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Câncer bucal: o que sabem os cirurgiões-dentistas da Baixada Litorânea-RJ?

Oral cancer: what do dentists from the “Baixada Litorânea” region - RJ know about?

Resumo

Introdução

Apesar das estratégias para prevenção e diagnóstico precoce, o câncer bucal está entre os mais incidentes no Brasil.

Objetivo

Avaliar o conhecimento de cirurgiões-dentistas da Atenção Primária à Saúde sobre o câncer bucal.

Material e método

Pesquisa censitária, exploratória e quantitativa, realizada em 2021. Cirurgiões-dentistas vinculados à rede pública dos 9 municípios da Baixada Litorânea/RJ preencheram um questionário com 41 questões, divididas em 5 blocos: 1. Perfil sociodemográfico, 2. Conhecimento sobre câncer bucal, 3. Fatores de risco para câncer bucal, 4. Segurança para diagnóstico do câncer bucal e 5. Experiência na identificação de lesões suspeitas.

Resultado

Dos 128 cirurgiões-dentistas habilitados, 89,1% (n=114) participaram e caracterizavam-se por terem menos de 40 anos (50%), serem do sexo feminino (64,9%) e formados há mais de 16 anos (57,9%). Quanto ao conhecimento sobre o câncer bucal e fatores de risco, 84,2% consideraram seu nível de conhecimento regular ou bom e 65,8% consideraram baixo o seu nível de segurança para realização de procedimentos de diagnóstico do câncer bucal. Quanto à identificação de lesões suspeitas de câncer bucal, 86,8% realizavam exame da cavidade bucal, 7,9% não realizam porque o tempo da consulta é insuficiente e 5,3% porque não sabem fazer. Além disso, 50,9% identificaram alguma lesão suspeita nos últimos 12 meses. Notou-se também que 65,8% dos CDs não tinham conhecimento do fluxograma do município para diagnóstico e tratamento do câncer bucal.

Conclusão

Os achados evidenciaram lacunas com relação ao conhecimento e procedimentos para diagnóstico precoce do câncer bucal.

Descritores:
Diagnóstico precoce; detecção precoce de câncer; neoplasias bucais; políticas públicas de saúde

Abstract

Introduction

Despite the strategies for prevention and diagnosis, oral cancer is among the most incidents in Brazil.

Objective

To evaluate the knowledge about oral cancer of primary health care dentists.

Material and method

This is a census, exploratory and quantitative study carried out in 2021. Dentists linked to the public network of the 9 municipalities of the “Baixada Litorânea” region/RJ filled out a questionnaire with 41 questions, divided into 5 blocks: 1. Sociodemographic profile, 2. Knowledge on oral cancer, 3. Risk factors for oral cancer, 4. Safety for diagnosing oral cancer and 5. Experience in identifying suspicious lesions.

Result

Of the 128 dentists, 89.1% (n=114) participated and were characterized by being less than 40 years old (50%), female (64.9%) and for having the dentistry degree for more than 16 years (57.9%). As for knowledge about oral cancer and risk factors, 84.2% considered their level of knowledge regular or good and 65.8% considered their level of security low for carrying out diagnostic procedures for oral cancer. Regarding the identification of oral cancer suspicious lesions, 86.8% performed oral cavity examination, 7.9% did not perform it because the consultation time was insufficient and 5.3% because they did not know how to do it. In addition, 50.9% have identified a suspicious lesion in the last 12 months. It was also observed that 65.8% of dentists were not aware of the municipality's flowchart for the diagnosis and treatment of oral cancer.

Conclusion

The findings showed that the knowledge about oral cancer was satisfactory; however, training regarding risk factors and diagnostic procedures related to oral cancer should be strengthened.

Descriptors:
Early diagnosis; early detection of cancer; oral neoplasms; public health policie

