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Uso do "Espelho de Lloyd'' como método de ensino de óptica no Ensino Médio

Use of the "Lloyd Mirror" as a technique to teach optics at the high-school level

Resumos

Este trabalho propõe um método de ensino de óptica, especialmente de interferência, em aulas de física no Ensino Médio. Foi feito uso da experiência denominada "espelho de Lloyd'', que permite uma conexão ímpar entre a óptica geométrica e a óptica física e é bem mais simples que a "Experiência da Dupla-Fenda de Young''. Nessa experiência, foi observado interferência entre um feixe advindo diretamente da fonte e o advindo após uma reflexão especular. Subsequentes medições do comprimento de onda da luz resultaram em valores próximos a 700 nm, uma concordância razoável com a realidade. Conclui-se ser tal experiência uma forma ótima, simples porém mal-aproveitada de demonstrar a interferência da luz em salas de aula.

óptica; ensino de física; espelho de Lloyd


This article proposes an optics teaching method, especially related to interference phenomena, which is adequate to be used in physics classes at high-school level. The method is based on the so-called "Lloyd's mirror'' experiment, which leads to a connection between geometric and physical optics, which is much simpler than the "Young double-slit experiment''. In the experiment reported in this article, there is an observation of interference between a light beam coming from the source and another light beam coming from a mirror reflection. Values of measurements of the wave length of light were close to 700 nm, which is in reasonable agreement with standard experimental values. It is concluded that this experiment is a fine, simple, although underused, way to show the interference of light in the classroom.

optics; physics teaching; lloyd's mirror


ARTIGOS GERAIS

Uso do "Espelho de Lloyd'' como método de ensino de óptica no Ensino Médio

Use of the "Lloyd Mirror" as a technique to teach optics at the high-school level

Matheus de Araújo Cavalcante1 1 E-mail: suehtamacv@gmail.com. ; Eriverton da Silva Rodrigues

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil

RESUMO

Este trabalho propõe um método de ensino de óptica, especialmente de interferência, em aulas de física no Ensino Médio. Foi feito uso da experiência denominada "espelho de Lloyd'', que permite uma conexão ímpar entre a óptica geométrica e a óptica física e é bem mais simples que a "Experiência da Dupla-Fenda de Young''. Nessa experiência, foi observado interferência entre um feixe advindo diretamente da fonte e o advindo após uma reflexão especular. Subsequentes medições do comprimento de onda da luz resultaram em valores próximos a 700 nm, uma concordância razoável com a realidade. Conclui-se ser tal experiência uma forma ótima, simples porém mal-aproveitada de demonstrar a interferência da luz em salas de aula.

Palavras-chave: óptica, ensino de física, espelho de Lloyd.

ABSTRACT

This article proposes an optics teaching method, especially related to interference phenomena, which is adequate to be used in physics classes at high-school level. The method is based on the so-called "Lloyd's mirror'' experiment, which leads to a connection between geometric and physical optics, which is much simpler than the "Young double-slit experiment''. In the experiment reported in this article, there is an observation of interference between a light beam coming from the source and another light beam coming from a mirror reflection. Values of measurements of the wave length of light were close to 700 nm, which is in reasonable agreement with standard experimental values. It is concluded that this experiment is a fine, simple, although underused, way to show the interference of light in the classroom.

Keywords: optics, physics teaching, lloyd's mirror.

1. Introdução

Nos primórdios do ser humano a luz era um fenômeno de origem desconhecida e obscura, de forma que várias teorias foram desenvolvidas para determinar o que era e como se propagava. Essa questão foi, ao menos para a época, bem respondida por Maxwell, quando unificou a eletricidade e o magnetismo, descobrindo com sua teoria a existência de ondas eletromagnéticas. Ao descobrir que a luz era uma onda eletromagnética Maxwell, portanto, reuniu a eletricidade, o magnetismo e a óptica em uma teoria consistente, conseguindo responder satisfatoriamente a questão da natureza da luz.

