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Precisamos falar sobre Taylor1 1 Parafraseamos o título do filme "Precisamos falar sobre o Kevin". Apesar de a temática dissertar sobre um jovem que comete homicídios em uma escola secundarista norte-americana, assumimos, como pano de fundo, que o racismo também reproduz mortes, físicas, sociais e psicológicas. : indícios de racismo na administração científica?

Tenemos que hablar de Taylor: ¿evidencia de racismo en la gestión científica?

Resumo

Apesar das críticas decoloniais e afrodiaspóricas no campo dos estudos em gestão e organizações, o ensino nas escolas de administração, de modo geral, ainda apresenta as teorias administrativas de forma acrítica e a-histórica, desconsiderando os resquícios da escravidão negra e da sua lógica nas práticas administrativas. Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo geral desenvolver a hipótese de que, ideologicamente, a teoria científica foi concebida em uma base racista de organização do trabalho. Em termos metodológicos, foram realizadas pesquisas documentais nas obras de Frederick Winslow Taylor, contrapondo-as ao contexto histórico marcado por elementos eugênicos que atravessavam a sua visão de mundo, aparentemente silenciados em suas obras. Por conseguinte, concluímos que a teoria taylorista, justificada na semântica de limitações inatas à natureza humana, vai intensificar as formas de exploração dos trabalhadores, sobretudo os negros, refletindo, como suposição, a reprodução do racismo no âmbito da gestão das organizações.

Palavras-chave:
Eugenia; Administração científica; Frederick Taylor; Raça

Resumen

A pesar de las críticas decoloniales y afrodiaspóricas al campo de los Estudios de Gestión y Organización, la enseñanza de las Escuelas de Negocios, en general, aún presenta las Teorías Administrativas de manera acrítica y ahistórica, desconociendo los remanentes de la esclavitud negra y de su lógica en prácticas administrativas. En este sentido, el presente trabajo tiene como objetivo general desarrollar la hipótesis de que la Teoría Científica fue concebida ideológicamente sobre una base racista de organización del trabajo. En términos metodológicos, se realizará una investigación documental en las obras de Frederick Winslow Taylor, contraponiéndolas al contexto histórico marcado por elementos eugenésicos que atraviesan su cosmovisión, aparentemente silenciados en sus obras. Por tanto, concluiremos que la teoría taylorista, justificada en la semántica de las limitaciones innatas a la naturaleza humana, intensificará las formas de explotación de los trabajadores, especialmente de nuestros negros, reflejando, como supuesto, la reproducción del racismo en el ámbito de la gestión de organizaciones.

Palabras clave:
Eugenesia; Gestión científica; Frederick Taylor; Raza

Abstract

Despite the decolonial and Afro-diasporic criticisms of the field of Management and Organization Studies, the teaching of Business Schools, in general, still presents Administrative Theories in an uncritical and ahistorical way, disregarding the remnants of black slavery and its logic in administrative practices. In this sense, the present work has the general objective of developing the hypothesis that Scientific Theory was ideologically conceived on a racist basis of work organization. In methodological terms, documentary research was carried out on the works of Frederick Winslow Taylor, opposing them to the historical context marked by eugenic elements that cross his worldview, apparently silenced in his works. Therefore, we concluded that the Taylorist theory, justified in the semantics of innate limitations to human nature, will intensify the forms of exploitation of workers, especially on blacks, reflecting, as a supposition, the reproduction of racism in the scope of organizational management.

Keywords:
Eugenia; Scientific management; Frederick Taylor; Race

INTRODUÇÃO

“Achei esse escravo aqui no fumódromo! Quem for o dono avisa!” (Acayaba, 2018Acayaba, C. (2018, março 09). Aluno da FGV é acusado de racismo após dizer que encontrou “escravo no fumódromo”. G1SP. Recuperado de https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/aluno-da-fgv-e-acusado-de-racismo-apos-dizer-que-encontrou-escravo-no-fumodromo.ghtml
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).

A frase acima, proferida por um ex-estudante (expulso) da Fundação Getulio Vargas, foi a legenda de uma foto de um colega negro compartilhada em um grupo de WhatsApp no ano de 2018. O discente João Gilberto Lima, vítima de racismo, na ocasião, cursava o quarto período de administração da mesma instituição, uma das mais conceituadas na área do país.

Casos como esse expressam o incômodo de pessoas brancas, historicamente privilegiadas, que passam a ter que dividir com outros grupos minorizados politicamente os espaços que tradicionalmente lhes eram reservados (N. S. Souza, 1983Souza, N S. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro, RJ: Gaal.).

Se a tradição é uma invenção (Hobsbawm, 1984Hobsbawm, E. (1984). Introdução: a invenção das tradições. In E. Hobsbawm, & T. Ranger (Eds.), A invenção das tradições (pp. 1-20). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.), os recentes dados do ensino superior podem indicar incômodo ao grupo que detém a hegemonia nesses espaços: o curso de administração é o terceiro com o maior número de negros em termos absolutos no Brasil2 2 O último Censo da Educação Superior indica que o Brasil dispõe de 1.616 instituições educacionais que oferecem o curso de administração, que lidera a oferta com 2.326 cursos no país (Inep, 2021). . São 61.1136 estudantes que se declararam pretos e 302.617 pardos, no último Censo da Educação Superior (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2021Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2019. Brasília, DF: Autor.), o que indicam mudanças no perfil dos estudantes universitários nas últimas décadas3 3 Os resultados das políticas educacionais, no contexto do ensino superior, indicaram uma “virada” no perfil dos estudantes. Se na década de 1990 a constituição de negros era de apenas 0,6%, em 2005 (reflexo das primeiras políticas afirmativas), passou para 3,1% e superou, pela primeira vez na história, o número de brancos em 2019, com o total de 51,2% das matrículas nas federais (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior [Andifes], 2019). Essas políticas públicas, que permitem fissuras nas estruturas sociocratas de nossa sociedade, produzem, contudo, ambiguidades. Nos dizeres de N. S. Souza (1983), elas possibilitam que a pessoa negra ocupe lugares sociais vistos como elitizados, mas também impõem relações nas quais sua identidade é fragmentada, seu orgulho, minado e a solidariedade entre o grupo negro, desmantelada. .

Enquanto a presença de negros tem aumentado nas graduações, os números não seguem a mesma tendência no quadro de profissionais. De um total de 399.428 docentes do ensino superior, apenas 16,7% se declararam negros4 4 Os números referentes ao total de negros nos cursos de administração e na docência foram gerados pelos autores deste artigo, com base nos microdados disponíveis no Censo da Educação Superior de 2021. (Inep, 2021Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2019. Brasília, DF: Autor.). O dado ilustra que, para além da representatividade, a raça, categoria social que identifica e estratifica os seres humanos, informa a classe e, entre outras determinações, dificulta a ascensão socioeconômica das pessoas negras.

Sendo assim, quando um discente, como o João Gilberto, acessa conteúdos advindos das teorias administrativas, quais pensadores entendidos como clássicos são considerados negros? Sob qual perspectiva histórica os sujeitos pensaram essas teorias? Consequentemente, de que forma os objetivos propostos dialogam com as singularidades da maioria da população negra do país?

Ramos (1981Ramos, A. G. (1981). A nova ciência das organizações - uma reconceituação da riqueza das nações. São Paulo, SP: FGV.), um dos poucos autores negros que dialogavam com a área, parecia trazer pistas ao indicar que as teorias administrativas usavam uma linguagem distorcida, cuja finalidade era levar as pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes promotores da distorção. Além disso, alertava que toda cultura nacional é uma perspectiva particular (Ramos, 1996Ramos, A. G. (1996). A redução sociológica. Rio de Janeiro, RJ: UFRJ.), que a perspectiva brasileira existe e que é preciso transpor conhecimento e experiência estrangeiros para a nossa especificidade.