INTRODUÇÃO

O câncer de boca, que inclui os cânceres de lábio e de cavidade oral11 Gomes LC, Macena FCS, Ferreira VS, Barreto VR. Revisão de literatura: câncer de boca diagnóstico e fatores de risco associados. Rev Interdisciplin Saúde. 2018 Jul-Set;5(4):655-70., é o 6º câncer mais comum do mundo2 e o2 Santos VC, Assis AM, Silva LE, Ferreira SMS, Dias EP. Câncer de boca: análise do tempo decorrido da detecção ao início do tratamento em centro de Oncologia de Maceió. Rev Bras Odontol. 2012 Jul-Dez;69(2):159-64. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v69n2.p.159.
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13º no Brasil33 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2020., onde a estimativa para cada ano do triênio 2020/2022 foi de 15.190 novos casos, sendo 11.180 entre os homens e 4.010 em mulheres44 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2022.. Dentre os países da América do Sul, o Brasil apresenta a maior taxa de incidência (3,6 casos por 100 mil habitantes) e a segunda maior taxa de mortalidade (de 1,5 morte por 100 mil habitantes)44 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2022., que, ajustada à população brasileira, revela a Região Sudeste como a de maior taxa de mortalidade por câncer de lábio e cavidade oral em 201833 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2020.. Nesta região, a Baixada Litorânea no Rio de Janeiro é uma região predominantemente turística pelo seu clima, onde a presença do sol ocorre de maneira frequente em praticamente todo ano, que aliada ao potencial consumo do tabaco e álcool, torna esta região de grande importância para a temática desta pesquisa.

A ausência de campanhas de prevenção para fatores de risco do câncer de boca, agravada pela formação deficiente dos profissionais e pela ausência de triagem como conduta assistencial, são fatores relacionados ao diagnóstico tardio do câncer bucal55 de Mattos Camargo Grossmann S, Sales ACR, Reis DS, Guimarães JC, Silva MT, de Ceno PCG, et al. Knowledge of oral cancer by a brazilian population. J Cancer Educ. 2021 Oct;36(5):965-70. http://dx.doi.org/10.1007/s13187-020-01722-4. PMid:32124247.
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. Além desses fatores, a demora em buscar atendimento normalmente relacionada à evolução inicial oligossomática da doença66 Cartaxo AC, Silva DNA, Costa KCAD, Souza GCA, Martins ARLA. Conhecimento de trabalhadores rurais de um município do nordeste brasileiro acerca da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca. Rev Ciênc Plur. 2017;3(1):51-62. http://dx.doi.org/10.21680/2446-7286.2017v3n1ID11696.
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influencia diretamente na sua progressão e no aumento na morbidade e mortalidade22 Santos VC, Assis AM, Silva LE, Ferreira SMS, Dias EP. Câncer de boca: análise do tempo decorrido da detecção ao início do tratamento em centro de Oncologia de Maceió. Rev Bras Odontol. 2012 Jul-Dez;69(2):159-64. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v69n2.p.159.
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,77 Philip PM, Kannan S. Patient interval and associated factors in the diagnostic journey of oral cancer: a hospital-based cross-sectional study from Kerala, India. Asian Pac J Cancer Prev. 2021 Oct;22(10):3143-9. http://dx.doi.org/10.31557/APJCP.2021.22.10.3143. PMid:34710990.
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.

O exame bucal inadequado contribui para o atraso na detecção do câncer, que afeta diretamente no prognóstico da doença e na taxa de sobrevida88 Jafer M, Crutzen R, Halboub E, Moafa I, van den Borne B, Bajonaid A, et al. Dentists behavioral factors influencing early detection of oral cancer: direct clinical observational study. J Cancer Educ. 2022 Aug;37(4):932-41. http://dx.doi.org/10.1007/s13187-020-01903-1. PMid:33094387.
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, que é de 80% de sobrevida nos indivíduos com doença localizada e de menos de 20% naqueles com doença avançada77 Philip PM, Kannan S. Patient interval and associated factors in the diagnostic journey of oral cancer: a hospital-based cross-sectional study from Kerala, India. Asian Pac J Cancer Prev. 2021 Oct;22(10):3143-9. http://dx.doi.org/10.31557/APJCP.2021.22.10.3143. PMid:34710990.
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,99 Abati S, Bramati C, Bondi S, Lissoni A, Trimarchi M. Oral cancer and precancer: a narrative review on the relevance of early diagnosis. Int J Environ Res Public Health. 2020 Dec;17(24):9160. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17249160. PMid:33302498.
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. Quando o atraso no diagnóstico excede um mês, o risco de ter um câncer bucal em estágio avançado é significativamente maior, podendo chegar a 30%9, e9 Abati S, Bramati C, Bondi S, Lissoni A, Trimarchi M. Oral cancer and precancer: a narrative review on the relevance of early diagnosis. Int J Environ Res Public Health. 2020 Dec;17(24):9160. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17249160. PMid:33302498.
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apesar disso, em sua maioria os cânceres são diagnosticados em estágios avançados III e IV55 de Mattos Camargo Grossmann S, Sales ACR, Reis DS, Guimarães JC, Silva MT, de Ceno PCG, et al. Knowledge of oral cancer by a brazilian population. J Cancer Educ. 2021 Oct;36(5):965-70. http://dx.doi.org/10.1007/s13187-020-01722-4. PMid:32124247.
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.

