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Calcificação vascular: fisiopatologia e implicações clínicas

Resumos

A calcificação vascular na doença arterial coronária está ganhando importância, tanto em pesquisas científicas como em aplicações clínicas e de imagem. A placa calcificada é considerada a forma mais relevante de aterosclerose dentro da árvore arterial coronária e frequentemente apresenta um desafio para a intervenção percutânea. Estudos recentes têm demonstrado que a calcificação da placa é dinâmica e está estreitamente ligada ao grau de inflamação vascular. Vários fatores inflamatórios, produzidos durante as diferentes fases da aterosclerose, induzem a expressão e ativação de células osteoblásticas localizadas na parede arterial, que, por sua vez, promovem a deposição de cálcio. As células do músculo liso vascular possuem uma capacidade extraordinária de sofrer diferenciação fenotípica osteoblástica. Não há dúvida de que o papel desses fatores, bem como os elementos de genômica e proteômica, poderia ser um ponto estratégico fundamental na prevenção e no tratamento. Neste contexto, realizamos uma atualização sobre a calcificação coronária, com foco em fisiopatologia, modelos experimentais e implicações clínicas da calcificação vascular.

Calcificação vascular; Aterosclerose; Isquemia miocárdica; Vitamina D; Insuficiência renal


Vascular calcification in coronary artery disease is gaining importance, both in scientific research and in clinical and imaging applications. The calcified plaque is considered the most relevant form of atherosclerosis within the coronary artery tree and is frequently a challenge for percutaneous intervention. Recent studies showed that plaque calcification is dynamic and is strictly related to the degree of vascular inflammation. Several inflammatory factors produced during the different phases of atherosclerosis induce the expression and activation of osteoblastic cells located within the arterial wall, which, in turn, promote the deposit of calcium. The vascular smooth muscle cells have an extraordinary capacity to undergo osteoblastic phenotypical differentiation. There is no doubt that the role of these factors, as well as the elements of genomics and proteomics, could be a vital strategic point in prevention and treatment. Within this context, we conducted an updating review on coronary calcification focused on pathophysiology, experimental models, and clinical implications of vascular calcification.

Vascular calcification; Atherosclerosis; Myocardial ischemia; Vitamin D; Renal insufficiency


REVISÃO

Calcificação vascular: fisiopatologia e implicações clínicas

Marcel LibermanI; Antonio Eduardo Pereira PesaroI; Luciana Simão CarmoI; Carlos Vicente Serrano JrII

IHospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

IIInstituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Marcel Liberman Avenida Albert Einstein, 627/701, bloco A, 2ºsubsolo – Morumbi CEP: 05652-900 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 2151-1338 E-mail: malib@einstein.br

RESUMO

A calcificação vascular na doença arterial coronária está ganhando importância, tanto em pesquisas científicas como em aplicações clínicas e de imagem. A placa calcificada é considerada a forma mais relevante de aterosclerose dentro da árvore arterial coronária e frequentemente apresenta um desafio para a intervenção percutânea. Estudos recentes têm demonstrado que a calcificação da placa é dinâmica e está estreitamente ligada ao grau de inflamação vascular. Vários fatores inflamatórios, produzidos durante as diferentes fases da aterosclerose, induzem a expressão e ativação de células osteoblásticas localizadas na parede arterial, que, por sua vez, promovem a deposição de cálcio. As células do músculo liso vascular possuem uma capacidade extraordinária de sofrer diferenciação fenotípica osteoblástica. Não há dúvida de que o papel desses fatores, bem como os elementos de genômica e proteômica, poderia ser um ponto estratégico fundamental na prevenção e no tratamento. Neste contexto, realizamos uma atualização sobre a calcificação coronária, com foco em fisiopatologia, modelos experimentais e implicações clínicas da calcificação vascular.

Descritores: Calcificação vascular; Aterosclerose; Isquemia miocárdica; Vitamina D; Insuficiência renal

INTRODUÇÃO

A calcificação vascular é um processo fisiopatológico relevante e que se correlaciona com a aterosclerose coronária, sendo um marcador prognóstico de morbimortalidade cardiovascular(1-3). A calcificação determina alterações fisiopatológicas importantes do envelhecimento vascular(4), como, por exemplo, a diminuição da complacência vascular e a elevação da pressão de pulso (por aumentar a pressão arterial sistólica e diminuir a diastólica), além de alterações distributivas do fluxo e perda de vários mecanismos de autorregulação.