Em estudo recente, Dar, Liu, e Martinez (2021Dar, S., Liu, H., & Martinez, D. A. (2021). The business school is racist: Act up!Organization, 28(4), 695-706. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1350508420928521
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) denunciam que as business schools dos países nórdicos e ocidentais, por se estruturarem em uma supremacia branca, reproduzem uma lógica racista que desvaloriza o conhecimento e a experiência dos negros na produção do saber administrativo. Em similaridade, Araújo e Carneiro (2020Araújo, C. C. S., & Carneiro, E. Jr. (2020). A bibliometric analysis of the intellectual structure of studies on slavery in the 21st century. International Journal of Professional Business Review, 5(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.26668/businessreview/2020.v5i1.175
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) e Nkomo (2021Nkomo, S. M. (2021). Reflections on the continuing denial of the centrality of “race” in management and organization studies, equality, diversity and inclusion. International Journal, 40(2), 212-224. Recuperado de https://doi.org/10.1108/EDI-01-2021-0011
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) indicam que, apesar do aumento de publicações no campo dos estudos organizacionais, a raça ainda cumpre um papel marginal na agenda.

É nesse contexto que o presente trabalho visa desenvolver a hipótese de que a Teoria da Administração Científica, baseada no taylorismo, pode ter sido ideologicamente concebida em uma base de pensamento racista, o que, consequentemente, trará a reprodução do racismo no âmbito da organização do trabalho.

Em termos metodológicos, utilizamos pesquisas documentais em todos os livros de Frederick Taylor: Notes on belting, publicado em 1894; A piece rate system5 5 O conteúdo do texto também foi publicado pela American Economic Association com o título “The adjustment of wage to efficiency: three papers”, em 1896. , lançado em 1895; Shop management, em 1903; On the art of cutting metals, de 1906; Principles of scientific administration, publicado em 1911; A treatise on concrete, plain and reinforced, de 1911; e Concrete costs, 1912.

A escolha do recorte com base nesse material se justifica, uma vez que suas ideias sintetizam a apresentação de artigos publicados por Taylor na American Society of Mechanical Engineering, além de compor algumas de suas cartas direcionadas aos seus correspondentes da época6 6 Ressaltamos, ainda, que os livros do autor, por serem publicações mais completas e robustas do ponto de vista científico e filosófico, aparecem com maior probabilidade de indicar sua visão de mundo da sociedade e dos consequentes indícios da raça na gestão do que em publicações em revistas altamente técnicas e especializadas, como a American Society of Mechanical Engineering (ASME), voltada para comunidade de engenharia mecânica. . Como complemento, utilizaremos pesquisas bibliográficas que analisam o contexto histórico do surgimento da administração científica e as possíveis evidências da racialização da gestão no pensamento taylorista.

Optamos pela escolha de Frederick Taylor como representante da administração científica pelo fato de ser considerado o pioneiro no desenvolvimento de uma ciência da administração. Mas também por sua visão de mundo e concepção gerencial, que, segundo Tragtenberg (1971Tragtenberg, M. (1971). A teoria geral da administração é uma ideologia?Revista de Administração de Empresas, 11(4), 7-21. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75901971000400001
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), cumpriram um sentido genético, cuja herança cumulativa é uma condicionante das novas teorias com a persistência de seu aspecto.

Como contribuição teórica, ressaltamos que a literatura avançou nas críticas aos aspectos ideológicos que atravessam as teorias administrativas (Faria, 1985Faria, J. H. (1985). O autoritarismo nas organizações. Curitiba, PR: Criar.; Motta 1998Motta, F C. (1988). Teoria geral da administração: uma introdução. São Paulo, SP: Pioneira.; Ramos, 1981Ramos, A. G. (1981). A nova ciência das organizações - uma reconceituação da riqueza das nações. São Paulo, SP: FGV.; Tragtenberg, 1971Tragtenberg, M. (1971). A teoria geral da administração é uma ideologia?Revista de Administração de Empresas, 11(4), 7-21. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75901971000400001
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), bem como na negação da escravização e da colonialidade no conhecimento dessas teorias (Cooke, 2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. Recuperado de https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
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; Faria, Abdalla, & Guedes, 2021Ferreira, F. V. (2008). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.; N. Jones, Novicevic, Hayek, & Humphreys, 2012Jones, N., Novicevic, M. M., Hayek, M., & Humphreys, J. H. (2012). The first documents of emancipated African American management: The letters of Benjamin Montgomery. Journal of Management History, 18(1), 46-60. Recuperado de https://doi.org/10.1108/17511341211188646
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; Van der Liden, 2010Van der Linden, M. (2010). Re-constructing the origins of modern labor management. Labor History, 51(4), 509-522. Recuperado de https://doi.org/10.1080/0023656X.2010.528973
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), não obstante a relação entre essas duas dimensões no interior das teorias administrativas ainda se apresenta como um campo a ser explorado.

O artigo encontra-se estruturado em quatro partes, além da presente introdução. Na primeira, vamos apresentar as constituições históricas da propagação da eugenia no momento do surgimento da administração científica; na parte dois, faremos um paralelo entre os elementos eugênicos presentes em um sistema social profundamente racializado e as obras de Taylor; na parte três, indicaremos a receptividade do pensamento do autor para o contexto brasileiro; na última parte, concluiremos nossa pesquisa com uma crítica da produção do conhecimento científico no contexto da administração e os possíveis desdobramentos para futuras investigações.

O SURGIMENTO DA EUGENIA E A EFICIÊNCIA NACIONAL NORTE-AMERICANA DO SÉCULO XIX

O termo “eugenia”, também conhecido como racismo científico, foi cunhado em 1883 por Francis Galton e, supostamente, se ocuparia de melhorar as qualidades inatas de uma pressuposta raça, considerando a evolução humana. Galton observou que os filhos de pessoas bem-sucedidas economicamente acompanhavam essa condição socioeconômica com performances semelhantes. Concluiu, assim, que, se os pobres continuavam pobres, isso se devia à herança genética, sem levar em consideração as circunstâncias materiais de produção e reprodução em uma sociedade de classes (Arcanjo & Silva, 2017Arcanjo, F., & Silva, E. (2017). Pangênese, genes, epigênese. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, 24(3), 707-726. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-59702017000300009
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; Gioppo, 1996Gioppo, C. (1996). Eugenia: a higiene como estratégia de segregação. Educar em Revista, 12,167-80. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0104-4060.167
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).

Os princípios e as orientações eugênicos, no final do século XIX, acabaram por estruturar, política e ideologicamente, a forma como as sociedades europeias e norte-americanas percebiam as relações sociais. Sobre essa perspectiva, Theodore Roosevelt Junior, ex-presidente dos Estados Unidos, encaminhou, em janeiro de 1913, uma carta a um dos eugenistas mais influentes da época, Charles Benedict Davenport, fundador da Eugenics Record Office (ERO), preocupado com a questão da eficiência nacional para o desenvolvimento do país.

Desde 1890, quando se tornou diretor do laboratório biológico do Brooklyn Institute of Arts and Sciences, segundo o site DNA from the Beginning, Davenport tinha como projeto a criação de um centro de pesquisa sobre a evolução humana, intento alcançado em 1904. Mais tarde, em 1910, com recursos provindos de um magnata das ferrovias, foi criada a ERO, responsável por implementar um programa de melhoramento da raça, que influenciava a juventude considerada de “raça superior” a fazer escolhas adequadas de cônjuges. Isso incluiria o estado controlar, por meio de políticas públicas, a propagação dos considerados mentalmente incompetentes.

Na carta de Roosevelt a Davenport, transcrita no site eugenics.us, este se manifesta, em concordância com o biólogo, a respeito do fato de que a sociedade não poderia permitir a reprodução de pessoas degeneradas. Roosevelt comparou a preocupação de um agricultor com a reprodução saudável do seu rebanho à necessária apreensão do Estado com a linhagem física e moral de homens e mulheres que precisavam ser “do tipo certo”.

