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Tumor carcinóide de pele envolvendo o esterno: ressecção e reconstrução

Resumos

Tumor carcinóide de pele é uma ocorrência rara, é uma neoplasia maligna originária do sistema neuroendócrino e tem nas células de Merkel seu substrato anátomo-patológico. Sua localização mais frequente é a área de pele do pescoço e da cabeça e é mais comum em idosos. Este trabalho relata o caso de uma mulher de 35 anos que apresentava tumoração visível e palpável no terço superior do esterno. Dois episódios de sangramento importante e invasão óssea assinalaram a indicação de ressecção. A inclusão de espessura total da parede torácica ao nível do manúbrio requereu a substituição por prótese rígida. O diagnóstico definitivo do tipo histopatológico só se revelou após exame da peça operatória. A reconstrução do defeito utilizando placa de cimento cirúrgico e interposição de retalho miocutâneo confirma que este é um recurso útil quando o sítio de ressecção ocorre em área que interfere na dinâmica respiratória. uma situação que tipicamente requer a prótese ventilatória por mais de 6 dias. A estabilidade da parede e a viabilidade do retalho associados à recuperação das funções respiratórias permitiram a alta hospitalar aos 18 dias.

Carcinoma de célula de Merkel; Tumor carcinóide; Tumor carcinóide; Imunohistoquímica; Esterno; Neoplasias cutâneas; Metástase neoplásica


Carcinoid tumor of the skin, which is a malignant neoplasm originating in the neuroendocrine system and having its pathological substrate in the Merkel cells, is a rare occurrence. It is most frequently seen on the skin around the neck and head and is more common in the elderly. This study relates the case of a 35-year-old woman presenting with a visible and palpable tumor covering the upper third of the sternum. Resection of the tumor was indicated because the patient had experienced two significant episodes of bleeding and osseous invasion had occurred. Penetration of the full thickness of the chest wall at the sternum notch necessitated the implantation of a rigid prosthesis. The definitive histopathological diagnosis was made only through postoperative analysis of the excised section. Reconstruction using a surgical cement plate and interposition of a myocutaneous flap proved its usefulness as an alternative when resection is performed in an area important to the postoperative respiratory dynamic, a situation that typically requires a ventilatory prosthesis for up to 6 days. The stability of the chest wall, together with viability of the flap and the recuperation of pulmonary function, allowed the patient to be discharged after 18 days.

Carcinoma, Merkel cell; Carcinoid tumor; Carcinoid tumor; Immunohistochemistry; Sternun; Neoplasm metastasis


RELATO DE CASO

Tumor carcinóide de pele envolvendo o esterno. Ressecção e reconstrução* * Trabalho realizado no Serviço de Tórax do Hospital do Câncer / Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde – Rio de Janeiro / RJ

Samuel Zuínglio de Biasi Cordeiro; Paulo Leal; Mauro Zamboni;(TE SBPT) Emanuel Torquato; Paulo de Biasi Cordeiro(TE SBPT)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Estrada Francisco da Cruz Nunes, n.º 11.784, Bloco B 03 - Apto.401 Itaipu – Niterói-RJ CEP: 24340-000 Tel:: 55-21-2608 5537 E-mail: samuelcirtorax@uol.com.br

RESUMO

Tumor carcinóide de pele é uma ocorrência rara, é uma neoplasia maligna originária do sistema neuroendócrino e tem nas células de Merkel seu substrato anátomo-patológico. Sua localização mais frequente é a área de pele do pescoço e da cabeça e é mais comum em idosos. Este trabalho relata o caso de uma mulher de 35 anos que apresentava tumoração visível e palpável no terço superior do esterno. Dois episódios de sangramento importante e invasão óssea assinalaram a indicação de ressecção. A inclusão de espessura total da parede torácica ao nível do manúbrio requereu a substituição por prótese rígida. O diagnóstico definitivo do tipo histopatológico só se revelou após exame da peça operatória. A reconstrução do defeito utilizando placa de cimento cirúrgico e interposição de retalho miocutâneo confirma que este é um recurso útil quando o sítio de ressecção ocorre em área que interfere na dinâmica respiratória. uma situação que tipicamente requer a prótese ventilatória por mais de 6 dias. A estabilidade da parede e a viabilidade do retalho associados à recuperação das funções respiratórias permitiram a alta hospitalar aos 18 dias.