O objetivo desta revisão foi explorar os aspectos fisiopatológicos da calcificação vascular, por meio da apresentação de condições clínicas, laboratoriais e epidemiológicas mais prevalentes e, assim, discutir os principais mecanismos celulares e os mediadores que participam deste processo.

IMPORTÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E ASSOCIAÇÃO COM MORTALIDADE CARDIOVASCULAR

A calcificação vascular, previamente considerada uma condição degenerativa passiva do envelhecimento (Monckeberg 1904), é caracterizada, na atualidade, como um processo de biomineralização ativo(5) e complexamente regulado(6), semelhante à osteogênese(7). No cenário epidemiológico, a calcificação vascular aumenta com a idade, aterosclerose, insuficiência renal(8), diabetes mellitus, hipercolesterolemia, osteoporose, obesidade, tabagismo, menopausa e falta de atividade física(9). A calcificação da aorta pode chegar a 65% em uma população geral com idade média de 60 anos e se correlaciona à calcificação coronariana detectada por tomografia computadorizada de multidetectores, possuindo valor preditivo positivo quanto à morbidade e à mortalidade cardiovascular em pacientes assintomáticos com risco intermediário(2). Ainda, a calcificação da aorta abdominal está associada à mortalidade cardiovascular aumentada, mesmo quando ajustada para idade(2). Por outro lado, a calcificação de artérias coronárias se correlaciona com maior risco de infarto do miocárdio e com incidência aumentada de eventos adversos durante a revascularização miocárdica percutânea e cirúrgica(3).

A esclerose valvar aórtica, que possui 40% de prevalência em pacientes octogenários(9), é um processo inicial da estenose valvar aórtica calcificada, em que a mineralização da cúspide tem fisiopatologia semelhante à calcificação vascular(10), caracterizando-se com preditor de risco cardiovascular no idoso(11). Ao contrário de valvas controles, aquelas com calcificação expressam mais fosfatase alcalina e metaloproteinase-2 de matriz(12). Apesar da degeneração calcificada da valva aórtica se associar à aterosclerose e a seus fatores de risco, estudos que investigaram o uso de estatinas em pacientes com estenose valvar aórtica não demonstraram diminuição da progressão da doença(13).

BASES FISIOPATOLÓGICAS E CLÍNICAS DA CALCIFICAÇÃO VASCULAR

A insuficiência renal crônica (IRC), o diabetes mellitus e a aterosclerose são as condições clínicas que, epidemiologicamente, mais colaboram para o desenvolvimento da calcificação vascular nas camadas média e íntima do vaso (Quadro 1). No mundo real, porém, a calcificação vascular ocorre indistintamente nessas túnicas vasculares, com diferentes espectros devido a variabilidade, intensidade e coexistência de fatores de risco e de doença na população. Na tentativa de tornar a discussão mais didática, expomos aqui a contribuição de algumas comorbidades, fatores de risco e respectivas alterações clínico-laboratoriais que podem implicar na fisiopatologia da calcificação vascular, apesar de, muitas vezes, tais condições coexistirem na população e ainda se constituírem de fatores de risco intercambiáveis entre si, como é o caso do diabetes em relação à aterosclerose, e à IRC e vice-versa. Assim, a etiologia mais frequente da IRC é a glomerulosclerose diabética, representando 50% dos indivíduos com IRC. É uma situação clínica em que prevalecem: o hiperparatireoidismo secundário, a elevação do paratormônio intacto com alteração das concentrações plasmáticas de vitamina D3, cálcio, fósforo e um aumento do produto cálcio e fósforo, graças, principalmente, ao aumento do fósforo(8). Ainda, pacientes com IRC têm diminuição da fetuína A, que inibe a calcificação ectópica. Além disso, pacientes com quartil de produto cálcio e fósforo mais elevado (que per se incrementa a calcificação vascular) tiveram, paralelamente, proteína C-reativa (PCR) mais alta do que aqueles com quartil de produto cálcio e fósforo mais baixo. Isso implica em uma relação direta entre produto cálcio e fósforo, índice inflamatório (PCR) e calcificação vascular(14). Outras patologias em que o produto cálcio e fósforo está elevado, podendo provocar calcificação vascular, são doenças bem mais raras como a doença de Paget (na qual há uma atividade aumentada de osteoclastos, inclusive com fraturas ósseas), o hiperparatireoidismo primário (por tumor primário da glândula paratireoide).


