasse para Manhattan com o objetivo de comandar as operações internacionais da empresa.

Os primeiros meses da Queremos! nos EUA foram empolgantes pelas possibilidades que surgiram de investir em artistas não tão conhecidos que começavam a despontar no YouTube. Contudo, a Queremos!, sob a bandeira da WeDemand, nos Estados Unidos, promoveu apenas uma pequena quantidade de shows no país entre os anos de 2013 e 2016. Apesar de o mercado norte-americano ter se mostrado um teste interessante para o modelo de negócio da empresa, após três anos de operação, os sócios perceberam que o mercado de live events nos EUA era muito pulverizado e impunha significativas barreiras ao conceito que havia feito sucesso no Brasil, apesar de movimentar grandes cifras - cerca de 9,60 bilhões de dólares em receita somente em 20163 3 Götting, M. C. (2021, janeiro 08). Live music industry revenue in the United States from 2012 to 2021. Statista. Recuperado de https://www.statista.com/statistics/491884/live-music-revenue-usa/ . Os altos custos da operação aliados às limitações cambiais e de investimento mostraram aos sócios que a operação era muito mais complexa do que imaginavam e que, se quisessem ser bem-sucedidos, precisariam buscar novos aportes de capital para obter maior escala.

Paralelamente às dificuldades enfrentadas nos EUA, a Queremos! ganhava cada vez mais expressão no mercado nacional. No mesmo período, a empresa produziu 121 shows nas principais capitais brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Fortaleza e Maceió. Assim, uma vez que a maior parte da receita da empresa vinha do patrocínio e da venda de ingressos de shows brasileiros, os sócios tomaram a difícil decisão de desinternacionalizar suas operações, desmobilizando o escritório de Nova Iorque, de forma a reduzir os custos operacionais e focar no crescimento da marca no Brasil.

Os anos subsequentes foram de grande expansão para a Queremos! no Brasil. A estratégia de adensar o calendário, além de focar em patrocínios e festivais, fez a empresa produzir 60 shows por todo o país somente nos anos de 2017 e 2018. À medida que os shows iam se tornando produções cada vez maiores, a Queremos! passava a se consolidar nas principais praças brasileiras. Em 2018, foi lançado o Queremos! Festival no Rio de Janeiro, um evento com mais de 12 horas de duração que reuniu dez atrações internacionais divididas em dois palcos e levou cerca de 10 mil pessoas à Marina da Glória na tarde/noite do dia 25 de agosto.

Toda a repercussão positiva do evento em termos de organização e estrutura, que contou ainda com diversas áreas de convivência e uma praça gastronômica apelidada de “Comemos”, fez com que a empresa renovasse o patrocínio com importantes marcas, como a Heineken, em 2019. O apoio da cervejaria possibilitou a reedição do Queremos! Festival naquele ano, que ganhou um formato ainda maior e um line up representativo também entre artistas nacionais como Criolo e Gal Costa. O formato de festival, naquele ano, teve cerca de 80% de conteúdo brasileiro e proporcionou, na percepção dos sócios, um modelo vantajoso para a empresa, uma vez que a protegia do risco cambial presente nas atrações internacionais.

DESAFIOS DA PANDEMIA

Em 2020, a Queremos! completaria dez anos, e o planejamento era que o festival daquele ano fosse ainda maior, com mais dias, público e patrocinadores - um evento digno de coroar esse marco na história da empresa. Pedro Seiler e seus sócios esperavam recriar mais uma vez o modelo bem-sucedido do Queremos! Festival dos últimos anos, mas dessa vez com um line up 100% nacional de artistas que representassem a música brasileira independente. Pensando que talvez a Marina da Glória não fosse mais capaz de comportar o festival, já se cogitava, inclusive, levar o evento para outros palcos da cidade. A ampliação de patrocínio e eventos em praças brasileiras fora do Rio de Janeiro também estava nos planos da empresa. Antes mesmo do término de 2019, a Queremos! já tinha, pelo menos, dez shows fechados e com cachê pago para o início do próximo ano.

