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Conceitos de espaço, tempo e movimento na Mecânica Clássica e na Teoria da Relatividade

Concepts of space, time and movement in Classical Mechanics and Theory of Relativity

Resumo

O Princípio da Relatividade de Galileu (PRG) estabelece que as leis da mecânica são as mesmas em qualquer referencial inercial. Ao determinar que todos os referenciais inerciais são equivalentes, esse princípio implica em uma relatividade do movimento. Por outro lado, mesmo considerando o PRG como basilar para a mecânica, Isaac Newton introduz os conceitos de tempo e espaço absolutos e apresenta argumentos, de natureza dinâmica, em defesa do movimento absoluto, justificado na diferenciação entre referenciais inerciais e não-inerciais. A Teoria da Relatividade Restrita (TRR) critica as noções de tempo e espaço absolutos, mas preserva o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição das leis da natureza. Apenas com a Teoria da Relatividade Geral (TRG) é estabelecida a equivalência entre todos os referenciais, independentemente do seu estado de movimento e, assim, é derrubada a noção de movimento absoluto. Este trabalho tem por objetivo discutir as principais dúvidas e questões que surgem ao se estudar os conceitos supramencionados, bem como investigar a aparente dubiedade entre o PRG e o movimento absoluto.

Palavras-chaves:
espaço e tempo; movimento absoluto; referencial inercial; princípio da relatividade

Abstract

Galileo’s Principle of Relativity (GPR) states that the laws of mechanics are the same in any inertial frame of reference. By determining that all inertial reference frames are equivalent, this principle implies a relativity of motion. On the other hand, even considering the GPR as fundamental for mechanics, Isaac Newton introduces the concepts of absolute time and space and presents arguments, of a dynamic nature, in defense of absolute motion, justified by the differentiation between inertial and non-inertial reference frames. The Special Relativity Theory (SRT) criticizes the notions of absolute time and space, but preserves the privileged role of inertial reference frames in the description of the laws of nature. Only with the General Relativity Theory (GRT) is equivalence established between all references, regardless of their state of motion and, thus, the notion of absolute motion is overthrown. This work aims to discuss the main doubts and issues that arise when studying the aforementioned concepts, as well as to investigate the apparent dubiousness between the PRG and the absolutemovement.

Keywords:
space and time; absolute motion; inertial frame of reference; principle of relativity

1. Introdução

As noções e conceitos sobre o movimento, e os correlatos de tempo e espaço, possuem uma longa história na ciência e na filosofia. Muitas das ideias relevantes para o desenvolvimento da Ciência Moderna podem ser encontradas nas produções de Aristóteles (século IV a.C.) e de outros filósofos gregos; ressaltamos a obra denominada Física [1[1] Aristóteles, Física I-II (Editora da Unicamp, São Paulo, 2009).], onde Aristóteles detalha sua concepção da natureza do movimento. Para ele, movimento tem significado de mudança que ocorre das transições de um ser, enquanto ser1 1 Embora todo movimento seja uma mudança, a recíproca não é verdadeira. Segundo Aristóteles, também podem ocorrer mudanças no sentido da não existência de um ser para sua existência e da existência do ser para sua não existência. Nesses casos, não há movimento, apenas a geração e a corrupção do ser, respectivamente [3]. ; na sua terminologia, é a atualização do que é potencialmente como tal, isto é, representa a passagem daquilo que está em potência (dýnamis) para o ato (enérgeia) [2[2] C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 3 (2009).].

Embasada em elementos empíricos fornecidos pela vivência humana mais imediata, a Mecânica de Aristóteles alcançou a primazia como forma sistemática de conhecimento por, aproximadamente, 2000 anos [4[4] C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 1 (2008).]. Uma ideia central no esquema aristotélico é a existência de uma ordem hierárquica rigorosa do ser, onde cada objeto tem seu lugar definido. Essa ordem se aplicava também à organização do cosmo, o qual estaria dividido em sete esferas, com a Terra no centro do universo. Sob essa inspiração, é natural que as leis da natureza deveriam ser concebidas de maneira a refletir a noção de que alguns lugares e tempos desempenham um papel especial na formulação dessas leis [5[5] D. Bohm, A teoria da relatividade restrita (Editora Unesp, São Paulo, 2015), 1 ed.].

Somente no século XVII, com o nascimento da Ciência Moderna, resultado do trabalho de Galileu Galilei, Sir. Isaac Newton e muitos outros,2 2 Um passo importante neste desenvolvimento em direção a uma nova física foi dado por Giordano Bruno. Mantendo a base do argumento copernicano de que os corpos ligados à Terra compartilhavam seu movimento, Giordano Bruno substituiu a razão metafísica desse compartilhamento por uma razão puramente mecânica, baseada na Teoria do Impetus [7]. a concepção aristotélica ampla de movimento é substituída por um conceito restrito, relacionado apenas com o deslocamento físico. Outras mudanças no esquema aristotélico, com implicações muito mais profundas, são as noções de espaço e tempo, introduzidas, principalmente, por Newton nos Principia [6[6] I. Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica (The Royal Society, London, 1687).].

A ideia da inércia também representou uma mudança de paradigma, envolvendo não apenas aspectos relacionados à Física, mas o abandono de uma completa visão de mundo, ancorada em concepções filosóficas extremamente abrangentes. Essa ideia está indissociavelmente relacionada a Galileu; ele adotou a concepção, já expressa por Giordano Bruno e subentendida por Nicolau Copérnico, de que os movimentos de um corpo não são perceptíveis por qualquer outro corpo que o compartilhe [7[7] C.M. Porto e M.B.D.S.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 4601 (2009).]. Em outras palavras, Galileu incorporou o conceito de relatividade do movimento, formulando-o, em forma de um princípio – o PRG – que formou a base para a introdução de referenciais dinamicamente indistinguíveis, i.e., referenciais inerciais.

Ainda que os referenciais inerciais sejam bem estabelecidos e amplamente incorporados na educação científica dos estudantes de ciências exatas, ao inquirir mais detalhadamente sobre suas origens e significado começamos a entender porque tem sido um assunto contínuo de preocupação filosófica. Originaram-se em uma consideração filosófica profunda do PRG e da invariância no contexto da mecânica newtoniana. Outras reflexões sobre eles, em diferentes contextos teóricos, tiveram consequências extraordinárias para as teorias do espaço e do tempo do século XX.

