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Sobre o espalhamento Compton inverso

On the inverse Compton scattering

Resumos

O físico Arthur Holly Compton usou a teoria quântica para explicar como se processa o espalhamento de raios X por elétrons, fenômeno conhecido como efeito Compton. Um aspecto interessante do efeito Compton ocorre no caso de colisão frontal entre o fóton e o elétron com o fóton sendo espalhado na direção oposta, caso em que a energia do fóton espalhado é máxima e pode mesmo ser da ordem de magnitude da energia do elétron incidente. Feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso de luz laser por elétrons relativísticos possuem aplicações científicas, tecnológicas, industriais e médicas.

efeito Compton; espalhamento dos raios X e gama


The physicist Arthur Holly Compton used the quantum theory to explain how the scattering of light quantum by electrons takes place, a phenomenon known as Compton effect. An interesting feature of the Compton effect occurs in a frontal collision between the photon and the electron with the photon being backscattered, in which case the energy of the scattered photon is maximum and can be even of the order of magnitude of the energy of the incident electron. Photon beams produced by inverse Compton scattering of laser light by relativistic electrons have scientific, technological, industrial and medical applications.

Compton effect; X and gamma rays scattering


ARTIGOS GERAIS

Sobre o espalhamento Compton inverso

On the inverse Compton scattering

Eduardo de Paiva1 1 E-mail: epaiva@ird.gov.br.

Instituto de Radioproteção e Dosimetria, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

O físico Arthur Holly Compton usou a teoria quântica para explicar como se processa o espalhamento de raios X por elétrons, fenômeno conhecido como efeito Compton. Um aspecto interessante do efeito Compton ocorre no caso de colisão frontal entre o fóton e o elétron com o fóton sendo espalhado na direção oposta, caso em que a energia do fóton espalhado é máxima e pode mesmo ser da ordem de magnitude da energia do elétron incidente. Feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso de luz laser por elétrons relativísticos possuem aplicações científicas, tecnológicas, industriais e médicas.

Palavras-chave: efeito Compton, espalhamento dos raios X e gama.

ABSTRACT

The physicist Arthur Holly Compton used the quantum theory to explain how the scattering of light quantum by electrons takes place, a phenomenon known as Compton effect. An interesting feature of the Compton effect occurs in a frontal collision between the photon and the electron with the photon being backscattered, in which case the energy of the scattered photon is maximum and can be even of the order of magnitude of the energy of the incident electron. Photon beams produced by inverse Compton scattering of laser light by relativistic electrons have scientific, technological, industrial and medical applications.

Keywords: Compton effect, X and gamma rays scattering.2

1. Introdução

No período de 1916 a 1922 o físico norte-americano Arthur Holly Compton realizou vários experimentos e formulou várias hipóteses para entender como se processava a interação dos raios X e gama com a matéria [1 - 5]. Compton descobriu que um feixe de radiação eletromagnética podia ser espalhado ao atravessar um meio formado por elementos leves, tendo a radiação espalhada uma componente de comprimento de onda bem definido e maior do que o comprimento de onda da radiação incidente [5]. Compton ainda observou que a diferença entre o comprimento de onda da radiação espalhada e o da radiação incidente aumenta com o ângulo de espalhamento e é constante para todos os materiais espalhadores. Segundo a teoria clássica de ondas a radiação espalhada deveria ter o mesmo comprimento de onda da radiação incidente, assim sendo a explicação para este fenômeno, conhecido mais tarde como efeito Compton, deveria ser conseguida com o auxílio da teoria quântica. Apesar de Compton ter seu nome associado ao surgimento da teoria quântica, ele era um físico clássico por excelência e, ao que tudo indica, relutou muito até propor uma explicação quântica para o efeito que leva o seu nome [6,7]. Neste trabalho vamos discutir o espalhamento Compton no caso particular de colisão frontal entre o fóton (radiação eletromagnética) e o elétron com o fóton sendo espalhado na direção oposta, caso em que a energia do fóton espalhado é máxima e pode mesmo ser maior que a energia do fóton primário, o chamado efeito Compton inverso. Para colisões com elétrons ultra-relativísticos provenientes de aceleradores o fóton espalhado pode ter energia da ordem de magnitude da energia do elétron incidente.