Foi então que, logo no início de 2020, o mundo começou a viver os primeiros meses do que seria uma das piores pandemias da história. Àquela altura, não se sabia ao certo o que viria pela frente, apenas que uma doença surgida na província de Wuhan, na China, causada por uma nova espécie de coronavírus (Sars-CoV-2), provocava uma enfermidade com os sintomas parecidos com os da gripe. No entanto, a sua alta taxa de transmissibilidade gerava grande preocupação nas autoridades nacionais e internacionais. Naquele momento, a ausência de expectativas sobre uma vacina ou tratamento eficaz fazia com que as medidas capazes de conter a disseminação do vírus ficassem limitadas à quarentena e ao distanciamento social - ações que afetavam diretamente a indústria de entretenimento no Brasil e no mundo.

Segundo a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos4 4 Cruz, F. B. (2020, abril 02). Os números do impacto da pandemia no mercado nacional de shows. Veja. Recuperado de https://veja.abril.com.br/cultura/exclusivo-os-numeros-do-impacto-da-pandemia-no-mercado-nacional-de-shows/ , 51,9% dos eventos programados para 2020, cerca de 300 mil tiveram de ser cancelados ou adiados por conta da pandemia, o que representou uma perda de R$ 90 bilhões na indústria como um todo e uma demissão de aproximadamente 580 mil pessoas. Antes, os empresários do setor apostavam em um crescimento de 6,5% para o ano. Com a crise generalizada que se instaurou na indústria, o que se observou logo nos primeiros meses da pandemia foram um cancelamento em massa de contratos de patrocínio e o encolhimento substancial das verbas para tais finalidades entre todos os players do mercado.

Diante desse cenário de incerteza deixado pela pandemia, a Queremos! teve de interromper todo o planejamento que havia montado para 2020, uma vez que, até aquele momento, praticamente toda a sua receita estava concentrada na produção dos shows presenciais. Por conta da dificuldade de gerar receita, a empresa se viu obrigada a reduzir drasticamente seu custo fixo de operação. Com isso, diversos membros da equipe foram desligados e o escritório, até então localizado no bairro da Glória, na zona sul carioca, foi devolvido.

A crise levou, inclusive, a uma reestruturação entre os próprios sócios. Tiago, Bruno Natal e Pedro Garcia acabaram se afastando da empresa para se dedicar a outros projetos, deixando a operação da Queremos! nas mãos de Pedro Seiler e Felipe Continentino. Apesar de os outros sócios continuarem a prestar consultoria pontual em decisões mais estratégicas, cabia agora a Pedro e Felipe reinventar o modelo de negócio para sobreviver àquele ano.

REINVENÇÃO DO MODELO DE NEGÓCIO

Pedro sabia que tinham um grande desafio pela frente, uma vez que, apesar de a Queremos! ter nascido de uma plataforma digital, nos últimos sete anos, havia consolidado seu modelo de negócio baseado na produção de shows presenciais ao vivo. Foi então que, por intermédio da Heineken - uma das suas principais parceiras -, a Queremos! recebeu o convite para produzir um dos primeiros festivais estruturados de lives do mundo. Conhecido como Heineken Home Sessions, o festival reuniu quatro músicos por dia ao longo de dois finais de semana e tinha como objetivo, além de apoiar uma causa social, disponibilizar entretenimento gratuito e de qualidade para os milhões de pessoas que, naquele momento, estavam sem poder sair de casa.

De início, o projeto, que ainda apoiava os músicos e distribuía cachê para as bandas que se apresentavam, foi um sucesso e contou com mais de 520 mil visualizações durante o primeiro final de semana. No entanto, em um período muito curto de tempo, diversos artistas seguiram o mesmo caminho ao promover apresentações gratuitas no YouTube e Instagram. Logo, as lives ficaram saturadas e o público perdeu o interesse. As próprias marcas, por não saberem ao certo como mensurar o resultado de um show on-line, foram, aos poucos, deixando de investir nessas iniciativas. Ainda assim, a ação foi importante para a Queremos!, uma vez que a receita advinda da produção do festival foi suficiente para garantir uma sobrevida na operação daquele ano.