Destarte, pretendemos no presente trabalho discutir conceitos fundamentais da Mecânica Clássica, tais como a inércia e o movimento absoluto, os quais são apresentados nos cursos básicos de Física 1, mas cujas implicações essenciais, em geral, estão ausentes na maioria dos livros textos utilizados nessa disciplina. Não faremos uma apresentação histórica da origem desses conceitos; para essa discussão indicamos as referências [8[8] L.O.Q. Peduzzi, Evolução dos conceitos da Física - A relatividade einsteiniana: uma abordagem conceitual e epistemológica. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (2009)., 9[9] O. Pessoa Jr., Filosofia da Física Clássica (FFLCH-USP, São Paulo, 2008)., 10[10] E.A. Burtt, As Bases Metafísicas da Ciência Moderna (Editora UnB, Brasília, 1983).]. O objetivo aqui é discutir o papel que esses conceitos desempenham no esquema lógico da teoria newtoniana.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: na Seção 2 2. Conceitos de Espaço e Tempo Espaço e tempo tem sido tema de investigação e reflexão por filósofos, teólogos, cientistas e artistas ao longo da história humana. Pensadores de civilizações da antiguidade – podemos citar: a egípcia, a persa, a judaica, as orientais e a grega – já se indagavam sobre a natureza do espaço e do tempo [11]. Além disso, esses conceitos figuram-se entre os mais fundamentais nas teorias físicas, que os pressupõem nos seus fundamentos. Para os propósitos deste trabalho, discutiremos a seguir, de forma sucinta, algumas ideias acerca do espaço e do tempo de importantes pensadores, cujas concepções nos permitem fazer conexões com as noções desses conceitos nas teorias físicas. 2.1. Conceitos de espaço O que é o espaço? Qual sua natureza? Ele existe como objeto independente dos corpos materiais, i.e., há um espaço em si? De modo geral, há duas formas fundamentais de conceituar o espaço: Noção 2.1 O espaço é um sistema de relações ou de ordem de objetos materiais. Nesse contexto, não faz sentido a ideia de espaço vazio, em outras palavras, o espaço é uma propriedade relativa às posições ocupadas pelos objetos corpóreos, ou seja, o espaço não existe sem a presença de corpos materiais. Noção 2.2 O espaço é uma espécie de receptáculo de objetos materiais, cuja existência independe de qualquer objeto material. Em outras palavras, existe um espaço vazio no qual estão situados os corpos e cuja existência (do espaço) é absoluta no sentido de que mesmo que não exista objeto material presente, ainda assim existe o espaço vazio. Na Noção 2.1, o espaço vazio não existe sem a existência de objetos materiais. Desse modo, segundo essa concepção, os objetos materiais são as entidades fundamentais da realidade. No segundo caso, Noção 2.2, um objeto material não pode ser concebido sem estar situado (existindo) no espaço. Assim, de certa forma, o espaço possui uma realidade mais fundamental do que os objetos materiais. Aristóteles realizou uma profunda reflexão sobre o espaço. Em sua cosmologia, o mundo é separado em duas regiões distintas: o mundo supralunar, que se estenderia da esfera da lua até as estrelas, as quais comporiam a última esfera celeste. Esse mundo supralunar seria constituído de éter (um material puro e sem peso, o que refletiria a perfeição e imutabilidade dos céus). Por sua vez, o mundo sublunar seria constituído dos quatro elementos fundamentais, terra, água, fogo e ar, também ordenados em esferas, nessa ordem, a partir do centro da Terra, a qual ocupa o centro do universo. Assim, para Aristóteles o espaço não é homogêneo e nem vazio, já que o mesmo está pleno de matéria, além de necessariamente finito [2]. Um conceito importante na teoria de Aristóteles é o de lugar, que seria o limite adjacente ao corpo nele contido [12] e, portanto, não existe de forma independente da matéria. Outra característica fundamental do espaço aristotélico, como já dito na Introdução, é a sua não-homogeneidade. Cada objeto possui um lugar natural para o qual ele tenderia a se mover; o movimento seria explicado por suas causas finais teleológicas. Por exemplo, uma pedra solta cai em direção à terra devido a sua tendência de alcançar seu lugar natural. Como os corpos celestes são mais perfeitos que a matéria que forma o mundo sublunar, eles devem mover-se em uma trajetória circular, já que o círculo é a forma geométrica mais perfeita. Desse modo, a diferenciação de lugares é que seria o responsável pelo movimento já que uma espécie de interação entre a matéria e o espaço é o que determinaria o movimento e o repouso dos corpos. O movimento seria, então, determinado pelo espaço, já que este seria a causa eficiente que compele o corpo a ir para seu lugar natural. Em Descartes, o conceito de espaço é consequência do seu dualismo metafísico, i.e., a distinção cartesiana fundamental entre o corpo e a alma. Esta última tem como atributo essencial o pensamento; já para o corpo, o atributo essencial e exclusivo seria a extensão.3 Para Descartes, a extensão seria também um atributo essencial do espaço, já que não haveria diferença entre a extensão da matéria e a extensão do espaço havendo, portanto, uma identidade entre ambos. Nas palavras de Descartes [13]: Quanto ao vácuo, no sentido filosófico de um espaço onde não há substância alguma, é evidente que não há no universo nenhum espaço que seja assim, porque não existe diferença entre a extensão do espaço, ou do lugar interior, e a extensão do corpo. E como, do simples fato de que um corpo é extenso em comprimento, largura e profundidade, temos razão de concluir que ele é uma substância (porque concebemos que não é possível que o que não é nada tenha extensão), podemos concluir a mesma coisa com relação ao espaço supostamente vazio, a saber, que uma vez que há nele uma extensão, há também necessariamente uma substância. Assim, não poderia existir o espaço separado dos corpos e não é possível que um ocorra sem o outro. Dessa identificação entre o espaço e a matéria segue que o espaço vazio (o vácuo) não tem existência. Vemos, então, que o conceito cartesiano de espaço se identifica com a Noção 2.1, e não está muito distante da concepção de espaço que emerge da TRG. 2.2. Conceitos de tempo Tão ou mais intrigante quanto o espaço é a concepção de tempo. Diferentemente do espaço, que pode ser concebido como algo imóvel, o tempo está intimamente relacionado com a ideia de fluxo ou de movimento. De forma semelhante as definições de espaço, podemos distinguir duas concepções fundamentais de tempo: Noção 2.3 O tempo é uma ordem de acontecimentos; uma maneira de medir as mudanças observadas no mundo. O tempo não é uma entidade autônoma. Noção 2.4 O tempo é uma entidade autônoma que flui independentemente de qualquer mudança. Se cessassem todas as mudanças, o tempo continuaria fluindo. Um dos primeiros pensadores a refletir de forma sistemática sobre o tempo foi Platão, que o identifica como uma ilusão. Em sua filosofia, Platão divide o mundo entre o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo dos sentidos). Para ele, como para os idealistas em geral, o mundo sensível (incluindo o tempo) possui uma realidade secundária e é apenas uma cópia do mundo inteligível que, por sua vez, seria o mundo real já que é um tipo mais fundamental da realidade, eterna e imutável. No conceito de Platão, o tempo é “uma imagem móvel da eternidade que procede segundo o número” [14]. Como a eternidade pertence ao mundo inteligível, o tempo, sua imagem móvel no mundo sensível, possuiria então uma natureza secundária. Mas, por proceder segundo o número, a mobilidade do tempo seria dada por um movimento ordenado e periódico, o qual pode ser observado no movimento circular dos corpos celestes, que devido a sua regularidade forneceria uma medida adequada de tempo. Aristóteles, em sua reflexão, também estabeleceu uma estreita relação entre o tempo e o movimento. Ele definiu o tempo como o “número do movimento segundo o anterior-posterior”. Em outra passagem ele comenta [1]: Quando certo tempo parece ter passado, simultaneamente parece ter ocorrido também certo movimento. Por conseguinte, o tempo certamente é um movimento ou algo do movimento. Dado que ele não é um movimento, é necessário que ele seja algo do movimento. Como já enfatizado, para Aristóteles a palavra movimento tem um sentido muito mais amplo do que apenas deslocamento de um corpo. Para ele, movimento significa qualquer tipo de mudança, não apenas de lugar, mas também de qualidade ou quantidade. Para que o tempo seja medido pelo movimento é necessário a existência de um movimento imutável, regular e homogêneo; o movimento que satisfaz essas condições seria o movimento observado nos céus. O tempo, então, seria homogêneo e uniforme já que ele é o número de um movimento homogêneo e uniforme. Quando numeramos o tempo, distinguimos um antes (anterior) e um depois (posterior), ou seja, dois instantes (ágoras) os quais, devido à natureza sucessiva do tempo, não podem ser simultâneos. Um ponto importante é que, como o tempo é o movimento apenas quando esse é numerado, o tempo em si não existiria já que sem um ser inteligente para “numerar” o movimento, o tempo não pode existir. O filósofo Kant também refletiu sobre as noções de tempo e espaço. Em sua obra A crítica da razão pura [15], espaço e tempo são considerados como intuições puras a priori, já que não são derivados da experiência, mas são intuições necessárias para fundamentar as percepções humanas. Em outras palavras, para Kant, o espaço e o tempo são propriedades subjetivas, i.e., são atributos do sujeito e não da natureza. Em suas palavras: “O tempo não é uma coisa objetiva. Não é uma substância, nem acidente,4 nem relação: é uma condição subjetiva necessária por causa da natureza da mente humana.” Essas concepções de Kant estão inseridas em sua teoria do conhecimento. Para Kant o mundo é formado por um plano fenomênico (da sensação) e por outro que se encontra além dos sentidos (a coisa em si). Do ponto de vista da Física, a adoção de uma ou outra concepção tem que ser parte integrante de uma estrutura teórica (teoria física) coerente e cuja utilização será justificada pela capacidade descritiva e preditiva da teoria. Assim, quaisquer que sejam as noções de espaço e tempo, para uma descrição física do mundo, é necessário assumir um sistema de referência (sistema referencial) no qual é possível especificar, de forma adequada, as coordenadas espaciais x, y e z e a coordenada temporal t que nos permitam representar os fenômenos físicos. Um esquema conceitual poderoso e que marcou profundamente o desenvolvimento da física foi proposto por Newton no século XVII o qual será examinado a seguir. fazemos uma breve exposição sobre as noções de tempo e espaço dos filósofos: Platão, Aristóteles, René Descartes e Immanuel Kant. Na Seção 3 3. O Movimento é Relativo. Princípio da Relatividade de Galileu Um sistema de referência (ou referencial) é um padrão relativo ao qual o movimento e o repouso de corpos podem ser medidos. Podemos, ainda, visualizá-lo como um aparato bastante concreto dotado, por exemplo, de três barras rígidas – de comprimento unitário, postas de modo a definir um sistema de coordenadas – para medida da posição de um corpo no espaço, juntamente com um relógio para medida do tempo [16]. Portanto, as coordenadas de espaço e tempo têm que ser necessariamente grandezas observáveis, i.e., resultados de medidas experimentais. O termo “sistema de referência” foi cunhado no século XIX, mas a ideia por trás do seu significado começou a ser desenvolvida com o surgimento da teoria copernicana [17]. O ponto significativo não foi a substituição do modelo geocêntrico pelo sistema planetário heliocêntrico, mas o reconhecimento da Terra e do Sol como pontos de vista possíveis para a descrição dos movimentos dos corpos celestes. Isso implicava que a tarefa básica da astronomia ptolomaica – representar os movimentos planetários por combinações de movimentos circulares – poderia levar qualquer ponto a ser fixo, sem sacrificar o poder de previsão. Portanto, como Copérnico sugeriu nos argumentos iniciais de Das Revoluções das Esferas Celestiais [18], a escolha de qualquer ponto em particular exigia alguma justificativa por outros motivos que não a mera predição astronômica bem-sucedida. Os motivos mais persuasivos, aparentemente, eram físicos: não percebemos os efeitos físicos que esperaríamos que o movimento da Terra produzisse. O próprio Copérnico observou, no entanto, em resposta, que podemos de fato sofrer movimentos que são fisicamente imperceptíveis. Pelo menos em algumas circunstâncias, podemos facilmente tratar nosso ponto de vista móvel como se estivesse em repouso. À medida que o programa básico de Ptolomeu e Copérnico deu lugar ao da mecânica clássica inicial desenvolvida por Galileu, essa equivalência de pontos de vista tornou-se mais precisa e explícita. Galileu foi incapaz de apresentar um argumento decisivo para o movimento da Terra em torno do Sol. Ele demonstrou, no entanto, que a visão copernicana não contradiz nossa experiência de uma Terra aparentemente estável. As justificativas, na época, contra esse movimento normalmente apelavam para evidências experimentais – por exemplo, uma pedra abandonada de uma torre cai na base da torre, em vez de ser deixada para trás enquanto a Terra gira durante sua queda. Mas Galileu argumentou persuasivamente que tais experimentos aconteceriam exatamente como acontecem, independentemente de a Terra estar se movendo ou não, desde que o movimento seja suficientemente uniforme. Essa ideia foi primordial para o estabelecimento do Princípio da Inércia5 (ou primeira lei de Newton) que afirma a equivalência entre o estado de repouso e o de movimento retilíneo uniforme (MRU) de um corpo. Em outras palavras, dois observadores que se movem um em relação ao outro com movimento retilíneo uniforme, obterão os mesmos resultados físicos para os experimentos mecânicos realizados, ou seja, as leis fundamentais da natureza devem ser as mesmas para dois (ou mais) observadores que se movem com velocidade uniforme, um relativamente ao outro. Com isso, no desenvolvimento dos estudos dinâmicos, foi postulado uma classe especial de referenciais, os denominados referenciais inerciais. Os referenciais inerciais são aqueles nos quais o movimento de corpos que não se encontram sujeitos a ação de forças se dá com velocidade constante. Contudo, para uma descrição objetiva da natureza é importante diferir o que é próprio e universal do fenômeno e o que se deve ao ponto de vista do observador. Vejamos um exemplo: imaginemos dois observadores em movimento relativo uniforme; um em um trem e outro na estação (Figura 1). O observador no trem deixa cair uma esfera do ponto A′, de altura h em relação ao piso do trem. Para ele, a trajetória do objeto abandonado será relitínea e, portanto, o ponto B′ no piso atingido pela esfera forma o segmento de reta A′⁢B′¯, perpendicular ao plano horizontal. Figura 1: As diferentes trajetórias da esfera vistas pelos observadores dentro do trem e na estação. Já para o observador na estação, para quem a trajetória da esfera é um arco de parábola, o corpo atingirá o piso no ponto C, diferente do ponto final B′, no sistema S’. Como a trajetória da esfera depende do observador não há sentido em falar de uma trajetória em si, ou seja, não há sentido em dizer que uma trajetória é mais verdadeira que a outra, pois esse conceito claramente depende do sistema de referência utilizado. Assim, diferentemente da teoria aristotélica, não pode ser atribuído ao conceito de “repouso” um significado físico absoluto. Dado um certo referencial inercial, qualquer outro referencial que se mova em MRU em relação ao primeiro é também um referencial inercial, porque a lei de inércia é válida no novo referencial. Galileu desenvolveu a ideia que as leis da mecânica conservam sua forma quando transformadas de um referencial inercial para outro. Esse resultado é tomado como um princípio fundamental da Física: o PRG.6 O mesmo foi ilustrado de forma notável por Galileu em sua obra Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano [20] na seguinte forma: Feche-se com amigos na cabine principal, abaixo do convés, de um navio grande, levando também algumas moscas, borboletas e outros pequenos animais que voam; tenha uma grande vasilha d’água com peixes dentro; pendure uma garrafa que se esvazia gota a gota sobre uma grande vasilha. Com o navio parado, observe cuidadosamente como os pequenos animais voam com velocidade igual para todos os lados da cabine. Os peixes nadam indiferentemente em todas as direções; os pingos d’água caem na vasilha sob a garrafa…Depois de observar tudo isso cuidadosamente…faça com que o navio se movimente com a velocidade que quiser, desde que o movimento seja uniforme, sem variar desta ou daquela forma. Não observará nenhuma modificação em todos os efeitos mencionados, nem poderia dizer, por eles, se o navio está andando ou parado…As gotas cairão como antes na vasilha, sem se desviar para a popa, embora o navio possa percorrer muitos metros enquanto caem. Os peixes na água nadarão para a frente de seu aquário sem maior esforço do que para trás, e continuarão com a mesma facilidade para qualquer direção nas bordas do aquário. Finalmente, as borboletas e moscas continuarão seus voos indiferentemente, para todos os lados, nem se concentrarão do lado da popa, como se estivessem cansadas de acompanhar o curso do navio, do qual estiveram separadas durante longos intervalos, mantendo-se no ar. Sem dúvida, é uma descrição definitiva do princípio da relatividade do movimento. Para uma descrição objetiva da natureza, o movimento deve ser descrito em termos do que é próprio do movimento e não relativo a um determinado observador. Como não há observador inercial privilegiado e diferentes observadores inerciais se referem a diferentes pontos no espaço, ocupado por um mesmo objeto em um mesmo instante de tempo, as leis da natureza têm que ser formuladas levando em conta essa relatividade. Agora imaginemos a seguinte situação: no trem do exemplo anterior, está se movendo um passageiro com velocidade v→, indo para o leste, em relação ao passageiro sentado no trem (Figura 2). Para a pessoa na estação, o passageiro está viajando para o leste com velocidade V→+v→, onde V→ é a velocidade do trem relativa ao observador na estação; é claro também, se o passageiro estivesse andando na direção oeste, a pessoa na estação mediria sua velocidade como sendo V→-v→. O movimento do passageiro caminhando no trem pode ser igualmente estudado pela pessoa sentada no trem como pela pessoa na estação, pois as leis da física são idênticas para o passageiro se movendo com velocidade relativa constante. O trem e a estação são referenciais inerciais. Para referenciais não inerciais, como um trem acelerando em relação à estação, precisamos de uma teoria mais completa: a TRG.7 Figura 2: Observadores O e O′ em movimento relativo uniforme e passageiro no trem com velocidade v→. Se temos dois referenciais inerciais S e S′, o qual se move em relação a S com velocidade uniforme u→ (Figura 3), e considerando que as origens coincidem no instante inicial, a relação entre as coordenadas (x,y,z,t) e (x′,y′,z′,t′) nos dois referenciais é dada pelas expressões: (1) t ′ = t , (2) r ′ → = r → - u → ⁢ t . Figura 3: Referenciais S e S′. As equações (1) e (2) constituem as transformações de Galileu entre referenciais inerciais. A primeira lei de Newton é obviamente invariante sob essa transformação porque é utilizada para definir o referencial inercial. A equação (1) declara que o tempo é absoluto na mecânica newtoniana, i.e., o intervalo de tempo medido por um observador inercial é o mesmo que aquele medido em outro referencial inercial. Esse tempo absoluto, único, implica na existência de um “agora” objetivo que dá sentido e justifica o conceito de simultaneidade universal. Veremos que essa noção será abandonada na teoria da relatividade, a qual promoverá mudanças profundas na visão de mundo newtoniana. Se o vetor r→ representa o vetor posição de uma partícula A em relação ao referencial S, derivando a equação (2) em relação ao tempo temos a relação entre as velocidades da partícula nos referenciais S e S′ (3) v ′ → = d ⁢ r ′ → d ⁢ t ⇒ v ′ → = v → - u → . A equação (3) fornece a regra galileana para a comparação das velocidades de um corpo medidas por dois observadores em movimento relativo de translação. Derivando-a em relação ao tempo, obtemos (4) a ′ → = d ⁢ v ′ → d ⁢ t ⇒ a ′ → = a → . Assim, a transformação de Galileu deixa invariante a aceleração da partícula em referenciais inerciais. Na Mecânica Clássica, a evolução temporal da partícula é descrita pela segunda lei de Newton. Como fica essa lei frente às transformações de Galileu? Assumamos, por hipótese, que a massa inercial de uma partícula independe do movimento do observador, ou seja, (5) m = m ′ . Assim, nos referenciais S e S′ a segunda lei de Newton, para a massa constante, é escrita, como (6) F → = m ⁢ a → = F ′ → . O que mostra que a segunda lei de Newton é invariante por transformações de Galileu. Isso impõe várias restrições aos tipos de forças que podemos encontrar na natureza. Por exemplo, a distância mútua entre dois corpos é invariante por uma transformação de Galileu, i.e., tem o mesmo valor numérico em todos os referenciais inerciais.8 Essa invariância implica que as forças de interação entre os corpos só podem depender das coordenadas relativas entre os corpos como ocorre, por exemplo, na interação gravitacional e na lei de Coulomb. A invariância também é observada se as forças de interação dependem das velocidades relativas dos corpos. Como a terceira lei de Newton só envolve o conceito de força, ela também é invariante sob a transformação Galileana. Com isso, a Mecânica de Newton, a transformação de Galileu e o princípio da relatividade de Galileu são consistentes, isto é, formam um sistema de leis9 sem contradições internas. é feita uma discussão sobre o PRG e a concepção de movimento relativo. A Seção 4 4. Nem Tão Relativo Assim. O Movimento Absoluto Segundo Newton Se, por definição, o movimento é sempre relativo, então por que falamos em movimento absoluto na Mecânica Clássica? O conceito de movimento absoluto foi amplamente discutido por Newton, que introduz as seguintes definições [6]: III – Lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e de acordo com o espaço, é ou absoluto ou relativo. IV – Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; e movimento relativo, a translação de um lugar relativo para outro. Assim, de forma simples e direta podemos dizer que movimento absoluto é aquele que acontece em relação ao espaço absoluto. Por sua vez, o conceito de espaço absoluto é dado a priori e independentemente da distribuição e movimento da matéria. Cada referencial inercial se move com uma velocidade constante relativa ao espaço absoluto e as forças inerciais aparecem como consequência da aceleração em relação a este espaço. Obviamente Newton se preocupa em diferenciar o espaço absoluto do espaço relativo [6]: II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é normalmente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais. O tempo também é absoluto, conforme definido por Newton [6]: I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano. As concepções newtonianas de movimento, espaço e tempo podem ser sumarizadas da seguinte forma: 1 – Percebemos movimento quando há mudança de posição relativa entre objetos com o decorrer do tempo. Mas, além de espaço e tempo relativos, percebidos pelos nossos sentidos, Newton afirma a existência de espaço e tempo absolutos; 2 – O espaço absoluto é uma estrutura infinita, imóvel e homogênea, no qual os corpos estão localizados e pelo qual se movem. Nenhum corpo é capaz de exercer qualquer efeito sobre o espaço em si; 3 – O tempo absoluto, por sua vez, é um fluxo uniforme, unidimensional e infinito e também é independente de todos os eventos. Claramente, vemos que os conceitos de espaço e tempo de Newton são identificados com as noções 2.2 e 2.4 apresentadas na Seção 2. Surge, então, a pergunta: se espaço e tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis ao experimento ou a observação, como podemos saber se eles realmente existem? Nas palavras de Newton, por suas “propriedades, causas e efeitos”. As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e relativos são diferenciados um do outro são as forças imprimidas sobre os corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é nem gerado nem alterado, a não ser por alguma força imprimida sobre o corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado ou alterado sem qualquer força imprimida sobre o corpo. Pois é suficiente apenas exercer alguma força sobre os outros corpos com os quais o primeiro é comparado, pois quando eles se deslocarem, aquela relação, em que consistia o repouso ou movimento relativo desse outro corpo, é modificada. Repetindo, o movimento verdadeiro sofre sempre alguma modificação a partir de qualquer força exercida sobre o corpo em movimento; mas movimento relativo não sofre necessariamente quaisquer modificações por tais forças. Um grande argumento em favor da existência do movimento absoluto e, portanto, em favor do espaço absoluto apresentado por Newton é o experimento do balde girante. Como esse experimento é tratado em vários trabalhos [veja 5, 8] aqui consideraremos um exemplo com o movimento retilíneo. Consideremos os dois observadores dos exemplos anteriores e as seguintes situações (supondo a Terra um referencial inercial): Situação 1 – Se o trem se move em MRU em relação à estação, pode-se igualmente afirmar que é a estação que se move em MRU, em sentido contrário, em relação ao trem. Essas duas afirmações são igualmente legítimas e equivalentes, já que os dois sistemas de referência (a estação e o trem) são inerciais e não é possível, a partir de experimentos mecânicos, definir qual observador está em repouso e qual encontra-se em movimento. Situação 2 – Consideremos, agora, que o trem está acelerado em relação à estação. Embora do ponto de vista cinemático podemos afirmar que o movimento é puramente relativo (o observador no trem diria que é a estação que se afasta em movimento acelerado), não é legítimo afirmar, do ponto de vista dinâmico, que a estação encontra-se em movimento acelerado em relação ao trem. Por que não? Porque existe uma força resultante não nula atuando sobre o trem e não sobre a estação. Enquanto um observador na estação não sente a força resultante, um passageiro no trem sentiria uma força inercial que tenderia a jogá-lo para trás, na direção contrária ao movimento acelerado do trem e esta força não tem origem na interação com outros corpos da natureza, violando assim a terceira lei de Newton. Desse modo, haveria um critério físico (dinâmico) para diferenciar um movimento relativo (situação 1) de um movimento absoluto (situação 2). Ora, movimento absoluto só pode ser em relação ao espaço absoluto. Para tornar ainda mais clara a diferença entre as situações 1 e 2, imaginemos dois pêndulos, um no teto da estação e um outro no teto do trem, ambos na posição vertical (Figura 4). Enquanto o movimento relativo é uniforme, os dois pêndulos permanecem na vertical, mas se em um dado momento o trem é acelerado (ou freado) o pêndulo que se encontra no trem (e apenas este) se afasta da direção vertical. Então, temos assim um critério empírico para afirmar que o movimento do trem é absoluto visto que apenas no referencial “verdadeiramente” acelerado podemos observar o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Figura 4: As reações dos pêndulos frente à aceleração do trem vistas pelos observadores dentro dele e na estação. Claramente o afastamento do pêndulo no trem da sua posição vertical tem origem no movimento do mesmo, já que não conseguimos identificar uma força “verdadeira” que seja a causa do afastamento do pêndulo da posição vertical. Se não há maneira de diferenciar entre dois referenciais inercias, é possível diferenciar um referencial inercial de um não-inercial. Assim, podemos dizer que um sistema acelerado se encontra em movimento absoluto já que seu estado de movimento produz mudanças absolutas nos fenômenos físicos nesse referencial, que não são observadas quando o movimento é puramente relativo. Desse modo, para explicar o movimento acelerado e não uniforme é necessário recorrer ao conceito de espaço absoluto, o qual, portanto, desempenha um papel fundamental na estrutura lógica da teoria newtoniana do movimento, ainda que as concepções religiosas de Newton tenham sido importantes e fizeram-no identificar o espaço absoluto como o sensorium de Deus [5, 8]. Como sempre acontece com novas ideias, as definições newtonianas de espaço e tempo absolutos foram alvos de críticas severas de importantes pensadores como Gottfried Leibniz, contemporâneo de Newton, e mais tarde de Ernest Mach. Vejamos de forma breve as críticas de Mach à mecânica newtoniana, cujas ideias tiveram forte impacto sobre o jovem Einstein. Em sua filosofia da ciência, Mach defendia que a Física deveria tratar apenas com fenômenos observáveis [23]. Mas, como vimos acima, o espaço e o tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis à experiência e, portanto, segundo Mach, não passariam de “obscuridades metafísicas”. Qual seria então a explicação alternativa da Mach à concepção absoluta de Newton? Enquanto para Newton a massa inercial de um corpo é uma propriedade intrínseca do corpo e as forças inerciais sobre um corpo acelerado são explicadas com base no espaço absoluto, para Mach a inércia de um corpo é uma medida da resistência à aceleração com relação aos demais corpos do universo, ou seja, a inércia deveria ser explicada com base na interação entre os corpos e não com relação ao espaço absoluto. Essa ideia de que a inércia possa ser reduzida à interação entre os corpos é conhecida como princípio de Mach. Para uma melhor compreensão dessas ideias, indicamos ao leitor as referências [8, 24] nas quais se discutem a visão de Mach sobre o experimento do balde girante de Newton. é dedicada a apresentar as ideias newtonianas sobre o movimento absoluto, alicerçado nos conceitos de espaço e tempo absolutos. Nas Seções 5 5. A Teoria da Relatividade Restrita. Os Referenciais Inerciais Ainda Reinam Uma crítica profunda as noções de espaço e tempo da Mecânica Clássica foi realizada pela teoria da relatividade. Esta teoria possui duas versões: a TRR, também chamada Teoria da Relatividade Especial, publicada em 1905, e a TRG, de 1915, a qual incorpora o fenômeno da gravitação [25]. A TRR tem sua gênese na teoria eletromagnética de Maxwell e é resultado do trabalho de muitos físicos teóricos e experimentais que se debruçaram sobre o tema, dentre os quais podemos citar: Henry Poincaré, Hendrik Lorentz, Albert Michelson e, é claro, Einstein. A teoria eletromagnética descreve, através das denominadas equações de Maxwell, o comportamento do campo eletromagnético e estabelece que a luz é uma onda eletromagnética transversal que se propaga no vácuo com uma velocidade constante c. Mas constante em relação a que referencial? Adotando um dado referencial inercial S no qual as equações de Maxwell são válidas, a velocidade da luz no vácuo é c em todas as direções. Então, de acordo com a lei de composição de velocidades de Galileu, equação (3), isso não é verdadeiro em outro referencial inercial S′. Seria, desse modo, possível distinguir dois observadores inerciais, ao contrário do que afirma a Mecânica Clássica? Em outras palavras, existiria um referencial inercial privilegiado no qual a velocidade da luz é c em todas as direções? Ou haveria uma contradição mais profunda nos conceitos fundamentais da Mecânica Clássica? Para Einstein, atribuir uma condição privilegiada a um referencial inercial era inadmissível, como de resto apontavam as observações experimentais. No trabalho de 1905, Einstein estabeleceu dois postulados fundamentais: Postulado 5.1 (Princípio de Relatividade Restrita). As leis da física são as mesmas em todos os referenciais inerciais. Postulado 5.2 (Princípio de constância da velocidade da luz). A velocidade da luz no vácuo, c, tem o mesmo valor em todas direções e em todos os referenciais inerciais, e é independente do movimento da fonte. Dificilmente algum físico não concordaria com a afirmação do Postulado 5.1. No máximo, questionaria o papel privilegiado dos referenciais inerciais na formulação das leis da natureza, tarefa realizada pelo próprio Einstein na sua TRG [25]. Também é importante notar que o Postulado 5.1 é uma generalização da lei da inércia de Galileu para todos os fenômenos da natureza e não apenas aqueles descritos pelas leis de Newton (Mecânica Clássica). O princípio da invariância de Galileu prevê que a velocidade da luz é diferente em dois sistemas de referência inerciais que estão em movimento relativo. Esse resultado está em contradição com o Postulado 5.2 [26]. Portanto uma nova lei de transformação – a transformação de Lorentz – que teria a relatividade galileana como caso particular, deveria ser proposta de modo a ser consistente com os Postulados 5.1 e 5.2. As transformações de Lorentz surgem como consequência de impormos transformações lineares entre coordenadas de referenciais inerciais, juntando-se ao fato que a luz deve sempre se mover com velocidade c [27]. Assim, ainda podemos afirmar: as leis da física são invariantes por transformações de Lorentz. A invariância da velocidade da luz (todos os referenciais inerciais medem o mesmo valor c para a velocidade da luz no vácuo) é simplesmente uma consequência da invariância das equações de Maxwell. De certa forma, podemos dizer que a relatividade restrita é uma consequência lógica das equações de Maxwell. É essencial perceber que a compatibilidade entre os dois postulados da TRR exige uma redefinição dos conceitos físicos de espaço e tempo, de modo que essas duas grandezas sejam coerentes com esses princípios. Vejamos como a validade do Postulado 5.2 exige uma análise crítica do conceito de simultaneidade, obrigando a se concluir que a simultaneidade de eventos em pontos distantes não é absoluta, mas sim relativa ao movimento do sistema de referência. Se aceitamos esse fato, a relatividade do tempo surge de imediato, conforme pode ser visto no seguinte exemplo, adaptado de Einstein [25]. Mais uma vez, consideramos um observador O′ em um trem em MRU com velocidade V→ em relação ao observador O no leito da estrada, ambos com réguas e relógios equivalentes. Vamos considerar como dois eventos a queda de dois raios no trem, um na traseira (ponto A′) e o outro na dianteira (ponto B′) do transporte (Figura 5); com cada raio gerando seu sinal luminoso. Vamos considerar que no momento da queda dos raios, os pontos nos dois referenciais coincidam, i.e., A=A′ e B=B′. Como podemos saber se esses eventos são simultâneos? Como a velocidade da luz é uma constante universal, Einstein utilizou esse fato para definir a simultaneidade entre eventos. Dois eventos que ocorrem em dois pontos A e B serão simultâneos se os raios luminosos que partem de A e B se encontrarão no ponto médio do segmento A⁢B¯. Figura 5: A queda de dois raios (dotados de sinal luminoso) na frente e na traseira do trem. Assim, se para o observador na estrada, os sinais luminosos gerados pela queda dos raios nos pontos A e B, se encontram no ponto médio M, esse observador afirmará que a queda dos raios são eventos simultâneos, ou seja, os raios caíram nos pontos A e B em um mesmo instante. E quanto a um observador no trem que se move com velocidade V→ em relação ao leito da estrada? Para esse observador é a estrada que se move com velocidade −V→, então o ponto B se aproxima do ponto médio do trem (ponto M′) enquanto o ponto A se afasta, logo o sinal luminoso vindo do ponto B chegará no ponto médio do trem antes do sinal luminoso proveniente do ponto A. Assim, para um observador no trem, a queda do raio no ponto B′ aconteceu antes da queda do raio no ponto A′, logo, os eventos não são simultâneos. Em resumo, dois eventos que são simultâneos em um referencial inercial S, podem não ser simultâneos em outro referencial inercial S′. Isso significa que a especificação temporal de eventos depende do observador, em outras palavras, o tempo é relativo. Uma análise semelhante mostra que também o espaço é relativo. Uma implicação notável da relativização da simultaneidade é a impossibilidade da existência de um “agora” universal. Vejamos um exemplo. Se queremos saber o que alguém está fazendo “agora” em uma espaçonave que está a 10 minutos luz distante da Terra, em razão do tempo necessário para que a luz percorra essa distância, só receberemos a resposta vinda da espaçonave depois de 10 minutos e, portanto, não pode existir um “agora” comum a dois observadores espacialmente separados. O leitor poderá argumentar que não podemos saber o que está acontecendo “agora” em uma espaçonave distante 10 minutos luz, mas podemos saber o que aconteceu há 10 minutos atrás em relação ao momento presente, o que seria uma espécie de um “agora” corrigido pelo fato da velocidade da luz ser finita. Acontece que um outro observador, em movimento relativo à Terra, atribuirá um valor diferente ao intervalo de tempo necessário para o sinal de luz percorrer a distância entre a espaçonave e a Terra. Assim, não há universalidade na atribuição de um tempo bem definido a um evento, em outras palavras, o instante em que ocorreu um evento depende do referencial e, dessa forma, esse instante não é uma propriedade intrínseca do evento, o que significa que não existe um “agora” universal e, portanto, esse conceito carece de sentido. Quais as implicações desse fato? Para melhor apreciar as profundas mudanças realizadas pela teoria da relatividade em nossa visão de mundo, lembremos que, como na Mecânica Clássica existe um agora universal, faz sentido imaginar que a cada instante o mundo seja constituído por muitos objetos cuja existência é, a priori, bem definida de forma objetiva em um dado momento. Em momentos seguintes, esses objetos podem ocupar diferentes posições no espaço, cuja dinâmica pode ser calculada pela segunda lei de Newton. Dessa forma, em cada instante particular faz sentido afirmar a existência objetiva desses objetos que constituiriam a realidade física. Na teoria da relatividade a situação é completamente diferente. Como diferentes observadores não podem concordar sobre quais eventos constituem o mesmo instante, não faz mais sentido afirmar a existência objetiva desses objetos. O espaço e o tempo, separadamente, não possuem um caráter universal como possuem na mecânica clássica. Mas, considerados em conjunto, i.e., interdependentes, eles desempenham um papel semelhante ao realizado apenas pelo espaço na Mecânica Clássica. A consequência disso é que a noção de objeto é substituída pela noção de evento. A realidade física é imaginada não como constituída de objetos que existem no espaço, mas como um padrão de eventos, obviamente organizados e estruturados de modo que descrevam as propriedades do sistema material sob análise. Uma consequência imediata é que o tempo adquire um status semelhante às coordenadas espaciais, ou seja, ocorre uma espacialização do tempo, assim resumido por Einstein: “De um suceder no espaço a três dimensões, a física passa a ser de certa maneira um ser no “Universo” a quatro dimensões” [25]. Essa mudança radical na nossa noção de realidade é adequadamente descrita, de um ponto de vista formal, através da introdução de um espaço quadridimensional formado pelas três coordenadas espaciais ordinárias (x,y,z) e uma coordenada temporal, que alguns autores representam por ict, onde i é a unidade imaginária. Esse espaço é chamado espaço-tempo de Minkowski [28]. Os pontos neste espaço-tempo definem os eventos determinados pelas coordenadas (x,y,z,c⁢t). A distância entre dois eventos 1 e 2, no espaço de Minkowski é chamado de intervalo e seu quadrado é dado por (7)s122=c2⁢(t2-t2)2-(x2-x1)2-(y2-y1)2-(z2-z1)2 onde (x1,y1,z1,c⁢t1) e (x2,y2,z2,c⁢t2) se referem aos eventos 1 e 2, respectivamente. O intervalo s12 é invariante por uma transformação de Lorentz e vemos que pode ser positivo, negativo ou nulo para diferentes pares de eventos; com isso, dizemos que a métrica do espaço-tempo não é positiva definida e, assim, sua geometria não é euclidiana. e 6 6. O Espaço-Tempo Absoluto Apesar das profundas transformações introduzidas pela TRR em conceitos fundamentais como tempo e espaço, e a consequente mudança de visão de mundo, ela mantém o papel privilegiado dos sistemas inerciais na descrição das leis da natureza. Mas, conforme vimos na Seção 2, é o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição da natureza que justifica o conceito de movimento absoluto. Na TRR o espaço-tempo de Minkowski desempenha um papel semelhante ao espaço euclidiano na mecânica clássica. O espaço-tempo funciona como um “palco” para os eventos e possui uma existência independente, já que ele não é afetado pela existência de matéria e campo nele existentes; em outras palavras, se a matéria e o campo forem retirados, o espaço-tempo continuará existindo independentemente da presença destes. Porém, como as coordenadas espaciais e temporais não são independentes, isto introduz novos elementos na descrição da realidade física que estavam ausentes na descrição fornecida pela mecânica clássica. Mais uma vez citando Einstein: “Como nesta estrutura quadridimensional não há mais seções que representem objetivamente o “agora”, o conceito do acontecer e do devir, embora não desapareça completamente, torna-se mais complicado” [25]. Em resumo, ainda que a TRR tenha realizado profundas mudanças nas noções newtonianas de tempo e espaço, a estrutura quadrimensional formada pela união entre tempo e espaço, o espaço-tempo de Minkowski, existe de forma independente e sem relação com qualquer objeto material e, portanto, representa a Noção 2.2 de espaço discutida na Seção 2. Uma crítica definitiva à noção de “espaço” absoluto (e, portanto, de movimento absoluto) será realizada pela teoria da relatividade geral, a qual será examinada em seus aspectos centrais na próxima Seção. apresentamos as profundas transformações nos conceitos de espaço e de tempo provocadas pela TRR. Em particular, é enfatizado o caráter absoluto do espaço-tempo de Minkowski. Na Seção 7 7. A Teoria da Relatividade Geral. Os Referenciais Inerciais São Revisados Como já salientado, a TRR mantém o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição das leis da natureza. Nesse sentido, não há diferença entre a Mecânica Clássica e a TRR. Uma diferença fundamental entre essas duas teorias é que a TRR estabelece que nenhuma interação na natureza pode ser instantânea. Entretanto, a interação gravitacional, como descrita por Newton, implica em uma interação instantânea entre as partículas já que a mudança de posição de uma das partículas significa mudar instantaneamente a interação entre elas. São dois problemas intimamente relacionados, a saber, a generalização do princípio da relatividade para todos os sistemas de referência e a reformulação da teoria da gravitação, que deram origem à TRG. Com essa teoria Einstein vai estabelecer a equivalência entre todos os sistemas de referência (não só os inerciais, mas também os acelerados) para a formulação das leis da natureza [25]. Postulado 7.1 (Princípio da Relatividade Geral). Todos os sistemas de referência, não apenas os inerciais, são equivalentes para a descrição da natureza, ou seja, as leis da física podem ser formuladas de modo igualmente válido em qualquer sistema referencial, independentemente do seu estado de movimento em relação a qualquer outro. Mas, conforme discutimos na Seção 4, quando analisamos o movimento entre um trem e uma estação, no caso em que o trem possui uma aceleração vimos que podemos fazer distinção entre referenciais inerciais e acelerados observando o comportamento mecânico dos corpos (apenas no trem em movimento acelerado o pêndulo se afasta da posição vertical) e por isso atribuímos ao movimento acelerado uma realidade física absoluta. Como então explicar essa situação à luz do Princípio da Relatividade Geral? Einstein encontrou uma pista em um fato bem conhecido da Mecânica Clássica, mas que nunca fora explicado, a saber, a igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional. Na Mecânica Clássica, a massa inercial é uma medida da resistência do corpo em mudar de estado de movimento. Por sua vez, a massa gravitacional representa a “carga” gravitacional que é a grandeza que determina a intensidade da interação gravitacional de um corpo com o campo gravitacional produzido por outro corpo. Vemos, assim, que massa inercial e massa gravitacional são conceitos muito distintos. Apesar disso, de acordo com a experiência, elas são medidas por um mesmo número, o que sugere uma relação íntima entre a gravidade e a inércia. Devido à igualdade numérica entre essas duas grandezas, os corpos que se movimentam sob a ação exclusiva da força gravitacional, em uma região onde essa força pode ser suposta constante, tem a notável propriedade de possuir a mesma aceleração independentemente do corpo (uma esfera de chumbo ou uma pena, abandonados da mesma altura, caem, em queda livre, exatamente da mesma forma). Esta propriedade permite estabelecer uma equivalência entre o movimento das partículas em um campo gravitacional, descrito por um referencial inercial, e o movimento das partículas na ausência de um campo gravitacional, mas descrito do ponto de vista de um referencial acelerado. Esta indistinguibilidade constitui o princípio de equivalência da TRG [29]. Assim, em um referencial acelerado (em queda livre) os efeitos do campo gravitacional sobre a partícula são anulados. O inverso também é verdadeiro, i.e., é possível criar efeitos idênticos a de um campo gravitacional uniforme, na ausência do campo, em um referencial uniformemente acelerado. De fato: consideremos um observador em um compartimento fechado (elevador de Einstein), localizado em uma região do espaço suficientemente afastada de campos gravitacionais. Imaginemos que, através de um cabo, o compartimento é puxado na direção paralela à altura do observador, transmitindo ao compartimento um movimento uniformemente acelerado com magnitude a = g (medido em relação a um referencial inercial). O observador no interior do elevador não teria como saber, através de realização de experimentos, se o compartimento, juntamente com ele, está sendo acelerado para “cima’ ou, ao invés disso, encontra-se parado num campo gravitacional uniforme. Isso é muito interessante. Conforme vimos, os observadores em referenciais acelerados tinham como distinguir, através da realização de experimentos, referenciais inerciais dos acelerados. Agora temos uma situação em que um referencial acelerado comporta-se como se fosse um referencial inercial no seguinte sentido: mesmo sendo o compartimento um referencial não inercial, um observador em seu interior, sem contato com o mundo externo, não consegue observar efeitos físicos que teriam origens no fato do elevador estar em movimento uniformemente variado. Mas como então podemos explicar o fato, discutido na Seção 4, que quando o trem é acelerado, apenas o pêndulo que se encontra no trem se afasta da vertical? O observador no trem, à luz do Princípio da Relatividade Geral, pode interpretar esse fato com a seguinte argumentação: o trem está em repouso; o que acontece é que durante o período em que o pêndulo se afasta da vertical (período em que o trem é acelerado), existe em relação ao trem um campo gravitacional, com sentido para a parte traseira do trem, que varia com o tempo. É este campo gravitacional que produz o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Como este campo gravitacional variável com o tempo só existe no referencial acelerado, o pêndulo da estação continua na posição vertical. Quais são então as noções de tempo e espaço na TRG? A primeira mudança fundamental é que a gravidade influencia a marcha dos relógios. Os relógios possuem um ritmo mais lento em locais onde o campo gravitacional é mais intenso (o tempo passa mais rápido no alto de uma montanha do que a nível do mar). Assim, enquanto a TRR afirma que o tempo flui em ritmos diferentes para observadores em movimento relativo entre si, a TRG afirma que o tempo flui com diferentes velocidades também em lugares diferentes. Rigorosamente, há um tempo diferente para cada lugar do espaço, o que representa uma mudança ainda mais radical na noção de tempo absoluto da Mecânica Clássica. A gravidade não influencia apenas o tempo, mas também o espaço. Isso pode ser verificado através do experimento do disco girante [30] que mostra que observadores acelerados são forçados a utilizar geometrias não-euclidianas, ou seja, o espaço-tempo não é mais o de Minkowski, mas espaço-tempos curvos (chamados espaços riemannianos). A curvatura desse espaço-tempo é determinada pela maneira como a matéria e a energia estão nele distribuídas. Desse modo, na TRG o espaço-tempo deixa de ser apenas um palco, ou seja, não é possível supor uma existência independente dos objetos, o que condiz com a Noção 2.1 de espaço. apresentamos as mudanças, ainda mais significativas, nas noções de espaço e de tempo realizadas pela TRG. Por fim, na Seção 8 8. Conclusão A Mecânica Clássica como formulada por Newton, e com sua teoria da gravitação, representa a primeira grande unificação da física, pois consegue abordar de forma ampla e quantitativa os fenômenos do movimento e suas causas [31]. Um conceito fundamental da mecânica de Newton é o PRG; esse princípio está intimamente relacionado à noção de referenciais inerciais ao afirmar que dois observadores inerciais não podem fazer distinção objetiva entre repouso e movimento uniforme. Desse modo, não existe movimento absoluto, mas somente relativo. Por outro lado, é possível fazer distinção entre referenciais inerciais e não inerciais. No caso de referenciais não inercias, efeitos sobre as leis da mecânica podem ser detectáveis, devido ao aparecimento de forças inerciais que não podem ser atribuídas a outros corpos materiais. Segundo Newton, isso ofereceria um critério objetivo para fazer distinção entre movimento relativo e absoluto, conforme analisado na Seção 4. Assim, discutimos sobre o significado de movimento absoluto na Mecânica Clássica ainda que, por definição, o movimento é sempre relativo. A TRR mantém o papel privilegiado dos referenciais inerciais na elaboração das leis da natureza, apenas substituindo as transformações de Galileu pelas transformações de Lorentz. Dessa forma, ainda que as noções de tempo e espaço absolutos da mecânica newtoniana sejam derrubadas na TRR, o conceito de movimento absoluto de certa forma se mantém, conforme a discussão da Seção 6. Neste trabalho, além do PRG e a noção de movimento absoluto, discutimos os conceitos de tempo e espaço e as visões de mundo que emergem de duas teorias fundamentais: a mecânica de Newton e a teoria da relatividade de Einstein. Conforme vimos, para Newton, tempo e espaço são entidades distintas e absolutas. O espaço é uma espécie de palco homogêneo e infinito que existe por si mesmo e no qual as coisas têm existências. Por sua vez, o tempo absoluto e verdadeiro flui de maneira uniforme e igual em todas as partes do universo; e é durante seu decorrer que as coisas acontecem. Em outras palavras, existe um agora universal que constitui a realidade física objetiva. Essa visão clássica do mundo foi profundamente contestada pela teoria da relatividade. Tempo e espaço são entidades interligadas e indissociáveis. O instante presente universal não existe. O tempo flui de maneira diferente para observadores em movimento relativo. Relógios igualmente precisos, em movimento relativo, marcam durações diferentes entre eventos. Assim, não podemos falar de um agora universal. Ora, se não existe um presente comum a todo o universo, a própria noção de realidade clássica é abalada. O fluxo do tempo também é alterado pela presença de corpos massivos. Quanto mais próximo de uma grande massa mais lentamente o tempo flui. Em suma, segundo a teoria da relatividade, não existe um tempo único, comum, associado a lugares diferentes do universo (o comportamento de um relógio depende se ele está próximo ou distante de uma estrela) e até mesmo não existe um tempo único comum a um mesmo lugar (o comportamento de um relógio depende da velocidade com que ele se move). Assim, a noção clássica de que existe um agora universal não se sustenta, logo também não se sustenta a noção de realidade oriunda dessa visão. Isso significa que as grandes mudanças nas noções de tempo e espaço, introduzidas pela teoria da relatividade, implicam em profundas mudanças na visão de mundo newtoniano, as quais foram ressaltadas neste trabalho. apresentamos um resumo da nossa produção.