No site da Encicl, é possível encontrar vários textos de pesquisadores que fazem referência a conceitos-chave para se compreender a história da eugenia e seus desdobramentos no mundo contemporâneo. Em artigo sobre o pauperismo, Lyster (2014Lyster, C. (2014). Pauperism. Recuperado de https://eugenicsarchive.ca/discover/encyclopedia/535eed477095aa0000000246
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) afirma que era uma das condições que preocupavam os primeiros eugenistas, por considerarem uma condição de herança genética. Com o passar do tempo, utilizando várias famílias como cobaias, o pauperismo, juntamente com outros traços considerados inadequados, como imoralidade sexual e criminalidade, foi percebido como possível consequência de fraqueza ou debilidade mental.

Outro conceito fundamental para se compreender o pensamento eugênico tratou-se da degenerescência, que, segundo Billinger (2014Billinger, M. (2014). Degeneracy. Recuperado de https://eugenicsarchive.ca/discover/encyclopedia/535eeb0d7095aa0000000218
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, p. 1), carregava implicitamente a noção de uma hereditariedade moral patológica, presente em grupos sociais como prostitutas, criminosos, pobres e loucos:

Implícito nessa noção de patologia moral hereditária estavam certos de que grupos sociais como prostitutas, criminosos, pobres e loucos eram moralmente defeituosos e representavam uma regressão na evolução humana. Acreditava-se amplamente que essas patologias morais e físicas persistiriam e proliferariam de geração em geração, seja por meios biológicos ou sociais, portanto, a miscigenação entre esses indivíduos moralmente defeituosos, particularmente de outras raças (indesejáveis), deveria ser altamente regulamentada (ou seja, a eugenia e higiene moral) para o bem da sociedade.

A teoria da degenerescência progressiva ganha peso com a obra de Morel, em 1857, Traits des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de l’espèce humaine, que alegou que o álcool e outras drogas provocavam debilidades mentais que poderiam ser repassadas geneticamente, gerando uma sociedade de indivíduos inadequados com habilidades inferiores. Essa teoria foi aceita, até o início do século XX, por diversas áreas do conhecimento, como antropologia, biologia, sociologia e criminologia. Billinger (2014Billinger, M. (2014). Degeneracy. Recuperado de https://eugenicsarchive.ca/discover/encyclopedia/535eeb0d7095aa0000000218
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) afirma que médicos como Henry Maudsley (1835-1918) classificaram comportamentos degenerados como vagabundagem; preguiça persistente; higiene pessoal degenerada; egocentrismo; autoimportância; ninfomania; masturbação; licenciosidade ou devassidão sexual grosseira.

Nesse caso, a miscigenação era vista claramente como uma reversão do processo evolutivo, o que prejudicaria o desenvolvimento qualitativo da sociedade norte-americana em fins do século XIX, que se preparava para ser uma potência mundial. Entre 1892 e 1912, proliferaram leis nos Estados Unidos que previam o controle da imigração e da natalidade das famílias pobres, a esterilização de homens e mulheres e a proibição de casamentos interraciais, já que outras etnias e raças consideradas não brancas eram tidas como degeneradas.

Segundo Wilson (2014Wilson, R. (2014). Eugenic traits. Recuperado de https://eugenicsarchive.ca/discover/encyclopedia/535eeb757095aa0000000221Lyster
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), em texto sobre traços eugênicos (eugenic traits), o medo das consequências disgênicas da miscigenação, ou seja, de um prejuízo causado por herança genética, ganhou força como movimento social nos Estados Unidos. Em, pelo menos, 28 estados, por volta de 1915, aplicaram-se leis que proibiam ou anulavam casamentos entre negros e brancos7 7 Inspiração para a Alemanha nazista, que, em 1935, entre as Leis de Nuremberg, incluiu a proibição de casamentos e relações sexuais entre judeus e não judeus (Wilson, 2014). .

Nesse contexto, em que o pensamento eugênico estava popularizado, moldando as concepções de mundo e estruturando modelos ideais de povo e cidadania, emerge uma das primeiras teorias administrativas fundadas no discurso científico e no propósito de dialogar com o ideal de eficiência nacional norte-americano, conforme veremos a seguir.

POSSÍVEIS TRAÇOS EUGÊNICOS NA FORMAÇÃO DO PENSAMENTO TAYLORISTA

Frederick Wislow Taylor nasceu na Filadélfia, em 1856, uma região historicamente pioneira na criação de organizações voltadas para a abolição da escravatura nos Estados Unidos8 8 Admite-se que os princípios do liberalismo econômico, sustentáculos ideológicos do sistema de produção vigente, criou a ideia de que o capitalismo é sinônimo de trabalho assalariado livre, arena das liberdades individuais, da razão, das livres negociações contratuais, no qual o indivíduo “ideal”, sem o devido registro de classe, gênero e raça, sem identidade, é naturalmente empreendedor, engajado, comprometido com a sua prosperidade econômica. Sendo assim, capitalismo e escravismo nunca teriam caminhado juntos, pois seriam contraditórios em si. Um representaria o progresso, a modernidade, e o outro, o imobilismo, o atraso. No entanto, o desafio histórico que se colocou para a sociedade norte-americana no pós-abolição foi que o fim da escravidão não significou o fim de homens, mulheres e crianças negras, agora ex-escravizados, e de tudo que eles representavam para a burguesia e os ideólogos da prosperidade. . Filho de uma família Quaker, abolicionista, trazia em sua visão de mundo concepções cristãs.

Os ideais abolicionistas da época eram reflexo de um momento em que o regime escravocrata, patrocinado pelos estados do sul dos Estados Unidos, passara a ser considerado um retrocesso civilizatório diante dos avanços que a ciência trazia em outras áreas do conhecimento, representados pelos estados do norte do país. Acreditava-se que uma sociedade moderna e próspera deveria estar fundamentada em critérios racionais já apontados pelos diversos avanços tecnológicos e científicos (Baptist, 2019Baptist, E. E. (2019). A metade que nunca foi contada: a escravidão e a construção do capitalismo norte-americano. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.).

Essa perspectiva, contudo, não mudaria a concepção racializada e hierarquizante que a classe dominante e intelectualizada norte-americana lançava sobre outras regiões do globo terrestre, como evidenciado, no tópico anterior, com o avanço das teorias eugênicas em um período pós-abolicionista.

No seu mais popular trabalho, Princípios de administração científica, Taylor inicia o livro citando as palavras do presidente (Roosevelt) que flertava com ideais eugênicos para o projeto de eficiência nacional:

A conservação de nossos recursos naturais é apenas fase preliminar do problema mais amplo da eficiência nacional. Todos reconheceram logo a importância de conservar as nossas riquezas materiais, iniciando-se grande movimento que vai sendo eficaz na realização deste objetivo. Até agora, entretanto, temos apreciado vagamente apenas o problema (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 21).

Em um contexto de demanda por um projeto de eficiência nacional, Taylor vai desenvolver a administração centrada na maximização das tarefas. Para tal, vai propor a seleção científica do trabalhador para cada uma das funções específicas:

Cronometramos e estudamos cuidadosamente os 75 carregadores, durante 3 e 4 dias, ao fim dos quais separamos quatro homens que pareciam ser fisicamente capazes de carregar barras de ferro na proporção de 47 toneladas por dia. Foi feito, então, o estudo apurado de cada um desses homens; investigamos seu passado, tanto quanto possível, e fizemos um inquérito completo a respeito do caráter, dos hábitos e das ambições de cada um. Finalmente, dos quatro, escolhemos um, como o mais apto para começar. Era um pequeno holandês, vindo da Pensilvânia (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 44).

Observa-se, na passagem, que, ao definir uma apurada análise do perfil do sujeito, o autor enfatiza a etnia do trabalhador selecionado, um europeu, conceituado como “o mais apto para iniciar os experimentos”. No livro Shop management (1903), Taylor indicará os itens necessários para se encontrar um trabalhador concebido como um homem “bem arredondado”:

A dificuldade em obter, em um homem, a variedade de informações especiais e as diferentes qualidades mentais e morais necessárias para desempenhar todos os deveres exigidos desse homem foi claramente resumida na lista a seguir, das nove qualidades que compõem um bem arredondado homem: cérebro; educação; conhecimento especial ou técnico; destreza ou força manual; tato; energia; garra; honestidade; julgamento ou bom senso e boa saúde (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 45).