1.1. Modelos para a natureza da luz

Sempre houve muita curiosidade quanto à luz: o que é, como se propaga, como é gerada. Dois modelos principais foram propostos no século XVII para explicar a natureza da luz. Um dos modelos - o corpuscular - dizia que a luz era composta por pequenas partículas emitidas pela fonte luminosa. Com esta premissa, pode-se demonstrar a lei da reflexão ao se assumir que as partículas colidem elasticamente com a superfície de reflexão. Também pode se demonstrar a lei da refração - as partículas do meio atrairiam as partículas de luz, que mudariam sua velocidade e direção (o modelo previa que a velocidade da luz no meio era maior que no vácuo). Isaac Newton usualmente é creditado como o grande defensor desta teoria. De fato, em sua obra Ótica Newton sugere este modelo, mas não o faz absolutamente ao usar a palavra talvez [1]. Mas também foi Newton que escreveu, na questão 29 desse mesmo livro:

Um fluido denso não pode ter utilidade para explicar os fenômenos da natureza, sem ele os movimentos dos planetas e cometas são melhores explicados. [...] E, em sendo ele descartado, as hipóteses que a luz consiste numa pressão ou movimento propagados em um meio como esse são igualmente descartadas.2 2 Conforme visto em [1], p. 264. Editado.

O outro modelo para a natureza da luz era o ondulatório, que teve sua primeira grande contribuição no Tratado Sobre a Luz de Huygens, publicado pela primeira vez em 1690. A onda de luz se propagaria no chamado éter luminífero, cuja origem também causou grandes discussões posteriores, que fogem ao escopo deste artigo. Ele também formula o princípio de Huygens, com o qual é possível explicar a reflexão e a refração da luz a partir de argumentos ondulatórios. Este modelo por sua vez previa que a velocidade da luz em um meio físico deve ser menor que no vácuo, uma previsão contrária ao modelo corpuscular.

Em 1850 Foucalt e Fizeau mediram efetivamente a velocidade da luz em diferentes meios, entre eles a água, e constataram que esta era efetivamente menor que no vácuo, sendo este considerado um argumento decisivo a favor da teoria ondulatória [2]. Entretanto, até essa época diversas observações de fenômenos fizeram com que a teoria ondulatória fosse triunfante. Entre estas observações destacam-se as experiências de Thomas Young e Augustin Fresnel, respectivamente quanto aos fenômenos tipicamente ondulatórios da interferência e difração. Neste artigo será abordado o primeiro.

1.2. Interferência

No estudo das propriedades de ondas e partículas foi visto que certos fenômenos são caracteristicamente ondulatórios, como dito anteriormente. Se o modelo ondulatório para a luz estivesse correto, deveria ser possível observar fenômenos como o de interferência usando a luz. No entanto, esses fenômenos possuem uma dependência direta com o comprimento de onda, que para a luz visível tem um valor típico de 0,5 mm, o que torna a observação desse fenômeno complicada.

Um experimento fundamental, o primeiro a visualizar um padrão de interferência com a luz, foi realizado em 1801 pelo físico, médico e egiptólogo Thomas Young. Ele conseguiu de forma criativa assegurar que as duas fontes emitiam em fase, condição importante para a interferência [3]. Após o experimento, a corrente que defendia o modelo corpuscular perdeu muita força e o modelo ondulatório se tornou padrão, ao menos até as teorias quânticas que não serão discutidas aqui.

O dispositivo experimental utilizado por Young é mostrado na Fig. 1. Uma fonte monocromática F emite luz; contudo essa luz não é apropriada para um experimento de interferência pois a luz não tem coerência, que é obtida fazendo a luz passar por uma pequena fenda. Algumas versões modernas da experiência utilizam o laser como fonte de luz, a qual é naturalmente coerente, o que elimina a necessidade dessa primeira fenda. A luz proveniente desta fenda passa então por duas fendas muito próximas (anteparo A). Como a distância até essas fendas até é a mesma a luz incide em fase sobre elas, ou seja, são coerentes. A visualização do padrão de interferência é feita em um anteparo O, que é iluminado com mais intensidade nas áreas onde ocorre interferência construtiva.