2. Conceitos de Espaço e Tempo

Espaço e tempo tem sido tema de investigação e reflexão por filósofos, teólogos, cientistas e artistas ao longo da história humana. Pensadores de civilizações da antiguidade – podemos citar: a egípcia, a persa, a judaica, as orientais e a grega – já se indagavam sobre a natureza do espaço e do tempo [11[11] M. Jammer, Conceito de espaço: a história das teorias do espaço na Física (Contraponto, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.]. Além disso, esses conceitos figuram-se entre os mais fundamentais nas teorias físicas, que os pressupõem nos seus fundamentos. Para os propósitos deste trabalho, discutiremos a seguir, de forma sucinta, algumas ideias acerca do espaço e do tempo de importantes pensadores, cujas concepções nos permitem fazer conexões com as noções desses conceitos nas teorias físicas.

2.1. Conceitos de espaço

O que é o espaço? Qual sua natureza? Ele existe como objeto independente dos corpos materiais, i.e., há um espaço em si? De modo geral, há duas formas fundamentais de conceituar o espaço:

Noção 2.1 O espaço é um sistema de relações ou de ordem de objetos materiais. Nesse contexto, não faz sentido a ideia de espaço vazio, em outras palavras, o espaço é uma propriedade relativa às posições ocupadas pelos objetos corpóreos, ou seja, o espaço não existe sem a presença de corpos materiais.

Noção 2.2 O espaço é uma espécie de receptáculo de objetos materiais, cuja existência independe de qualquer objeto material. Em outras palavras, existe um espaço vazio no qual estão situados os corpos e cuja existência (do espaço) é absoluta no sentido de que mesmo que não exista objeto material presente, ainda assim existe o espaço vazio.

Na Noção 2.1, o espaço vazio não existe sem a existência de objetos materiais. Desse modo, segundo essa concepção, os objetos materiais são as entidades fundamentais da realidade. No segundo caso, Noção 2.2, um objeto material não pode ser concebido sem estar situado (existindo) no espaço. Assim, de certa forma, o espaço possui uma realidade mais fundamental do que os objetos materiais.

Aristóteles realizou uma profunda reflexão sobre o espaço. Em sua cosmologia, o mundo é separado em duas regiões distintas: o mundo supralunar, que se estenderia da esfera da lua até as estrelas, as quais comporiam a última esfera celeste. Esse mundo supralunar seria constituído de éter (um material puro e sem peso, o que refletiria a perfeição e imutabilidade dos céus). Por sua vez, o mundo sublunar seria constituído dos quatro elementos fundamentais, terra, água, fogo e ar, também ordenados em esferas, nessa ordem, a partir do centro da Terra, a qual ocupa o centro do universo. Assim, para Aristóteles o espaço não é homogêneo e nem vazio, já que o mesmo está pleno de matéria, além de necessariamente finito [2[2] C.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 3 (2009).].

Um conceito importante na teoria de Aristóteles é o de lugar, que seria o limite adjacente ao corpo nele contido [12[12] F. Caruso e R.M.X. Araujo, arXiv:1903.11164 (2018).] e, portanto, não existe de forma independente da matéria. Outra característica fundamental do espaço aristotélico, como já dito na Introdução, é a sua não-homogeneidade. Cada objeto possui um lugar natural para o qual ele tenderia a se mover; o movimento seria explicado por suas causas finais teleológicas. Por exemplo, uma pedra solta cai em direção à terra devido a sua tendência de alcançar seu lugar natural. Como os corpos celestes são mais perfeitos que a matéria que forma o mundo sublunar, eles devem mover-se em uma trajetória circular, já que o círculo é a forma geométrica mais perfeita.

Desse modo, a diferenciação de lugares é que seria o responsável pelo movimento já que uma espécie de interação entre a matéria e o espaço é o que determinaria o movimento e o repouso dos corpos. O movimento seria, então, determinado pelo espaço, já que este seria a causa eficiente que compele o corpo a ir para seu lugar natural.

Em Descartes, o conceito de espaço é consequência do seu dualismo metafísico, i.e., a distinção cartesiana fundamental entre o corpo e a alma. Esta última tem como atributo essencial o pensamento; já para o corpo, o atributo essencial e exclusivo seria a extensão.3 3 Newton se opôs a essa ideia de Descartes e, na construção de sua teoria do movimento, considerará a massa como o atributo mais essencial da matéria. Para Descartes, a extensão seria também um atributo essencial do espaço, já que não haveria diferença entre a extensão da matéria e a extensão do espaço havendo, portanto, uma identidade entre ambos. Nas palavras de Descartes [13[13] R.A. Sapunaru, O conceito leibniziano de espaço: distâncias metafísicas e proximidades físicas do conceito newtoniano (PUC, Rio de Janeiro, 2010).]:

Quanto ao vácuo, no sentido filosófico de um espaço onde não há substância alguma, é evidente que não há no universo nenhum espaço que seja assim, porque não existe diferença entre a extensão do espaço, ou do lugar interior, e a extensão do corpo. E como, do simples fato de que um corpo é extenso em comprimento, largura e profundidade, temos razão de concluir que ele é uma substância (porque concebemos que não é possível que o que não é nada tenha extensão), podemos concluir a mesma coisa com relação ao espaço supostamente vazio, a saber, que uma vez que há nele uma extensão, há também necessariamente uma substância.

