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Avaliando a DPOC pela perspectiva do paciente

EDITORIAL

Avaliando a DPOC pela perspectiva do paciente

Cláudia Adriana Sant'Anna FerreiraI; Alberto CukierII

IDoutora em Ciências pela Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP- São Paulo (SP) Brasil

IIProfessor Livre-Docente da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP- São Paulo (SP) Brasil

Nos últimos anos, mensurar a qualidade de vida nos estudos multicêntricos de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) tem sido prática constante. Há um lado pragmático para essa estratégia, uma vez que as agências regulatórias têm exigido a inclusão de variáveis de desfecho sintomático nos estudos para aprovação de novas terapêuticas. Por outro lado, a evolução da tecnologia e dos tratamentos disponíveis tornou evidente que, particularmente em doenças crônicas, a simples constatação de vantagens de determinada terapêutica em desfechos isolados, como variáveis fisiológicas ou índice de mortalidade, não obrigatoriamente traz benefício perceptível para o paciente.

Prescrevemos oxigenoterapia domiciliar prolongada aos pacientes hipoxêmicos porque dois estudos demonstraram que esta terapêutica reduz a mortalidade.(1-2) Mas convencer um paciente a usar oxigênio continuamente, apesar deste argumento importante, não é suficiente. O impacto negativo de se entender muito doente, o incômodo do cateter e do equipamento e a perspectiva de exclusão social são fatores fundamentais que pesam na sua decisão.(3) Aqueles que aceitam iniciar o tratamento provavelmente vão manter-se aderentes se perceberem uma repercussão imediata, particularmente o alívio sintomático. Prescrevemos broncodilatadores, mesmo quando não observamos melhora de variáveis espirométricas. Este é outro exemplo de que desfechos isolados, como mortalidade e variáveis fisiológicas, embora importantes, não refletem obrigatoriamente as expectativas dos doentes.

Quando atendemos nosso paciente, valemo-nos de um conjunto de informações. Avaliamos e quantificamos seus sintomas, a freqüência e a intensidade das exacerbações, o comportamento da moléstia no decorrer do tempo, o impacto sobre as suas atividades. Também observamos parâmetros espirométricos. O somatório destes dados associado à relação entre médico e paciente adequada é que nos permite identificar a repercussão da moléstia, propor o tratamento e avaliar os resultados. De certa forma, os questionários de qualidade de vida ligados à saúde foram desenvolvidos para fornecer respostas semelhantes em estudos populacionais, em que uma informação individualizada não é factível.

Vários artigos de revisão publicados nos últimos anos em literatura internacional e nacional detalham a trabalhosa metodologia de construção e validação desses instrumentos.(4-8) Um questionário precisa ser confiável, válido e responsivo. Deve levar a um resultado igual ao avaliar o mesmo fenômeno em diferentes circunstâncias (confiável), mensurar com fidelidade o que se propõe a avaliar (validade) e ser capaz de detectar mudanças no decorrer do tempo ou relacionadas a intervenções (responsividade). Os questionários dividem-se em genéricos (aplicáveis a diferentes populações e doenças) e específicos (direcionados para uma determinada moléstia).

A maioria dos instrumentos comumente utilizados foi construída em inglês. Embora um documento bem traduzido seja adequado para fins de utilização doméstica, dificilmente periódicos internacionais aceitarão resultados obtidos de questionários não validados para o idioma. O trabalho de Camelier et al.,(9) publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, fornece argumentos interessantes para alimentar esta discussão. Em 2000, no processo de validação do Saint George´s Respiratory Questionnaire (SGRQ),(10) pesquisadores do mesmo grupo traduziram o questionário original para o português e o reverteram para o inglês. Este documento foi submetido ao autor do SGRQ, que o avalizou, seguindo-se a sua aplicação, validação e disponibilização aos pesquisadores como uma versão oficial do SGRQ para o Brasil. Passados alguns anos Camelier et al., percebendo as dificuldades de interpretação geradas por frases de dupla negativa, modificaram alguns itens e aplicaram o novo questionário. Felizmente para os que utilizaram a versão original, entre os quais nos incluímos,(3) os autores demonstraram que a mudança na formulação das perguntas não alterou as propriedades de mensuração do instrumento.