A interferência construtiva ocorre para os pontos onde a diferença de caminho Δ entre as duas fontes seja um número inteiro de comprimentos de onda (λ). Ou seja, as regiões brilhantes sobre o anteparo ocorrem para os quais o ângulo θ é

onde m = 1, 2, 3, ...

Já a interferência destrutiva ocorre para os pontos onde a diferença de caminho D entre as duas fontes seja um número semi-inteiro de comprimentos de onda. Ou seja, as regiões escuras sobre o anteparo ocorrem para os quais o ângulo qé

2. O espelho de Lloyd

A experiência chamada espelho de Lloyd foi primeiramente descrita pelo físico Humphrey Lloyd em 1834, quando o mesmo era presidente da Academia Real de Ciências Irlandesa. Ele a descreveu também no seu livro Elementary Treatise on the Wave-Theory of Light, conforme a seguinte citação:

The phenomenon of interference is displayed in a striking manner by the mutual action of direct and reflected light; and the experiment in this form is more manageable than of Fresnel. We have only to take a piece of plane glass, or a metallic reflector, and to place it in such a position that the rays diverging from the luminous origin shall be reflected at an angle of near 90º. A screen placed on the other side will receive both the direct and reflected pencils; and as they meet under a small angle, and have transversed paths differing under a small amount, they are in a condition to interfere.3 3 Conforme visto em [4], p. 68.

Esse experimento é uma forma mais simples de se obter um padrão de interferência com a luz que o experimento de Young. Usando apenas uma fonte luminosa coerente, como um laser, e um espelho o padrão é visualizado no anteparo. Um esquema do espelho de Lloyd pode ser visto a seguir.

Uma fonte luminosa F é colocada muito próxima a uma superfície refletora. Sendo um ponto no anteparo A, a luz proveniente da fonte pode chegar a este ponto tanto por um caminho "direto'' quanto por um caminho que reflete pelo espelho. A diferença entre os comprimentos desses percursos indica que os diferentes feixes estão em condição de interferir. Deve-se lembrar que quando o feixe é refletido sua fase é defasada em π rad, ou . O resultado é que o experimento com o espelho é análogo a existência de uma fonte virtual F' emitindo raios defasados de π rad em relação à F.

O que é muito semelhante ao experimento de Young, embora neste apenas a metade superior das franjas de interferência (devido ao obstáculo imposto pelo próprio espelho). Outra diferença em relação à de Young é que a defasagem adicional de acarreta que os máximos na experiência da dupla fenda sejam os mínimos no espelho de Lloyd, e vice-versa. A distância entre as franjas adjacentes é facilmente calculável, e é dada por

3. Metodologia

A experiência do espelho de Lloyd é muito simples, assim como os materiais utilizados em sua execução. A fonte de luz utilizada foi um laser diodo, comumente encontrado na forma de "canetas para apresentações'' por um preço muito acessível. O comprimento de onda da luz emitida por este laser de baixo custo não é muito estável e tem uma grande largura de faixa, variando desde 630 nm (vermelho) até 780 nm (infravermelho próximo). Entretanto foi o suficiente para a observação de um padrão de interferência, embora as medidas tivessem sua precisão comprometida devido à imprecisão intrínseca do laser.

Apesar do nome da experiência sugerir o uso de um espelho, o seu uso pode causar imprecisões. Os espelhos têm uma camada de vidro sobre a sua superfície refletora e, dependendo do ângulo de incidência, a luz proveniente do laser refletirá tanto neste vidro quanto na superfície metálica refletora [5]. Recomenda-se utilizar apenas vidro. Caso a intenção seja apenas de demonstrar a interferência, sem medidas experimentais, um espelho comum consegue mostrar um padrão embora as medidas do comprimento de onda possam desviar até uma ordem de grandeza do valor real.