Assim, não poderia existir o espaço separado dos corpos e não é possível que um ocorra sem o outro. Dessa identificação entre o espaço e a matéria segue que o espaço vazio (o vácuo) não tem existência. Vemos, então, que o conceito cartesiano de espaço se identifica com a Noção 2.1, e não está muito distante da concepção de espaço que emerge da TRG.

2.2. Conceitos de tempo

Tão ou mais intrigante quanto o espaço é a concepção de tempo. Diferentemente do espaço, que pode ser concebido como algo imóvel, o tempo está intimamente relacionado com a ideia de fluxo ou de movimento. De forma semelhante as definições de espaço, podemos distinguir duas concepções fundamentais de tempo:

Noção 2.3 O tempo é uma ordem de acontecimentos; uma maneira de medir as mudanças observadas no mundo. O tempo não é uma entidade autônoma.

Noção 2.4 O tempo é uma entidade autônoma que flui independentemente de qualquer mudança. Se cessassem todas as mudanças, o tempo continuaria fluindo.

Um dos primeiros pensadores a refletir de forma sistemática sobre o tempo foi Platão, que o identifica como uma ilusão. Em sua filosofia, Platão divide o mundo entre o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo dos sentidos). Para ele, como para os idealistas em geral, o mundo sensível (incluindo o tempo) possui uma realidade secundária e é apenas uma cópia do mundo inteligível que, por sua vez, seria o mundo real já que é um tipo mais fundamental da realidade, eterna e imutável.

No conceito de Platão, o tempo é “uma imagem móvel da eternidade que procede segundo o número” [14[14] F.R. Puente, O tempo (Martins Fontes, São Paulo, 2010).]. Como a eternidade pertence ao mundo inteligível, o tempo, sua imagem móvel no mundo sensível, possuiria então uma natureza secundária. Mas, por proceder segundo o número, a mobilidade do tempo seria dada por um movimento ordenado e periódico, o qual pode ser observado no movimento circular dos corpos celestes, que devido a sua regularidade forneceria uma medida adequada de tempo.

Aristóteles, em sua reflexão, também estabeleceu uma estreita relação entre o tempo e o movimento. Ele definiu o tempo como o “número do movimento segundo o anterior-posterior”. Em outra passagem ele comenta [1[1] Aristóteles, Física I-II (Editora da Unicamp, São Paulo, 2009).]:

Quando certo tempo parece ter passado, simultaneamente parece ter ocorrido também certo movimento. Por conseguinte, o tempo certamente é um movimento ou algo do movimento. Dado que ele não é um movimento, é necessário que ele seja algo do movimento.

Como já enfatizado, para Aristóteles a palavra movimento tem um sentido muito mais amplo do que apenas deslocamento de um corpo. Para ele, movimento significa qualquer tipo de mudança, não apenas de lugar, mas também de qualidade ou quantidade.

Para que o tempo seja medido pelo movimento é necessário a existência de um movimento imutável, regular e homogêneo; o movimento que satisfaz essas condições seria o movimento observado nos céus. O tempo, então, seria homogêneo e uniforme já que ele é o número de um movimento homogêneo e uniforme. Quando numeramos o tempo, distinguimos um antes (anterior) e um depois (posterior), ou seja, dois instantes (ágoras) os quais, devido à natureza sucessiva do tempo, não podem ser simultâneos. Um ponto importante é que, como o tempo é o movimento apenas quando esse é numerado, o tempo em si não existiria já que sem um ser inteligente para “numerar” o movimento, o tempo não pode existir.

O filósofo Kant também refletiu sobre as noções de tempo e espaço. Em sua obra A crítica da razão pura [15[15] I. Kant, Crítica da Razão Pura (Editora Abril Cultural, São Paulo, 1980).], espaço e tempo são considerados como intuições puras a priori, já que não são derivados da experiência, mas são intuições necessárias para fundamentar as percepções humanas. Em outras palavras, para Kant, o espaço e o tempo são propriedades subjetivas, i.e., são atributos do sujeito e não da natureza. Em suas palavras: “O tempo não é uma coisa objetiva. Não é uma substância, nem acidente,4 4 Em filosofia, o termo substância designa o que permanece nas coisas, o que está além das aparências ou dos fenômenos. Já o termo acidente se refere a uma qualidade casual ou fortuita de algo, que é irrelevante para entender sua essência. Por exemplo, o tom de pele de uma pessoa seria um “acidente”, já que não alteraria a natureza essencial do ser humano. nem relação: é uma condição subjetiva necessária por causa da natureza da mente humana.” Essas concepções de Kant estão inseridas em sua teoria do conhecimento. Para Kant o mundo é formado por um plano fenomênico (da sensação) e por outro que se encontra além dos sentidos (a coisa em si).

Do ponto de vista da Física, a adoção de uma ou outra concepção tem que ser parte integrante de uma estrutura teórica (teoria física) coerente e cuja utilização será justificada pela capacidade descritiva e preditiva da teoria. Assim, quaisquer que sejam as noções de espaço e tempo, para uma descrição física do mundo, é necessário assumir um sistema de referência (sistema referencial) no qual é possível especificar, de forma adequada, as coordenadas espaciais x, y e z e a coordenada temporal t que nos permitam representar os fenômenos físicos. Um esquema conceitual poderoso e que marcou profundamente o desenvolvimento da física foi proposto por Newton no século XVII o qual será examinado a seguir.

3. O Movimento é Relativo. Princípio da Relatividade de Galileu

Um sistema de referência (ou referencial) é um padrão relativo ao qual o movimento e o repouso de corpos podem ser medidos. Podemos, ainda, visualizá-lo como um aparato bastante concreto dotado, por exemplo, de três barras rígidas – de comprimento unitário, postas de modo a definir um sistema de coordenadas – para medida da posição de um corpo no espaço, juntamente com um relógio para medida do tempo [16[16] H. M. Nussenzveig, Curso de Física Básica: mecânica (Editora Blucher, São Paulo, 2013), v. 1, 5 ed.]. Portanto, as coordenadas de espaço e tempo têm que ser necessariamente grandezas observáveis, i.e., resultados de medidas experimentais.

O termo “sistema de referência” foi cunhado no século XIX, mas a ideia por trás do seu significado começou a ser desenvolvida com o surgimento da teoria copernicana [17[17] R. DiSalle, Space and Time: Inertial Frames (The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Stanford, 2020).]. O ponto significativo não foi a substituição do modelo geocêntrico pelo sistema planetário heliocêntrico, mas o reconhecimento da Terra e do Sol como pontos de vista possíveis para a descrição dos movimentos dos corpos celestes. Isso implicava que a tarefa básica da astronomia ptolomaica – representar os movimentos planetários por combinações de movimentos circulares – poderia levar qualquer ponto a ser fixo, sem sacrificar o poder de previsão.

Portanto, como Copérnico sugeriu nos argumentos iniciais de Das Revoluções das Esferas Celestiais [18[18] N. Copernicus, De revolutionibus orbium coelestium (Johannes Petreius, Nuremberg, 1543).], a escolha de qualquer ponto em particular exigia alguma justificativa por outros motivos que não a mera predição astronômica bem-sucedida. Os motivos mais persuasivos, aparentemente, eram físicos: não percebemos os efeitos físicos que esperaríamos que o movimento da Terra produzisse. O próprio Copérnico observou, no entanto, em resposta, que podemos de fato sofrer movimentos que são fisicamente imperceptíveis. Pelo menos em algumas circunstâncias, podemos facilmente tratar nosso ponto de vista móvel como se estivesse em repouso.

À medida que o programa básico de Ptolomeu e Copérnico deu lugar ao da mecânica clássica inicial desenvolvida por Galileu, essa equivalência de pontos de vista tornou-se mais precisa e explícita. Galileu foi incapaz de apresentar um argumento decisivo para o movimento da Terra em torno do Sol. Ele demonstrou, no entanto, que a visão copernicana não contradiz nossa experiência de uma Terra aparentemente estável. As justificativas, na época, contra esse movimento normalmente apelavam para evidências experimentais – por exemplo, uma pedra abandonada de uma torre cai na base da torre, em vez de ser deixada para trás enquanto a Terra gira durante sua queda. Mas Galileu argumentou persuasivamente que tais experimentos aconteceriam exatamente como acontecem, independentemente de a Terra estar se movendo ou não, desde que o movimento seja suficientemente uniforme.

Essa ideia foi primordial para o estabelecimento do Princípio da Inércia5 5 A lei da inércia, mais do que afirmar uma característica do movimento, declara a existência dos referênciais inerciais. Essa é a razão porque não faz sentido afirmar que a lei da inércia é um caso particular da segunda lei de Newton. (ou primeira lei de Newton) que afirma a equivalência entre o estado de repouso e o de movimento retilíneo uniforme (MRU) de um corpo. Em outras palavras, dois observadores que se movem um em relação ao outro com movimento retilíneo uniforme, obterão os mesmos resultados físicos para os experimentos mecânicos realizados, ou seja, as leis fundamentais da natureza devem ser as mesmas para dois (ou mais) observadores que se movem com velocidade uniforme, um relativamente ao outro.

Com isso, no desenvolvimento dos estudos dinâmicos, foi postulado uma classe especial de referenciais, os denominados referenciais inerciais. Os referenciais inerciais são aqueles nos quais o movimento de corpos que não se encontram sujeitos a ação de forças se dá com velocidade constante. Contudo, para uma descrição objetiva da natureza é importante diferir o que é próprio e universal do fenômeno e o que se deve ao ponto de vista do observador.

Vejamos um exemplo: imaginemos dois observadores em movimento relativo uniforme; um em um trem e outro na estação (Figura 1). O observador no trem deixa cair uma esfera do ponto A, de altura h em relação ao piso do trem. Para ele, a trajetória do objeto abandonado será relitínea e, portanto, o ponto B no piso atingido pela esfera forma o segmento de reta AB¯, perpendicular ao plano horizontal.

Figura 1:
As diferentes trajetórias da esfera vistas pelos observadores dentro do trem e na estação.

Já para o observador na estação, para quem a trajetória da esfera é um arco de parábola, o corpo atingirá o piso no ponto C, diferente do ponto final B, no sistema S’. Como a trajetória da esfera depende do observador não há sentido em falar de uma trajetória em si, ou seja, não há sentido em dizer que uma trajetória é mais verdadeira que a outra, pois esse conceito claramente depende do sistema de referência utilizado. Assim, diferentemente da teoria aristotélica, não pode ser atribuído ao conceito de “repouso” um significado físico absoluto.

Dado um certo referencial inercial, qualquer outro referencial que se mova em MRU em relação ao primeiro é também um referencial inercial, porque a lei de inércia é válida no novo referencial. Galileu desenvolveu a ideia que as leis da mecânica conservam sua forma quando transformadas de um referencial inercial para outro. Esse resultado é tomado como um princípio fundamental da Física: o PRG.6 6 O PRG foi nomeado em homenagem a Galileu porque ele havia compreendido a ideia subjacente de equivalência dinâmica: o italiano entendia a composição do movimento e como os movimentos individuais dos corpos dentro de um sistema – como a queda de uma pedra de uma torre – são compostos com o movimento do sistema como um todo. Esse princípio de composição, combinado com a ideia de que os corpos mantêm seu movimento uniforme, formou a base para a idealização de referenciais inerciais. Ademais, apesar de descoberto por Galileu no século XVII, esse princípio só recebeu o nome de Princípio da Relatividade no contexto da teoria da relatividade de Einstein [19]. O mesmo foi ilustrado de forma notável por Galileu em sua obra Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano [20[20] G. Galilei, Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano (Discurso Editorial, São Paulo, 2004).] na seguinte forma:

Feche-se com amigos na cabine principal, abaixo do convés, de um navio grande, levando também algumas moscas, borboletas e outros pequenos animais que voam; tenha uma grande vasilha d’água com peixes dentro; pendure uma garrafa que se esvazia gota a gota sobre uma grande vasilha. Com o navio parado, observe cuidadosamente como os pequenos animais voam com velocidade igual para todos os lados da cabine. Os peixes nadam indiferentemente em todas as direções; os pingos d’água caem na vasilha sob a garrafa…Depois de observar tudo isso cuidadosamente…faça com que o navio se movimente com a velocidade que quiser, desde que o movimento seja uniforme, sem variar desta ou daquela forma. Não observará nenhuma modificação em todos os efeitos mencionados, nem poderia dizer, por eles, se o navio está andando ou parado…As gotas cairão como antes na vasilha, sem se desviar para a popa, embora o navio possa percorrer muitos metros enquanto caem. Os peixes na água nadarão para a frente de seu aquário sem maior esforço do que para trás, e continuarão com a mesma facilidade para qualquer direção nas bordas do aquário. Finalmente, as borboletas e moscas continuarão seus voos indiferentemente, para todos os lados, nem se concentrarão do lado da popa, como se estivessem cansadas de acompanhar o curso do navio, do qual estiveram separadas durante longos intervalos, mantendo-se no ar.

Sem dúvida, é uma descrição definitiva do princípio da relatividade do movimento. Para uma descrição objetiva da natureza, o movimento deve ser descrito em termos do que é próprio do movimento e não relativo a um determinado observador. Como não há observador inercial privilegiado e diferentes observadores inerciais se referem a diferentes pontos no espaço, ocupado por um mesmo objeto em um mesmo instante de tempo, as leis da natureza têm que ser formuladas levando em conta essa relatividade.

Agora imaginemos a seguinte situação: no trem do exemplo anterior, está se movendo um passageiro com velocidade v, indo para o leste, em relação ao passageiro sentado no trem (Figura 2). Para a pessoa na estação, o passageiro está viajando para o leste com velocidade V+v, onde V é a velocidade do trem relativa ao observador na estação; é claro também, se o passageiro estivesse andando na direção oeste, a pessoa na estação mediria sua velocidade como sendo V-v. O movimento do passageiro caminhando no trem pode ser igualmente estudado pela pessoa sentada no trem como pela pessoa na estação, pois as leis da física são idênticas para o passageiro se movendo com velocidade relativa constante. O trem e a estação são referenciais inerciais. Para referenciais não inerciais, como um trem acelerando em relação à estação, precisamos de uma teoria mais completa: a TRG.7 7 As equações de movimento que descrevem observadores uniformemente acelerados em um espaço-tempo plano podem ser obtidas por transformações de Rindler [21].

Figura 2:
Observadores O e O em movimento relativo uniforme e passageiro no trem com velocidade v.

Se temos dois referenciais inerciais S e S, o qual se move em relação a S com velocidade uniforme u (Figura 3), e considerando que as origens coincidem no instante inicial, a relação entre as coordenadas (x,y,z,t) e (x,y,z,t) nos dois referenciais é dada pelas expressões:

(1) t = t ,
(2) r = r - u t .
Figura 3:
Referenciais S e S.

As equações (1) e (2) constituem as transformações de Galileu entre referenciais inerciais. A primeira lei de Newton é obviamente invariante sob essa transformação porque é utilizada para definir o referencial inercial. A equação (1) declara que o tempo é absoluto na mecânica newtoniana, i.e., o intervalo de tempo medido por um observador inercial é o mesmo que aquele medido em outro referencial inercial. Esse tempo absoluto, único, implica na existência de um “agora” objetivo que dá sentido e justifica o conceito de simultaneidade universal. Veremos que essa noção será abandonada na teoria da relatividade, a qual promoverá mudanças profundas na visão de mundo newtoniana.

Se o vetor r representa o vetor posição de uma partícula A em relação ao referencial S, derivando a equação (2) em relação ao tempo temos a relação entre as velocidades da partícula nos referenciais S e S

(3) v = d r d t v = v - u .

A equação (3) fornece a regra galileana para a comparação das velocidades de um corpo medidas por dois observadores em movimento relativo de translação. Derivando-a em relação ao tempo, obtemos

(4) a = d v d t a = a .

Assim, a transformação de Galileu deixa invariante a aceleração da partícula em referenciais inerciais.

Na Mecânica Clássica, a evolução temporal da partícula é descrita pela segunda lei de Newton. Como fica essa lei frente às transformações de Galileu? Assumamos, por hipótese, que a massa inercial de uma partícula independe do movimento do observador, ou seja,

(5) m = m .

Assim, nos referenciais S e S a segunda lei de Newton, para a massa constante, é escrita, como

(6) F = m a = F .

O que mostra que a segunda lei de Newton é invariante por transformações de Galileu.

Isso impõe várias restrições aos tipos de forças que podemos encontrar na natureza. Por exemplo, a distância mútua entre dois corpos é invariante por uma transformação de Galileu, i.e., tem o mesmo valor numérico em todos os referenciais inerciais.8 8 Isso significa que o comprimento de um corpo rígido, na mecânica newtoniana, não é alterado pelo movimento. Isso não é uma demonstração, como às vezes se pensa, do caráter absoluto do espaço. Essa invariância implica que as forças de interação entre os corpos só podem depender das coordenadas relativas entre os corpos como ocorre, por exemplo, na interação gravitacional e na lei de Coulomb. A invariância também é observada se as forças de interação dependem das velocidades relativas dos corpos. Como a terceira lei de Newton só envolve o conceito de força, ela também é invariante sob a transformação Galileana. Com isso, a Mecânica de Newton, a transformação de Galileu e o princípio da relatividade de Galileu são consistentes, isto é, formam um sistema de leis9 9 Praticamente desde sua formulação, as três leis do movimento de Newton vêm sendo alvo de controvérsias quanto ao seu conteúdo físico e consistência lógica, o que tem gerado propostas de reformulação da versão tradicional com o intuito de escapar às críticas [22]. Embora a primeira e a segunda lei sejam às vezes interpretadas como definição de força, adotaremos o ponto de vista que julgamos mais correto, segundo o qual elas são leis genuínas e não meras definições. sem contradições internas.

4. Nem Tão Relativo Assim. O Movimento Absoluto Segundo Newton

Se, por definição, o movimento é sempre relativo, então por que falamos em movimento absoluto na Mecânica Clássica? O conceito de movimento absoluto foi amplamente discutido por Newton, que introduz as seguintes definições [6[6] I. Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica (The Royal Society, London, 1687).]:

III – Lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e de acordo com o espaço, é ou absoluto ou relativo.

IV – Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; e movimento relativo, a translação de um lugar relativo para outro.

Assim, de forma simples e direta podemos dizer que movimento absoluto é aquele que acontece em relação ao espaço absoluto. Por sua vez, o conceito de espaço absoluto é dado a priori e independentemente da distribuição e movimento da matéria. Cada referencial inercial se move com uma velocidade constante relativa ao espaço absoluto e as forças inerciais aparecem como consequência da aceleração em relação a este espaço. Obviamente Newton se preocupa em diferenciar o espaço absoluto do espaço relativo [6[6] I. Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica (The Royal Society, London, 1687).]:

II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é normalmente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais.

O tempo também é absoluto, conforme definido por Newton [6[6] I. Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica (The Royal Society, London, 1687).]:

I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano.

As concepções newtonianas de movimento, espaço e tempo podem ser sumarizadas da seguinte forma:

  1. 1 –

    Percebemos movimento quando há mudança de posição relativa entre objetos com o decorrer do tempo. Mas, além de espaço e tempo relativos, percebidos pelos nossos sentidos, Newton afirma a existência de espaço e tempo absolutos;

  2. 2 –

    O espaço absoluto é uma estrutura infinita, imóvel e homogênea, no qual os corpos estão localizados e pelo qual se movem. Nenhum corpo é capaz de exercer qualquer efeito sobre o espaço em si;

  3. 3 –

    O tempo absoluto, por sua vez, é um fluxo uniforme, unidimensional e infinito e também é independente de todos os eventos.