Recentemente, foram demonstradas a presença de proteínas reguladoras e a existência de células desdiferenciadas a partir de células musculares lisas vasculares (VSMCs -vascular smooth muscle cells), chamadas células vasculares calcificadoras (CVCs)(15), implicadas na síntese/reabsorção óssea em placas ateroscleróticas, especialmente ao redor de calcificação(5). Por isso, foi proposto que a formação óssea no vaso fosse, em alguns aspectos, semelhante à do osso(7). Contudo, sabemos que, para solucionar o paradoxo de osteoporose/ calcificação vascular, situação clínica muito comum na população geriátrica, na qual existe calcificação vascular em oposição à perda óssea esquelética, certamente a regulação da síntese óssea no vaso e no esqueleto são diferentes. Isso já foi estudado em um modelo in vitro em que osteoblastos do esqueleto e CVCs (população de células da parede do vaso com características osteoblásticas) foram mantidas em cultura e tiveram respostas opostas (diminuição e aumento da secreção óssea, respectivamente) após estímulo com LDL oxidado (LDLox)(6) ou após estresse oxidativo(16).

Processos inflamatórios crônicos, como é o caso da aterosclerose, podem cursar com calcificação. Isso é desencadeado a partir da resposta à injúria causada pelo LDLox, que inicia o processo inflamatório, amplificado pela exposição de moléculas de adesão, da secreção de interleucinas, PCR e de proteínas morfogênicas de osso (BMPs - bone morphogenetic proteins) pelo endotélio e por células musculares lisas. Notadamente, isso ocorre em topografia vascular com força de cisalhamento oscilatório aumentado, como nas bifurcações vasculares. Por fim, tal fato implica no aumento do estresse oxidativo e na diminuição de inibidores da calcificação, como a proteína glutâmica de matriz (MGP) e a osteopontina (OPN).

Evidências experimentais indicam que a atividade inflamatória pró-aterosclerótica apresenta inter-relação com a modulação osteogênica. Células endoteliais, quando expostas ao LDLox, expressam BMPs. Além disso, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e o interferon gama (IFN-γ) estimulam o endotélio a expressar osteoprotegerina (OPG), o que também é observado a partir de osteoblastos e de células musculares lisas quando estimulados por interleucinas (IL)(17).

Em pacientes com diabetes ou hipertensão, a PCR e a IL-6 se correlacionam com os níveis séricos de OPG(17). Em recente estudo, os níveis séricos elevados de IL-6 ou reduzidos de IL-8 e IL-13 foram preditores independentes de calcificação arterial coronária (CAC)(18). Outro estudo demonstrou correlação entre a CAC, LDLox e a proteína quimiotática de monócitos-1 (MCP-1)(19). Por outro lado, uma meta-análise falhou em demonstrar correlação entre alguns marcadores inflamatórios e CAC em pacientes estáveis(18). Além disso, a despeito do potencial efeito anti-inflamatório das estatinas em pacientes com doença arterial coronária (DAC)(20) não está claro se esse benefício pode antagonizar o processo de calcificação vascular(21).

Considerando a potencial inter-relação entre a atividade inflamatória e a regulação das proteínas moduladoras de osteogênese (PMOs), podemos supor que pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) apresentem elevação transitória dos níveis séricos dessas proteínas, como uma resposta de fase aguda. De fato, um estudo recente demonstrou que pacientes com IAM tiveram ascensão dos níveis séricos de OPN, com pico no terceiro dia, atingindo valores mais elevados em comparação com indivíduos saudáveis(22).