Com a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e posterior lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal, foram observados importantes avanços na qualidade e abrangência da atenção à saúde bucal10, e10 Scarparo A, Zermiani TC, Ditterich RG, Pinto MHB. Impacto da política nacional de saúde bucal - Programa Brasil Sorridente - sobre a provisão de serviços odontológicos no Estado do Rio de Janeiro. Cad Saude Colet. 2015 Oct-Dec;23(4):409-15. http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201500040153.
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o cirurgião-dentista da Atenção Primária em Saúde é um agente de suma importância para lidar com a doença, seja pela possibilidade de identificar indivíduos pertencentes ao grupo de risco, seja pela realização de práticas que busquem diagnosticar precocemente as lesões suspeitas1111 Casotti E, Monteiro ABF, Castro EL Fo, Santos MP. Organização dos serviços públicos de saúde bucal para diagnóstico precoce de desordens com potencial de malignização do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet. 2016 May;21(5):1573-82. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015215.10742.
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, devendo-se investigar sua capacidade de atuação neste contexto.

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo censitário, exploratório e de natureza quantitativa, realizado com os cirurgiões-dentistas (CD) lotados nas unidades de saúde da Atenção Primária da Baixada Litorânea, localizada no estado do Rio de Janeiro

A Baixada Litorânea é formada por 9 municípios (Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia e Saquarema) e possui população de 839.958 habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (0,741) classificado como alto, segundo o IBGE. A cobertura da Atenção Primária à Saúde (APS) na região é de 61,3%, e a de saúde bucal, de 44,9% (e-gestor AB). Na época de coleta dos dados (setembro e outubro de 2021) estavam habilitados a participar do estudo 128 cirurgiões-dentistas.

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário estruturado, disponibilizado de forma on-line (Google Forms), adaptado do instrumento utilizado previamente1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
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com 41 questões divididas em cinco blocos: Bloco 01: Perfil socioeconômico; Bloco 02: Conhecimento sobre o câncer bucal; Bloco 03: Fatores de risco para o câncer bucal; Bloco 04: Segurança para diagnóstico do câncer bucal e Bloco 05: Experiência na identificação de lesões suspeitas. O link para acesso ao questionário foi enviado a cada cirurgião-dentista individualmente, sendo reenviado a cada 7 dias por 4 vezes, para aqueles que não tinham sinalizado o seu preenchimento. Foi solicitado a cada coordenador de saúde bucal que reforçasse, junto aos profissionais, o convite para participação da pesquisa.

Os dados foram categorizados e transcritos para uma planilha Excel, e em seguida foi analisada a distribuição das variáveis de interesse. Os resultados foram descritos com frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e com média, desvio-padrão, mediana, valor mínimo e máximo para o número de acertos nas questões de conhecimento sobre câncer bucal.

Este estudo foi realizado de acordo com os princípios que orientam a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a resolução 466/12, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic (parecer nº 4.984.998, CAEE 45095621.0.0000.5374).

RESULTADO

Na amostra estudada, dos 128 CD habilitados, 114 participaram efetivamente do estudo, o que representou uma taxa de resposta de 89,1%, variando de 71,4% para o município Casimiro de Abreu, para 96,2% para o município de São Pedro da Aldeia.

Em relação ao perfil sociodemográfico dos respondentes (bloco 1), 64,9% (74) eram do sexo feminino, 50,0% (57) possuíam menos de 40 anos de idade e 61,4% (70) possuíam vínculo estatutário. Destaca-se ainda que 45,6% (52) trabalham em Estratégia de Saúde da Família (ESF), 20,2% (23) em Odontoclínicas e 34,2% (39) em Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais. Quanto ao tempo de formados, 57,9% (66) tinham mais de 16 anos de formados.