Claramente, vemos que os conceitos de espaço e tempo de Newton são identificados com as noções 2.2 e 2.4 apresentadas na Seção 2 2. Conceitos de Espaço e Tempo Espaço e tempo tem sido tema de investigação e reflexão por filósofos, teólogos, cientistas e artistas ao longo da história humana. Pensadores de civilizações da antiguidade – podemos citar: a egípcia, a persa, a judaica, as orientais e a grega – já se indagavam sobre a natureza do espaço e do tempo [11]. Além disso, esses conceitos figuram-se entre os mais fundamentais nas teorias físicas, que os pressupõem nos seus fundamentos. Para os propósitos deste trabalho, discutiremos a seguir, de forma sucinta, algumas ideias acerca do espaço e do tempo de importantes pensadores, cujas concepções nos permitem fazer conexões com as noções desses conceitos nas teorias físicas. 2.1. Conceitos de espaço O que é o espaço? Qual sua natureza? Ele existe como objeto independente dos corpos materiais, i.e., há um espaço em si? De modo geral, há duas formas fundamentais de conceituar o espaço: Noção 2.1 O espaço é um sistema de relações ou de ordem de objetos materiais. Nesse contexto, não faz sentido a ideia de espaço vazio, em outras palavras, o espaço é uma propriedade relativa às posições ocupadas pelos objetos corpóreos, ou seja, o espaço não existe sem a presença de corpos materiais. Noção 2.2 O espaço é uma espécie de receptáculo de objetos materiais, cuja existência independe de qualquer objeto material. Em outras palavras, existe um espaço vazio no qual estão situados os corpos e cuja existência (do espaço) é absoluta no sentido de que mesmo que não exista objeto material presente, ainda assim existe o espaço vazio. Na Noção 2.1, o espaço vazio não existe sem a existência de objetos materiais. Desse modo, segundo essa concepção, os objetos materiais são as entidades fundamentais da realidade. No segundo caso, Noção 2.2, um objeto material não pode ser concebido sem estar situado (existindo) no espaço. Assim, de certa forma, o espaço possui uma realidade mais fundamental do que os objetos materiais. Aristóteles realizou uma profunda reflexão sobre o espaço. Em sua cosmologia, o mundo é separado em duas regiões distintas: o mundo supralunar, que se estenderia da esfera da lua até as estrelas, as quais comporiam a última esfera celeste. Esse mundo supralunar seria constituído de éter (um material puro e sem peso, o que refletiria a perfeição e imutabilidade dos céus). Por sua vez, o mundo sublunar seria constituído dos quatro elementos fundamentais, terra, água, fogo e ar, também ordenados em esferas, nessa ordem, a partir do centro da Terra, a qual ocupa o centro do universo. Assim, para Aristóteles o espaço não é homogêneo e nem vazio, já que o mesmo está pleno de matéria, além de necessariamente finito [2]. Um conceito importante na teoria de Aristóteles é o de lugar, que seria o limite adjacente ao corpo nele contido [12] e, portanto, não existe de forma independente da matéria. Outra característica fundamental do espaço aristotélico, como já dito na Introdução, é a sua não-homogeneidade. Cada objeto possui um lugar natural para o qual ele tenderia a se mover; o movimento seria explicado por suas causas finais teleológicas. Por exemplo, uma pedra solta cai em direção à terra devido a sua tendência de alcançar seu lugar natural. Como os corpos celestes são mais perfeitos que a matéria que forma o mundo sublunar, eles devem mover-se em uma trajetória circular, já que o círculo é a forma geométrica mais perfeita. Desse modo, a diferenciação de lugares é que seria o responsável pelo movimento já que uma espécie de interação entre a matéria e o espaço é o que determinaria o movimento e o repouso dos corpos. O movimento seria, então, determinado pelo espaço, já que este seria a causa eficiente que compele o corpo a ir para seu lugar natural. Em Descartes, o conceito de espaço é consequência do seu dualismo metafísico, i.e., a distinção cartesiana fundamental entre o corpo e a alma. Esta última tem como atributo essencial o pensamento; já para o corpo, o atributo essencial e exclusivo seria a extensão.3 Para Descartes, a extensão seria também um atributo essencial do espaço, já que não haveria diferença entre a extensão da matéria e a extensão do espaço havendo, portanto, uma identidade entre ambos. Nas palavras de Descartes [13]: Quanto ao vácuo, no sentido filosófico de um espaço onde não há substância alguma, é evidente que não há no universo nenhum espaço que seja assim, porque não existe diferença entre a extensão do espaço, ou do lugar interior, e a extensão do corpo. E como, do simples fato de que um corpo é extenso em comprimento, largura e profundidade, temos razão de concluir que ele é uma substância (porque concebemos que não é possível que o que não é nada tenha extensão), podemos concluir a mesma coisa com relação ao espaço supostamente vazio, a saber, que uma vez que há nele uma extensão, há também necessariamente uma substância. Assim, não poderia existir o espaço separado dos corpos e não é possível que um ocorra sem o outro. Dessa identificação entre o espaço e a matéria segue que o espaço vazio (o vácuo) não tem existência. Vemos, então, que o conceito cartesiano de espaço se identifica com a Noção 2.1, e não está muito distante da concepção de espaço que emerge da TRG. 2.2. Conceitos de tempo Tão ou mais intrigante quanto o espaço é a concepção de tempo. Diferentemente do espaço, que pode ser concebido como algo imóvel, o tempo está intimamente relacionado com a ideia de fluxo ou de movimento. De forma semelhante as definições de espaço, podemos distinguir duas concepções fundamentais de tempo: Noção 2.3 O tempo é uma ordem de acontecimentos; uma maneira de medir as mudanças observadas no mundo. O tempo não é uma entidade autônoma. Noção 2.4 O tempo é uma entidade autônoma que flui independentemente de qualquer mudança. Se cessassem todas as mudanças, o tempo continuaria fluindo. Um dos primeiros pensadores a refletir de forma sistemática sobre o tempo foi Platão, que o identifica como uma ilusão. Em sua filosofia, Platão divide o mundo entre o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo dos sentidos). Para ele, como para os idealistas em geral, o mundo sensível (incluindo o tempo) possui uma realidade secundária e é apenas uma cópia do mundo inteligível que, por sua vez, seria o mundo real já que é um tipo mais fundamental da realidade, eterna e imutável. No conceito de Platão, o tempo é “uma imagem móvel da eternidade que procede segundo o número” [14]. Como a eternidade pertence ao mundo inteligível, o tempo, sua imagem móvel no mundo sensível, possuiria então uma natureza secundária. Mas, por proceder segundo o número, a mobilidade do tempo seria dada por um movimento ordenado e periódico, o qual pode ser observado no movimento circular dos corpos celestes, que devido a sua regularidade forneceria uma medida adequada de tempo. Aristóteles, em sua reflexão, também estabeleceu uma estreita relação entre o tempo e o movimento. Ele definiu o tempo como o “número do movimento segundo o anterior-posterior”. Em outra passagem ele comenta [1]: Quando certo tempo parece ter passado, simultaneamente parece ter ocorrido também certo movimento. Por conseguinte, o tempo certamente é um movimento ou algo do movimento. Dado que ele não é um movimento, é necessário que ele seja algo do movimento. Como já enfatizado, para Aristóteles a palavra movimento tem um sentido muito mais amplo do que apenas deslocamento de um corpo. Para ele, movimento significa qualquer tipo de mudança, não apenas de lugar, mas também de qualidade ou quantidade. Para que o tempo seja medido pelo movimento é necessário a existência de um movimento imutável, regular e homogêneo; o movimento que satisfaz essas condições seria o movimento observado nos céus. O tempo, então, seria homogêneo e uniforme já que ele é o número de um movimento homogêneo e uniforme. Quando numeramos o tempo, distinguimos um antes (anterior) e um depois (posterior), ou seja, dois instantes (ágoras) os quais, devido à natureza sucessiva do tempo, não podem ser simultâneos. Um ponto importante é que, como o tempo é o movimento apenas quando esse é numerado, o tempo em si não existiria já que sem um ser inteligente para “numerar” o movimento, o tempo não pode existir. O filósofo Kant também refletiu sobre as noções de tempo e espaço. Em sua obra A crítica da razão pura [15], espaço e tempo são considerados como intuições puras a priori, já que não são derivados da experiência, mas são intuições necessárias para fundamentar as percepções humanas. Em outras palavras, para Kant, o espaço e o tempo são propriedades subjetivas, i.e., são atributos do sujeito e não da natureza. Em suas palavras: “O tempo não é uma coisa objetiva. Não é uma substância, nem acidente,4 nem relação: é uma condição subjetiva necessária por causa da natureza da mente humana.” Essas concepções de Kant estão inseridas em sua teoria do conhecimento. Para Kant o mundo é formado por um plano fenomênico (da sensação) e por outro que se encontra além dos sentidos (a coisa em si). Do ponto de vista da Física, a adoção de uma ou outra concepção tem que ser parte integrante de uma estrutura teórica (teoria física) coerente e cuja utilização será justificada pela capacidade descritiva e preditiva da teoria. Assim, quaisquer que sejam as noções de espaço e tempo, para uma descrição física do mundo, é necessário assumir um sistema de referência (sistema referencial) no qual é possível especificar, de forma adequada, as coordenadas espaciais x, y e z e a coordenada temporal t que nos permitam representar os fenômenos físicos. Um esquema conceitual poderoso e que marcou profundamente o desenvolvimento da física foi proposto por Newton no século XVII o qual será examinado a seguir. . Surge, então, a pergunta: se espaço e tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis ao experimento ou a observação, como podemos saber se eles realmente existem? Nas palavras de Newton, por suas “propriedades, causas e efeitos”.

As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e relativos são diferenciados um do outro são as forças imprimidas sobre os corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é nem gerado nem alterado, a não ser por alguma força imprimida sobre o corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado ou alterado sem qualquer força imprimida sobre o corpo. Pois é suficiente apenas exercer alguma força sobre os outros corpos com os quais o primeiro é comparado, pois quando eles se deslocarem, aquela relação, em que consistia o repouso ou movimento relativo desse outro corpo, é modificada.

Repetindo, o movimento verdadeiro sofre sempre alguma modificação a partir de qualquer força exercida sobre o corpo em movimento; mas movimento relativo não sofre necessariamente quaisquer modificações por tais forças. Um grande argumento em favor da existência do movimento absoluto e, portanto, em favor do espaço absoluto apresentado por Newton é o experimento do balde girante. Como esse experimento é tratado em vários trabalhos [veja 5[5] D. Bohm, A teoria da relatividade restrita (Editora Unesp, São Paulo, 2015), 1 ed., 8[8] L.O.Q. Peduzzi, Evolução dos conceitos da Física - A relatividade einsteiniana: uma abordagem conceitual e epistemológica. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (2009).] aqui consideraremos um exemplo com o movimento retilíneo.

Consideremos os dois observadores dos exemplos anteriores e as seguintes situações (supondo a Terra um referencial inercial):

Situação 1 – Se o trem se move em MRU em relação à estação, pode-se igualmente afirmar que é a estação que se move em MRU, em sentido contrário, em relação ao trem. Essas duas afirmações são igualmente legítimas e equivalentes, já que os dois sistemas de referência (a estação e o trem) são inerciais e não é possível, a partir de experimentos mecânicos, definir qual observador está em repouso e qual encontra-se em movimento.

Situação 2 – Consideremos, agora, que o trem está acelerado em relação à estação. Embora do ponto de vista cinemático podemos afirmar que o movimento é puramente relativo (o observador no trem diria que é a estação que se afasta em movimento acelerado), não é legítimo afirmar, do ponto de vista dinâmico, que a estação encontra-se em movimento acelerado em relação ao trem. Por que não? Porque existe uma força resultante não nula atuando sobre o trem e não sobre a estação.

Enquanto um observador na estação não sente a força resultante, um passageiro no trem sentiria uma força inercial que tenderia a jogá-lo para trás, na direção contrária ao movimento acelerado do trem e esta força não tem origem na interação com outros corpos da natureza, violando assim a terceira lei de Newton. Desse modo, haveria um critério físico (dinâmico) para diferenciar um movimento relativo (situação 1) de um movimento absoluto (situação 2). Ora, movimento absoluto só pode ser em relação ao espaço absoluto.

Para tornar ainda mais clara a diferença entre as situações 1 e 2, imaginemos dois pêndulos, um no teto da estação e um outro no teto do trem, ambos na posição vertical (Figura 4). Enquanto o movimento relativo é uniforme, os dois pêndulos permanecem na vertical, mas se em um dado momento o trem é acelerado (ou freado) o pêndulo que se encontra no trem (e apenas este) se afasta da direção vertical. Então, temos assim um critério empírico para afirmar que o movimento do trem é absoluto visto que apenas no referencial “verdadeiramente” acelerado podemos observar o afastamento do pêndulo da sua posição vertical.

Figura 4:
As reações dos pêndulos frente à aceleração do trem vistas pelos observadores dentro dele e na estação.

Claramente o afastamento do pêndulo no trem da sua posição vertical tem origem no movimento do mesmo, já que não conseguimos identificar uma força “verdadeira” que seja a causa do afastamento do pêndulo da posição vertical. Se não há maneira de diferenciar entre dois referenciais inercias, é possível diferenciar um referencial inercial de um não-inercial. Assim, podemos dizer que um sistema acelerado se encontra em movimento absoluto já que seu estado de movimento produz mudanças absolutas nos fenômenos físicos nesse referencial, que não são observadas quando o movimento é puramente relativo. Desse modo, para explicar o movimento acelerado e não uniforme é necessário recorrer ao conceito de espaço absoluto, o qual, portanto, desempenha um papel fundamental na estrutura lógica da teoria newtoniana do movimento, ainda que as concepções religiosas de Newton tenham sido importantes e fizeram-no identificar o espaço absoluto como o sensorium de Deus [5[5] D. Bohm, A teoria da relatividade restrita (Editora Unesp, São Paulo, 2015), 1 ed., 8[8] L.O.Q. Peduzzi, Evolução dos conceitos da Física - A relatividade einsteiniana: uma abordagem conceitual e epistemológica. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (2009).].

Como sempre acontece com novas ideias, as definições newtonianas de espaço e tempo absolutos foram alvos de críticas severas de importantes pensadores como Gottfried Leibniz, contemporâneo de Newton, e mais tarde de Ernest Mach. Vejamos de forma breve as críticas de Mach à mecânica newtoniana, cujas ideias tiveram forte impacto sobre o jovem Einstein. Em sua filosofia da ciência, Mach defendia que a Física deveria tratar apenas com fenômenos observáveis [23[23] G.B. de Gracia, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180332 (2019).].

Mas, como vimos acima, o espaço e o tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis à experiência e, portanto, segundo Mach, não passariam de “obscuridades metafísicas”. Qual seria então a explicação alternativa da Mach à concepção absoluta de Newton? Enquanto para Newton a massa inercial de um corpo é uma propriedade intrínseca do corpo e as forças inerciais sobre um corpo acelerado são explicadas com base no espaço absoluto, para Mach a inércia de um corpo é uma medida da resistência à aceleração com relação aos demais corpos do universo, ou seja, a inércia deveria ser explicada com base na interação entre os corpos e não com relação ao espaço absoluto. Essa ideia de que a inércia possa ser reduzida à interação entre os corpos é conhecida como princípio de Mach. Para uma melhor compreensão dessas ideias, indicamos ao leitor as referências [8[8] L.O.Q. Peduzzi, Evolução dos conceitos da Física - A relatividade einsteiniana: uma abordagem conceitual e epistemológica. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (2009)., 24[24] A.K.T. Assis, Mecânica Relacional (CLE-Unicamp, Campinas, 1998).] nas quais se discutem a visão de Mach sobre o experimento do balde girante de Newton.

5. A Teoria da Relatividade Restrita. Os Referenciais Inerciais Ainda Reinam

Uma crítica profunda as noções de espaço e tempo da Mecânica Clássica foi realizada pela teoria da relatividade. Esta teoria possui duas versões: a TRR, também chamada Teoria da Relatividade Especial, publicada em 1905, e a TRG, de 1915, a qual incorpora o fenômeno da gravitação [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.].

A TRR tem sua gênese na teoria eletromagnética de Maxwell e é resultado do trabalho de muitos físicos teóricos e experimentais que se debruçaram sobre o tema, dentre os quais podemos citar: Henry Poincaré, Hendrik Lorentz, Albert Michelson e, é claro, Einstein. A teoria eletromagnética descreve, através das denominadas equações de Maxwell, o comportamento do campo eletromagnético e estabelece que a luz é uma onda eletromagnética transversal que se propaga no vácuo com uma velocidade constante c. Mas constante em relação a que referencial?

Adotando um dado referencial inercial S no qual as equações de Maxwell são válidas, a velocidade da luz no vácuo é c em todas as direções. Então, de acordo com a lei de composição de velocidades de Galileu, equação (3), isso não é verdadeiro em outro referencial inercial S. Seria, desse modo, possível distinguir dois observadores inerciais, ao contrário do que afirma a Mecânica Clássica? Em outras palavras, existiria um referencial inercial privilegiado no qual a velocidade da luz é c em todas as direções? Ou haveria uma contradição mais profunda nos conceitos fundamentais da Mecânica Clássica?

Para Einstein, atribuir uma condição privilegiada a um referencial inercial era inadmissível, como de resto apontavam as observações experimentais. No trabalho de 1905, Einstein estabeleceu dois postulados fundamentais:

Postulado 5.1 (Princípio de Relatividade Restrita). As leis da física são as mesmas em todos os referenciais inerciais.

Postulado 5.2 (Princípio de constância da velocidade da luz). A velocidade da luz no vácuo, c, tem o mesmo valor em todas direções e em todos os referenciais inerciais, e é independente do movimento da fonte.

Dificilmente algum físico não concordaria com a afirmação do Postulado 5.1. No máximo, questionaria o papel privilegiado dos referenciais inerciais na formulação das leis da natureza, tarefa realizada pelo próprio Einstein na sua TRG [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.]. Também é importante notar que o Postulado 5.1 é uma generalização da lei da inércia de Galileu para todos os fenômenos da natureza e não apenas aqueles descritos pelas leis de Newton (Mecânica Clássica).

O princípio da invariância de Galileu prevê que a velocidade da luz é diferente em dois sistemas de referência inerciais que estão em movimento relativo. Esse resultado está em contradição com o Postulado 5.2 [26[26] S.T. Thornton e J.B. Marion, Dinâmica Clássica de Partículas e Sistemas (Cengage Learning, São Paulo, 2018).]. Portanto uma nova lei de transformação – a transformação de Lorentz – que teria a relatividade galileana como caso particular, deveria ser proposta de modo a ser consistente com os Postulados 5.1 e 5.2. As transformações de Lorentz surgem como consequência de impormos transformações lineares entre coordenadas de referenciais inerciais, juntando-se ao fato que a luz deve sempre se mover com velocidade c [27[27] A.N. Rocha, B.F. Rizzuti e D.S. Mota, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 4304 (2013).]. Assim, ainda podemos afirmar: as leis da física são invariantes por transformações de Lorentz.

A invariância da velocidade da luz (todos os referenciais inerciais medem o mesmo valor c para a velocidade da luz no vácuo) é simplesmente uma consequência da invariância das equações de Maxwell. De certa forma, podemos dizer que a relatividade restrita é uma consequência lógica das equações de Maxwell.

É essencial perceber que a compatibilidade entre os dois postulados da TRR exige uma redefinição dos conceitos físicos de espaço e tempo, de modo que essas duas grandezas sejam coerentes com esses princípios. Vejamos como a validade do Postulado 5.2 exige uma análise crítica do conceito de simultaneidade, obrigando a se concluir que a simultaneidade de eventos em pontos distantes não é absoluta, mas sim relativa ao movimento do sistema de referência. Se aceitamos esse fato, a relatividade do tempo surge de imediato, conforme pode ser visto no seguinte exemplo, adaptado de Einstein [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.].

Mais uma vez, consideramos um observador O em um trem em MRU com velocidade V em relação ao observador O no leito da estrada, ambos com réguas e relógios equivalentes. Vamos considerar como dois eventos a queda de dois raios no trem, um na traseira (ponto A) e o outro na dianteira (ponto B) do transporte (Figura 5); com cada raio gerando seu sinal luminoso. Vamos considerar que no momento da queda dos raios, os pontos nos dois referenciais coincidam, i.e., A=A e B=B. Como podemos saber se esses eventos são simultâneos? Como a velocidade da luz é uma constante universal, Einstein utilizou esse fato para definir a simultaneidade entre eventos. Dois eventos que ocorrem em dois pontos A e B serão simultâneos se os raios luminosos que partem de A e B se encontrarão no ponto médio do segmento AB¯.

Figura 5:
A queda de dois raios (dotados de sinal luminoso) na frente e na traseira do trem.