Nesses elementos, é possível identificar similaridades com as perspectivas da época, que buscavam, em pesquisas, elaborar e definir perfis da natureza humana. No caso de Taylor, os esforços consistiam em traçar padrões fundados em atributos que contribuíssem para separar cada trabalhador de acordo com as suas funções no ambiente de trabalho.

Na intencionalidade de buscar os trabalhadores “ideais” para a eficiência organizacional, Taylor definirá que a preguiça e o consumo de bebidas alcoólicas deveriam ser combatidos:

A preguiça natural dos homens é grave, mas, de longe, o maior mal que sofrem tanto os trabalhadores como os patrões é o militarismo sistemático que é quase universal em todos os esquemas comuns de gestão e que resulta de um estudo cuidadoso por parte dos trabalhadores do que eles pensam que irá promover seus melhores interesses (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 136).

Uma investigação minuciosa sobre as condições desses homens revelou que, dentre 140 trabalhadores, somente dois eram considerados ébrios. Isso não quer dizer que muitos deles não tomassem um trago ocasionalmente. O fato é que em um bebedor habitual era impossível manter o ritmo de trabalho planejado e, por isso, a maior parte deles se tornou praticamente abstêmia. Muitos, senão quase todos, passaram a economizar dinheiro e viviam melhor do que antes (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 60).

Observa-se, na passagem, que a preguiça é associada ao adjetivo “natural”, que parece atribuir uma ideia essencialista da natureza humana. Já o consumo de álcool (mesmo fora do ambiente de trabalho), segundo a citação, deveria ser abolido dos hábitos dos trabalhadores. Esses elementos se aproximam da teoria da degenerescência progressiva, ao colocarem o álcool como debilitador mental que geneticamente geraria indivíduos com habilidades inferiores e a preguiça como um comportamento degenerado (Billinger, 2014Billinger, M. (2014). Degeneracy. Recuperado de https://eugenicsarchive.ca/discover/encyclopedia/535eeb0d7095aa0000000218
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).

Quanto às habilidades dos indivíduos, Taylor parecia determinista ao definir as diferenças entre o que considerava trabalhadores de primeira classe e os indivíduos “médios” na sociedade:

Essa diferença na produção dos homens de primeira classe e da média é tão pouco percebida pelos trabalhadores quanto por seus empregadores. Os homens de primeira classe sabem que podem fazer mais trabalho do que a média, mas raramente fizeram um estudo cuidadoso do assunto. E o escritor repetidamente os achou totalmente incrédulos quando os informou, após observação e estudo atentos, o quanto eles eram capazes de fazer (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
https://archive.org/details/shopmanageme...
, p. 25).

Apenas a primeira classe de trabalhadores, por seus atributos, poderiam progredir, desde que acompanhados de estudos e métodos científicos. Em outro trecho, Taylor novamente cita as diferenças entre os homens de primeira classe e os demais, utilizando a comparação entre os diferentes homens com as raças de cavalo:

Suponha que um empreiteiro tivesse em seu estábulo uma coleção variada de animais de tração, incluindo pequenos burros, pôneis, cavalos leves, cavalos de carruagem e belos cavalos de tração, e uma lei fosse feita para que nenhum animal no estábulo pudesse fazer mais do que “um dia de trabalho justo” para um burro. A injustiça de tal lei seria evidente para todos. Os sindicatos, quase sem exceção, admitem todos os que estão no comércio como membros - desde que paguem suas quotas. E a diferença entre os homens de primeira classe e os pobres é tão grande quanto entre os belos cavalos de tração e os jumentos. No caso dos cavalos, essa diferença é bem conhecida de todos; com os homens, no entanto, não é geralmente reconhecida (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 95).

No fragmento anterior, chama a atenção o esforço do autor em detalhar as diversas espécies de equinos (pôneis, cavalos leves, de carruagem, de tração e os burros ou jumentos) para compará-las com os diferentes tipos de trabalhadores. Inclusive, Taylor enfatiza que a diferença entre os homens de primeira classe e os pobres é tão grande quanto os belos cavalos e os jumentos.

O uso da analogia dos trabalhadores com espécies e raças de animais (recurso também utilizado por Roosevelt para Davenport) não se limita às passagens supracitadas. Para tratar das características inerentes de determinados homens às funções no trabalho e, consequentemente, as suas possíveis superioridades, vai associá-los aos bovinos:

Ora, o único homem entre oito capaz de fazer o trabalho não tinha em nenhum sentido característica de superioridade sobre os outros. Apenas era um homem do tipo bovino - espécime difícil de encontrar e, assim, muito valorizado. Era tão estúpido quanto incapaz de realizar a maior parte dos trabalhos pesados (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., pp. 54-55).

Como já notamos, o carregador de lingotes não é um homem extraordinário, difícil de encontrar; é, simplesmente, um homem mais ou menos do tipo bovino, pesado fisicamente e mentalmente (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 99).

É importante considerar que essas visões de mundo são atravessadas pela definição de determinados perfis de trabalhadores de acordo com a nacionalidade. No famoso exemplo usado para educar os trabalhadores no seu sistema de high-priced men, Taylor atribuirá os serviços sujos e pesados das fábricas aos estrangeiros de origem italiana e aos “grandes e poderosos húngaros”. Porém, para efeito de velocidade, vai virar-se para uma imagem de obstinação em vez de força bruta, inspirado no fictício nome Schmidt:

Era um pequeno holandês, vindo da Pensilvânia, que costumava correr à tarde, de volta para casa, situada mais ou menos a uma milhão, tão bem disposto como quando chegava correndo para o trabalho de manhã. Soubemos que, com o salário de $ 1,15 dólar por dia, ele tinha conseguido comprar um pequeno terreno e se empenhava em construir uma casinha própria. Tinha também fama de ser seguro, isto é, de dar muito valor ao dinheiro. Um centavo parece-lhe tão grande como uma roda de carroça. Chamaremos esse homem de Schmidt (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 44).

A escolha do pseudônimo Schmidt, nome popular na Alemanha, foi utilizada para ilustrar a encarnação da força, da persistência e do amor por poupar, referenciados como ideais de cultura dos trabalhadores de origem alemã, que ocupavam a região da Pensilvânia, nos Estados Unidos, o que, segundo Esch e Roedigerb (2009Esch, E., & Roedigerb, D. (2009). One symptom of originality: race and the management of labour in the history of the United States. Historical Materialism: Research in Critical Marxist Theory, 17(4), 3-43. Recuperado de https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1017469/mod_resource/content/1/Race_Labour_Roediger_Esch.pdf
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), representam indícios de um ajustamento retórico e prático de Frederick Taylor com possíveis atributos raciais em mente.

Se os respectivos elementos podem se aproximar de uma visão de mundo inatista sobre os perfis e traços culturais dos trabalhadores, estaria a administração científica aperfeiçoando a gestão das raças no interior das fábricas e, consequentemente, intensificando a exploração do trabalho em grupos minoritários politicamente?

POSSÍVEIS FORMAS DE REPRODUÇÃO DO RACISMO NA ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA

No prefácio da segunda edição de Shop management, de Taylor, republicada em 1911, o ex-presidente da Companhia Yale e Towne Manufatura descreve os motivos pelos quais as teorias da gestão de Taylor agiram como precursoras dos processos gerenciais da época:

Como colega de trabalho do dr. Taylor, no campo da gestão industrial, tenho acompanhado o desenvolvimento de seu trabalho, quase desde o início, com admiração cada vez maior pelo talento excepcional que ele trouxe para esse novo campo de investigação e com a percepção cada vez maior da importância fundamental dos métodos que ele iniciou. […] A nova conquista a que o Dr. Taylor aponta que o caminho consiste em elevar o próprio trabalho humano a um plano superior de eficiência e poder de ganho (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 5).

Os respectivos elementos indicam que o pensar administrativo taylorista atendia às demandas da sociedade ao estabelecer a economia dos tempos e dos movimentos, aperfeiçoando para o contexto uma lógica cronológica, cujo pressuposto baseava-se em maximizar o tempo como uma virtude.