A Tabela 1 apresenta os achados com relação aos blocos 2 (conhecimento sobre câncer bucal) e 3 (fatores de risco para o câncer bucal). Nota-se que 84,2% (96) dos respondentes consideraram seu nível de conhecimento sobre a doença como regular ou bom, e somente 8,8% (8) consideraram o seu conhecimento como ótimo. Ainda é possível observar que, para o bloco 2, as questões com maiores frequências de acerto pelos profissionais foram “faixa etária mais comum para a ocorrência” (89,5%), “condição mais comumente associada com o câncer bucal” (84,2%) e “tipo de câncer mais comum” (79,8%), e as com menores frequências de acertos foram “tempo após o aparecimento de uma lesão você indica a realização da biópsia” (46,5% de acerto) e “o linfonodo mais característico em metástases cervicais em câncer bucal, quando palpado apresenta-se...” (61,4% de acerto). Analisando o bloco 3, as questões com maiores frequências de acerto pelos profissionais foram “consumo de álcool” (95,6%), “exposição solar” (90,4%), e as com menores frequências de acertos foram “história familiar de câncer” (4,4% de acerto) e “prótese mal adaptada” (16,7% de acerto).

Tabela 1
Análise descritiva das respostas dos Cirurgiões-Dentistas da Atenção Primária à Saúde da rede pública, sobre conhecimento (bloco 2) e fatores de risco (bloco 3) para desenvolvimento do câncer bucal (Baixada Litorânea-RJ, set./out., 2021, n=114)

A média de acertos dos CDs nas 23 questões que integravam os blocos 2 e 3 foi de 13,2 (56,5%), variando de 2 a 20 acertos. Observou-se que 16,7% da amostra tiveram até 10 acertos nas 23 questões, e 53,5% tiveram até 13 acertos. Apenas 1,8% dos respondentes acertaram todas as questões.

Quando perguntados sobre os procedimentos realizados no exame clínico, verificou-se que 81,0% (80) dos CD relataram realizar anamnese direcionada, remoção de próteses para inspeção visual e palpação dos tecidos para diagnóstico de câncer bucal, 3,0% (3) realizavam somente a anamnese direcionada, 7,0% (7) somente a inspeção visual sem remoção dos dispositivos protéticos, e 9,0% (9) inspeção visual com remoção dos dispositivos protéticos.

Na Tabela 2 verificam-se os achados sobre a segurança do profissional quanto ao diagnóstico do câncer bucal (bloco 4), tendo sido observado que 65,8% (75) consideram baixo o seu nível de segurança para realizar procedimentos de diagnóstico para câncer bucal, e todos relataram que os pacientes não são suficientemente informados sobre câncer bucal. Em 55,3% (63) das respostas, o curso de graduação não realizou treinamento para o exame de câncer bucal, e 98,2% (112) dos profissionais mostraram interesse em participar de curso de educação continuada sobre câncer bucal, sendo unânime o reconhecimento da importância do CD na prevenção e no diagnóstico precoce do câncer bucal.

Tabela 2
Análise descritiva das respostas dos Cirurgiões-Dentistas da Atenção Primária à Saúde da rede pública sobre a segurança no diagnóstico em câncer bucal (n=114)

Em relação ao bloco 5 que avaliou a experiência prévia na identificação de lesões suspeitas de câncer bucal (Tabela 3), observa-se que 86,8% (99) dos profissionais relataram realizar exame da cavidade bucal, 7,9% (9) não realizam porque o tempo da consulta é insuficiente, e 5,3% (6) não realizam porque não sabem fazer. Além disso, 50,9% (58) já identificaram alguma lesão suspeita nos últimos 12 meses, sendo que 38,6% (44) responderam que a biópsia da lesão foi realizada, e 27,2% (31) tiveram retorno do resultado. Notou-se também que 65,8% (75) dos CDs não tinham conhecimento do fluxograma do município para diagnóstico e tratamento do câncer bucal.

Tabela 3
Análise descritiva das respostas sobre conduta clínica em relação ao câncer bucal, de Cirurgiões-Dentistas da Atenção Primária à Saúde da rede pública (n=114)

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo demonstraram lacunas com relação ao conhecimento e aos procedimentos para o diagnóstico precoce para o câncer de boca que, pela facilidade de acesso e boa visualização, aliado à simplicidade do exame quando realizado por um profissional bem treinado, deveria ocorrer de maneira habitual.