Descritores: Carcinoma de célula de Merkel/cirurgia. Tumor carcinóide/diagnóstico. Tumor carcinóide/cirurgia. Imunohistoquímica. Esterno/cirurgia. Neoplasias cutâneas/patologia. Metástase neoplásica.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

UTI - Unidade de Terapia Intensiva

TC - Tomografia Computadorizada

K - Karnofsky

PS - Performance Status

LFN - Linfonodos

T9 - nona vértebra torácica

INTRODUÇÃO

Os tumores primitivos, assim como os metastáticos, podem envolver os elementos da parede e requererem sua ressecção com margens de segurança.(1) A substituição da parede torácica tem sido utilizada no tratamento cirúrgico dos tumores deste sítio. A realização deste procedimento requer a participação de equipe multidisciplinar.

O relato deste caso tem por objetivo mostrar a técnica utilizada na ressecção e reconstrução da parede ao nível do manúbrio esternal, área indispensável à manutenção da dinâmica respiratória.

RELATO DO CASO

Mulher, 35 anos, contava história de início há um ano quando notou tumoração na região esternal. História de tireoidectomia há 08 anos devido a adenoma folicular.

Ao exame físico apresentava tumoração visível e palpável sobre o manúbrio esternal, comprometendo pele que se encontrava ulcerada e mostrava sinais de sangramento recente sobre a superfície tumoral. Apresentava ainda uma cicatriz de biópsia sobre a lesão e outra mais acima decorrente da tireoidectomia. Tumoração de consistência amolecida e friável. KPS de 100 na avaliação clínica inicial.

A TC realizada em seu município de origem há 08 meses, mostrava massa bocelada, heterogênea, que se iniciava no plano da glândula tireóide e se estendia até ao nível do arco da aorta. O exame foi repetido e o tumor media 10 cm no seu maior eixo (Figura 1).


A paciente apresentou episódio de sangramento tumoral com anemia e necessitou de reposição de sangue enquanto completava os exames pré-operatórios. Cintilografia óssea, prova funcional respiratória e dosagens de hormônios tireoideanos tiveram resultados normais. O reestudo dos achados histopatológicos originais mostrava carcinoma indiferenciado. Devido à instabilidade hemodinâmica não foi realizada nova biópsia.

Foi submetida à cirurgia que constou de toracectomia incluindo o manúbrio esternal, os arcos anteriores da 1.ª e 2.ª costelas e as partes moles constando de pele, subcutâneo, músculos esternotireoideanos e peitoral maior juntos ao tumor A tela de Marlex foi cortada em duas folhas distintas, (Figura 2). A reconstrução foi realizada pela aposição de placa cirúrgica do tipo metil-metacrilato em "Sandwich" confeccionando um molde rígido substituindo o osso. A técnica em "Sandwich" corresponde à sobreposição de Marlex-metil-metacrilato-Marlex. A placa foi confeccionada durante o ato operatório, tomando as medidas exatas do defeito parietal.


A tela de Marlex foi cortada em duas folhas distintas, do mesmo tamanho e modelo. Uma margem lateral livre de cimento, medindo 02 cm, serviu de suporte às suturas. O cimento cirúrgico (metil-metacrilato) foi misturado em água num recipiente próprio e moldado, fora do campo operatório, devido à liberação de calor. Sobre essa placa foi rodado retalho miocutâneo pediculado do músculo grande dorsal. A evolução pós-operatória foi acompanhada na UTI onde permaneceu por 10 dias. Utilizou-se suporte ventilatório mecânico devido à instabilidade torácica até o 6. º dia. Alta hospitalar no 18º dia e acompanhamento ambulatorial até o 3º mês de pós-operatório com boa cicatrização(Figura 3). O diagnóstico histopatológico da peça cirúrgica revelou tumor carcinóide medindo 10x6,0cm, localizado na parede torácica, estendendo-se desde a pele até ao tecido ósseo e cartilagem na profundidade. Presença de êmbolo venoso, limites cirúrgicos e quatro LFN livres de neoplasia. A evolução pós-operatória foi considerada normal com plena recuperação da função respiratória e do PS. A qualidade de vida melhorou consideravelmente, livrando-a do sangramento e do tumor ulcerado, até que aos 06 meses do pós-operatório foi constatada a presença de metástase na coluna vertebral, ao nível de T9. Tratada por irradiação, evoluiu com quadro de paraplegia e foi internada em unidade de suporte terapêutico. Óbito após 12 meses do tratamento cirúrgico.


