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Carta ao editor

CARTA AO EDITOR

Estamos vivendo um momento muito importante na educação brasileira, em que as decisões tomadas certamente irão delinear o futuro de nosso país.

Creio que passos importantes foram dados nos últimos anos na tentativa de melhorar o quadro educacional, como por exemplo, o fim dos cursos "secundaristas" normais e a preocupação em se assumir definitivamente as funções de um educador como profissional com cursos universitários voltados para a formação deste educador.

No entanto, nesta tentativa de redefinir competências e habilidades muitos desafios se impõem.

Quando constituimos a educação básica do indivíduo como sendo o ensino fundamental e o ensino médio, o que obviamente é um avanço, temos que cuidar para não corrermos o risco de conduzir os profissionais que trabalharão na formação básica dos nossos jovens a uma grande superficialidade de conteúdos.

Esta tem sido minha maior preocupação neste momento. Quando "falamos" em formar educadores por área do conhecimento, corremos o forte risco de trabalhar com visões tão globais, que acabam por se tornarem demasiadamente superficiais. Esta preocupação faz sentido quando se observa em uma propaganda de uma grande empresa, veiculada no horário nobre, uma certa dose de "descaso educacional", pois se afirma: Fibras óticas,... Não é coisa que nem eu, nem você precisa entender, é coisa para os engenheiros e técnicos da empresa que trabalham com isso. E finalmente conclui-se com: Fibras óticas é coisa que a gente deve usar...

Vejo nesta manifestação pública, uma visão totalmente destorcida que talvez possa permear a cabeça de alguns que acreditam que de fato é diante desta perspectiva limitada e tão reduzida de mundo que o nosso povo tem direito a viver. Ou seja, devemos continuar na obscuridade, na ignorância total, sem entender a ciência, como sendo algo dinâmico sendo construída pelo homem? Será que é isto que queremos para as futuras gerações?

A ciência brasileira vem sendo cada vez mais desfalcada de pessoas que assumam este desafio. A cada ano menos jovens se interessam por áreas de pesquisa e, sendo a sua maior preocupação hoje garantir a sobrevivência econômica.

Será que o processo proposto de formação de professor que abranja áreas tão importantes para o desenvolvimento científico de um país como, Química, Biologia e Física, não visa exatamente fortalecer esta visão limitada de mundo?

Um povo que não precisa saber como funciona. Basta apertar alguns botões e tudo estará resolvido. Talvez esta seja uma visão limitada de quem viveu um processo educacional onde a idéia de que para ensinar Física é preciso saber Física. Hoje, alguns diriam que esta é uma visão "conteúdista" de tratar o ensino. Não consigo descartar o fato de que para se ensinar algo precisamos conhecer este algo.

Dentro deste quadro, creio que teremos que estabelecer diferenças entre os profissionais que vão trabalhar no Ensino Médio e aqueles que se destinam ao Ensino Fundamental. No ensino Fundamental existe a figura do professor de Ciências que deve ser preservada. Já no Ensino Médio, temos professores de Química, Física e Biologia que, sem dúvida alguma, devem trabalhar de maneira a exercer a interdisciplinaridade.

Não acredito pelo menos por enquanto, que possamos partir para uma formação de professores que sejam unicamente interdisciplinares. Explorando a analogia: Será que o Brasil só deve formar clínicos gerais? Em outras palavras, devemos deixar a especialidade para os grandes países desenvolvidos? Não estamos correndo este risco?

De qualquer modo devo admitir meus limites. Não consigo ver, pelo menos por hora, neste profissional de Ciências da Natureza, um profissional que sabe o que fala, um professor com segurança suficiente para enfrentar desafios, junto com seus alunos e buscar soluções incentivando a investigação científica. Para aqueles que ainda pensam como eu, proponho que o nosso trabalho seja possibilitar esta segurança aos alunos dos cursos de licenciatura, e a partir daí, assegurar um tratamento de interdisciplinaridade e transversalidade.

Segue então uma proposta para aqueles que estão trabalhando na redefinição do papel das nossas licenciaturas: garantir ainda as colunas das especificidades de cada linha do saber a Química que interessa aos químicos, a Física que interessa aos físicos e a Biologia que interessa aos biólogos, todos educadores, mas certamente com identidade própria.

Abaixo apresento um diagrama de blocos norteador das diretrizes gerais para o curso de licenciatura de Ciências da Natureza:

Talvez a proposta não seja tão ousada como gostaríamos, mas pelo menos retrata aquilo que sabemos fazer e que mentes, como a minha, hoje são capazes de assimilar. Isto não significa que esta será a nossa visão eterna, mas o que acredito que possamos fazer hoje.

Com o trabalho e a prática interdisciplinar constante, talvez seja possível ampliar nossa visão de formação deste profissional da Área de Ciências da Natureza e pouco a pouco eliminar as colunas especificas, pulverizando-as ao longo do curso.

Profa. Dra. Marisa Almeida Cavalcante

GoPEF: Grupo de Pesquisa em Ensino de Física da PUC/SP e Escola do Futuro USP/SP

E-mail:marisac@pucsp.br; http://mesonpi.cat.cbpf.br/marisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2001
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