Sem saber quando a pandemia daria uma trégua de forma a permitir uma retomada segura dos eventos presenciais, Pedro entendia que muito mais precisava ser feito. Mesmo com pouco capital disponível, a Queremos! decidiu investir em um desejo antigo: reformular o site para que pudesse falar de música para além dos shows, uma vez que, depois do abandono do crowdfunding, a empresa vinha, prioritariamente, utilizando o espaço somente para anunciar os próximos eventos. A ideia era ampliar esse foco e criar um site para quem gosta de música, com notícias, músicas e playlists. Em paralelo a isso, a Queremos! apostou também na criação de conteúdo digital com a disponibilização de podcasts e vídeos para a sua comunidade.

Pedro sabia que as possibilidades proporcionadas pela transformação digital ao mercado de entretenimento poderiam gerar novas oportunidades para o negócio da Queremos!, sobretudo porque, ao longo dos últimos anos, a empresa desenvolveu a experiência necessária para falar de música. Ainda assim, a receita dessas iniciativas não chegava aos pés dos anos anteriores, e a maior parte dos projetos não passava de grandes apostas à espera de algum investidor. De acordo com Pedro, o único projeto alternativo que ganhou representatividade no período foi a parceria firmada com a marca de gin Tanqueray, que contratou a Queremos! para prestar um serviço de curadoria musical e montar um mix de bandas e DJs para seu festival gastronômico, que ocorreu na cidade de São Paulo em novembro de 2020.

DILEMAS E DESAFIOS PARA O FUTURO

Em 2021, mais uma vez, a previsão de retomada das atividades normais da empresa foi frustrada pelo agravamento ainda maior da pandemia no Brasil e no mundo. Pedro sabia que buscar novas fontes de receita era imperativo, caso a Queremos! quisesse sobreviver ao que, cada vez mais, parecia ser um novo ano de “vacas magras”. Eles não poderiam mais simplesmente gastar valiosos recursos com a produção de conteúdo sem ao menos uma perspectiva de retorno. Ao mesmo tempo que a indústria do entretenimento já criava mais uma vez expectativas para 2022 como o ano das oportunidades, Pedro e Felipe dividiam um ar de ansiedade e receio por saber que talvez a Queremos! não tivesse fôlego para chegar até lá.

Depender de um auxílio emergencial do Governo, àquela altura, também parecia estar fora de questão. Diferentemente do que se observava em outros países do mundo, a indústria de entretenimento nacional já vinha de um longo período de desincentivo mesmo antes da pandemia. A fragilidade do setor por conta da falta de planejamento de longo prazo por parte de muitos, aliada ao abandono governamental, gerava o sentimento de que a Queremos! e muitos outros estavam à mercê da própria sorte. Além disso, outra reflexão pairava na mente dos sócios da empresa: mesmo com a pandemia sob controle, será que a indústria de entretenimento e eventos presenciais ao vivo voltaria à normalidade anterior? Afinal, os hábitos de consumo das pessoas haviam sido definitivamente afetados pela transformação digital e os novos modelos de negócio.

Pedro sabia que o fato de a Queremos! ter nascido como uma empresa de tecnologia poderia colocá-los à frente de muitas outras organizações do segmento. Questionava-se, contudo, se o abandono do modelo de plataforma digital para focar na produção de shows teria sido a melhor opção. Ao longo de sua história, Pedro e Felipe sempre viram o valor da Queremos! muito mais no poder da plataforma do que como produtores de eventos: “Foi isso, desde o início, que nos tornou disruptivos e nos apresentou para o mundo.”

Apesar de, àquela altura, já ser tarde para se lamentar, pairava o sentimento de que, talvez, se tivessem insistido mais ou recebido novos aportes do modelo de financiamento coletivo, a empresa poderia ter prosperado. Pedro sabia que, caso quisessem chegar a 2022 vivos e ativos para aproveitar as possibilidades que iriam surgir com a expectativa de retomada do mercado, a Queremos! precisava pensar urgentemente como sua receita atual poderia ser escalada e ampliada. A marca tinha a expertise necessária e a credibilidade do mercado, precisava somente de uma nova ideia disruptiva, como a que a lançou uma década atrás, para que pudesse, de uma vez por todas, voltar aos eixos, sobreviver e prosperar.

