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Direito à saúde e prioridades: introdução a um debate inevitável

RIGHT TO HEALTHCARE AND PRIORITIES: INTRODUCTION TO AN INEVITABLE DEBATE

Resumo

A realidade do direito à saúde é complexa e envolve, de forma inevitável, a consideração de um conjunto de necessidades, demandas e limitações de ordem variada. Em um cenário de recursos sempre mais limitados do que as pretensões, é fundamental discutir a definição de prioridades e os critérios subjacentes a tal definição. Este artigo pretende apresentar os principais critérios em discussão no mundo acerca da priorização em prestações de saúde, a saber: critérios materiais (que priorizam determinadas doenças ou grupos ou tratamentos), critérios procedimentais e os chamados multicritérios.

Direito à saúde; prioridades; serviço público; multicritérios; doenças

Abstract

The right to health care encompasses great complexity and involves a variety of needs, requests, and limitations. In a scenario of limited resources, it is pivotal to face the issue of priority setting in health care and the criteria that validates it. This paper aims to present the main criteria that are being discussed around the world for priority setting in health care: material criteria (which prioritizes a set of diseases, or groups of people or some health care treatments), procedural criteria, and the multicriteria formulas.

Right to healthcare; priority setting in health care; priority setting criteria in health; public service; multicriteria; diseases

Introdução: saúde, complexidade e prioridades. Como defini-las?

A Constituição brasileira afirma que a saúde é um direito de todos e, mais que isso, um dever do Estado. O tema não é novo e muito se discute sobre ele. A realidade, porém, é que tais opções constitucionais trazem em seu bojo diversas complexidades que precisam ser enfrentadas para que os dispositivos, de texto, se transformem em realidade.

Em primeiro lugar, o direito não pode garantir propriamente uma vida saudável. Não foi sem motivo que Thomas Jefferson, ao redigir a declaração de independência americana, deixou de afirmar que a felicidade é direito de todos, para reconhecer, apenas, o direito dos indivíduos a buscá-la.

Garante-se o meio, não o resultado. Também no que diz respeito à saúde, as garantias jurídicas estão relacionadas aos meios: garante-se o direito de acesso aos instrumentos disponíveis à proteção da saúde (HERNÁNDEZ; PERULLES; CRESPO, 2004HERNÁNDEZ, Eduardo Martínez y.; PERULLES, Luis Francisco García; CRESPO, Enrique Barón. Tratado del derecho a la protección de la salud. 2. ed. Madri: Servicio de publicaciones de la facultad de derecho da Universidad Complutense Madrid, 2004., p. 81). Trata-se de uma consequência lógica da pequenez humana diante da infinitude da natureza, pois, apesar de o cuidado ser sempre possível, as ciências médicas têm limites para a cura. O direito à saúde, portanto, apenas pode ser definido como um direito a prestações sanitárias (LAUDE; MATHIEU; TABUTEAU, 2009LAUDE, Anne; MATHIEU, Bertrand; TABUTEAU, Didier. Droit de la santé. 2. ed. Paris: PUF, 2009., p. 2), positivas ou negativas, necessárias à proteção da saúde do indivíduo ou da coletividade. Dito de outra forma, o indivíduo não tem direito à saúde, mas à proteção da saúde.

Uma segunda complexidade envolve o próprio conceito de saúde. Segundo a Constituição da Organização Mundial de Saúde (2009), a saúde não é a mera ausência de doenças ou enfermidades, mas o estado de completo bem-estar físico, mental e social. De acordo com essa visão ampla, sua promoção não se esgota nas prestações sanitárias, pois depende de políticas públicas relacionadas a outros campos da atuação estatal, como aquelas necessárias à paz, moradia, educação, alimentação, renda, ecossistema saudável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade. A partir desse conceito abrangente, Hernández, Perulles e Crespo propõem uma distinção útil entre dois significados de saúde:

  1. de uma parte, a saúde entendida como estado de plenitude psicofísica, em torno da qual se poderá estabelecer o estado de ótimo vital das pessoas. Neste contexto, as ações públicas devem se orientar para o cumprimento deste objetivo, a fim de alcançar essa plenitude psicofísica da pessoa, sendo esse, em definitivo, o marco central do desenvolvimento e execução das políticas sanitárias.