Assim, se para o observador na estrada, os sinais luminosos gerados pela queda dos raios nos pontos A e B, se encontram no ponto médio M, esse observador afirmará que a queda dos raios são eventos simultâneos, ou seja, os raios caíram nos pontos A e B em um mesmo instante. E quanto a um observador no trem que se move com velocidade V em relação ao leito da estrada? Para esse observador é a estrada que se move com velocidade V, então o ponto B se aproxima do ponto médio do trem (ponto M) enquanto o ponto A se afasta, logo o sinal luminoso vindo do ponto B chegará no ponto médio do trem antes do sinal luminoso proveniente do ponto A. Assim, para um observador no trem, a queda do raio no ponto B aconteceu antes da queda do raio no ponto A, logo, os eventos não são simultâneos. Em resumo, dois eventos que são simultâneos em um referencial inercial S, podem não ser simultâneos em outro referencial inercial S. Isso significa que a especificação temporal de eventos depende do observador, em outras palavras, o tempo é relativo. Uma análise semelhante mostra que também o espaço é relativo.

Uma implicação notável da relativização da simultaneidade é a impossibilidade da existência de um “agora” universal. Vejamos um exemplo. Se queremos saber o que alguém está fazendo “agora” em uma espaçonave que está a 10 minutos luz distante da Terra, em razão do tempo necessário para que a luz percorra essa distância, só receberemos a resposta vinda da espaçonave depois de 10 minutos e, portanto, não pode existir um “agora” comum a dois observadores espacialmente separados. O leitor poderá argumentar que não podemos saber o que está acontecendo “agora” em uma espaçonave distante 10 minutos luz, mas podemos saber o que aconteceu há 10 minutos atrás em relação ao momento presente, o que seria uma espécie de um “agora” corrigido pelo fato da velocidade da luz ser finita. Acontece que um outro observador, em movimento relativo à Terra, atribuirá um valor diferente ao intervalo de tempo necessário para o sinal de luz percorrer a distância entre a espaçonave e a Terra. Assim, não há universalidade na atribuição de um tempo bem definido a um evento, em outras palavras, o instante em que ocorreu um evento depende do referencial e, dessa forma, esse instante não é uma propriedade intrínseca do evento, o que significa que não existe um “agora” universal e, portanto, esse conceito carece de sentido.

Quais as implicações desse fato? Para melhor apreciar as profundas mudanças realizadas pela teoria da relatividade em nossa visão de mundo, lembremos que, como na Mecânica Clássica existe um agora universal, faz sentido imaginar que a cada instante o mundo seja constituído por muitos objetos cuja existência é, a priori, bem definida de forma objetiva em um dado momento. Em momentos seguintes, esses objetos podem ocupar diferentes posições no espaço, cuja dinâmica pode ser calculada pela segunda lei de Newton. Dessa forma, em cada instante particular faz sentido afirmar a existência objetiva desses objetos que constituiriam a realidade física.

Na teoria da relatividade a situação é completamente diferente. Como diferentes observadores não podem concordar sobre quais eventos constituem o mesmo instante, não faz mais sentido afirmar a existência objetiva desses objetos. O espaço e o tempo, separadamente, não possuem um caráter universal como possuem na mecânica clássica. Mas, considerados em conjunto, i.e., interdependentes, eles desempenham um papel semelhante ao realizado apenas pelo espaço na Mecânica Clássica. A consequência disso é que a noção de objeto é substituída pela noção de evento. A realidade física é imaginada não como constituída de objetos que existem no espaço, mas como um padrão de eventos, obviamente organizados e estruturados de modo que descrevam as propriedades do sistema material sob análise. Uma consequência imediata é que o tempo adquire um status semelhante às coordenadas espaciais, ou seja, ocorre uma espacialização do tempo, assim resumido por Einstein: “De um suceder no espaço a três dimensões, a física passa a ser de certa maneira um ser no “Universo” a quatro dimensões” [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.].

Essa mudança radical na nossa noção de realidade é adequadamente descrita, de um ponto de vista formal, através da introdução de um espaço quadridimensional formado pelas três coordenadas espaciais ordinárias (x,y,z) e uma coordenada temporal, que alguns autores representam por ict, onde i é a unidade imaginária. Esse espaço é chamado espaço-tempo de Minkowski [28[28] J. Vaz Jr., Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 5 (2000).].

Os pontos neste espaço-tempo definem os eventos determinados pelas coordenadas (x,y,z,ct). A distância entre dois eventos 1 e 2, no espaço de Minkowski é chamado de intervalo e seu quadrado é dado por

(7)s122=c2(t2-t2)2-(x2-x1)2-(y2-y1)2-(z2-z1)2
onde (x1,y1,z1,ct1) e (x2,y2,z2,ct2) se referem aos eventos 1 e 2, respectivamente. O intervalo s12 é invariante por uma transformação de Lorentz e vemos que pode ser positivo, negativo ou nulo para diferentes pares de eventos; com isso, dizemos que a métrica do espaço-tempo não é positiva definida e, assim, sua geometria não é euclidiana.

6. O Espaço-Tempo Absoluto

Apesar das profundas transformações introduzidas pela TRR em conceitos fundamentais como tempo e espaço, e a consequente mudança de visão de mundo, ela mantém o papel privilegiado dos sistemas inerciais na descrição das leis da natureza. Mas, conforme vimos na Seção 2 2. Conceitos de Espaço e Tempo Espaço e tempo tem sido tema de investigação e reflexão por filósofos, teólogos, cientistas e artistas ao longo da história humana. Pensadores de civilizações da antiguidade – podemos citar: a egípcia, a persa, a judaica, as orientais e a grega – já se indagavam sobre a natureza do espaço e do tempo [11]. Além disso, esses conceitos figuram-se entre os mais fundamentais nas teorias físicas, que os pressupõem nos seus fundamentos. Para os propósitos deste trabalho, discutiremos a seguir, de forma sucinta, algumas ideias acerca do espaço e do tempo de importantes pensadores, cujas concepções nos permitem fazer conexões com as noções desses conceitos nas teorias físicas. 2.1. Conceitos de espaço O que é o espaço? Qual sua natureza? Ele existe como objeto independente dos corpos materiais, i.e., há um espaço em si? De modo geral, há duas formas fundamentais de conceituar o espaço: Noção 2.1 O espaço é um sistema de relações ou de ordem de objetos materiais. Nesse contexto, não faz sentido a ideia de espaço vazio, em outras palavras, o espaço é uma propriedade relativa às posições ocupadas pelos objetos corpóreos, ou seja, o espaço não existe sem a presença de corpos materiais. Noção 2.2 O espaço é uma espécie de receptáculo de objetos materiais, cuja existência independe de qualquer objeto material. Em outras palavras, existe um espaço vazio no qual estão situados os corpos e cuja existência (do espaço) é absoluta no sentido de que mesmo que não exista objeto material presente, ainda assim existe o espaço vazio. Na Noção 2.1, o espaço vazio não existe sem a existência de objetos materiais. Desse modo, segundo essa concepção, os objetos materiais são as entidades fundamentais da realidade. No segundo caso, Noção 2.2, um objeto material não pode ser concebido sem estar situado (existindo) no espaço. Assim, de certa forma, o espaço possui uma realidade mais fundamental do que os objetos materiais. Aristóteles realizou uma profunda reflexão sobre o espaço. Em sua cosmologia, o mundo é separado em duas regiões distintas: o mundo supralunar, que se estenderia da esfera da lua até as estrelas, as quais comporiam a última esfera celeste. Esse mundo supralunar seria constituído de éter (um material puro e sem peso, o que refletiria a perfeição e imutabilidade dos céus). Por sua vez, o mundo sublunar seria constituído dos quatro elementos fundamentais, terra, água, fogo e ar, também ordenados em esferas, nessa ordem, a partir do centro da Terra, a qual ocupa o centro do universo. Assim, para Aristóteles o espaço não é homogêneo e nem vazio, já que o mesmo está pleno de matéria, além de necessariamente finito [2]. Um conceito importante na teoria de Aristóteles é o de lugar, que seria o limite adjacente ao corpo nele contido [12] e, portanto, não existe de forma independente da matéria. Outra característica fundamental do espaço aristotélico, como já dito na Introdução, é a sua não-homogeneidade. Cada objeto possui um lugar natural para o qual ele tenderia a se mover; o movimento seria explicado por suas causas finais teleológicas. Por exemplo, uma pedra solta cai em direção à terra devido a sua tendência de alcançar seu lugar natural. Como os corpos celestes são mais perfeitos que a matéria que forma o mundo sublunar, eles devem mover-se em uma trajetória circular, já que o círculo é a forma geométrica mais perfeita. Desse modo, a diferenciação de lugares é que seria o responsável pelo movimento já que uma espécie de interação entre a matéria e o espaço é o que determinaria o movimento e o repouso dos corpos. O movimento seria, então, determinado pelo espaço, já que este seria a causa eficiente que compele o corpo a ir para seu lugar natural. Em Descartes, o conceito de espaço é consequência do seu dualismo metafísico, i.e., a distinção cartesiana fundamental entre o corpo e a alma. Esta última tem como atributo essencial o pensamento; já para o corpo, o atributo essencial e exclusivo seria a extensão.3 Para Descartes, a extensão seria também um atributo essencial do espaço, já que não haveria diferença entre a extensão da matéria e a extensão do espaço havendo, portanto, uma identidade entre ambos. Nas palavras de Descartes [13]: Quanto ao vácuo, no sentido filosófico de um espaço onde não há substância alguma, é evidente que não há no universo nenhum espaço que seja assim, porque não existe diferença entre a extensão do espaço, ou do lugar interior, e a extensão do corpo. E como, do simples fato de que um corpo é extenso em comprimento, largura e profundidade, temos razão de concluir que ele é uma substância (porque concebemos que não é possível que o que não é nada tenha extensão), podemos concluir a mesma coisa com relação ao espaço supostamente vazio, a saber, que uma vez que há nele uma extensão, há também necessariamente uma substância. Assim, não poderia existir o espaço separado dos corpos e não é possível que um ocorra sem o outro. Dessa identificação entre o espaço e a matéria segue que o espaço vazio (o vácuo) não tem existência. Vemos, então, que o conceito cartesiano de espaço se identifica com a Noção 2.1, e não está muito distante da concepção de espaço que emerge da TRG. 2.2. Conceitos de tempo Tão ou mais intrigante quanto o espaço é a concepção de tempo. Diferentemente do espaço, que pode ser concebido como algo imóvel, o tempo está intimamente relacionado com a ideia de fluxo ou de movimento. De forma semelhante as definições de espaço, podemos distinguir duas concepções fundamentais de tempo: Noção 2.3 O tempo é uma ordem de acontecimentos; uma maneira de medir as mudanças observadas no mundo. O tempo não é uma entidade autônoma. Noção 2.4 O tempo é uma entidade autônoma que flui independentemente de qualquer mudança. Se cessassem todas as mudanças, o tempo continuaria fluindo. Um dos primeiros pensadores a refletir de forma sistemática sobre o tempo foi Platão, que o identifica como uma ilusão. Em sua filosofia, Platão divide o mundo entre o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo dos sentidos). Para ele, como para os idealistas em geral, o mundo sensível (incluindo o tempo) possui uma realidade secundária e é apenas uma cópia do mundo inteligível que, por sua vez, seria o mundo real já que é um tipo mais fundamental da realidade, eterna e imutável. No conceito de Platão, o tempo é “uma imagem móvel da eternidade que procede segundo o número” [14]. Como a eternidade pertence ao mundo inteligível, o tempo, sua imagem móvel no mundo sensível, possuiria então uma natureza secundária. Mas, por proceder segundo o número, a mobilidade do tempo seria dada por um movimento ordenado e periódico, o qual pode ser observado no movimento circular dos corpos celestes, que devido a sua regularidade forneceria uma medida adequada de tempo. Aristóteles, em sua reflexão, também estabeleceu uma estreita relação entre o tempo e o movimento. Ele definiu o tempo como o “número do movimento segundo o anterior-posterior”. Em outra passagem ele comenta [1]: Quando certo tempo parece ter passado, simultaneamente parece ter ocorrido também certo movimento. Por conseguinte, o tempo certamente é um movimento ou algo do movimento. Dado que ele não é um movimento, é necessário que ele seja algo do movimento. Como já enfatizado, para Aristóteles a palavra movimento tem um sentido muito mais amplo do que apenas deslocamento de um corpo. Para ele, movimento significa qualquer tipo de mudança, não apenas de lugar, mas também de qualidade ou quantidade. Para que o tempo seja medido pelo movimento é necessário a existência de um movimento imutável, regular e homogêneo; o movimento que satisfaz essas condições seria o movimento observado nos céus. O tempo, então, seria homogêneo e uniforme já que ele é o número de um movimento homogêneo e uniforme. Quando numeramos o tempo, distinguimos um antes (anterior) e um depois (posterior), ou seja, dois instantes (ágoras) os quais, devido à natureza sucessiva do tempo, não podem ser simultâneos. Um ponto importante é que, como o tempo é o movimento apenas quando esse é numerado, o tempo em si não existiria já que sem um ser inteligente para “numerar” o movimento, o tempo não pode existir. O filósofo Kant também refletiu sobre as noções de tempo e espaço. Em sua obra A crítica da razão pura [15], espaço e tempo são considerados como intuições puras a priori, já que não são derivados da experiência, mas são intuições necessárias para fundamentar as percepções humanas. Em outras palavras, para Kant, o espaço e o tempo são propriedades subjetivas, i.e., são atributos do sujeito e não da natureza. Em suas palavras: “O tempo não é uma coisa objetiva. Não é uma substância, nem acidente,4 nem relação: é uma condição subjetiva necessária por causa da natureza da mente humana.” Essas concepções de Kant estão inseridas em sua teoria do conhecimento. Para Kant o mundo é formado por um plano fenomênico (da sensação) e por outro que se encontra além dos sentidos (a coisa em si). Do ponto de vista da Física, a adoção de uma ou outra concepção tem que ser parte integrante de uma estrutura teórica (teoria física) coerente e cuja utilização será justificada pela capacidade descritiva e preditiva da teoria. Assim, quaisquer que sejam as noções de espaço e tempo, para uma descrição física do mundo, é necessário assumir um sistema de referência (sistema referencial) no qual é possível especificar, de forma adequada, as coordenadas espaciais x, y e z e a coordenada temporal t que nos permitam representar os fenômenos físicos. Um esquema conceitual poderoso e que marcou profundamente o desenvolvimento da física foi proposto por Newton no século XVII o qual será examinado a seguir. , é o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição da natureza que justifica o conceito de movimento absoluto. Na TRR o espaço-tempo de Minkowski desempenha um papel semelhante ao espaço euclidiano na mecânica clássica.

O espaço-tempo funciona como um “palco” para os eventos e possui uma existência independente, já que ele não é afetado pela existência de matéria e campo nele existentes; em outras palavras, se a matéria e o campo forem retirados, o espaço-tempo continuará existindo independentemente da presença destes. Porém, como as coordenadas espaciais e temporais não são independentes, isto introduz novos elementos na descrição da realidade física que estavam ausentes na descrição fornecida pela mecânica clássica. Mais uma vez citando Einstein: “Como nesta estrutura quadridimensional não há mais seções que representem objetivamente o “agora”, o conceito do acontecer e do devir, embora não desapareça completamente, torna-se mais complicado” [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.].

Em resumo, ainda que a TRR tenha realizado profundas mudanças nas noções newtonianas de tempo e espaço, a estrutura quadrimensional formada pela união entre tempo e espaço, o espaço-tempo de Minkowski, existe de forma independente e sem relação com qualquer objeto material e, portanto, representa a Noção 2.2 de espaço discutida na Seção 2 2. Conceitos de Espaço e Tempo Espaço e tempo tem sido tema de investigação e reflexão por filósofos, teólogos, cientistas e artistas ao longo da história humana. Pensadores de civilizações da antiguidade – podemos citar: a egípcia, a persa, a judaica, as orientais e a grega – já se indagavam sobre a natureza do espaço e do tempo [11]. Além disso, esses conceitos figuram-se entre os mais fundamentais nas teorias físicas, que os pressupõem nos seus fundamentos. Para os propósitos deste trabalho, discutiremos a seguir, de forma sucinta, algumas ideias acerca do espaço e do tempo de importantes pensadores, cujas concepções nos permitem fazer conexões com as noções desses conceitos nas teorias físicas. 2.1. Conceitos de espaço O que é o espaço? Qual sua natureza? Ele existe como objeto independente dos corpos materiais, i.e., há um espaço em si? De modo geral, há duas formas fundamentais de conceituar o espaço: Noção 2.1 O espaço é um sistema de relações ou de ordem de objetos materiais. Nesse contexto, não faz sentido a ideia de espaço vazio, em outras palavras, o espaço é uma propriedade relativa às posições ocupadas pelos objetos corpóreos, ou seja, o espaço não existe sem a presença de corpos materiais. Noção 2.2 O espaço é uma espécie de receptáculo de objetos materiais, cuja existência independe de qualquer objeto material. Em outras palavras, existe um espaço vazio no qual estão situados os corpos e cuja existência (do espaço) é absoluta no sentido de que mesmo que não exista objeto material presente, ainda assim existe o espaço vazio. Na Noção 2.1, o espaço vazio não existe sem a existência de objetos materiais. Desse modo, segundo essa concepção, os objetos materiais são as entidades fundamentais da realidade. No segundo caso, Noção 2.2, um objeto material não pode ser concebido sem estar situado (existindo) no espaço. Assim, de certa forma, o espaço possui uma realidade mais fundamental do que os objetos materiais. Aristóteles realizou uma profunda reflexão sobre o espaço. Em sua cosmologia, o mundo é separado em duas regiões distintas: o mundo supralunar, que se estenderia da esfera da lua até as estrelas, as quais comporiam a última esfera celeste. Esse mundo supralunar seria constituído de éter (um material puro e sem peso, o que refletiria a perfeição e imutabilidade dos céus). Por sua vez, o mundo sublunar seria constituído dos quatro elementos fundamentais, terra, água, fogo e ar, também ordenados em esferas, nessa ordem, a partir do centro da Terra, a qual ocupa o centro do universo. Assim, para Aristóteles o espaço não é homogêneo e nem vazio, já que o mesmo está pleno de matéria, além de necessariamente finito [2]. Um conceito importante na teoria de Aristóteles é o de lugar, que seria o limite adjacente ao corpo nele contido [12] e, portanto, não existe de forma independente da matéria. Outra característica fundamental do espaço aristotélico, como já dito na Introdução, é a sua não-homogeneidade. Cada objeto possui um lugar natural para o qual ele tenderia a se mover; o movimento seria explicado por suas causas finais teleológicas. Por exemplo, uma pedra solta cai em direção à terra devido a sua tendência de alcançar seu lugar natural. Como os corpos celestes são mais perfeitos que a matéria que forma o mundo sublunar, eles devem mover-se em uma trajetória circular, já que o círculo é a forma geométrica mais perfeita. Desse modo, a diferenciação de lugares é que seria o responsável pelo movimento já que uma espécie de interação entre a matéria e o espaço é o que determinaria o movimento e o repouso dos corpos. O movimento seria, então, determinado pelo espaço, já que este seria a causa eficiente que compele o corpo a ir para seu lugar natural. Em Descartes, o conceito de espaço é consequência do seu dualismo metafísico, i.e., a distinção cartesiana fundamental entre o corpo e a alma. Esta última tem como atributo essencial o pensamento; já para o corpo, o atributo essencial e exclusivo seria a extensão.3 Para Descartes, a extensão seria também um atributo essencial do espaço, já que não haveria diferença entre a extensão da matéria e a extensão do espaço havendo, portanto, uma identidade entre ambos. Nas palavras de Descartes [13]: Quanto ao vácuo, no sentido filosófico de um espaço onde não há substância alguma, é evidente que não há no universo nenhum espaço que seja assim, porque não existe diferença entre a extensão do espaço, ou do lugar interior, e a extensão do corpo. E como, do simples fato de que um corpo é extenso em comprimento, largura e profundidade, temos razão de concluir que ele é uma substância (porque concebemos que não é possível que o que não é nada tenha extensão), podemos concluir a mesma coisa com relação ao espaço supostamente vazio, a saber, que uma vez que há nele uma extensão, há também necessariamente uma substância. Assim, não poderia existir o espaço separado dos corpos e não é possível que um ocorra sem o outro. Dessa identificação entre o espaço e a matéria segue que o espaço vazio (o vácuo) não tem existência. Vemos, então, que o conceito cartesiano de espaço se identifica com a Noção 2.1, e não está muito distante da concepção de espaço que emerge da TRG. 2.2. Conceitos de tempo Tão ou mais intrigante quanto o espaço é a concepção de tempo. Diferentemente do espaço, que pode ser concebido como algo imóvel, o tempo está intimamente relacionado com a ideia de fluxo ou de movimento. De forma semelhante as definições de espaço, podemos distinguir duas concepções fundamentais de tempo: Noção 2.3 O tempo é uma ordem de acontecimentos; uma maneira de medir as mudanças observadas no mundo. O tempo não é uma entidade autônoma. Noção 2.4 O tempo é uma entidade autônoma que flui independentemente de qualquer mudança. Se cessassem todas as mudanças, o tempo continuaria fluindo. Um dos primeiros pensadores a refletir de forma sistemática sobre o tempo foi Platão, que o identifica como uma ilusão. Em sua filosofia, Platão divide o mundo entre o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo dos sentidos). Para ele, como para os idealistas em geral, o mundo sensível (incluindo o tempo) possui uma realidade secundária e é apenas uma cópia do mundo inteligível que, por sua vez, seria o mundo real já que é um tipo mais fundamental da realidade, eterna e imutável. No conceito de Platão, o tempo é “uma imagem móvel da eternidade que procede segundo o número” [14]. Como a eternidade pertence ao mundo inteligível, o tempo, sua imagem móvel no mundo sensível, possuiria então uma natureza secundária. Mas, por proceder segundo o número, a mobilidade do tempo seria dada por um movimento ordenado e periódico, o qual pode ser observado no movimento circular dos corpos celestes, que devido a sua regularidade forneceria uma medida adequada de tempo. Aristóteles, em sua reflexão, também estabeleceu uma estreita relação entre o tempo e o movimento. Ele definiu o tempo como o “número do movimento segundo o anterior-posterior”. Em outra passagem ele comenta [1]: Quando certo tempo parece ter passado, simultaneamente parece ter ocorrido também certo movimento. Por conseguinte, o tempo certamente é um movimento ou algo do movimento. Dado que ele não é um movimento, é necessário que ele seja algo do movimento. Como já enfatizado, para Aristóteles a palavra movimento tem um sentido muito mais amplo do que apenas deslocamento de um corpo. Para ele, movimento significa qualquer tipo de mudança, não apenas de lugar, mas também de qualidade ou quantidade. Para que o tempo seja medido pelo movimento é necessário a existência de um movimento imutável, regular e homogêneo; o movimento que satisfaz essas condições seria o movimento observado nos céus. O tempo, então, seria homogêneo e uniforme já que ele é o número de um movimento homogêneo e uniforme. Quando numeramos o tempo, distinguimos um antes (anterior) e um depois (posterior), ou seja, dois instantes (ágoras) os quais, devido à natureza sucessiva do tempo, não podem ser simultâneos. Um ponto importante é que, como o tempo é o movimento apenas quando esse é numerado, o tempo em si não existiria já que sem um ser inteligente para “numerar” o movimento, o tempo não pode existir. O filósofo Kant também refletiu sobre as noções de tempo e espaço. Em sua obra A crítica da razão pura [15], espaço e tempo são considerados como intuições puras a priori, já que não são derivados da experiência, mas são intuições necessárias para fundamentar as percepções humanas. Em outras palavras, para Kant, o espaço e o tempo são propriedades subjetivas, i.e., são atributos do sujeito e não da natureza. Em suas palavras: “O tempo não é uma coisa objetiva. Não é uma substância, nem acidente,4 nem relação: é uma condição subjetiva necessária por causa da natureza da mente humana.” Essas concepções de Kant estão inseridas em sua teoria do conhecimento. Para Kant o mundo é formado por um plano fenomênico (da sensação) e por outro que se encontra além dos sentidos (a coisa em si). Do ponto de vista da Física, a adoção de uma ou outra concepção tem que ser parte integrante de uma estrutura teórica (teoria física) coerente e cuja utilização será justificada pela capacidade descritiva e preditiva da teoria. Assim, quaisquer que sejam as noções de espaço e tempo, para uma descrição física do mundo, é necessário assumir um sistema de referência (sistema referencial) no qual é possível especificar, de forma adequada, as coordenadas espaciais x, y e z e a coordenada temporal t que nos permitam representar os fenômenos físicos. Um esquema conceitual poderoso e que marcou profundamente o desenvolvimento da física foi proposto por Newton no século XVII o qual será examinado a seguir. . Uma crítica definitiva à noção de “espaço” absoluto (e, portanto, de movimento absoluto) será realizada pela teoria da relatividade geral, a qual será examinada em seus aspectos centrais na próxima Seção.