NOTAS DE ENSINO

OBJETIVOS DE ENSINO

O caso tem por objetivo proporcionar a discussão sobre possibilidades de diversificação e adaptabilidade de modelos de negócios em startups durante tempos de crise. Ao final da discussão, pretende-se que os alunos sejam capazes de: 1) refletir sobre estratégias empresariais ativas e passivas durante crises de mercado; 2) identificar e propor inovações adaptativas a modelos de negócios; e 3) estruturar e avaliar estratégias de pivotagem de negócios em startups.

PÚBLICO-ALVO

O Caso Queremos! é recomendado para alunos em estágio final da graduação ou pós-graduação em cursos ligados à área de administração e produção cultural. Sua aplicação é indicada para disciplinas de planejamento estratégico, transformação digital, inovação e produção de eventos que abordem conceitos como planejamento em tempos de incerteza, análise de risco, gestão da mudança, modelagem de negócios e inovação em startups.

FONTES DE INFORMAÇÃO

A coleta dos dados ocorreu, principalmente, por meio de entrevistas longitudinais com os sócios da empresa em dois diferentes momentos: durante os anos de 2017 e 2021. Os dados foram complementados por fontes de dados secundários, como artigos científicos e jornalísticos, e fontes de dados primários, como material publicitário e relatórios internos da empresa.

PLANO DE ENSINO SUGERIDO

Sugerimos o seguinte conjunto de assignment questions, com a finalidade de ajudar os alunos na etapa de preparação prévia. As questões podem ser usadas para apoiar a elaboração individual prévia ou estimular a discussão em pequenos grupos, a critério do professor.

Este plano de ensino considera que tenha havido preparação prévia por parte dos alunos e uma aula de duas horas de duração, conforme a proposta abaixo:

DISCUSSÃO DO CASO

Abertura

Sugere-se ao instrutor que utilize dos dez minutos iniciais como forma de aquecimento, de maneira que os participantes possam relembrar os principais dados e fatos narrados no caso, bem como as características mais relevantes da empresa. Com isso, poderá ser feita, à turma, a seguinte pergunta de abertura:

Mas, afinal, quem é a Queremos!? Algum de vocês já tinha ouvido falar da empresa?

É incentivado que o instrutor tome notas na primeira lâmina do quadro à medida que os participantes deem sua contribuição. Alguns exemplos de notas interessantes a serem destacadas nesse momento podem ser observados na Lâmina I do Apêndice. Após a identificação das principais características da empresa de forma que se chegue até o momento da pandemia, em que se passa um dos principais dilemas trazidos pelo caso, o instrutor poderá fazer a seguinte pergunta de transição à turma:

TQ1 - Que oportunidades ou ameaças vocês acreditam que a pandemia da COVID-19 trouxe para a Queremos! e para a indústria do entretenimento como um todo?

A ideia seria provocar uma discussão ampla dos dois lados, empresas e público. Qualquer crise poderia ser considerada uma ameaça, pois afeta os modelos de negócio vigentes (status quo), com impacto direto na receita da empresa e nos hábitos de consumo das pessoas. O impacto da pandemia pode ser considerado ainda maior em indústrias específicas, como a do entretenimento, sobretudo se levarmos em consideração o segmento de live events, pois é um setor fortemente dependente de emoções coletivas, proporcionadas pela interação presencial entre diferentes pessoas e grupos. Ao mesmo tempo, criam-se também oportunidades de inovar formatos de consumo antes muito pouco explorados pelos atores dessa indústria e que dificilmente emergiriam se não fosse pela necessidade de gerar novas receitas trazida pela crise.

Depois desse momento e, mais uma vez, utilizando-se do recurso do quadro, o instrutor pode solicitar que os participantes apontem uma lista de oportunidades e ameaças que a pandemia trouxe ao modelo de negócio da Queremos! Algumas notas que poderiam ser destacadas são apresentadas na Lâmina II do Apêndice. Com o fim dessa discussão inicial, parte-se, então, para a análise do caso, propondo a seguinte pergunta à turma:

Análise do caso

Questão 1 - Seria melhor adotar uma postura ativa ou passiva perante a crise? Que alternativas estratégicas você sugeriria à Queremos! de forma a superar os desafios trazidos pela pandemia?