2. A energia do fóton espalhado

Como foi observado que a frequência da radiação espalhada é independente do tipo de material espalhador usado, sugerindo que o espalhamento não envolve os átomos como um todo, Compton supôs que ele fosse devido às colisões entre os fótons da radiação incidente e os elétrons dos átomos; supôs ainda que os elétrons são livres já que sua energia de ligação ao átomo não é muito forte, principalmente quando é comparada com a energia do fóton incidente. No que segue vamos obter uma expressão geral para a anergia do fóton espalhado. Seja então uma colisão entre um elétron livre e um fóton no sistema do laboratório, conforme Fig. 1, onde ω é a energia do fóton incidente (ou primário); ε é a energia total do elétron incidente; é o ângulo entre a direção de movimento do elétron e a direção do fóton incidente; é o ângulo entre a direção de movimento do elétron e o fóton espalhado; é o ângulo de espalhamento, entre a radiação espalhada e a radiação incidente; é o ângulo entre a direção de movimento do elétron de recuo e a direção do fóton incidente; k é energia do fóton espalhado; é a energia total do elétron de recuo, e são os momentos lineares do fóton e elétron, respectivamente, antes e depois da interação.


Pela lei de conservação do momento linear temos

Deixando os termos em p'e isolados do lado direito, quadrando estas expressões e somando, obtemos

ou, como

A conservação da energia relativística total exige que

ou

Uma relação geral entre o momento P de uma partícula de massa de repouso M e energia relativística total E [8] é

onde c é a velocidade da luz.

Esta relação, quando aplicada para o elétron antes e depois da interação e tendo em conta o resultado (4), fornece

E analogamente para o fóton (lembrando que sua massa é zero)

Agora, inserindo as expressões (6) a (9) na Eq. (3) resulta

ou

ou ainda multiplicando todos os termos por

E finalmente, resolvendo para k

Tendo em conta que o termo , onde v é a velocidade do elétron,

A expressão geral acima pode ser usada para obter o caso em que o sistema de coordenadas está fixado no elétron incidente [5], bastando fazer β=0 e lembrando que para uma partícula em repouso sua energia total é igual à sua massa de repouso

Em termos de comprimentos de onda a equação acima pode ser expressa como (lembrando que

sendo h a constante de Planck, e são respectivamente os comprimentos de onda do fóton espalhado e incidente.

3. A colisão frontal

Vê-se diretamente da expressão (11) que no caso de colisão frontal , a energia do fóton espalhado será máxima quando ele retroceder

Considerando a relação entre a energia total do elétron e sua velocidade,

e a relação para x≪1, podemos escrever

A energia máxima do fóton espalhado pode até ser maior que a energia do fóton primário ω, caso conhecido como espalhamento Compton inverso. Em particular, a reação descrita acima pode ser obtida em instalações que abrigam aceleradores de elétrons [9 - 11], onde feixes de fótons de luz laser de energias da ordem de alguns elétrons-volt (eV) colidem frontalmente com elétrons de energias de alguns gigaelétrons-volt (GeV). Neste caso, as energias dos fótons espalhados podem mesmo ser comparáveis às energias dos elétrons incidentes e altamente monocromáticas e polarizadas. Este aspecto do espalhamento Compton inverso é ilustrado na Fig. 2, onde é mostrado como a energia máxima do fóton espalhado por elétrons de alta energia varia em função da energia do fóton incidente.


Na Fig. 2 mostramos quatro casos para elétrons incidentes com energias ε de 1, 2, 5 e 9 GeV, e fótons primários de energias ω na faixa (0,001-100 keV). Pode ser observado que a energia máxima do fóton espalhado se aproxima assintoticamente da energia do elétron à medida que a energia do fóton primário cresce.

4. Aplicações do espalhamento Compton inverso

Feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso possuem aplicações científicas, tecnológicas, industriais e médicas, dentre as quais:

1. Em física nuclear uma aplicação importante para os feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso de luz laser por elétrons relativísticos diz respeito ao estudo de reações fotonucleares em várias energias, como por exemplo as reações de fissão de núcleos de massas intermediárias e pré-actinídeos induzida por fótons, ou reações de fotofissão [12]. Outra aplicação destes feixes de fótons, por conta de sua alta intensidade, resolução em energia e alto grau de polarização é na determinação da paridade de estados excitados nos núcleos e nas medições das seções de choque de atenuação de fótons [13].