Os questionários genéricos mais freqüentemente utilizados em estudos envolvendo pacientes com DPOC são o Short Form-36 version of the Medical Outcomes Study (SF-36), o Sickness Impact Profile, o Nottingham Health Profile (NHP) e o Quality of Well Being. Entre os específicos, incluem-se o Chronic Respiratory Questionnaire, o SGRQ e o Seattle Obstructive Lung Disease Questionnaire.(7,11) Uma questão recorrente quando delineamos um estudo é a escolha de qual deveríamos utilizar. Esta definição não é simples, uma vez que nenhum é perfeito ou preenche todos os requisitos e há poucos estudos comparativos entre os diversos instrumentos.(12) Embora não haja uma regra absoluta, para estudos envolvendo pacientes com DPOC recomenda-se a aplicação de um questionário genérico e outro específico.(13) Até recentemente, as opções para os pesquisadores brasileiros era restrita, uma vez que, dos instrumentos referidos, só estavam validados para o português o SF-36(14) e o SGRQ,(10) além do Airways questionnaire 20,(15) menos utilizado. Em 2004, o NHP(16) foi incluído nessa lista. Em seu estudo, Camelier et al.(9) contribuem para a diversificação de nossas alternativas, ao modificarem as questões do SGRQ, que passam a avaliar um período de três meses, ao invés de um ano. Os usuários, agora, têm a opção de utilizar o instrumento na versão original ou na alternativa, dependendo de seus objetivos.

O aumento crescente do número de pesquisas sobre qualidade de vida tem demonstrado que nossa comunidade científica está acompanhando a importância mundial dada ao tema. Para que nossos estudos tenham aceitação internacional, é obrigatória a utilização de instrumentos validados. Quanto maior o leque de questionários disponíveis, mais fácil será a escolha do melhor instrumento para cada estudo. Novas validações são bem-vindas. Quem se habilita?

REFERÊNCIAS

1. Long term domiciliary oxygen therapy in chronic hypoxic cor pulmonale complicating chronic bronchitis and emphysema. Report of the Medical Research Council Working Party. Lancet. 1981;1(8222):681-6.

2. Continuous or nocturnal oxygen therapy in hypoxemic chronic obstructive lung disease: a clinical trial. Nocturnal Oxygen Therapy Trial Group. Ann Intern Med. 1980;93(3):391-8.

3. Sant'Anna CA, Stelmach R, Zanetti Feltrim MI, Filho WJ, Chiba T, Cukier A. Evaluation of health-related quality of life in low-income patients with COPD receiving long-term oxygen therapy. Chest. 2003;123(1):136-41.

4. Seidl EM, Zannon CM. [Quality of life and health: conceptual and methodological issues]. Cad Saúde Pública. 2004;20(2):580-8. Portuguese.

5. Jones PW. Health status measurement in chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 2001;56(11): 880-7.

6. Ramos-Cerqueira ATA, Crepaldi AL. Qualidade de vida em doenças pulmonares crônicas: aspectos conceituais e metodológicos. J Pneumol. 2000;26(4):207-13.

7. Curtis JR, Patrick DL. The assessment of health status among patients with COPD. Eur Respir J. 2003;41:36S-45S.

8. Jones P, Lareau S, Mahler DA. Measuring the effects of COPD on the patient. Respir Med. 2005;99(Suppl B):S11-8.

9. Camelier A, Rosa FW, Salmi C, Nascimento OA, Cardoso F, Jardim JR. Avaliação da qualidade de vida pelo Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica: validação de uma nova versão para o Brasil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-22.

10. Sousa TC, Jardim JR, Jones, P. Validação do Questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-28.

11. Lohr KN. Assessing health status and quality-of-life instruments: attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11(3):193-205.

12. Kaplan RM, Ries, AL, Reilly J, Mohsenifar Z. Measurement of health-related quality of life in the national emphysema treatment trial. Chest. 2004;126(3):781-9.

13. Engstrom CP, Persson LO, Larsson S, Sullivan M. Health-related quality of life in COPD: why both disease-specific and generic measures should be used. Eur Respir J. 2001;18(1):69-76.

14. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50.

15. Camelier A, Rosa F, Jones P, Jardim JR. Validation of the Airways Questionnaire 20-AQ20 in patients with chronic obstructive pulmonary disease (COPD) in Brazil. J Pneumol. 2003;29(1):28-35.

16. Teixeira-Salmela LF, Magalhães L de C, Souza AC, Lima M de C, Lima RC, Goulart F. [Adaptation of the Nottingham Health Profile: a simple measure to assess quality of life]. Cad Saúde Pública. 2004;20(4):905-14. [Portuguese]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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