  2. por outro lado, temos a consideração da saúde com base em uma ideia de normalidade orgânica e funcional, que será o veículo através do qual o ser humano conseguirá completar sua integração social por meio do trabalho e de suas relações com os demais (HERNÁNDEZ; PERULLES; CRESPO, 2004HERNÁNDEZ, Eduardo Martínez y.; PERULLES, Luis Francisco García; CRESPO, Enrique Barón. Tratado del derecho a la protección de la salud. 2. ed. Madri: Servicio de publicaciones de la facultad de derecho da Universidad Complutense Madrid, 2004., p. 83).

A ideia de plenitude psicofísica – presente na Constituição da Organização Mundial da Saúde – extrapola a noção comumente associada ao direito à saúde, de normalidade orgânica e funcional, para identificar-se com o conceito de bem-estar. É certo que há uma interdependência entre esses dois aspectos. A saúde de um indivíduo é afetada por seu nível educacional e pelas condições de renda, alimentação e moradia, sendo certo que a Constituição de 1988 prevê que o direito à saúde será garantido não apenas por meio de ações e serviços sanitários, mas também mediante políticas econômicas e sociais que visem à redução do risco de doenças (art. 196).

Como se vê, a própria identificação do que constitui o direito à saúde – rectius: direito a prestações de saúde – não é singela. Uma compreensão extremamente abrangente do direito à saúde, que a equiparasse à ideia de bem-estar, praticamente incluiria toda a atividade estatal sob essa rubrica. No comentário dos autores citados, o conceito de saúde teria assim “menos a ver com o campo regional da saúde e mais a ver com o campo global da sociedade” (LEFEVRE; LEFEVRE, 2007LEFEVRE, Fernando; LEFEVRE, Ana Maria Cavalcanti. Promoção de saúde: a negação da negação. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2007., p. 29). A realidade é que um conceito tão genérico de direito à saúde seria pouco útil e, pior, inviabilizaria uma distinção capaz de atribuir atenção especial ao tema específico da saúde, compreendida como normalidade funcional e orgânica das pessoas. Para os fins deste estudo, portanto, se vai compreender saúde no sentido mais estrito, isto é: como estado de normalidade orgânica e funcional (LAUDE; MATHIEU; TABUTEAU, 2009LAUDE, Anne; MATHIEU, Bertrand; TABUTEAU, Didier. Droit de la santé. 2. ed. Paris: PUF, 2009., p. 3).

Em terceiro lugar, mesmo com a delimitação proposta, o direito à saúde continua sendo multifacetário e complexo. Há dimensões éticas extremamente sensíveis, por exemplo, no desenvolvimento de determinadas tecnologias (MARTINS-COSTA; MOLLER, 2009MARTINS-COSTA, Judith; MOLLER, Letícia Ludwig (Org.). Bioética e responsabilidade. São Paulo: Forense, 2009.). Do ponto de vista operacional, existem dimensões individuais e coletivas nas prestações sanitárias, bem como há prestações de natureza diversa: prevenção, cura, monitoramento, informação etc. A ampliação do fornecimento de prestações sanitárias enfrenta, sempre, a questão dos custos (DIEDERICH; SWAIT; WIRSIK, 2011DIEDERICH, Adele; WINKELHAGE, Jeannette; WIRSIK, Norman. Age as a criterion for setting priorities in health care? A survey of the German public view. PLoS ONE, n. 6, ago. 2011., p. 19). O crescimento permanente da demanda por serviços sanitários e a escassez de recursos exigem a fixação, ainda que preliminar, de prioridades. Que doenças ou que pessoas ou que prestações sanitárias serão atendidas, e em que extensão e profundidade, e quais não receberão recursos, ao menos em um determinado momento histórico? Quais serão as prioridades no que diz respeito às pesquisas científicas? Trata-se de escolhas dramáticas que estão sendo feitas, quer se dê atenção ao assunto, ou não.