DISCUSSÃO

O resultado do exame anátomo-patológico da peça cirúrgica foi tumor carcinóide de pele, envolvendo osso, cartilagem e músculo. Os tumores carcinóides são originários do sistema neuroendócrino, contém grânulos neurosecretórios e produzem peptídeos e aminoácidos que atuam como se fossem hormônios em determinados casos, dependendo de sua origem.(2) No caso relatado, a paciente não apresentava queixas pertinentes à síndrome carcinóide quando, a dosagem do ácido 5-hidroxindolacético na urina pode elucidar o diagnóstico.(3)

A distribuição de maior freqüência ocorre em jejunoíleo (58%), reto (13%), brônquio (11,5%), timo (2%). Outros sítios primitivos como ovários e testículos, têm menor incidência. O tumor carcinóide de pele tem sua origem nas células de Merkel (relacionadas às células de Kultschitzky). O sítio preferencial deste tumor está na cabeça e no pescoço.(4) No caso relatado, a pele da base do pescoço foi o local de início da doença, constatado pela história colhida e cicatriz de biópsia.

A sobrevida de 12 meses observada está de acordo com a que é relatada por Cirillo (2) nos casos em estágio III da doença. A sobrevida nos pacientes em estágio I está em torno de 60% em cinco anos. A irradiação adjuvante está indicada após ressecção cirúrgica devido à alta incidência de recorrência local em linfonodos e também de metástases distantes.(5-7).

O propósito da placa rígida de metil-metacrilato é de evitar o tórax flácido e ao mesmo tempo proteger as estruturas intratorácicas.(8,9) Atualmente a empregamos apenas quando da ressecção do terço superior do esterno.(10, 11) Ao utilizarmos a placa rígida procuramos manter o suporte dos primeiros arcos costais junto ao esterno, promovendo a movimentação sincrônica com a parede torácica, evitando a hipoventilação pulmonar. Os materiais biológicos não rígidos permitem movimentação paradoxal. As complicações da placade correntes da compressão sobre a traquéia e vasos, podem ser evitadas moldando-se a placa no tamanho exato. Outras complicações como infecção e erosão local, podem requerer tratamento prolongado utilizando irrigação com soro fisiológico e antibióticos. O retalho miocutâneo do grande dorsal rodado sobre a placa,(12, 13) preenche o espaço deixado pela ressecção das partes moles. As complicações mais freqüentes relacionadas são isquemia e necrose parcial. O pedículo vascular íntegro mantém sua viabilidade.

Em conclusão, ainda que o tempo de sobrevida tenha sido curto (01 ano) o resultado funcional e estético foi considerado muito bom diante da situação que se apresentou: doença maligna acometendo porção da parede torácica responsável pelo arcabouço e, portanto pela dinâmica respiratória. Portanto, todo o esforço das equipes envolvidas foi recompensado pela recuperação imediata observada neste caso.

Recebido para publicação, em 1/8/03. Aprovado, após revisão, em 20/11/03.

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  • Endereço para correspondência
    Estrada Francisco da Cruz Nunes, n.º 11.784, Bloco B 03 - Apto.401
    Itaipu – Niterói-RJ CEP: 24340-000
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    Trabalho realizado no Serviço de Tórax do Hospital do Câncer / Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde – Rio de Janeiro / RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2003
    • Aceito
      20 Nov 2003
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