7. A Teoria da Relatividade Geral. Os Referenciais Inerciais São Revisados

Como já salientado, a TRR mantém o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição das leis da natureza. Nesse sentido, não há diferença entre a Mecânica Clássica e a TRR. Uma diferença fundamental entre essas duas teorias é que a TRR estabelece que nenhuma interação na natureza pode ser instantânea. Entretanto, a interação gravitacional, como descrita por Newton, implica em uma interação instantânea entre as partículas já que a mudança de posição de uma das partículas significa mudar instantaneamente a interação entre elas.

São dois problemas intimamente relacionados, a saber, a generalização do princípio da relatividade para todos os sistemas de referência e a reformulação da teoria da gravitação, que deram origem à TRG. Com essa teoria Einstein vai estabelecer a equivalência entre todos os sistemas de referência (não só os inerciais, mas também os acelerados) para a formulação das leis da natureza [25[25] A. Einstein, A Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 1999), 1 ed.].

Postulado 7.1 (Princípio da Relatividade Geral). Todos os sistemas de referência, não apenas os inerciais, são equivalentes para a descrição da natureza, ou seja, as leis da física podem ser formuladas de modo igualmente válido em qualquer sistema referencial, independentemente do seu estado de movimento em relação a qualquer outro.

Mas, conforme discutimos na Seção 4 4. Nem Tão Relativo Assim. O Movimento Absoluto Segundo Newton Se, por definição, o movimento é sempre relativo, então por que falamos em movimento absoluto na Mecânica Clássica? O conceito de movimento absoluto foi amplamente discutido por Newton, que introduz as seguintes definições [6]: III – Lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e de acordo com o espaço, é ou absoluto ou relativo. IV – Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; e movimento relativo, a translação de um lugar relativo para outro. Assim, de forma simples e direta podemos dizer que movimento absoluto é aquele que acontece em relação ao espaço absoluto. Por sua vez, o conceito de espaço absoluto é dado a priori e independentemente da distribuição e movimento da matéria. Cada referencial inercial se move com uma velocidade constante relativa ao espaço absoluto e as forças inerciais aparecem como consequência da aceleração em relação a este espaço. Obviamente Newton se preocupa em diferenciar o espaço absoluto do espaço relativo [6]: II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é normalmente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais. O tempo também é absoluto, conforme definido por Newton [6]: I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano. As concepções newtonianas de movimento, espaço e tempo podem ser sumarizadas da seguinte forma: 1 – Percebemos movimento quando há mudança de posição relativa entre objetos com o decorrer do tempo. Mas, além de espaço e tempo relativos, percebidos pelos nossos sentidos, Newton afirma a existência de espaço e tempo absolutos; 2 – O espaço absoluto é uma estrutura infinita, imóvel e homogênea, no qual os corpos estão localizados e pelo qual se movem. Nenhum corpo é capaz de exercer qualquer efeito sobre o espaço em si; 3 – O tempo absoluto, por sua vez, é um fluxo uniforme, unidimensional e infinito e também é independente de todos os eventos. Claramente, vemos que os conceitos de espaço e tempo de Newton são identificados com as noções 2.2 e 2.4 apresentadas na Seção 2. Surge, então, a pergunta: se espaço e tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis ao experimento ou a observação, como podemos saber se eles realmente existem? Nas palavras de Newton, por suas “propriedades, causas e efeitos”. As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e relativos são diferenciados um do outro são as forças imprimidas sobre os corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é nem gerado nem alterado, a não ser por alguma força imprimida sobre o corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado ou alterado sem qualquer força imprimida sobre o corpo. Pois é suficiente apenas exercer alguma força sobre os outros corpos com os quais o primeiro é comparado, pois quando eles se deslocarem, aquela relação, em que consistia o repouso ou movimento relativo desse outro corpo, é modificada. Repetindo, o movimento verdadeiro sofre sempre alguma modificação a partir de qualquer força exercida sobre o corpo em movimento; mas movimento relativo não sofre necessariamente quaisquer modificações por tais forças. Um grande argumento em favor da existência do movimento absoluto e, portanto, em favor do espaço absoluto apresentado por Newton é o experimento do balde girante. Como esse experimento é tratado em vários trabalhos [veja 5, 8] aqui consideraremos um exemplo com o movimento retilíneo. Consideremos os dois observadores dos exemplos anteriores e as seguintes situações (supondo a Terra um referencial inercial): Situação 1 – Se o trem se move em MRU em relação à estação, pode-se igualmente afirmar que é a estação que se move em MRU, em sentido contrário, em relação ao trem. Essas duas afirmações são igualmente legítimas e equivalentes, já que os dois sistemas de referência (a estação e o trem) são inerciais e não é possível, a partir de experimentos mecânicos, definir qual observador está em repouso e qual encontra-se em movimento. Situação 2 – Consideremos, agora, que o trem está acelerado em relação à estação. Embora do ponto de vista cinemático podemos afirmar que o movimento é puramente relativo (o observador no trem diria que é a estação que se afasta em movimento acelerado), não é legítimo afirmar, do ponto de vista dinâmico, que a estação encontra-se em movimento acelerado em relação ao trem. Por que não? Porque existe uma força resultante não nula atuando sobre o trem e não sobre a estação. Enquanto um observador na estação não sente a força resultante, um passageiro no trem sentiria uma força inercial que tenderia a jogá-lo para trás, na direção contrária ao movimento acelerado do trem e esta força não tem origem na interação com outros corpos da natureza, violando assim a terceira lei de Newton. Desse modo, haveria um critério físico (dinâmico) para diferenciar um movimento relativo (situação 1) de um movimento absoluto (situação 2). Ora, movimento absoluto só pode ser em relação ao espaço absoluto. Para tornar ainda mais clara a diferença entre as situações 1 e 2, imaginemos dois pêndulos, um no teto da estação e um outro no teto do trem, ambos na posição vertical (Figura 4). Enquanto o movimento relativo é uniforme, os dois pêndulos permanecem na vertical, mas se em um dado momento o trem é acelerado (ou freado) o pêndulo que se encontra no trem (e apenas este) se afasta da direção vertical. Então, temos assim um critério empírico para afirmar que o movimento do trem é absoluto visto que apenas no referencial “verdadeiramente” acelerado podemos observar o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Figura 4: As reações dos pêndulos frente à aceleração do trem vistas pelos observadores dentro dele e na estação. Claramente o afastamento do pêndulo no trem da sua posição vertical tem origem no movimento do mesmo, já que não conseguimos identificar uma força “verdadeira” que seja a causa do afastamento do pêndulo da posição vertical. Se não há maneira de diferenciar entre dois referenciais inercias, é possível diferenciar um referencial inercial de um não-inercial. Assim, podemos dizer que um sistema acelerado se encontra em movimento absoluto já que seu estado de movimento produz mudanças absolutas nos fenômenos físicos nesse referencial, que não são observadas quando o movimento é puramente relativo. Desse modo, para explicar o movimento acelerado e não uniforme é necessário recorrer ao conceito de espaço absoluto, o qual, portanto, desempenha um papel fundamental na estrutura lógica da teoria newtoniana do movimento, ainda que as concepções religiosas de Newton tenham sido importantes e fizeram-no identificar o espaço absoluto como o sensorium de Deus [5, 8]. Como sempre acontece com novas ideias, as definições newtonianas de espaço e tempo absolutos foram alvos de críticas severas de importantes pensadores como Gottfried Leibniz, contemporâneo de Newton, e mais tarde de Ernest Mach. Vejamos de forma breve as críticas de Mach à mecânica newtoniana, cujas ideias tiveram forte impacto sobre o jovem Einstein. Em sua filosofia da ciência, Mach defendia que a Física deveria tratar apenas com fenômenos observáveis [23]. Mas, como vimos acima, o espaço e o tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis à experiência e, portanto, segundo Mach, não passariam de “obscuridades metafísicas”. Qual seria então a explicação alternativa da Mach à concepção absoluta de Newton? Enquanto para Newton a massa inercial de um corpo é uma propriedade intrínseca do corpo e as forças inerciais sobre um corpo acelerado são explicadas com base no espaço absoluto, para Mach a inércia de um corpo é uma medida da resistência à aceleração com relação aos demais corpos do universo, ou seja, a inércia deveria ser explicada com base na interação entre os corpos e não com relação ao espaço absoluto. Essa ideia de que a inércia possa ser reduzida à interação entre os corpos é conhecida como princípio de Mach. Para uma melhor compreensão dessas ideias, indicamos ao leitor as referências [8, 24] nas quais se discutem a visão de Mach sobre o experimento do balde girante de Newton. , quando analisamos o movimento entre um trem e uma estação, no caso em que o trem possui uma aceleração vimos que podemos fazer distinção entre referenciais inerciais e acelerados observando o comportamento mecânico dos corpos (apenas no trem em movimento acelerado o pêndulo se afasta da posição vertical) e por isso atribuímos ao movimento acelerado uma realidade física absoluta. Como então explicar essa situação à luz do Princípio da Relatividade Geral? Einstein encontrou uma pista em um fato bem conhecido da Mecânica Clássica, mas que nunca fora explicado, a saber, a igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional.

Na Mecânica Clássica, a massa inercial é uma medida da resistência do corpo em mudar de estado de movimento. Por sua vez, a massa gravitacional representa a “carga” gravitacional que é a grandeza que determina a intensidade da interação gravitacional de um corpo com o campo gravitacional produzido por outro corpo. Vemos, assim, que massa inercial e massa gravitacional são conceitos muito distintos. Apesar disso, de acordo com a experiência, elas são medidas por um mesmo número, o que sugere uma relação íntima entre a gravidade e a inércia.

Devido à igualdade numérica entre essas duas grandezas, os corpos que se movimentam sob a ação exclusiva da força gravitacional, em uma região onde essa força pode ser suposta constante, tem a notável propriedade de possuir a mesma aceleração independentemente do corpo (uma esfera de chumbo ou uma pena, abandonados da mesma altura, caem, em queda livre, exatamente da mesma forma). Esta propriedade permite estabelecer uma equivalência entre o movimento das partículas em um campo gravitacional, descrito por um referencial inercial, e o movimento das partículas na ausência de um campo gravitacional, mas descrito do ponto de vista de um referencial acelerado. Esta indistinguibilidade constitui o princípio de equivalência da TRG [29[29] R.R. Machado, A.C. Tort e C.A.D. Zarro, A Física na Escola 19, 2 (2021).].

Assim, em um referencial acelerado (em queda livre) os efeitos do campo gravitacional sobre a partícula são anulados. O inverso também é verdadeiro, i.e., é possível criar efeitos idênticos a de um campo gravitacional uniforme, na ausência do campo, em um referencial uniformemente acelerado. De fato: consideremos um observador em um compartimento fechado (elevador de Einstein), localizado em uma região do espaço suficientemente afastada de campos gravitacionais. Imaginemos que, através de um cabo, o compartimento é puxado na direção paralela à altura do observador, transmitindo ao compartimento um movimento uniformemente acelerado com magnitude a = g (medido em relação a um referencial inercial). O observador no interior do elevador não teria como saber, através de realização de experimentos, se o compartimento, juntamente com ele, está sendo acelerado para “cima’ ou, ao invés disso, encontra-se parado num campo gravitacional uniforme.

Isso é muito interessante. Conforme vimos, os observadores em referenciais acelerados tinham como distinguir, através da realização de experimentos, referenciais inerciais dos acelerados. Agora temos uma situação em que um referencial acelerado comporta-se como se fosse um referencial inercial no seguinte sentido: mesmo sendo o compartimento um referencial não inercial, um observador em seu interior, sem contato com o mundo externo, não consegue observar efeitos físicos que teriam origens no fato do elevador estar em movimento uniformemente variado.

Mas como então podemos explicar o fato, discutido na Seção 4 4. Nem Tão Relativo Assim. O Movimento Absoluto Segundo Newton Se, por definição, o movimento é sempre relativo, então por que falamos em movimento absoluto na Mecânica Clássica? O conceito de movimento absoluto foi amplamente discutido por Newton, que introduz as seguintes definições [6]: III – Lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e de acordo com o espaço, é ou absoluto ou relativo. IV – Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; e movimento relativo, a translação de um lugar relativo para outro. Assim, de forma simples e direta podemos dizer que movimento absoluto é aquele que acontece em relação ao espaço absoluto. Por sua vez, o conceito de espaço absoluto é dado a priori e independentemente da distribuição e movimento da matéria. Cada referencial inercial se move com uma velocidade constante relativa ao espaço absoluto e as forças inerciais aparecem como consequência da aceleração em relação a este espaço. Obviamente Newton se preocupa em diferenciar o espaço absoluto do espaço relativo [6]: II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é normalmente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais. O tempo também é absoluto, conforme definido por Newton [6]: I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano. As concepções newtonianas de movimento, espaço e tempo podem ser sumarizadas da seguinte forma: 1 – Percebemos movimento quando há mudança de posição relativa entre objetos com o decorrer do tempo. Mas, além de espaço e tempo relativos, percebidos pelos nossos sentidos, Newton afirma a existência de espaço e tempo absolutos; 2 – O espaço absoluto é uma estrutura infinita, imóvel e homogênea, no qual os corpos estão localizados e pelo qual se movem. Nenhum corpo é capaz de exercer qualquer efeito sobre o espaço em si; 3 – O tempo absoluto, por sua vez, é um fluxo uniforme, unidimensional e infinito e também é independente de todos os eventos. Claramente, vemos que os conceitos de espaço e tempo de Newton são identificados com as noções 2.2 e 2.4 apresentadas na Seção 2. Surge, então, a pergunta: se espaço e tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis ao experimento ou a observação, como podemos saber se eles realmente existem? Nas palavras de Newton, por suas “propriedades, causas e efeitos”. As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e relativos são diferenciados um do outro são as forças imprimidas sobre os corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é nem gerado nem alterado, a não ser por alguma força imprimida sobre o corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado ou alterado sem qualquer força imprimida sobre o corpo. Pois é suficiente apenas exercer alguma força sobre os outros corpos com os quais o primeiro é comparado, pois quando eles se deslocarem, aquela relação, em que consistia o repouso ou movimento relativo desse outro corpo, é modificada. Repetindo, o movimento verdadeiro sofre sempre alguma modificação a partir de qualquer força exercida sobre o corpo em movimento; mas movimento relativo não sofre necessariamente quaisquer modificações por tais forças. Um grande argumento em favor da existência do movimento absoluto e, portanto, em favor do espaço absoluto apresentado por Newton é o experimento do balde girante. Como esse experimento é tratado em vários trabalhos [veja 5, 8] aqui consideraremos um exemplo com o movimento retilíneo. Consideremos os dois observadores dos exemplos anteriores e as seguintes situações (supondo a Terra um referencial inercial): Situação 1 – Se o trem se move em MRU em relação à estação, pode-se igualmente afirmar que é a estação que se move em MRU, em sentido contrário, em relação ao trem. Essas duas afirmações são igualmente legítimas e equivalentes, já que os dois sistemas de referência (a estação e o trem) são inerciais e não é possível, a partir de experimentos mecânicos, definir qual observador está em repouso e qual encontra-se em movimento. Situação 2 – Consideremos, agora, que o trem está acelerado em relação à estação. Embora do ponto de vista cinemático podemos afirmar que o movimento é puramente relativo (o observador no trem diria que é a estação que se afasta em movimento acelerado), não é legítimo afirmar, do ponto de vista dinâmico, que a estação encontra-se em movimento acelerado em relação ao trem. Por que não? Porque existe uma força resultante não nula atuando sobre o trem e não sobre a estação. Enquanto um observador na estação não sente a força resultante, um passageiro no trem sentiria uma força inercial que tenderia a jogá-lo para trás, na direção contrária ao movimento acelerado do trem e esta força não tem origem na interação com outros corpos da natureza, violando assim a terceira lei de Newton. Desse modo, haveria um critério físico (dinâmico) para diferenciar um movimento relativo (situação 1) de um movimento absoluto (situação 2). Ora, movimento absoluto só pode ser em relação ao espaço absoluto. Para tornar ainda mais clara a diferença entre as situações 1 e 2, imaginemos dois pêndulos, um no teto da estação e um outro no teto do trem, ambos na posição vertical (Figura 4). Enquanto o movimento relativo é uniforme, os dois pêndulos permanecem na vertical, mas se em um dado momento o trem é acelerado (ou freado) o pêndulo que se encontra no trem (e apenas este) se afasta da direção vertical. Então, temos assim um critério empírico para afirmar que o movimento do trem é absoluto visto que apenas no referencial “verdadeiramente” acelerado podemos observar o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Figura 4: As reações dos pêndulos frente à aceleração do trem vistas pelos observadores dentro dele e na estação. Claramente o afastamento do pêndulo no trem da sua posição vertical tem origem no movimento do mesmo, já que não conseguimos identificar uma força “verdadeira” que seja a causa do afastamento do pêndulo da posição vertical. Se não há maneira de diferenciar entre dois referenciais inercias, é possível diferenciar um referencial inercial de um não-inercial. Assim, podemos dizer que um sistema acelerado se encontra em movimento absoluto já que seu estado de movimento produz mudanças absolutas nos fenômenos físicos nesse referencial, que não são observadas quando o movimento é puramente relativo. Desse modo, para explicar o movimento acelerado e não uniforme é necessário recorrer ao conceito de espaço absoluto, o qual, portanto, desempenha um papel fundamental na estrutura lógica da teoria newtoniana do movimento, ainda que as concepções religiosas de Newton tenham sido importantes e fizeram-no identificar o espaço absoluto como o sensorium de Deus [5, 8]. Como sempre acontece com novas ideias, as definições newtonianas de espaço e tempo absolutos foram alvos de críticas severas de importantes pensadores como Gottfried Leibniz, contemporâneo de Newton, e mais tarde de Ernest Mach. Vejamos de forma breve as críticas de Mach à mecânica newtoniana, cujas ideias tiveram forte impacto sobre o jovem Einstein. Em sua filosofia da ciência, Mach defendia que a Física deveria tratar apenas com fenômenos observáveis [23]. Mas, como vimos acima, o espaço e o tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis à experiência e, portanto, segundo Mach, não passariam de “obscuridades metafísicas”. Qual seria então a explicação alternativa da Mach à concepção absoluta de Newton? Enquanto para Newton a massa inercial de um corpo é uma propriedade intrínseca do corpo e as forças inerciais sobre um corpo acelerado são explicadas com base no espaço absoluto, para Mach a inércia de um corpo é uma medida da resistência à aceleração com relação aos demais corpos do universo, ou seja, a inércia deveria ser explicada com base na interação entre os corpos e não com relação ao espaço absoluto. Essa ideia de que a inércia possa ser reduzida à interação entre os corpos é conhecida como princípio de Mach. Para uma melhor compreensão dessas ideias, indicamos ao leitor as referências [8, 24] nas quais se discutem a visão de Mach sobre o experimento do balde girante de Newton. , que quando o trem é acelerado, apenas o pêndulo que se encontra no trem se afasta da vertical? O observador no trem, à luz do Princípio da Relatividade Geral, pode interpretar esse fato com a seguinte argumentação: o trem está em repouso; o que acontece é que durante o período em que o pêndulo se afasta da vertical (período em que o trem é acelerado), existe em relação ao trem um campo gravitacional, com sentido para a parte traseira do trem, que varia com o tempo. É este campo gravitacional que produz o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Como este campo gravitacional variável com o tempo só existe no referencial acelerado, o pêndulo da estação continua na posição vertical.