Um dos princípios fundamentais do taylorismo era a separação do trabalho entre quem concebe e quem executa. O planejamento e a organização do trabalho deveriam ser completamente separados do trabalhador. Taylor lançará um olhar sobre os trabalhadores do chão de fábrica que deveriam ser instruídos, condicionados, conduzidos para poderem se desenvolver de acordo com as normas e os padrões superiores estabelecidos pela administração científica:

A natureza humana é de tal sorte que muitos operários, abandonados a si mesmos, dispensam pouca atenção às instruções escritas. Assim, torna-se necessário designar instrutores, chamados chefes funcionais, para observar se os trabalhadores entendem e aplicam as instruções (Taylor, 1995Taylor, F. W. (1995). Princípios de administração científica. São Paulo, SP: Atlas., p. 90).

Tanto quanto possível, os operários, bem como os chefes de gangue e os capatazes, devem ser inteiramente dispensados do trabalho de planejamento e de todo trabalho que seja mais ou menos clerical em sua natureza. Todo trabalho cerebral possível deve ser retirado da oficina e centrado no departamento de planejamento ou layout, deixando para os capatazes e chefes de gangue o trabalho estritamente executivo em sua natureza (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 47).

Porém, quem serão os trabalhadores aptos às habilidades conceituais, ao pensamento, ao planejamento? Quem será destinado apenas à execução do trabalho pesado, que, consequentemente, sofrerá a desvalorização da força de trabalho (Braverman, 1977Braverman, H. (1977). Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), por causa da perda de conhecimento do processo produtivo? E onde se situariam os colonos afrodescendentes no método científico da divisão do trabalho?

Os estudos de Dubois (1899)Dubois W, E. (1899). The Philadelphia negro: a social study. New York, NY: Schocken Books. Recuperado de https://archive.org/details/philadelphianegr001901mbp/page/n3/mode/1up?view=theater
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sobre a população negra da Filadélfia mencionam que a companhia Midvale Steel, local do marco zero do desenvolvimento das técnicas tayloristas, foi um dos raros lugares da indústria em que os trabalhadores de origem afro-americana poderiam trabalhar em grandes números, na virada do século XIX e no início do século XX.

Taylor integrou os trabalhadores negros em larga escala na indústria, chamados popularmente nigger driver na região, por sua velocidade no campo de trabalho9 9 A pesquisa de Dubois (1899) registrou um fluxo migratório de negros na última década do século XIX, de modo que, em 1896, a cidade possuía a maior comunidade negra no norte do país (15% da população dos centros), superada, em população, apenas por três comunidades negras do sul de Nova Orleans, Washington e Baltimore. Apesar desses números, apenas 7,7% da mão de obra negra estavam no setor industrial. Baltzell (1967) vai indicar que, na Midvale Stell Company, empresa na qual Taylor atuou entre 1878 e 1896, o número de negros empregados era de apenas 200 funcionários em 1896. Na década seguinte, esse perfil vai se modificar: em 1917, 30 mil negros passam a ser empregados na Filadélfia. Na própria Midvale Steel Company, o quadro sobe para 4 mil em 1917. . Porém, as posições que eles assumiam na administração científica eram confinadas a certos departamentos dentro da indústria, longe dos níveis de planejamento.

A justificativa para a ocupação de baixos postos de trabalho e menores remunerações terá como pano de fundo os possíveis atributos inatos da natureza humana que os negros, implicitamente, não possuíam:

Um homem com apenas a inteligência de um trabalhador médio pode ser ensinado a fazer o trabalho mais difícil e delicado se for repetido várias vezes; e seu menor calibre mental o torna mais apto do que o mecânico para suportar a monotonia da repetição. Parece ser dever dos empregadores, portanto, tanto em seu próprio interesse quanto no de seus empregados, cuidar para que cada trabalhador receba, na medida do possível, a mais alta classe de trabalho para a qual seu cérebro e seu físico lhe servem. Um homem, no entanto, cujo calibre mental e educação não o habilitam para se tornar um bom mecânico (e esse grau de homem é o referido como pertencente à “classe trabalhadora”), quando ele é treinado para fazer alguns trabalhos especiais, que antes eram feitos por mecânicos, não deve esperar receber os salários de um mecânico. Ele deve receber mais do que o trabalhador médio, mas menos do que um mecânico, assegurando, assim, altos salários ao trabalhador e baixo custo de mão de obra para o empregador, tornando, assim, mais evidente para ambos que seus interesses são mútuos (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 8).

Observa-se, na respectiva passagem, que o trabalho monótono e repetitivo é visto como mais suportável para os indivíduos de “menor calibre10 10 Alguns livros de Taylor são estritamente técnicos, e não apresentam elementos filosóficos e/ou sobre os trabalhadores, como acontece em Treatise on concrete, plain and reinforced (Taylor, 1912) e Notes on belting (Taylor, 1893). Semelhanças são registradas em On the art of cutting metals. No entanto, há uma única passagem em que Taylor (1906, p. 29) se refere ao trabalhador e enfatiza a importância da cooperação para lidar com homens de calibre “diário”: “Vários homens, quando cooperam com entusiasmo, mesmo que de calibre cotidiano, podem realizar o que seria quase impossível para qualquer homem, mesmo de habilidade excepcional.” mental”. No entanto, essas afirmações, que atravessam diversos trechos das suas obras, se fundam apenas em visões de mundo que tentam, pela observação e empiria taylorista, produzir uma ciência administrativa.

As perspectivas de Esch e Roedigerb (2009Esch, E., & Roedigerb, D. (2009). One symptom of originality: race and the management of labour in the history of the United States. Historical Materialism: Research in Critical Marxist Theory, 17(4), 3-43. Recuperado de https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1017469/mod_resource/content/1/Race_Labour_Roediger_Esch.pdf
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, p. 9) revelam que a sociedade norte-americana foi construída sobre um sistema social racializado, que teve que lidar com trabalhadores anglo-saxões, irlandeses, alemães, italianos, chineses, poloneses e negros africanos. O pensamento racial teria formado o pensamento capitalista nos diferentes níveis gerenciais, muito antes até do que o próprio taylorismo, indicando possíveis ligações históricas entre a raça e a gestão11 11 Para nós, a separação da escravidão da corrente principal do trabalho e da história econômica leva a relatos empobrecidos que supõem que não havia literatura sustentada sobre a gestão do trabalho até a década de 1880. No entanto, a enxurrada de estudos pré-guerra sobre o manejo de escravos e o manejo “científico” de escravos revela quão profundamente entrelaçados os conhecimentos raciais e gerenciais já haviam se tornado. Embora pouco exploradas, as ligações entre raça e gestão são profundas (Esch & Roedigerb, 2009, pp. 5-6). .

Nos estudos de Cooke (2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. Recuperado de https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003...
), N. Jones et al. (2012Jones, N., Novicevic, M. M., Hayek, M., & Humphreys, J. H. (2012). The first documents of emancipated African American management: The letters of Benjamin Montgomery. Journal of Management History, 18(1), 46-60. Recuperado de https://doi.org/10.1108/17511341211188646
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) e Van der Liden (2010)Van der Linden, M. (2010). Re-constructing the origins of modern labor management. Labor History, 51(4), 509-522. Recuperado de https://doi.org/10.1080/0023656X.2010.528973
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sobre os modos de gestão das plantations no Caribe e nos Estados Unidos do século XVIII e XIX, as pesquisas apontam para elementos que indicam a antecipação da divisão do trabalho, do estudo de tempos e movimentos, que foi atribuída exclusivamente à escola científica.