De forma recíproca, a PCR elevada em pacientes com IRC demonstra um estado inflamatório acentuado, o que já os estratifica com maior risco cardiovascular(23), denotando outro possível mecanismo de inter-relação fisiopatológica. Ainda, pacientes com história pregressa de infarto do miocárdio e níveis séricos mais elevados de fósforo tiveram maior risco de eventos cardiovasculares(24). Finalmente, pacientes da comunidade que tinham fosfatemia em quartil mais alto e que não haviam sofrido infarto do miocárdio, também tiveram risco cardiovascular aumentado quando comparados ao quartil mais baixo de fósforo sérico(25), mesmo ajustando para a idade e outros fatores de risco, inclusive a PCR.

DESDIFERENCIAÇÃO DE CÉLULAS MUSCULARES LISAS VASCULARES EM LINHAGEM OSTEOCONDROGÊNICA

A calcificação da camada íntima e/ou da média vascular (Quadro 1) também pode ocorrer na ausência de aumento do produto cálcio e fóforo, sendo orquestrada por PMOs, como o aumento de BMP2 e de BMP4, e presença de LDLox, como na aterosclerose, o que implica em diferenciação de osteoblastos (CVC), seja a partir de uma célula muscular lisa, célula mesenquimal ou pericito vascular, com consequente aumento da expressão de RUNX2, Osterix (Figura 1), determinando o incremento da atividade fosfatase alcalina, da produção de osteocalcina e de secreção de matriz óssea(26).


Corroborando a hipótese de um processo ativo e organizado(27), a calcificação vascular é iniciada pela presença de estruturas vesiculares na matriz de tecidos ossificados e de placas ateroscleróticas(26). Essas vesículas de matriz são estruturas ligadas por membranas que se desprendem de condrócitos e osteoblastos, normalmente encontrados em cartilagens e ossos, cuja função é a de nucleação e crescimento de cristais de cálcio. Além disso, a existência de proteínas específicas de osso em placas ateroscleróticas(28), como a OPN, o RUNX2 ou Cbfa-1 (core-binding factor-1, um marcador específico de diferenciação osteoblástica), a OPG, a BMP-2, a MGP, a fosfatase alcalina e o ligante do receptor ativador de NF-kappaB (RANKL), comprova a existência de fatores reguladores in situ de formação e reabsorção óssea no vaso(26).

As VSMCs incluem subpopulações de células com diferentes fenótipos. Conforme as VSMC em cultura iniciam a diferenciação osteogênica (Figura 1), elas perdem a expressão de marcadores específicos de músculo liso(27), indicando uma desdiferenciação celular. Uma subpopulação de VSMC expressa espontaneamente proteínas de osso(27) e produz uma matriz mineralizada em cultura semelhante à de osteoblastos(7). Essa subpopulação, chamada de CVC(15) retém a habilidade de se diferenciar em outras linhagens mesenquimais, além de osteoblastos. VSMC humanas também expressam receptor de vitamina D3 e a enzima 25-hidroxivitamina D3-1α-hidroxilase, que pode ter sua expressão aumentada quando são cultivadas com paratormônio (PTH) e compostos estrogênicos(29). Ainda, a desdiferenciação dessas células também depende do cotransportador de fósforo dependente de sódio, Pit-1(30).

PROTEÍNAS MODULADORAS DA OSTEOGÊNESE

A diferenciação osteogênica de VSMC é uma etapa central na progressão da calcificação vascular. Essa diferenciação é continuamente modulada por estresse oxidativo, oscilações hormonais e metabólicas e, particularmente, por PMOs. Como descrito melhor adiante, as PMOs podem promover a calcificação vascular diretamente (RANKL e BMPs) ou, eventualmente, serem marcadores da calcificação vascular (OPG e OPN). Adicionalmente, além dos aspectos mecanísticos relacionados às PMOs, há também interesse clínico. Níveis séricos de OPG, por exemplo, já foram identificados como marcadores de CAC em pacientes com doença coronária estável e como marcadores prognósticos em pacientes com IAM(31).