Quanto a montagem do experimento em si, uma opção é a construção de suportes de madeira para o laser e o espelho, tendo em vista a sensibilidade do experimento às vibrações, como especificado no artigo de Catelli. Neste artigo foi utilizado uma versão mais barata do experimento, sem a utilização de suportes, fazendo uso de um prendedor adesivo facilmente encontrado em lojas de materiais de construção por um preço módico. É esse mesmo prendedor que mantém o laser ligado sem a necessidade de proximidade. O vidro fica apoiado sobre uma mesa. Um exemplo de tal montagem encontra-se na Fig. 4.


Para a realização das medições, a distância entre a o vidro e o anteparo - D - é facilmente mensurada com uma trena ou régua. A visualização do padrão de interferência foi realizada em um anteparo a alguns metros do conjunto laser-vidro. O ângulo que o laser faz com o vidro e a distância vertical a qual está do mesmo podem ser mais facilmente manipuladas que com o uso de um suporte de madeira. Esta distância vertical - d - foi mais facilmente mensurada com uma régua, e deve ser medida a partir da superfície do vidro, desconsiderando sua espessura. Essa aproximação é razoável pois para um ângulo de incidência grande a luz é quase completamente refletida e pouca luz é transmitida através da interface [5].

Para a determinação do comprimento de onda de luz foi determinada também a separação entre as franjas no padrão. Comumente elas estão separadas por uma pequena distância, de forma que é mais prático contar quantas franjas aparecem por centímetro e a partir daí encontrar a separação entre as franjas, numericamente igual ao inverso do número de franjas por centímetro. A partir das diversas medições foi calculado um valor médio para o comprimento de onda medido usando uma média aritmética comum.

4. Resultados

Foram realizadas para essa experiência três medições, variando tanto a distância entre o laser e o vidro quanto a distância entre o conjunto laser-vidro até o anteparo. Durante a realização da experiência verificou-se ser difícil medir com maior precisão a distância d - por tal motivo, a mesma foi fixada em 1 mm. Enfim, evidenciando o comprimento de onda na Eq. (3), obtém-se

Os resultados dessas medições são encontrados na tabela abaixo.

Calculando a média aritmética dos valores medidos para λ, obtém-se 700 nm, que concordam bem com a teoria. As franjas observadas tiveram o aspecto mostrado na Fig. 5.


Tendo em vista os resultados encontrados e a simplicidade da experiência, que pode ser montada em alguns minutos e que requer apenas materiais acessíveis, considera-se o espelho de Lloyd como uma forma interessante de divulgar - e surpreender - os alunos com as franjas de interferência. E é a mesma experiência que permite também aos mesmos medir facilmente o comprimento de onda da luz, que pela sua ordem de grandeza pequena pode parecer intangível a um aluno de Ensino Médio que constantemente é confrontado com ensino exclusivamente teórico.

Recebido em 12/1/2012; Aceito em 9/3/2012; Publicado em 7/12/2012

  • [1] A.S.T. Pires, Evolução das Idéias da Física (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2011), 2ª ed.
  • [2] H.M. Nussenzveig, Óptica, Relatividade, Física Quântica - Curso de Física Básica, v. 4 (Editora Blucher, São Paulo, 1998).
  • [3] R.A. Freedman e H.D. Young, Ótica e Física Moderna (Pearson Addison-Wesley, São Paulo, 2004), 10ª ed.
  • [4] H. Lloyd, Elementary Treatise on the Wave-Theory of Light (Longmans and Green, Londres, 1873). Disponível em http://archive.org/stream/elementarytreat03lloygoog#page/n110/mode/2up Acesso em 10/1/2012.
  • [5] F. Catelli e F. Lazzari, Física na Escola 5(1), 20 (2004).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Conforme visto em [1], p. 264. Editado.
  • 3
    Conforme visto em [4], p. 68.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Jan 2012
    • Aceito
      09 Mar 2012
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