Por fim, merece destaque a visão de Taylor sobre os sindicatos e como os possíveis conflitos sociais e de classe deveriam ser gerenciados com base na administração científica:

O trabalho sindical é sagrado enquanto seus atos são justos e bons, e é condenável assim que seus atos são maus. Seus direitos são precisamente os do trabalho não sindicalizado, nem maiores nem menores. O boicote, o uso da força ou intimidação e a opressão dos trabalhadores não sindicalizados pelos sindicatos são condenáveis; esses atos de tirania são totalmente antiamericanos e não serão tolerados pelo povo americano (Taylor, 1903Taylor, F. W. (1903). Shop management. New York, NY: Harper & Brothers. Recuperado de https://archive.org/details/shopmanagement00tayl/page/36/mode/2up?ref=ol&view=theater
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, p. 191).

Uma das principais vantagens derivadas dos efeitos do sistema acima é que ele promove um sentimento mais amigável entre os homens e os empregadores e, assim, torna os sindicatos e as greves desnecessários. […] A necessidade do sindicato, no entanto, desaparece quando os homens são pagos, e não os cargos (Taylor, 1895Taylor, W. F. (1895). A piece-rate system. Recuperado de https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=umn.31951p001739411&view=1up& seq=11&skin=2021
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, p. 858).

Em uma análise dessa concepção de mundo sobre os conflitos sociais, a historiadora social J. Jones (1998Jones, J. (1998). “Lifework” and its limits: the problem of labor in “The Philadelphia Negro”. In M. B. Katz, & T. J. Sugrue (Eds.), W. E. B. DuBois, race, and the city: ‘The Philadelphia Negro’ and its legacy. Philadelphia, PA: University of Pennsylvania Press.) vai levantar a questão de que Taylor, por odiar a ética e a solidariedade presentes no chão de fábrica, teria tido, como uma de suas motivações, a ideia de ser protagonista na inserção de trabalhadores negros dentro das indústrias da Filadélfia, no final do século XIX, na esperança de minar a unidade dentro dos grupos de trabalho.

Para além da questão, o que se pode inferir é que os resultados da administração científica, ao propor uma harmonia administrativa, colocam os trabalhadores, homens e mulheres, como subprodutos de uma lógica formal e linear (Tragtenberg, 1971Tragtenberg, M. (1971). A teoria geral da administração é uma ideologia?Revista de Administração de Empresas, 11(4), 7-21. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75901971000400001
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). Por conseguinte, isso acaba por manter o poder centrado em uma minoria e em uma sociedade que se estrutura em bases raciais hierarquizantes, a conservar o status quo, intensificando, contudo, a exploração nos elos mais fracos da sociedade, como os negros.

A RECEPTIVIDADE DO PENSAMENTO TAYLORISTA NO EIXO SUL: O CONTEXTO BRASILEIRO

A entrada do pensamento de Frederick Taylor no Brasil ocorre a partir de 1910, por meio da ação individual de certos diretores de empresas brasileiras, que, por causa do vínculo com profissionais da indústria dos Estados Unidos, puderam implementar as práticas da administração científica.

Uma dessas figuras foi Roberto Simonsen, engenheiro e empresário paulista que, em 1918, discursou para os trabalhadores de sua empresa, a Companhia Construtora de Santos, sobre a doutrina de Taylor, além de ter construído dezenas de quartéis, na década de 1920, no mesmo modelo taylorista. Outra figura de renome foi Monteiro Lobato, que, além de adotar e implantar os princípios da administração científica em sua editora, também traduziu e divulgou as obras de Henry Ford no Brasil (Ferreira, 2008Ferreira, F. V. (2008). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.).

Todavia, a institucionalização do taylorismo no Brasil ganha força com a fundação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort), formado por uma elite paulista, em 1931. Com base nos mesmos moldes da Taylor Society12 12 Organização fundada em 1912 por dois graduados de uma escola de negócios juntamente com outros engenheiros próximos a Taylor, interessados no “management” (Ferreira, 2008). nos Estados Unidos, prezavam pela difusão dos princípios e das técnicas tayloristas de racionalização do trabalho e da gerência sistemática (Vizeu, 2018Vizeu, F. (2018). Idort e difusão do management no Brasil na década de 1930. Revista de Administração de Empresas, 58(2), 163-173. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/s0034-759020180205
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).

Um possível elemento em comum no perfil dos protagonistas da difusão do taylorismo era que a manifestação do interesse para os grandes projetos de modernização não parecia dissociada de suas posições racistas. Enquanto Simonsen, um dos responsáveis pela criação do Idort, negava o racismo no país e, ao mesmo tempo, atribuía a raça a fatores culturais e econômicos (Maza, 2002Maza, F. (2002). O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.), o escritor Monteiro Lobato era um eugenista ativo nas conformações históricas no campo científico-literário (J. W. Souza, 2017Souza, J W. (2017). Raça e eugenia na obra geral de Monteiro Lobato (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG.).

Destacamos, em especial, o Dr. Antonio C. Pacheco e Silva, primeiro vice-presidente do Idort e integrante do Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo. A sua visão de mundo de médico higienista parecia unir-se a uma prática de racionalização do trabalho taylorista com base nos estudos da saúde do trabalhador.

Durante a sua participação na Constituinte de 1934, dissertou publicamente sobre os problemas que as misturas étnicas, com a imigração no país, poderiam acarretar:

A nossa experiência demonstra que a assimilação das raças brancas do sul da Europa se faz com grande rapidez e muitas vantagens. O Dr. Paulo Azevedo Antunes, um dos estudiosos desses assuntos entre nós, demonstrou, em exaustivo trabalho, a superioridade da raça ariana. Baseados nisso, quando tivermos de escolher o imigrante para o nosso país, devemos procurá-lo na raça branca e evitar a todo transe que se introduzam imigrantes pretos ou amarelos (Anais da Bancada Paulista, 1935 como citado em Souza, 2006Souza, C A. (2006). A influência do Idort na reconfiguração do bloco de poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937 (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP., p. 126).

Esse discurso, segundo C. A. Souza (2006Souza, C A. (2006). A influência do Idort na reconfiguração do bloco de poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937 (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.)13 13 Em pesquisa histórica nas revistas do Idort, a pesquisadora registrou diversas matérias da época, com autores defensores da eugenia, para tentar explicar os problemas sociais. , além de ter dado suporte à criação do art. 138 da Constituição, que tratava da educação eugênica nas escolas, indicava que a atuação dos membros do Idort não se restringia à participação na sociedade civil. Nesse sentido, a tese defendida por Ferreira (2008Ferreira, F. V. (2008). Management no Brasil em perspectiva histórica: o projeto do Idort nas décadas de 1930 e 1940 (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.) se funda no papel do instituto para a criação do Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp), da Fundação Getulio Vargas, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), na década de 1940.

Quanto aos motivos que levaram à importação dos métodos tayloristas no começo da década de 1930, apesar de terem seguido a tendência de rápida adoção da administração sistemática em outras partes do mundo, não se limitaram apenas aos aspectos de uma eficiência econômica, mas também à resposta ao momento político da época.

Segundo Vieira (1998Vieira, V L. (1998). O trabalhador brasileiro: um caso de polícia até 1950 (Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.), o final da década de 1928 foi marcado por sucessivas greves e protestos de trabalhadores operários que paralisavam as fábricas e colocavam sob ameaça o status quo da classe burguesa, como a greve dos 70 dias, em São Paulo, que movimentou 70 mil trabalhadores. O próprio Movimento Negro ganhou força institucionalmente nesse período, como na criação da Frente Negra Brasileira, em 1931, e chegou a superar 20 mil associados, transformando-se, mais à frente, em partido político.

Portanto, a proposta de racionalização taylorista pelo Idort se articulava em um discurso que visava reduzir tensões sociais, aumentar a produtividade dos trabalhadores por meio do treinamento, gerando vagas de trabalho e/ou emprego. Ademais, a racionalização da administração possibilitaria a ampliação da hierarquia não apenas nas tarefas, mas entre indivíduos de diferentes classes sociais. Isso permitiria distanciar o proprietário da empresa de seus funcionários, uma vez que as relações nas fábricas se camuflariam em um discurso de objetividade, distantes de envolvimentos pessoais (C. A. Souza, 2006Souza, C A. (2006). A influência do Idort na reconfiguração do bloco de poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937 (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.).