As taxas de resposta atingidas no presente estudo, seja de forma geral (89,1%), seja por município (71,4% a 96,2%), foram superiores às encontradas em pesquisas de mesma temática, mesmo com abordagem direta aos voluntários1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
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13 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.
-1414 Nazar H, Shyama M, Ariga J, El-Salhy M, Soparkar P, Alsumait A. Oral cancer knowledge, attitudes and practices among primary oral health care dentists in Kuwait. Asian Pac J Cancer Prev. 2019 May;20(5):1531-6. http://dx.doi.org/10.31557/APJCP.2019.20.5.1531. PMid:31128059.
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, que variaram de 69% a 71%, o que representa um retrato muito próximo da realidade vivenciada na região estudada.

A Atenção Primária à Saúde (APS), na Região de Saúde da Baixada Litorânea, tem a sua constituição em unidades de saúde da família, em unidades tradicionais e na Odontoclínicas. A pesquisa evidenciou que 45,6% dos profissionais atuam na Estratégia de Saúde da Família (ESF), sendo este atualmente o modelo preferencial de assistência, devido a sua responsabilidade com a saúde da população, formação de vínculos, trabalho com grupos prioritários e em rede de atenção, que são atributos importantes da APS para uma saúde bucal de qualidade1515 Vargas DGM, Probst LF, da Cunha AR, Tagliaferro EPDS, Zafalon EJ, Zárate-Pereira P, et al. Inclusion of oral health teams in primary health care promotes early diagnosis of oral and oropharyngeal cancers: a nationwide study. BMC Oral Health. 2021;21(1):312. http://dx.doi.org/10.1186/s12903-021-01664-3. PMid:34144686.
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. Observou-se um dado importante com relação ao vínculo dos profissionais: embora a maioria fosse estatutária, houve um número significativo de profissionais contratados, o que pode impactar de maneira negativa no processo de educação permanente dos profissionais, já que mudanças constantes de cirurgiões-dentistas decorrentes de contratos de trabalho de 1 ano, que podem ser renovados ou cancelados a qualquer momento, podem dificultar a manutenção de um quadro de profissionais capacitados e focados, prejudicando, dentre outras, as ações de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca.

Metade dos participantes tinha menos de 40 anos, revelando um grupo jovem, com longa trajetória profissional pela frente, fortalecendo a necessidade de educação continuada com vistas à prevenção e detecção precoce do câncer de boca. Analisando o tempo de formação profissional, observou-se que, apesar de grande parte dos profissionais apresentarem mais de 16 anos de formação, uma frequência bem reduzida expressou suficiente confiança em realizar procedimentos de diagnóstico para o câncer de boca, o que corrobora estudo anterior1616 Leonel ACLDS, Soares CBRB, Lisboa de Castro JF, Bonan PRF, Ramos-Perez FMM, Perez DEDC. Knowledge and attitudes of primary health care dentists regarding oral cancer in Brazil. Acta Stomatol Croat. 2019 Mar;53(1):55-63. http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6. PMid:31118533.
http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6...
. Pode-se inferir que este achado seja justificável pelo fato de que a maioria dos respondentes relatou que o treinamento para o exame de câncer não foi realizado durante seus cursos de graduação. Considerando que 98,2% dos participantes relataram interesse na capacitação, pode-se pensar na utilização dos dispositivos de mídias eletrônicas como vídeos, treinamento virtual e teleconsultoria, que se mostram ferramentas de grande valia na perspectiva de diminuir os obstáculos e o absenteísmo dos profissionais com relação à frequência nos cursos de capacitação1717 Gonçalves MC, Vagula E. Avaliação da aprendizagem e boas práticas com o uso das tecnologias educacionais. Anais do III Encontro Anual de Extensão Universitária [e do] IX Simpósio de Extensão da UEL - Por Extenso; 2020; Londrina. Londrina: Pró-Reitoria de Extensão, Universidade Estadual de Londrina; 2020..