2. O fenômeno descrito nas seções anteriores também tem aplicação em astrofísica. A radiação cósmica primária é formada por várias partículas de alta energia (principalmente prótons), e embora sua origem não seja muito bem estabelecida acredita-se que é formada fora do sistema solar. A radiação cósmica primária pode interagir com as moléculas da atmosfera da Terra e produzir várias partículas secundárias que por sua vez podem penetrar a atmosfera e em alguns casos chegar até a superfície, com implicações, por exemplo, sobre os níveis de exposição dos seres vivos à radiação ionizante e sobre o funcionamento de equipamentos eletrônicos. Outra interação possível é o espalhamento Compton inverso dos fótons da luz solar pelos elétrons de alta energia presentes na radiação cósmica, sendo um dos processos responsáveis pela modificação na distribuição de energia e na composição da radiação primária [14].

3. Um dos grandes problemas do uso da energia nuclear para produzir eletricidade é o gerenciamento dos rejeitos radioativos formados por elementos de meias-vidas longas resultantes das reações de fissão que ocorrem no reator. Uma solução para esse problema consiste na transmutação desses elementos em outros de meias-vidas menores ou mais estáveis. Um modo de realizar esta transformação é por meio de reações nucleares induzidas por fótons [15]. Por exemplo, o nuclídeo (meia-vida de 30,17 anos) pode ser transmutado no nuclídeo (meia-vida de 13,16 dias) via a reação (γ, n), que por sua vez decai por emissão beta para o nuclídeo estável Ba. Embora esta reação possa ser iniciada por fótons de bremsstrahlung, quando se usa fótons gerados por espalhamento Compton inverso a taxa de transmutação é muito maior em virtude das características de energia e intensidade de seu espectro.

4. Objetos de baixas densidades e constituídos de elementos de números atômicos pequenos quando são blindados por materiais de grandes números atômicos e altas densidades podem ser detectados e identificados com o uso de feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso [16]. Esta técnica (com evidente importância em questões de segurança) se baseia no uso da ressonância nuclear, que é um processo no qual os núcleos são excitados por fótons de alta energia com posterior re-emissão de fótons determinados pela estrutura do núcleo.

5. A radioterapia é uma técnica que utiliza radiação ionizante para o tratamento de câncer, e se divide basicamente em duas partes: a braquiterapia, em que a fonte de radiação está muito próxima ou em contato com o tumor; e a teleterapia, ou radioterapia por feixe externo, em que a fonte está distante do tumor (∼ 1 m em tratamentos convencionais). Uma possibilidade é a teleterapia com o uso de feixes de fótons de alta energia produzidos em um acelerador linear de elétrons via o processo de bremsstrahlung. Uma alternativa potencial à teleterapia com o uso de fótons de bremsstrahlung é a utilização de feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso [17,18]. Há várias vantagens em se usar fótons produzidos por espalhamento Compton inverso: a distribuição de energia dos feixes de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso é centrada em altas energias, enquanto para os fótons de bremsstrahlung é centrada em energias mais baixas; fótons produzidos por espalhamento Compton inverso apresentam divergência muito menor que no caso de fótons de bremsstrahlung; no caso de fótons produzidos por espalhamento Compton inverso há a possibilidade de se obter feixes quase monoenergéticos, o que facilita de modo significativo o planejamento do tratamento; no caso dos fótons de Compton a energia pode ser continuamente ajustada, enquanto os equipamentos geradores de fótons de bremsstrahlung oferecem 2 ou 3 energias.

5. Considerações finais

O físico Arthur Holly Compton estudou intensivamente o espalhamento de fótons por elétrons de um meio espalhador a partir de meados da década de 10 do século passado, e este fenômeno é conhecido como efeito ou espalhamento Compton. Um aspecto interessante do efeito Compton ocorre quando o elétron e o fóton colidem frontalmente. Neste caso o valor máximo da energia do fóton espalhado pode inclusive ser maior que a energia do fóton incidente (o chamado espalhamento Compton inverso), como no caso de luz laser espalhada por elétrons ultra-relativísticos provenientes de um acelerador de elétrons. Assim sendo, a energia do fóton espalhado pode até ser comparável à energia do elétron incidente. Este processo representa um meio de transformar luz laser em radiação gama de comprimento de onda pequeno e com alto grau de polarização, e pode ter aplicações científicas, tecnológicas, industriais e médicas.

Agradecimento

O autor gostaria de agradecer o editor e os revisores por seus comentários. Em particular, a sugestão de incluir uma seção sobre as aplicações dos fótons produzidos por espalhamento Compton inverso enriqueceu bastante o trabalho.

Recebido em 15/1/14

Aceito em 03/2/14

Publicado em 31/7/2014

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2014
    • Aceito
      03 Fev 2014
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