É com o discurso da ciência, da racionalização como um pretexto de organização universalista, que a ideologia defendida pelos membros do Idort passa a ser espelhada nas matérias em suas revistas, que negavam os conflitos do trabalho e do capital, como evidenciado na edição 33 de 1934 da instituição:

O binômio que encabeça essas linhas se tornou, há algumas décadas, o lugar-comum que serve de campo para todas as manobras reivindicadoras das doutrinas extremistas. Tornou-se, assim, generalizada a crença de que existem separados, como inimigos irreconciliáveis14 14 A respectiva citação apresenta semelhanças com a filosofia de Taylor, descrita na seguinte passagem do livro Concrete costs: “É nossa firme convicção que a introdução dos princípios da administração científica nesse campo produzirá os mesmos resultados benéficos que foram garantidos em outros lugares: que altos salários ganhos pelo trabalhador e um baixo custo de mão de obra garantido pelo empregador convencerão ambos os lados de que é do interesse de cada um ter no coração o bem-estar do outro; que a cooperação amistosa é melhor do que a vigilância suspeita ou o antagonismo aberto; que a paz é melhor que a guerra” (Taylor, 1912, p. 12). , o capital e o trabalho. Entretanto, não há razão alguma para tal preconceito. Dar ao capital, que é um instrumento da produção como outro qualquer, uma individualidade, personificando-o no capitalista, é absolutamente errado. Ligar ao capital, a face do trabalho, a ideia de patrão, de senhor, em relação ao operário, escravo, é outro erro! (Idort, 1934 como citado em Souza, 2006Souza, C A. (2006). A influência do Idort na reconfiguração do bloco de poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937 (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP., p. 39).

Merece também destacar aqui que a lei dos dois terços, que antecede em um ano a criação do Idort, pode ter contribuído para o conturbado contexto político da época, favorecendo, assim, a adesão aos métodos tayloristas. O Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de 1930, de Getúlio Vargas, limitou a entrada, em território nacional, de passageiros estrangeiros para o trabalho, além de definir a exigência de dois terços, pelo menos, de brasileiros natos entre os empregados das empresas.

Ainda que o discurso oficial do governo se fundava em resolver o problema do desemprego no país com medidas políticas de cunho nacionalista e intervencionista, esse ato, contudo, não se tratou de uma mera “concessão” paternalista, mas foi um reflexo das pressões dos movimentos sociais sindicais e negros da época.

Assim, a redução da concorrência dos imigrantes (que chegou a ter 80% de mão estrangeira empregada no setor de serviços [Araújo, 1990Araújo, R. M. (1990). O batismo do trabalho: a experiência de Lindolfo Collor. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.]), beneficiou não só o trabalhador nacional, como o negro em particular, uma vez que esses últimos, desde a pós-abolição, não atuavam em ocupações formais de trabalho, pois eram subjugados por teorias raciais que atribuíam ao negro incapacidade para o trabalho não coercitivo e que exigiam especialização (Araújo, 2013Araújo, A. S. (2013). A incorporação dos negros no mercado de trabalho: um estudo de 1930 a 1945 (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Araraquara, SP.).

A partir desse período, os trabalhadores negros conquistaram o direito a uma possível participação no mercado de trabalho formal, passando a ser incorporados também pelas fábricas (Andrews, 1998Andrews, G. R. (1998). Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru, SP: Edusc.)15 15 A análise de Andrews (1998) sobre os negros nas empresas têxteis do estado de São Paulo entre 1920 e 1960 é marcada por crescimento, nas décadas de 1920 e 1940, que quase dobra em 1950. , compondo o proletariado industrial, em vista da nova demanda por força de trabalho.

Com legítima diversidade racial no interior das fábricas, como evitar que esses sujeitos se relacionassem e construíssem uma identidade, um sentimento de pertencimento a determinada classe social? Como treinar trabalhadores racializados e, portanto, naturalmente hierarquizados para serem eficientes, produtivos e competitivos?

Parafraseando Nascimento (2016Nascimento, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo, SP: Perspectivas.) em O genocídio do negro brasileiro, a tática antiga de promoção da divisão para a conquista sempre foi a especialidade da classe dominante branca brasileira. Portanto, as práticas tayloristas, implementadas na Filadélfia, que incorporaram em massa trabalhadores negros na produção, poderiam servir de inspiração para o contexto brasileiro, na geração de novos nigger speeds.

Ainda que as respectivas indagações são hipóteses que merecem futuras investigações documentais, o que parece difícil dissociar é a relação das ideias eugênicas com as suas práticas tayloristas no Brasil, que passariam a ser adotadas no ambiente de trabalho fabril.

Encerramos com uma passagem da edição de número 3, de março de 1932, da revista do Idort, sobre a posição dos trabalhadores nas organizações, que questiona: onde estariam os negros nessa metáfora do corpo humano?

Que é uma fábrica senão uma caricatura de um organismo humano? De fato, a diretoria é a cabeça. Os impressos, as ordens, são os nervos e as determinações que transmitem. Os músculos são os operários, etc., formam os órgãos de rotina que devem executar seu papel no conjunto, independentemente de ordens expressas da diretoria tal como o fígado ou o pâncreas atua em nosso organismo (Idort, 1932, como citado em Souza, 2006Souza, C A. (2006). A influência do Idort na reconfiguração do bloco de poder durante o Estado Varguista entre 1931 e 1937 (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP., p. 49).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: PARA NOVAS INVESTIGAÇÕES DO RACISMO NAS TEORIAS ADMINISTRATIVAS

Para conhecer e interpretar fenômenos sociais, exige-se um exercício em processo que envolve a articulação de uma série de mediações. São vários os atravessamentos, as marcas sociais, que constituem o sujeito que conhece, impondo-lhe imagens, representações, teses, categorias analíticas, relações de poder. Essas imagens e representações que orientam as produções de conhecimento, geralmente, estão vinculadas aos sistemas de opressão estruturais do capitalismo e resultam em produções de conhecimentos que não estão desvinculados de determinado poder e discurso hegemônico (Collins, 2019Collins, P. (2019). Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo, SP: Boitempo.).

As teorias eugênicas, pseudocientíficas do século XIX e do início do século XX, foram fundamentais no processo de disseminação e aprofundamento das ideologias racistas, formuladoras de um imaginário social repleto de pressupostos de inferioridade das populações negras e de outros grupos considerados não brancos.

Nesse contexto, buscamos, com este artigo, reforçar as críticas do silenciamento da raça nos estudos das organizações, apresentando, como hipótese, que ideias racistas incorporadas pela pseudociência - a eugenia - influenciaram a administração científica taylorista. No mesmo sentido, estabelecemos as possíveis relações desses valores racistas na constituição de técnicas que colocaram os negros e estrangeiros em posição de inferioridade e explorados no ambiente organizacional.

As teorias no campo da administração podem e devem ser analisadas com a inclusão de explicações e interpretações do mundo, com base nos vários atravessamentos sociais que são vivenciados e compartilhados com a classe, a raça, o gênero, a nacionalidade, o território, a idade, a sexualidade, o fazer teórico, a despeito de uma pretensa neutralidade reivindicada (Collins, 2019Collins, P. (2019). Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo, SP: Boitempo.; Faria et al., 2021Faria, A., Abdalla, M., & Guedes, A. (2021). Podemos co-construir um campo de gestão/administração com a maioria? Organizações & Sociedade, 28(98), 543-576. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1984-92302021v289804PT
https://doi.org/10.1590/1984-92302021v28...
). Assim, articular perspectivas teóricas no campo científico, segundo outro lugar social, lugar de subalternidade, que se contrapõe ao hegemonismo epistêmico acadêmico ocidental, é, ao mesmo tempo, lutar contra os processos prevalentes de validação do conhecimento.

Como limitações deste estudo, compartilhamos o pensamento de Vizeu (2018Vizeu, F. (2018). Idort e difusão do management no Brasil na década de 1930. Revista de Administração de Empresas, 58(2), 163-173. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/s0034-759020180205
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), que defende que a complexidade da realização de investigações sobre a história da administração, apesar de escassa em fontes de dados, em especial no cenário brasileiro, não prejudica o trabalho, uma vez que as restrições desses estudos se situam no status de inferências. Portanto, as conclusões são baseadas em uma análise não exaustiva dos eventos da época, mas em possibilidades históricas factuais que exigem esforços complementares para melhor compreensão do fenômeno.