A informação e a conscientização da população e dos cirurgiões-dentistas com relação aos fatores de risco associados ao câncer de boca figuram como medidas preventivas iniciais para o combate ao câncer de boca16, e16 Leonel ACLDS, Soares CBRB, Lisboa de Castro JF, Bonan PRF, Ramos-Perez FMM, Perez DEDC. Knowledge and attitudes of primary health care dentists regarding oral cancer in Brazil. Acta Stomatol Croat. 2019 Mar;53(1):55-63. http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6. PMid:31118533.
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neste sentido todos os participantes do estudo concordaram que os pacientes não estão suficientemente informados sobre os aspectos preventivos, e de que é grande a importância do cirurgião-dentista nesse processo. Chama-se atenção ao fato de que aspectos como hereditariedade, característica emocional, alimentação quente ou condimentada, utilização de próteses mal adaptadas, dentes em mau estado e higiene oral deficiente tenham sido marcados pela maioria dos respondentes como fatores de risco ao câncer bucal, embora as evidências atualmente disponíveis refutem essas características como fatores de risco1818 Rupel K, Ottaviani G, Gobbo M, Poropat A, Zoi V, Zacchigna S, et al. Campaign to increase awareness of oral cancer risk factors among preadolescents. J Cancer Educ. 2020 Jun;35(3):616-20. http://dx.doi.org/10.1007/s13187-019-01504-7. PMid:30835060.
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. O tempo de formação profissional acima de 16 anos da maioria dos participantes (57,9%) pode ter contribuído para este achado, fortalecendo a necessidade de capacitação constante dos profissionais para prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal.

Importante destacar que cerca de 80% dos casos de câncer bucal estão associados aos fatores de risco1616 Leonel ACLDS, Soares CBRB, Lisboa de Castro JF, Bonan PRF, Ramos-Perez FMM, Perez DEDC. Knowledge and attitudes of primary health care dentists regarding oral cancer in Brazil. Acta Stomatol Croat. 2019 Mar;53(1):55-63. http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6. PMid:31118533.
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, por esse motivo é de extrema importância que o profissional esteja familiarizado com os fatores de risco relacionados ao câncer de boca1919 Grafton-Clarke C, Chen KW, Wilcock J. Diagnosis and referral delays in primary care for oral squamous cell cancer: a systematic review. Br J Gen Pract. 2019 Feb;69(679):e112-26. http://dx.doi.org/10.3399/bjgp18X700205. PMid:30455220.
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, possibilitando a realização de abordagens preventiva e de diagnóstico mais precisas.

A utilização do tabaco é considerada o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de boca1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62., uma vez que existem mais de 7.000 produtos químicos na fumaça do tabaco e mais de 250 dessas toxinas conhecidas por serem cancerígenas2020 Hussain A, Dulay P, Rivera MN, Aramouni C, Saxena V. Neoplastic pathogenesis associated with cigarette carcinogens. Cureus. 2019 Jan;11(1):e3955. http://dx.doi.org/10.7759/cureus.3955. PMid:30956908.
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. Quando o uso do tabaco é associado ao consumo de álcool, o risco eleva-se em até 35 vezes2121 Pinheiro SMS, Cardoso JP, Prado FO. Conhecimentos e diagnóstico em câncer bucal entre profissionais de odontologia de Jequié, Bahia. Rev Bras Cancerol. 2010;56(2):195-205. http://dx.doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2010v56n2.1496.
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. Diante deste cenário, o Governo Federal tem promovido ações de combate ao uso do tabaco desde 1986, como a criação do Programa Nacional de Combate ao Fumo (PNCT), com o objetivo de reduzir a prevalência de fumantes e a consequente morbimortalidade relacionada ao consumo de derivados do tabaco no Brasil, seguindo com ações educativas, de comunicação, de atenção à saúde, junto com o apoio, a adoção ou cumprimento de medidas legislativas e econômicas, potencializando para prevenir a iniciação do tabagismo, principalmente entre crianças, adolescentes e jovens; para promover a cessação de fumar; e para proteger a população da exposição à fumaça ambiental do tabaco e reduzir o dano individual, social e ambiental dos produtos derivados do tabaco33 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2020..

O álcool, importante fator de risco para o câncer de boca devido à presença do acetaldeído1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62., foi apontado corretamente por 95,6% dos participantes como fator de risco. Este é um fator amplamente conhecido pelos profissionais, e números tão expressivos também foram encontrados em estudos prévios1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489...
,1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.,1616 Leonel ACLDS, Soares CBRB, Lisboa de Castro JF, Bonan PRF, Ramos-Perez FMM, Perez DEDC. Knowledge and attitudes of primary health care dentists regarding oral cancer in Brazil. Acta Stomatol Croat. 2019 Mar;53(1):55-63. http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6. PMid:31118533.
http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6...
,2121 Pinheiro SMS, Cardoso JP, Prado FO. Conhecimentos e diagnóstico em câncer bucal entre profissionais de odontologia de Jequié, Bahia. Rev Bras Cancerol. 2010;56(2):195-205. http://dx.doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2010v56n2.1496.
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.