Nesse momento, o professor poderia chamar a atenção para o fato de que, ao longo da história, diversas crises já ocorreram, e o mercado tende a se adaptar a novas realidades rapidamente. Segundo Mayer (2020Mayer, H. M. (2020, agosto 26). Innovation due to Covid: yes, but how? Forbes. Recuperado de https://www.forbes.com/sites/hannahmayer/2020/08/26/innovation-due-to-covid-yes-but-how/
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), a COVID-19, apesar de trazer uma motivação sanitária, não é muito diferente de outras crises anteriores, uma vez que gera também implicações econômicas para pessoas, empresas e governos. Cooper (2020Cooper, R. G. (2020, dezembro 02). The pandemic pivot: the need for product, service and business model innovation. Innovation Management. Recuperado dehttps://innovationmanagement.se/2020/12/02/the-pandemic-pivot-the-need-for-product-service-and-business-model-innovation/
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), por sua vez, mostrou que, ao longo do tempo, as organizações têm lidado de diferentes formas com períodos de recessão, seja pela adoção de posturas defensivas marcadas pela restrição de gastos e diminuição das atividades de forma a esperar a crise passar, seja por posturas agressivas, como o aumento do investimento, a aquisição de empresas e a criação de novos negócios.

Apesar de ser difícil mensurar em sentido amplo a melhor estratégia tendo em vista as especificidades que devem ser levadas em consideração, sobretudo no que diz respeito às características da empresa, da indústria e da crise em si, estudos mostraram que empresas que se saíram melhor em momentos de crise foram aquelas que adotaram uma postura balanceada entre estratégias ativas e passivas. Entre as melhores práticas para os momentos de crise, destacam-se o corte de custos que traga eficiência operacional aliado ao aumento de investimento, sobretudo em setores de pesquisa, desenvolvimento e marketing, que, combinados, ajudam a propor alternativas com novos produtos e serviços, bem como diferentes formas de comercializá-los para um mercado em crise (Gulati, Nohria, & Wohlgezogen, 2010Gulati, R., Nohria, N., & Wohlgezogen, F. (2010, março). Roaring out of recession. Harvard Business Review Magazine. Recuperado de https://hbr.org/2010/03/roaring-out-of-recession
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; Rollins, Nickell, & Ennis, 2014Rollins, M., Nickell, D., & Ennis, J. (2014). The impact of economic downturns on marketing. Journal of Business Research, 67(1), 2727-31. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2013.03.022
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).

Nesse sentido, Holmes (2006) argumenta ainda que, independentemente de a escolha ser por aumentar ou restringir os investimentos, as organizações devem estar sempre preparadas para inovar, uma vez que nunca se sabe quando uma crise poderá surgir. Com isso, muitos negócios, apesar de já possuírem o planejamento de apresentar ao mercado novos produtos ou serviços, acabam por preferir aguardar momentos de crise para mostrar suas inovações, justamente por uma possibilidade de os concorrentes estarem mais vulneráveis (Globe Content Studio, 2021Globe Content Studio. (2021, janeiro 06). Why pandemic pivots could make small business stronger in the long run. The globe and mail. Recuperado dehttps://www.theglobeandmail.com/business/adv/article-why-pandemic-pivots-could-make-small-businesses-stronger-in-the-long/
https://www.theglobeandmail.com/business...
). Para ter mais chance de prosperar em recessões, no entanto, é preciso que o investimento em pesquisa e desenvolvimento da organização seja uma estratégia de longo prazo, e não uma ação reativa à crise, tendo em vista que inovações costumam demandar tempo e nem sempre conseguem surgir em um ambiente sob pressão (Morbey & Dugal, 2016Morbey. G., & Dugal, S. (2016). Corporate R&D spending during a recession. Research-Technology Management, 35(4), 42-46. Recuperado de https://doi.org/10.1080/08956308.1992.11670834
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).