Nesse sentido, apontamos para a necessidade de dar continuidade a investigações que busquem compreender as possíveis relações da raça no aprofundamento das técnicas tayloristas, fundadas na escola clássica, em Henry Ford; nos formatos das teorias das escolas humanas, que mantêm a separação entre planejamento e execução, bem como nos modelos das atuais startups e “economias compartilhadas”, que se apresentam como as novas teorias administrativas, contudo, reproduzem no real, por exemplo, a figura de ciclistas negros e periféricos carregando nas costas os baús das empresas-aplicativo, indicando um modo de vida desprotegido e explorado no mercado de bigtechs (Abilio, 2020Abilio, L C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, 34(98), 111-126. Recuperado de https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008
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).

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  • 1
    Parafraseamos o título do filme "Precisamos falar sobre o Kevin". Apesar de a temática dissertar sobre um jovem que comete homicídios em uma escola secundarista norte-americana, assumimos, como pano de fundo, que o racismo também reproduz mortes, físicas, sociais e psicológicas.
  • 2
    O último Censo da Educação Superior indica que o Brasil dispõe de 1.616 instituições educacionais que oferecem o curso de administração, que lidera a oferta com 2.326 cursos no país (Inep, 2021).
  • 3
    Os resultados das políticas educacionais, no contexto do ensino superior, indicaram uma “virada” no perfil dos estudantes. Se na década de 1990 a constituição de negros era de apenas 0,6%, em 2005 (reflexo das primeiras políticas afirmativas), passou para 3,1% e superou, pela primeira vez na história, o número de brancos em 2019, com o total de 51,2% das matrículas nas federais (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior [Andifes], 2019Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. (2019). V Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes de Graduação das Universidades Federais. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.andifes.org.br/v-pesquisa-perfil-socioeconomico-dos-estudantes-de-graduacao-das-universidades-federais/
    http://www.andifes.org.br/v-pesquisa-per...
    ). Essas políticas públicas, que permitem fissuras nas estruturas sociocratas de nossa sociedade, produzem, contudo, ambiguidades. Nos dizeres de N. S. Souza (1983), elas possibilitam que a pessoa negra ocupe lugares sociais vistos como elitizados, mas também impõem relações nas quais sua identidade é fragmentada, seu orgulho, minado e a solidariedade entre o grupo negro, desmantelada.
  • 4
    Os números referentes ao total de negros nos cursos de administração e na docência foram gerados pelos autores deste artigo, com base nos microdados disponíveis no Censo da Educação Superior de 2021.
  • 5
    O conteúdo do texto também foi publicado pela American Economic Association com o título “The adjustment of wage to efficiency: three papers”, em 1896.
  • 6
    Ressaltamos, ainda, que os livros do autor, por serem publicações mais completas e robustas do ponto de vista científico e filosófico, aparecem com maior probabilidade de indicar sua visão de mundo da sociedade e dos consequentes indícios da raça na gestão do que em publicações em revistas altamente técnicas e especializadas, como a American Society of Mechanical Engineering (ASME), voltada para comunidade de engenharia mecânica.
  • 7
    Inspiração para a Alemanha nazista, que, em 1935, entre as Leis de Nuremberg, incluiu a proibição de casamentos e relações sexuais entre judeus e não judeus (Wilson, 2014).
  • 8
    Admite-se que os princípios do liberalismo econômico, sustentáculos ideológicos do sistema de produção vigente, criou a ideia de que o capitalismo é sinônimo de trabalho assalariado livre, arena das liberdades individuais, da razão, das livres negociações contratuais, no qual o indivíduo “ideal”, sem o devido registro de classe, gênero e raça, sem identidade, é naturalmente empreendedor, engajado, comprometido com a sua prosperidade econômica. Sendo assim, capitalismo e escravismo nunca teriam caminhado juntos, pois seriam contraditórios em si. Um representaria o progresso, a modernidade, e o outro, o imobilismo, o atraso. No entanto, o desafio histórico que se colocou para a sociedade norte-americana no pós-abolição foi que o fim da escravidão não significou o fim de homens, mulheres e crianças negras, agora ex-escravizados, e de tudo que eles representavam para a burguesia e os ideólogos da prosperidade.
  • 9
    A pesquisa de Dubois (1899) registrou um fluxo migratório de negros na última década do século XIX, de modo que, em 1896, a cidade possuía a maior comunidade negra no norte do país (15% da população dos centros), superada, em população, apenas por três comunidades negras do sul de Nova Orleans, Washington e Baltimore. Apesar desses números, apenas 7,7% da mão de obra negra estavam no setor industrial. Baltzell (1967Baltzell, E. D. (1967). Introdution to the 1967 edition. In W. E. B. Dubois (Ed.), The Philadelphia negro: a social study. New York, NY: Schocken Books. Recuperado de https://archive.org/details/philadelphianegr001901mbp/page/n3/mode/1up?view=theater
    https://archive.org/details/philadelphia...
    ) vai indicar que, na Midvale Stell Company, empresa na qual Taylor atuou entre 1878 e 1896, o número de negros empregados era de apenas 200 funcionários em 1896. Na década seguinte, esse perfil vai se modificar: em 1917, 30 mil negros passam a ser empregados na Filadélfia. Na própria Midvale Steel Company, o quadro sobe para 4 mil em 1917.
  • 10
    Alguns livros de Taylor são estritamente técnicos, e não apresentam elementos filosóficos e/ou sobre os trabalhadores, como acontece em Treatise on concrete, plain and reinforced (Taylor, 1912) e Notes on belting (Taylor, 1893). Semelhanças são registradas em On the art of cutting metals. No entanto, há uma única passagem em que Taylor (1906, p. 29) se refere ao trabalhador e enfatiza a importância da cooperação para lidar com homens de calibre “diário”: “Vários homens, quando cooperam com entusiasmo, mesmo que de calibre cotidiano, podem realizar o que seria quase impossível para qualquer homem, mesmo de habilidade excepcional.”
  • 11
    Para nós, a separação da escravidão da corrente principal do trabalho e da história econômica leva a relatos empobrecidos que supõem que não havia literatura sustentada sobre a gestão do trabalho até a década de 1880. No entanto, a enxurrada de estudos pré-guerra sobre o manejo de escravos e o manejo “científico” de escravos revela quão profundamente entrelaçados os conhecimentos raciais e gerenciais já haviam se tornado. Embora pouco exploradas, as ligações entre raça e gestão são profundas (Esch & Roedigerb, 2009, pp. 5-6).
  • 12
    Organização fundada em 1912 por dois graduados de uma escola de negócios juntamente com outros engenheiros próximos a Taylor, interessados no “management” (Ferreira, 2008).
  • 13
    Em pesquisa histórica nas revistas do Idort, a pesquisadora registrou diversas matérias da época, com autores defensores da eugenia, para tentar explicar os problemas sociais.
  • 14
    A respectiva citação apresenta semelhanças com a filosofia de Taylor, descrita na seguinte passagem do livro Concrete costs: “É nossa firme convicção que a introdução dos princípios da administração científica nesse campo produzirá os mesmos resultados benéficos que foram garantidos em outros lugares: que altos salários ganhos pelo trabalhador e um baixo custo de mão de obra garantido pelo empregador convencerão ambos os lados de que é do interesse de cada um ter no coração o bem-estar do outro; que a cooperação amistosa é melhor do que a vigilância suspeita ou o antagonismo aberto; que a paz é melhor que a guerra” (Taylor, 1912, p. 12).
  • 15
    A análise de Andrews (1998) sobre os negros nas empresas têxteis do estado de São Paulo entre 1920 e 1960 é marcada por crescimento, nas décadas de 1920 e 1940, que quase dobra em 1950.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2022
  • Aceito
    23 Dez 2022
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