Umas das vias de maior interesse e com significado ainda indefinido em relação à fisiopatologia da calcificação vascular é a via RANK-RANKL-OPG. Ou seja, a interação entre o ativador do receptor do fator nuclear κB (RANK) com seu ligante (RANKL) e ainda a ação inibitória da OPG sobre essa interação. A OPG reduz a atividade do fator nuclear κB, fator transcritor de genes imunomediados, e é uma importante reguladora da atividade inflamatória, imunidade inata e diferenciação celular(32). O RANKL é expresso em osteoblastos, células musculares lisas, linfócitos T e células estromais, enquanto a OPG é expressa nessas células, além do endotélio.

Em relação ao remodelamento (reabsorção) ósseo, a ativação do RANK pelo RANKL transforma pré-osteoclastos em suas formas maduras(33). Essa interação é diretamente inibida pela OPG. Entretanto, o papel dos osteoclastos na calcificação vascular e na reabsorção óssea no vaso ainda é indeterminado.

Por outro lado, sabidamente o eixo RANK-RANKLOPG participa de diversas etapas de uma complexa cascata inflamatória pró-aterosclerótica (Figura 2). O RANKL é expresso em células musculares lisas e em linfócitos T, modulando a maturação e inibindo a apoptose de células dendríticas. Essa atividade pode ser inibida pela ação da OPG sobre a RANKL. A OPG, por sua vez, é estimulada por uma série de mediadores inflamatórios, tais como IL-1, TNF-α, TGF-β e IFN-γ. Tais mediadores aumentam a síntese de OPG pelo endotélio. Consequentemente, OPG estimula a expressão de moléculas de adesão e infiltração leucocitária intimal. Esse processo promove a expressão de RANKL, e a proliferação de células musculares lisas(31). RANKL, subsequentemente, estimula diretamente a diferenciação osteogênica dessas células ou, indiretamente, promove a osteogênese via estimulação da secreção de TNF-α em monócitos(34) ou via BMPs(35). A presença da RANKL em combinação com a OPG (particularmente com uma razão OPG/RANKL reduzida) incrementa a atividade de metaloproteinases, enzimas que participam da erosão e da rotura da capa do ateroma(36).


BMP2, que faz parte da superfamília de TGF-β, foi originalmente identificado como regulador da formação de cartilagem e do osso. É uma proteína que estimula a diferenciação de osteoblastos(35), e sua presença na placa aterosclerótica sugere que a calcificação arterial é um processo ativamente regulado, semelhante à formação óssea(7,37), como explicado na (Figura 1)(38).

Há pelo menos 20 peptídeos funcionais e estruturais de BMPs relacionados, a maioria com função embriogênica e morfogênica de vários tecidos e órgãos. BMPs ativos biologicamente são usualmente homodímeros contendo uma ligação de cisteína característica em sua estrutura. Os heterodímeros de BMP2/BMP7 e BMP4/BMP7 possivelmente também podem existir in vivo. Os heterodímeros, que podem ter sua atividade mediada por um subtipo de receptor diferente ou adicional, são mais potentes no estímulo de síntese óssea e na indução da mesoderme ventral em relação aos homodímeros. BMPs são proteínas extremamente importantes para o desenvolvimento e diferenciação celular no embrião e filogeneticamente conservadas. BMP é ubiquitária em todo reino animal (de insetos a seres humanos) e sua mutação/deleção ou alterações de seu receptor são letais para o desenvolvimento do embrião(26). O aumento da expressão das proteínas ossificadoras sabidamente acontece em células mesenquimais ou mesmo em células pré-miogênicas C2C12 que tenham seu programa genético de osteoblastogênese ativado por BMP2, por exemplo(39), para se diferenciarem em osteoblastos, em oposição a células musculares lisas, por exemplo, ou a adipócitos. Na parede vascular, os BMPs possivelmente são secretados por múltiplas linhagens celulares: células endoteliais, células musculares lisas, células mesenquimais, pericitos e células inflamatórias(38).