McCarron (2020McCarron, M. (2020, outubro 08). Prepare your fleet for a pandemic pivot. Truck News. Recuperado dehttps://www.trucknews.com/blogs/prepare-your-fleet-for-a-pandemic-pivot/
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) apontou que, no caso da pandemia da COVID-19, empresas que adotaram estratégias progressivas de P&D, ou seja, de longo prazo, são as que melhor se saíram em meio à crise. Pelos complicadores adicionais trazidos pela pandemia, que, além de ter se desdobrado em uma crise econômica trouxe diversas restrições sobretudo aos hábitos sociais e de consumo por causa da necessidade do distanciamento social, algumas inovações e tendências anteriormente em alta tiveram que ser freadas para dar lugar a uma nova realidade. Como exemplo, aplicativos de carona ou corridas compartilhadas perderam a relevância em meio a uma nova realidade de trabalho e ensino remoto. Com isso, uma vez superada à crise, caberá às organizações perceberem se antigas tendências retomarão seu curso ou darão lugar a novas, para que, com isso, possam planejar seus investimentos.

Com essa discussão, o instrutor poderia escrever, na terceira lâmina do quadro, a palavra “pivotagem” seguida de uma interrogação para remeter às leituras prévias sobre o tema. Afinal, ainda em razão da pandemia, Porteous (2020Porteous, C. (2020, outubro 27). The core elements needed to pivot your business during the pandemic. Entrepreneur. Recuperado de https://www.entrepreneur.com/article/357158
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) destacou que muitas organizações tiveram que pivotar seus negócios para uma realidade virtual, de forma que pudessem ofertar seus produtos e serviços que anteriormente eram disponibilizados por meios físicos para canais virtuais de venda ou atendimento, uma tendência que já vinha em curso no mundo mesmo antes da COVID-19. Enquanto alguns negócios conseguiram facilmente se adaptar à nova realidade, muitos outros pereceram, seja pelos próprios desafios impostos pelo segmento ao qual a empresa estava inserida, seja pelo despreparo causado sobretudo pela falta de um planejamento de longo prazo e postura voltada para a inovação, conforme tratado anteriormente.

Dessa forma, Kaye (2020Kaye, J. (2020, novembro 19). The pandemic pivot - how businesses can embrace change. World First. Recuperado dehttps://www.worldfirst.com/uk/blog/economic-updates/pandemic-pivot-how-businesses-can-embrace-change/
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) chama a atenção para o fato de que estar preparado para pivotar em momentos de crise não necessariamente implica lançar inovações disruptivas ou entrar em um mercado completamente novo, mas, sim, investir naquilo que a empresa já faz bem como uma forma de extensão de um modelo de negócio já existente. Para tal, entender suas vantagens competitivas se faz extremamente necessário. Porteous (2020Porteous, C. (2020, outubro 27). The core elements needed to pivot your business during the pandemic. Entrepreneur. Recuperado de https://www.entrepreneur.com/article/357158
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) afirma que a pivotagem precisa ser sustentável também a médio e longo prazo, e não pensada somente para operar durante um curto período, tendo em vista que a crise pode se estender por um espaço de tempo maior do que o esperado. O exemplo disso fica explí cito no caso citado anteriormente, quando a Queremos! e boa parte do setor de entretenimento projetam uma retomada para o ano de 2021, enquanto o que ocorreu foram a extensão e o agravamento da pandemia naquele período.

Cooper (2020Cooper, R. G. (2020, dezembro 02). The pandemic pivot: the need for product, service and business model innovation. Innovation Management. Recuperado dehttps://innovationmanagement.se/2020/12/02/the-pandemic-pivot-the-need-for-product-service-and-business-model-innovation/
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) chama a atenção para o fato de que, para uma pivotagem de negócio ser bem-sucedida, é necessário que o objeto da inovação seja pensado do ponto de vista do cliente, por meio da identificação de dificuldades que costumam ser agravadas em momentos de crise. Pensar com base em uma lógica de customer centricity, aliado à utilização de métodos de pivotagem, poderá fazer com que o processo inovativo se acelere dentro da organização, dando a ela condições de assumir uma postura ativa em meio a crises de mercado (Mayer, 2020Mayer, H. M. (2020, agosto 26). Innovation due to Covid: yes, but how? Forbes. Recuperado de https://www.forbes.com/sites/hannahmayer/2020/08/26/innovation-due-to-covid-yes-but-how/
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). É importante destacar, no entanto, que, para pivotar de maneira ágil, é necessário que uma organização seja flexível. Para tal, Cooper (2020) destaca que é importante já ter incorporado, no longo prazo, metodologias de gestão que propiciem a inovação, como no caso das cadeias ágeis e enxutas.