O câncer de lábio inferior está intimamente relacionado com a exposição solar, podendo acarretar alterações cromossômicas e reduzir a resposta imunológica, predispondo ao aparecimento do câncer bucal1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.,2222 Howard A, Agrawal N, Gooi Z. Lip and oral cavity squamous cell carcinoma. Hematol Oncol Clin North Am. 2021 Oct;35(5):895-911. http://dx.doi.org/10.1016/j.hoc.2021.05.003. PMid:34274176.
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. A exposição solar foi apontada acertadamente como fator de risco por 90,4% dos participantes, resultado próximo aos estudos de Benvenutti et al.1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62. e Leonel et al.1616 Leonel ACLDS, Soares CBRB, Lisboa de Castro JF, Bonan PRF, Ramos-Perez FMM, Perez DEDC. Knowledge and attitudes of primary health care dentists regarding oral cancer in Brazil. Acta Stomatol Croat. 2019 Mar;53(1):55-63. http://dx.doi.org/10.15644/asc53/1/6. PMid:31118533.
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, que obtiveram resposta positiva de 100% e 97,2%.

O consumo reduzido de frutas e verduras predispõe o aparecimento do câncer de boca, pela possibilidade de redução da imunidade55 de Mattos Camargo Grossmann S, Sales ACR, Reis DS, Guimarães JC, Silva MT, de Ceno PCG, et al. Knowledge of oral cancer by a brazilian population. J Cancer Educ. 2021 Oct;36(5):965-70. http://dx.doi.org/10.1007/s13187-020-01722-4. PMid:32124247.
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,1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.. A obesidade está associada a alterações metabólicas e endócrinas, como hiperinsulinemia e níveis elevados de estrogênio, que estimulam a multiplicação celular e inibem a apoptose, levando à proliferação celular aumentada. Além disso, a obesidade também estimula a resposta inflamatória, favorecendo a carcinogênese44 Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. Diagnóstico precoce do câncer de boca. Rio de Janeiro: INCA; 2022.. Somente 36,0% dos respondentes reconheceram a importância do baixo consumo de frutas e verduras como fator de risco. Em estudos semelhantes1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.,2121 Pinheiro SMS, Cardoso JP, Prado FO. Conhecimentos e diagnóstico em câncer bucal entre profissionais de odontologia de Jequié, Bahia. Rev Bras Cancerol. 2010;56(2):195-205. http://dx.doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2010v56n2.1496.
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, obtiveram-se como resposta afirmativa 18,4% e 48,6%, respectivamente. Já a obesidade foi apontada por apenas 23,7% dos participantes. Os estudos de Andrade et al.1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
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e Benvenutti et al.1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62. encontraram percentuais ainda mais baixos, 4,3% e 9,4% respectivamente.

No presente estudo, 86,8% dos profissionais referiram realizar o exame do paciente na primeira consulta odontológica com a finalidade de detecção do câncer de boca, enquanto 13,2% não realizavam por relatarem não ter tempo de consulta suficiente ou não saber como fazê-lo, resultado próximo ao encontrado por Andrade et al.1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
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. Porém, quando perguntados sobre os exames que realizavam para detecção do câncer de boca, apenas 81,0% assinalaram todas as alternativas ideais que um exame físico de qualidade deve envolver: anamnese direcionada, inspeção visual, remoção de prótese total/parcial para realizar a inspeção, palpação dos tecidos bucais.

Para o diagnóstico precoce do câncer de boca, é imprescindível que o cirurgião-dentista tenha um nível elevado de preparo e conhecimento. Analisando este quesito, apenas 8,8% dos profissionais consideraram ter um ótimo conhecimento, situação que pode contribuir para o diagnóstico tardio. A leucoplasia, condição com potencial de malignização mais comum associada ao câncer de boca, foi apontada por 84,2% dos participantes, sendo também referido corretamente o carcinoma espinocelular como o tipo histológico mais prevalente por 79,8%, e a língua como sítio mais comum por 71,9%, semelhante aos achados de Santos et al.22 Santos VC, Assis AM, Silva LE, Ferreira SMS, Dias EP. Câncer de boca: análise do tempo decorrido da detecção ao início do tratamento em centro de Oncologia de Maceió. Rev Bras Odontol. 2012 Jul-Dez;69(2):159-64. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v69n2.p.159.
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, contrapondo-se aos achados de Andrade et al.1212 Andrade SN, Muniz LV, Soares JMA, Chaves ALF, Ribeiro RIMA. Câncer de boca: avaliação do conhecimento e conduta dos dentistas na atenção primária à saúde. Rev Bras Odontol. 2014 Jan-Jun;71(1):42-7. http://dx.doi.org/10.18363/rbo.v71i1.489.
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e Benvenutti et al.1313 Benvenutti EV, Pressi T, Freddo SL, Zasso FM, Freddo AL, Signor E. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas das Unidades Básicas de Saúde do município de Chapecó-SC sobre câncer bucal: um alerta ao diagnóstico precoce. Rev Tecnologica. 2015;2(1):153-62.. A úlcera indolor como aspecto inicial mais comum do câncer de boca foi apontada corretamente por 78,1% dos entrevistados, 61,4% assinalaram que a característica à palpação do linfonodo cervical na metástase era endurecida, sem dor, com mobilidade ou não.