MODELOS EXPERIMENTAIS DE CALCIFICAÇÃO VASCULAR

O modelo mais difundido de calcificação vascular in vivo, estudado há mais de 40 anos, é baseado na hipervitaminose D isolada(8). Diversas doses e formas de administração foram descritas, embora a maioria tenha usado curtos períodos de tempo com quantidades potencialmente tóxicas de vitamina D, resultando em hipercalcemia e hiperfosfatemia aguda. O tratamento crônico menos tóxico também resultou em calcificação metastática e deterioração da função renal(8). Em termos gerais, a administração de vitamina D resulta em calcificação da parede arterial e em uma variedade de outras alterações "arterioscleróticas", como a perda de colágeno e o rompimento das fibras de elásticas(4). Essas mudanças são normalmente associadas com aumento da rigidez aórtica(2).

Outro modelo de calcificação vascular envolve a aplicação tópica de CaCl2 0,5M na aorta de coelhos(8,33) ou de outros animais (ratos e camundongos). Os segmentos de artéria submetidos ao CaCl2 se tornam aneurismáticos, com calcificação da média, inflamação, calcificação da elastina, e degradação e desorganização da matriz extracelular, além de ativação de metaloproteinases de matriz(7,8,33).

O modelo in vitro de calcificação de VSMCs foi descrito à partir do isolamento de CVCs por meio da cultura de células musculares lisas bovinas, em que nódulos multicelulares apareciam espontaneamente(33). Além de expressarem OPN, osteonectina e colágeno-1, de demonstrarem atividade de fosfatase alcalina aumentada e de produzirem osteocalcina e hidroxiapatita, essas células foram estimuladas a formar um número maior de nódulos de calcificação especialmente quando expostas ao oxisterol 25-hidroxicolesterol, assim como ao TGFβ-1, ambos presentes em placas ateroscleróticas. Esse modelo foi aperfeiçoado por meio da incubação dessas células com um doador de fosfato inorgânico, o β-glicerofosfato10mM, resultando em calcificação difusa após 14 dias de cultura(15). A mineralização diminuiu com o uso de levamisol, um inibidor inespecífico da fosfatase alcalina. Além disso, quando 1,25(OH)-vitamina D3 foi associado ao β-glicerofosfato em VSMCs em cultura, a calcificação aumentou progressivamente com incremento da dose, principalmente pela diminuição da expressão do peptídeo endógeno semelhante ao hormônio da paratiroide (PTHrP) nessas células, que é um inibidor endógeno da calcificação vascular(33). Além disso, o efeito estimulatório da 1,25(OH)vitamina D3, na atividade da fosfatase alcalina e a expressão da OPN, podem contribuir para sua ação promotora da calcificação vascular. Pit-1 é um cotransportador de fosfato dependente de sódio do tipo III, muito importante para a mineralização de células incubadas em meio rico em fosfato(30). Expandimos tal conhecimento demonstrando que o BMP2, que está presente na placa de aterosclerose(35,38,40), estimula a calcificação de células musculares lisas de coronárias humanas em cultura, por meio de sinalização específica (Figura 1), perda de marcadores de célula muscular lisa e aumento de expressão de proteínas osteocondrogênicas(37-40).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A diminuição da progressão da calcificação vascular depende da abordagem terapêutica de múltiplas vias fisiopatológicas. Certamente, é importante diminuir o impacto e controlar os fatores de risco cardiovasculares(9) como dislipidemia, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal e uremia, além do desbalanço do metabolismo do cálcio e fósforo. Alguns estudos demonstram que estatinas, vitamina D e seus análogos, e bisfosfonatos parecem diminuir a progressão da doença em determinados grupos de pacientes(8,13,21,26,33).

CONCLUSÕES

Atualmente, a calcificação vascular é compreendida por meio de mecanismo fisiopatológico complexamente regulado, principalmente desencadeado quando há um desequilíbrio, predominando proteínas e fatores de transcrição de síntese em prejuízo aos mediadores de reabsorção óssea. O melhor entendimento dessa fisiopatologia é essencial para que novas propostas terapêuticas e potenciais marcadores prognósticos sejam explorados, a fim de diminuir a progressão da calcificação vascular.

Data de submissão: 22/4/2013

Data de aceite: 22/8/2013

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  • Autor correspondente:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Abr 2013
    • Aceito
      22 Ago 2013
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