Com isso, é incentivado que o instrutor faça os alunos refletirem sobre possíveis inovações que a Queremos! poderia propor para pivotar o seu modelo de negócio atual, com o objetivo de ajudar a empresa a superar os desafios trazidos pela pandemia.

Espera-se que, nesse momento da discussão, surjam diversas sugestões fundamentadas na interpretação individual de cada um dos participantes. A título de exemplo, na Lâmina III do Apêndice, sugere-se um dos inúmeros objetos de inovação que poderiam ser trabalhados.

Depois de as principais sugestões de pivotagem trazidas pelos alunos serem destacadas na terceira lâmina do quadro, o instrutor poderia priorizar as alternativas sugeridas ou eleger a sugestão mais relevante. Com a conclusão dessa etapa, a seguinte pergunta de discussão é sugerida à turma:

Questão 2 - Como implementar uma estratégia inovadora em startups, sobretudo durante períodos de crise e incerteza?

Segundo Amit e Zott (2012Amit, R., & Zott, C. (2012). Creating value through business model innovation. MIT Sloan Management Review, 53(3), 40-50.), a inovação do modelo de negócio tem se tornado fundamental para o sucesso de uma organização. Essa inovação, no entanto, pode se dar de duas formas: pela reconfiguração de um modelo já existente ou pela criação de algo totalmente novo, do zero (Massa & Tucci 2014Massa, L., & Tucci, C. (2014). Business model innovation. In M. Dodgson, D. Gann, & N. Phillips (Eds.), The Oxford Handbook of Innovation Management (pp. 420-429). Oxford, UK: Oxford University Press.). Entre as opções levantadas, a realidade é que todo tipo de mudança sempre gerará algum tipo de incerteza para a organização (Cavalcante, Kesting, & Ulhoi, 2011Cavalcante, S., Kesting, P., & Ulhøi, J. (2011). Business model dynamics and innovation: (Re)establishing the missing linkages. Management Decision, 49(8), 1327-42. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/00251741111163142
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). Pelas características das startups, em que comumente observamos uma postura inovativa desde a sua concepção, por meio da criação de produtos e serviços muitas vezes capazes de gerar novos nichos de mercado, desde muito cedo, essas empresas tiveram que aprender a lidar com ambientes de alta incerteza (Ries, 2011Ries, E. (2011). The lean startup: how today’s entrepreneurs use continuous innovation to create radically successful businesses. New York, NY: Crown Business.). Segundo o autor, essa incerteza só poderia ser superada por meio de um processo de trocas constantes com o mercado, de forma a medir a aceitação de seu produto. Por esse motivo, startups precisariam estar envolvidas em um ciclo de aprendizado que poderia gerar a necessidade de pivotar seus modelos de negócio desde a sua concepção.

Depois de terem sido levantadas algumas alternativas de inovação e com a sugestão de mudança no modelo de negócio da Queremos! mais relevante na opinião da turma, é sugerido que o instrutor estimule os alunos a estruturarem a inovação escolhida, por meio de um modelo de pivotagem de negócio, conforme suposto por Gutiérrez & Borreguero (2016Gutiérrez, I., & Borreguero, F. (2016). The innovation pivot framework: fostering business model innovation in startups. Research-Technology Management, 59(5), 48-56. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/08956308.2016.1208043
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). A detrminação desse modelo se dá pelo fato de ser altamente indicado para startups em situação de limitação de recursos e alta incerteza, interna ou externa. O modelo, além de ajudar empreendedores a formular vantagens competitivas sustentáveis para a inovação escolhida, permite que eles concentrem seus escorços em produtos e mercados com maior potencial de retorno. Assim, além de o Innovation Pivot Framework ser útil para a construção de modelos de negócio para novas empresas, ele pode também ajudar organizações já estabelecidas a obter os melhores resultados com base em um reposicionamento de portfólio.