Observou-se no estudo que apenas 25,4% dos cirurgiões-dentistas conheciam o fluxograma do município para diagnóstico e tratamento do câncer de boca, um dado alarmante que mostra a fragmentação da rede de cuidado, fator este que pode influenciar de forma negativa o diagnóstico precoce do câncer de boca. Desse modo, demandar esforços urgentes, com o objetivo de manter os profissionais bem treinados para o diagnóstico precoce, faz-se necessário.

É indiscutível a contribuição da educação permanente para o sucesso do diagnóstico precoce do câncer de boca2323 Thomas A, Manchella S, Koo K, Tiong A, Nastri A, Wiesenfeld D. The impact of delayed diagnosis on the outcomes of oral cancer patients: a retrospective cohort study. Int J Oral Maxillofac Implants. 2021 May;50(5):585-90. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2020.08.010. PMid:32917484.
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, visto que os profissionais terão acesso a novas informações e avanços tecnológicos que permitirão uma atuação mais rápida e segura.

Cabe ressaltar que a Lei nº 13.230/2015 instituiu a Semana Nacional de Prevenção do Câncer Bucal, estabelecendo como objetivos: o estímulo a ações preventivas e campanhas educativas relacionadas ao câncer bucal; a promoção de debates e outros eventos sobre as políticas públicas de atenção integral aos portadores de câncer bucal; apoio às atividades organizadas e desenvolvidas pela sociedade civil em prol do controle do câncer bucal e a difusão dos avanços técnico-científicos relacionados ao câncer bucal2424 Brasil. Lei nº 13.230, de 28 de dezembro de 2015. Institui a semana nacional de prevenção do câncer bucal. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 29 dez. 2015 [cited 2022 Sept 21]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13230.htm
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, estabelecendo dessa forma um novo marco para o combate ao câncer bucal, porém, ainda necessita de uma atenção especial com relação a sua aplicação. Dessa forma, ações de monitoramento devem ser instituídas nas esferas federal, estadual e municipal, possibilitando que os objetivos desta lei sejam alcançados, acompanhados e avaliados de forma contínua e permanente.

Como limitações, observa-se o caráter transversal do estudo além do envio e preenchimento do questionário por meio digital, podendo acarretar viés na interpretação e respostas das perguntas. Contudo, as limitações não se sobrepõem à importância do estudo com relação à prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca, principalmente pelo fato de a Atenção Primária à Saúde representar o principal acesso aos serviços de saúde pela população, aliado à relevância do atendimento odontológico, visto que os cirurgiões-dentistas, por seu campo de atuação, se tornam responsáveis diretos pelas ações de prevenção, monitorização e diagnóstico precoce do câncer de boca.

CONCLUSÃO

A compreensão dos cirurgiões-dentistas da Região de Saúde da Baixada Litorânea (RJ) elencados mostrou-se deficiente, evidenciando a necessidade de reorganização das estratégias relacionadas à melhoria das ações e condutas para a detecção precoce do câncer de boca. Intensificar as ações de educação continuada, preparar os cirurgiões-dentistas para identificação dos fatores de risco e das lesões iniciais, capacitação dos profissionais para realização da biópsia na APS.

  • Como citar: Freire MMS, Zanin L, Flório FM. Câncer bucal: o que sabem os cirurgiões-dentistas da Baixada Litorânea-RJ? Rev Odontol UNESP. 2022;51:e20220049. https://doi.org/10.1590/1807-2577.04922

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2022
  • Aceito
    30 Nov 2022
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