Quais são então as noções de tempo e espaço na TRG? A primeira mudança fundamental é que a gravidade influencia a marcha dos relógios. Os relógios possuem um ritmo mais lento em locais onde o campo gravitacional é mais intenso (o tempo passa mais rápido no alto de uma montanha do que a nível do mar). Assim, enquanto a TRR afirma que o tempo flui em ritmos diferentes para observadores em movimento relativo entre si, a TRG afirma que o tempo flui com diferentes velocidades também em lugares diferentes.

Rigorosamente, há um tempo diferente para cada lugar do espaço, o que representa uma mudança ainda mais radical na noção de tempo absoluto da Mecânica Clássica. A gravidade não influencia apenas o tempo, mas também o espaço. Isso pode ser verificado através do experimento do disco girante [30[30] F.T. Falciano, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 4308 (2009).] que mostra que observadores acelerados são forçados a utilizar geometrias não-euclidianas, ou seja, o espaço-tempo não é mais o de Minkowski, mas espaço-tempos curvos (chamados espaços riemannianos). A curvatura desse espaço-tempo é determinada pela maneira como a matéria e a energia estão nele distribuídas. Desse modo, na TRG o espaço-tempo deixa de ser apenas um palco, ou seja, não é possível supor uma existência independente dos objetos, o que condiz com a Noção 2.1 de espaço.

8. Conclusão

A Mecânica Clássica como formulada por Newton, e com sua teoria da gravitação, representa a primeira grande unificação da física, pois consegue abordar de forma ampla e quantitativa os fenômenos do movimento e suas causas [31[31] A. Koyré, Do mundo fechado ao universo infinito (Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006), 4 ed.]. Um conceito fundamental da mecânica de Newton é o PRG; esse princípio está intimamente relacionado à noção de referenciais inerciais ao afirmar que dois observadores inerciais não podem fazer distinção objetiva entre repouso e movimento uniforme.

Desse modo, não existe movimento absoluto, mas somente relativo. Por outro lado, é possível fazer distinção entre referenciais inerciais e não inerciais. No caso de referenciais não inercias, efeitos sobre as leis da mecânica podem ser detectáveis, devido ao aparecimento de forças inerciais que não podem ser atribuídas a outros corpos materiais. Segundo Newton, isso ofereceria um critério objetivo para fazer distinção entre movimento relativo e absoluto, conforme analisado na Seção 4 4. Nem Tão Relativo Assim. O Movimento Absoluto Segundo Newton Se, por definição, o movimento é sempre relativo, então por que falamos em movimento absoluto na Mecânica Clássica? O conceito de movimento absoluto foi amplamente discutido por Newton, que introduz as seguintes definições [6]: III – Lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e de acordo com o espaço, é ou absoluto ou relativo. IV – Movimento absoluto é a translação de um corpo de um lugar absoluto para outro; e movimento relativo, a translação de um lugar relativo para outro. Assim, de forma simples e direta podemos dizer que movimento absoluto é aquele que acontece em relação ao espaço absoluto. Por sua vez, o conceito de espaço absoluto é dado a priori e independentemente da distribuição e movimento da matéria. Cada referencial inercial se move com uma velocidade constante relativa ao espaço absoluto e as forças inerciais aparecem como consequência da aceleração em relação a este espaço. Obviamente Newton se preocupa em diferenciar o espaço absoluto do espaço relativo [6]: II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é normalmente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais. O tempo também é absoluto, conforme definido por Newton [6]: I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio do movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano. As concepções newtonianas de movimento, espaço e tempo podem ser sumarizadas da seguinte forma: 1 – Percebemos movimento quando há mudança de posição relativa entre objetos com o decorrer do tempo. Mas, além de espaço e tempo relativos, percebidos pelos nossos sentidos, Newton afirma a existência de espaço e tempo absolutos; 2 – O espaço absoluto é uma estrutura infinita, imóvel e homogênea, no qual os corpos estão localizados e pelo qual se movem. Nenhum corpo é capaz de exercer qualquer efeito sobre o espaço em si; 3 – O tempo absoluto, por sua vez, é um fluxo uniforme, unidimensional e infinito e também é independente de todos os eventos. Claramente, vemos que os conceitos de espaço e tempo de Newton são identificados com as noções 2.2 e 2.4 apresentadas na Seção 2. Surge, então, a pergunta: se espaço e tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis ao experimento ou a observação, como podemos saber se eles realmente existem? Nas palavras de Newton, por suas “propriedades, causas e efeitos”. As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e relativos são diferenciados um do outro são as forças imprimidas sobre os corpos para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é nem gerado nem alterado, a não ser por alguma força imprimida sobre o corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado ou alterado sem qualquer força imprimida sobre o corpo. Pois é suficiente apenas exercer alguma força sobre os outros corpos com os quais o primeiro é comparado, pois quando eles se deslocarem, aquela relação, em que consistia o repouso ou movimento relativo desse outro corpo, é modificada. Repetindo, o movimento verdadeiro sofre sempre alguma modificação a partir de qualquer força exercida sobre o corpo em movimento; mas movimento relativo não sofre necessariamente quaisquer modificações por tais forças. Um grande argumento em favor da existência do movimento absoluto e, portanto, em favor do espaço absoluto apresentado por Newton é o experimento do balde girante. Como esse experimento é tratado em vários trabalhos [veja 5, 8] aqui consideraremos um exemplo com o movimento retilíneo. Consideremos os dois observadores dos exemplos anteriores e as seguintes situações (supondo a Terra um referencial inercial): Situação 1 – Se o trem se move em MRU em relação à estação, pode-se igualmente afirmar que é a estação que se move em MRU, em sentido contrário, em relação ao trem. Essas duas afirmações são igualmente legítimas e equivalentes, já que os dois sistemas de referência (a estação e o trem) são inerciais e não é possível, a partir de experimentos mecânicos, definir qual observador está em repouso e qual encontra-se em movimento. Situação 2 – Consideremos, agora, que o trem está acelerado em relação à estação. Embora do ponto de vista cinemático podemos afirmar que o movimento é puramente relativo (o observador no trem diria que é a estação que se afasta em movimento acelerado), não é legítimo afirmar, do ponto de vista dinâmico, que a estação encontra-se em movimento acelerado em relação ao trem. Por que não? Porque existe uma força resultante não nula atuando sobre o trem e não sobre a estação. Enquanto um observador na estação não sente a força resultante, um passageiro no trem sentiria uma força inercial que tenderia a jogá-lo para trás, na direção contrária ao movimento acelerado do trem e esta força não tem origem na interação com outros corpos da natureza, violando assim a terceira lei de Newton. Desse modo, haveria um critério físico (dinâmico) para diferenciar um movimento relativo (situação 1) de um movimento absoluto (situação 2). Ora, movimento absoluto só pode ser em relação ao espaço absoluto. Para tornar ainda mais clara a diferença entre as situações 1 e 2, imaginemos dois pêndulos, um no teto da estação e um outro no teto do trem, ambos na posição vertical (Figura 4). Enquanto o movimento relativo é uniforme, os dois pêndulos permanecem na vertical, mas se em um dado momento o trem é acelerado (ou freado) o pêndulo que se encontra no trem (e apenas este) se afasta da direção vertical. Então, temos assim um critério empírico para afirmar que o movimento do trem é absoluto visto que apenas no referencial “verdadeiramente” acelerado podemos observar o afastamento do pêndulo da sua posição vertical. Figura 4: As reações dos pêndulos frente à aceleração do trem vistas pelos observadores dentro dele e na estação. Claramente o afastamento do pêndulo no trem da sua posição vertical tem origem no movimento do mesmo, já que não conseguimos identificar uma força “verdadeira” que seja a causa do afastamento do pêndulo da posição vertical. Se não há maneira de diferenciar entre dois referenciais inercias, é possível diferenciar um referencial inercial de um não-inercial. Assim, podemos dizer que um sistema acelerado se encontra em movimento absoluto já que seu estado de movimento produz mudanças absolutas nos fenômenos físicos nesse referencial, que não são observadas quando o movimento é puramente relativo. Desse modo, para explicar o movimento acelerado e não uniforme é necessário recorrer ao conceito de espaço absoluto, o qual, portanto, desempenha um papel fundamental na estrutura lógica da teoria newtoniana do movimento, ainda que as concepções religiosas de Newton tenham sido importantes e fizeram-no identificar o espaço absoluto como o sensorium de Deus [5, 8]. Como sempre acontece com novas ideias, as definições newtonianas de espaço e tempo absolutos foram alvos de críticas severas de importantes pensadores como Gottfried Leibniz, contemporâneo de Newton, e mais tarde de Ernest Mach. Vejamos de forma breve as críticas de Mach à mecânica newtoniana, cujas ideias tiveram forte impacto sobre o jovem Einstein. Em sua filosofia da ciência, Mach defendia que a Física deveria tratar apenas com fenômenos observáveis [23]. Mas, como vimos acima, o espaço e o tempo absolutos, por sua própria natureza, são inacessíveis à experiência e, portanto, segundo Mach, não passariam de “obscuridades metafísicas”. Qual seria então a explicação alternativa da Mach à concepção absoluta de Newton? Enquanto para Newton a massa inercial de um corpo é uma propriedade intrínseca do corpo e as forças inerciais sobre um corpo acelerado são explicadas com base no espaço absoluto, para Mach a inércia de um corpo é uma medida da resistência à aceleração com relação aos demais corpos do universo, ou seja, a inércia deveria ser explicada com base na interação entre os corpos e não com relação ao espaço absoluto. Essa ideia de que a inércia possa ser reduzida à interação entre os corpos é conhecida como princípio de Mach. Para uma melhor compreensão dessas ideias, indicamos ao leitor as referências [8, 24] nas quais se discutem a visão de Mach sobre o experimento do balde girante de Newton. . Assim, discutimos sobre o significado de movimento absoluto na Mecânica Clássica ainda que, por definição, o movimento é sempre relativo.

A TRR mantém o papel privilegiado dos referenciais inerciais na elaboração das leis da natureza, apenas substituindo as transformações de Galileu pelas transformações de Lorentz. Dessa forma, ainda que as noções de tempo e espaço absolutos da mecânica newtoniana sejam derrubadas na TRR, o conceito de movimento absoluto de certa forma se mantém, conforme a discussão da Seção 6 6. O Espaço-Tempo Absoluto Apesar das profundas transformações introduzidas pela TRR em conceitos fundamentais como tempo e espaço, e a consequente mudança de visão de mundo, ela mantém o papel privilegiado dos sistemas inerciais na descrição das leis da natureza. Mas, conforme vimos na Seção 2, é o papel privilegiado dos referenciais inerciais na descrição da natureza que justifica o conceito de movimento absoluto. Na TRR o espaço-tempo de Minkowski desempenha um papel semelhante ao espaço euclidiano na mecânica clássica. O espaço-tempo funciona como um “palco” para os eventos e possui uma existência independente, já que ele não é afetado pela existência de matéria e campo nele existentes; em outras palavras, se a matéria e o campo forem retirados, o espaço-tempo continuará existindo independentemente da presença destes. Porém, como as coordenadas espaciais e temporais não são independentes, isto introduz novos elementos na descrição da realidade física que estavam ausentes na descrição fornecida pela mecânica clássica. Mais uma vez citando Einstein: “Como nesta estrutura quadridimensional não há mais seções que representem objetivamente o “agora”, o conceito do acontecer e do devir, embora não desapareça completamente, torna-se mais complicado” [25]. Em resumo, ainda que a TRR tenha realizado profundas mudanças nas noções newtonianas de tempo e espaço, a estrutura quadrimensional formada pela união entre tempo e espaço, o espaço-tempo de Minkowski, existe de forma independente e sem relação com qualquer objeto material e, portanto, representa a Noção 2.2 de espaço discutida na Seção 2. Uma crítica definitiva à noção de “espaço” absoluto (e, portanto, de movimento absoluto) será realizada pela teoria da relatividade geral, a qual será examinada em seus aspectos centrais na próxima Seção. .

Neste trabalho, além do PRG e a noção de movimento absoluto, discutimos os conceitos de tempo e espaço e as visões de mundo que emergem de duas teorias fundamentais: a mecânica de Newton e a teoria da relatividade de Einstein. Conforme vimos, para Newton, tempo e espaço são entidades distintas e absolutas. O espaço é uma espécie de palco homogêneo e infinito que existe por si mesmo e no qual as coisas têm existências. Por sua vez, o tempo absoluto e verdadeiro flui de maneira uniforme e igual em todas as partes do universo; e é durante seu decorrer que as coisas acontecem. Em outras palavras, existe um agora universal que constitui a realidade física objetiva.

Essa visão clássica do mundo foi profundamente contestada pela teoria da relatividade. Tempo e espaço são entidades interligadas e indissociáveis. O instante presente universal não existe. O tempo flui de maneira diferente para observadores em movimento relativo. Relógios igualmente precisos, em movimento relativo, marcam durações diferentes entre eventos. Assim, não podemos falar de um agora universal. Ora, se não existe um presente comum a todo o universo, a própria noção de realidade clássica é abalada. O fluxo do tempo também é alterado pela presença de corpos massivos. Quanto mais próximo de uma grande massa mais lentamente o tempo flui.

Em suma, segundo a teoria da relatividade, não existe um tempo único, comum, associado a lugares diferentes do universo (o comportamento de um relógio depende se ele está próximo ou distante de uma estrela) e até mesmo não existe um tempo único comum a um mesmo lugar (o comportamento de um relógio depende da velocidade com que ele se move). Assim, a noção clássica de que existe um agora universal não se sustenta, logo também não se sustenta a noção de realidade oriunda dessa visão. Isso significa que as grandes mudanças nas noções de tempo e espaço, introduzidas pela teoria da relatividade, implicam em profundas mudanças na visão de mundo newtoniano, as quais foram ressaltadas neste trabalho.

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  • 1
    Embora todo movimento seja uma mudança, a recíproca não é verdadeira. Segundo Aristóteles, também podem ocorrer mudanças no sentido da não existência de um ser para sua existência e da existência do ser para sua não existência. Nesses casos, não há movimento, apenas a geração e a corrupção do ser, respectivamente [3[3] A. Campos e E.C. Ricardo, Revista Brasileira de Ensino de Física 34, 3601 (2012).].
  • 2
    Um passo importante neste desenvolvimento em direção a uma nova física foi dado por Giordano Bruno. Mantendo a base do argumento copernicano de que os corpos ligados à Terra compartilhavam seu movimento, Giordano Bruno substituiu a razão metafísica desse compartilhamento por uma razão puramente mecânica, baseada na Teoria do Impetus [7[7] C.M. Porto e M.B.D.S.M. Porto, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 4601 (2009).].
  • 3
    Newton se opôs a essa ideia de Descartes e, na construção de sua teoria do movimento, considerará a massa como o atributo mais essencial da matéria.
  • 4
    Em filosofia, o termo substância designa o que permanece nas coisas, o que está além das aparências ou dos fenômenos. Já o termo acidente se refere a uma qualidade casual ou fortuita de algo, que é irrelevante para entender sua essência. Por exemplo, o tom de pele de uma pessoa seria um “acidente”, já que não alteraria a natureza essencial do ser humano.
  • 5
    A lei da inércia, mais do que afirmar uma característica do movimento, declara a existência dos referênciais inerciais. Essa é a razão porque não faz sentido afirmar que a lei da inércia é um caso particular da segunda lei de Newton.
  • 6
    O PRG foi nomeado em homenagem a Galileu porque ele havia compreendido a ideia subjacente de equivalência dinâmica: o italiano entendia a composição do movimento e como os movimentos individuais dos corpos dentro de um sistema – como a queda de uma pedra de uma torre – são compostos com o movimento do sistema como um todo. Esse princípio de composição, combinado com a ideia de que os corpos mantêm seu movimento uniforme, formou a base para a idealização de referenciais inerciais. Ademais, apesar de descoberto por Galileu no século XVII, esse princípio só recebeu o nome de Princípio da Relatividade no contexto da teoria da relatividade de Einstein [19[19] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Editora Blucher, São Paulo, 2009), 3 ed.].
  • 7
    As equações de movimento que descrevem observadores uniformemente acelerados em um espaço-tempo plano podem ser obtidas por transformações de Rindler [21[21] R. da S. Caraça, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e4301 (2017).].
  • 8
    Isso significa que o comprimento de um corpo rígido, na mecânica newtoniana, não é alterado pelo movimento. Isso não é uma demonstração, como às vezes se pensa, do caráter absoluto do espaço.
  • 9
    Praticamente desde sua formulação, as três leis do movimento de Newton vêm sendo alvo de controvérsias quanto ao seu conteúdo físico e consistência lógica, o que tem gerado propostas de reformulação da versão tradicional com o intuito de escapar às críticas [22[22] L. Eisenbud, American Journal of Physics 26, 144 (1958).]. Embora a primeira e a segunda lei sejam às vezes interpretadas como definição de força, adotaremos o ponto de vista que julgamos mais correto, segundo o qual elas são leis genuínas e não meras definições.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2022
  • Revisado
    27 Jan 2023
  • Aceito
    02 Fev 2023
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