Chamada de objeto de inovação, a primeira etapa de análise do modelo consiste em definir a inovação e os problemas que ela se propõe a resolver. No segundo passo, chamado de impacto, se identificam os stakeholders direta ou indiretamente impactados pela inovação. Já na terceira etapa, as principais fontes de incerteza são levantadas de forma a avaliar quais delas apresentam maior risco para o projeto. Por fim, na quarta etapa, são definidas as vantagens competitivas sustentáveis que darão respaldo à continuidade de médio e longo prazo das atividades-chave da organização. Vantagens competitivas podem ser entendidas como aquelas atividades da empresa que permitem acesso a uma variedade de mercado, são difíceis de ser imitadas e trazem benefícios percebidos ao cliente do produto ou serviço que está sendo entregue (Prahalad & Hamel, 1990Prahalad, C., & Hamel, G. (1990). The core competence of the corporation. Harvard Business Review, 68(3), 79-91.).

De forma a melhor explorar os aspectos de cada uma delas, é sugerido ainda que cada passo seja subdividido em duas partes, para que a primeira esteja mais associada à inovação em si e a segunda, à exploração dessa inovação, conforme divisão conceitual de Roberts (1988Roberts, E. (1988). Managing invention and innovation. Research-Technology Management, 31(1), 11-29.).

Sugerimos, então, que o professor conduza uma análise da iniciativa de pivotagem eleita pelos alunos utilizando o Innovation Pivot Framework. A título de exemplificação, nas LâminasIV, V, VI, VII a VIII do Apêndice, é apresentada a análise aplicada à iniciativa Queremos! Pass.

Figura 3
Innovation Pivot Framework

ENCERRAMENTO

Por fim, é sugerido que o instrutor reserve os dez minutos finais da discussão para realizar uma pergunta de encerramento:

Como vocês acreditam que as mudanças nos hábitos de vida trazidos pela pandemia deverão afetar o consumo de entretenimento e outros serviços no médio e longo prazo?

Momento mais livre em que se incentiva que os alunos reflitam sobre as principais mudanças trazidas pela pandemia em suas vidas pessoais e profissionais. Mais uma vez, sugere-se que o instrutor vá tomando nota na última lâmina do quadro, para fixar conceitos que afetam não somente o modelo de negócio da empresa retratada no caso, mas, sim, o mercado como um todo. Alguns exemplos de mudança e tendência que poderão emergir dessa discussão podem ser vistos na Lâmina VIIIdo Apêndice.

REFERÊNCIAS

  • 1
    MasSolution. (2012, maio). Crowdfunding industry report: market trends, composition and crowdfunding platforms. Recuperado de https://www.crowdfunding.nl/wp-content/uploads/2012/05/92834651-Massolution-abridged-Crowd-Funding-Industry-Report1.pdf
  • 2
    Viveiros, E. (2011, setembro 27). Primal Scream no Rio de Janeiro 2011. Omelete. Recuperado de https://www.omelete.com.br/musica/primal-scream-no- rio -de -janeiro-2011
  • 3
    Götting, M. C. (2021, janeiro 08). Live music industry revenue in the United States from 2012 to 2021. Statista. Recuperado de https://www.statista.com/statistics/491884/live-music-revenue-usa/
  • 4
    Cruz, F. B. (2020, abril 02). Os números do impacto da pandemia no mercado nacional de shows. Veja. Recuperado de https://veja.abril.com.br/cultura/exclusivo-os-numeros-do-impacto-da-pandemia-no-mercado-nacional-de-shows/

ANEXOS

Figura 1
Modelo de negócio original da Queremos!

Figura 2
Segunda fase do modelo de negócio da Queremos!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2022
  • Aceito
    05 Abr 2022
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