O tema da fixação de prioridades em matéria de prestações de saúde, embora envolva, por evidente, juízos políticos, não é estranho ao direito. A razão é simples. A escassez gera necessariamente a busca pela justiça na alocação de recursos (GLOBEKNER, 2011GLOBEKNER, Osmir Antonio. A saúde entre o público e o privado. Porto Alegre: Juruá, 2011., p. 76), e o debate em torno dos critérios que definirão o que será uma alocação justa, bem como a publicidade acerca desse debate e do processo decisório envolvendo a alocação desses recursos, recebem a influência das opções políticas já formuladas na Constituição e na legislação. E, uma vez definidas as prioridades, o direito, ao lado de outros ramos do conhecimento, terá muito a dizer sobre sua real implementação, embora este não seja o tema deste texto (BORGES; BAPTISTA, 2010BORGES, Camila Furlanetti; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. A política de atenção básica do Ministério da Saúde: refletindo sobre a definição de prioridades. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 27-53, mar.-jun. 2010.; MALTA et al., 2014MALTA, Débora Carvalho; SILVA, Marta Maria Alves da; ALBUQUERQUE, Geórgia Maria; LIMA, Cheila Maria de; CAVALCANTE, Tania; JAIME, Patrícia Constante; SILVA JÚNIOR, Jarbas Barbosa da. A implementação das prioridades da Política Nacional de Promoção da Saúde, um balanço, 2006 a 2014. Ciência e Saúde Coletiva, v. 19, n. 11, p. 4301-4311, 2014.).

É nesse contexto que se insere o presente estudo. Seu objetivo é fazer uma apresentação simples e esquemática dos principais critérios que têm sido discutidos e utilizados na fixação de prioridades de modo que, em um momento posterior (em um outro estudo), seja possível discuti-los e apreciá-los com mais cuidado à luz de parâmetros normativos constitucionais.

De forma objetiva, são apresentados no texto quatro conjuntos principais de critérios: (i) os que priorizam o atendimento a determinadas doenças; (ii) os que priorizam o atendimento a determinados grupos de pessoas; (iii) os que priorizam o fornecimento de determinados tratamentos; e (iv) os procedimentais, que se ocupam das exigências a serem observadas no processo de fixação de prioridades. Por fim, o estudo vai apresentar também a proposta “multicritério” que procura integrar a aplicação de vários critérios simultaneamente.

Duas observações preliminares antes de prosseguir parecem importantes.

Em primeiro lugar, não há respostas simples na matéria. Como se verá, todos os critérios materiais (os três primeiros listados acima), em suas múltiplas aplicações, apresentam uma racionalidade própria e, a rigor, podem justificar-se em alguma medida à luz de princípios jurídicos. Nesse contexto, o critério procedimental parece especialmente relevante, visto que se ocupa de garantir a publicidade e a controlabilidade do processo que define as prioridades, independentemente dos critérios materiais adotados. Em segundo lugar, o tema do direito à saúde é profundamente interdisciplinar. A contribuição do Direito para o debate é muitíssima importante, mas não é única e nem deve pretender subjugar a contribuição dos outros conhecimentos humanos.

1 Critérios materiais de definição de prioridades em prestações de saúde

1.1 Critérios relacionados à priorização de determinadas doenças

Um dos critérios frequentemente adotado no âmbito de sistemas de saúde é a priorização do atendimento a determinadas doenças. Com efeito, determinar prioridades na alocação de recursos públicos em saúde depende de estudos acerca de quais seriam as doenças prioritárias, o que significa decidir que os serviços sanitários escolhidos para seu tratamento e prevenção1 1 É certo que, mesmo considerando-se uma determinada doença, podem existir variados tratamentos e a escolha por alguns deles também envolve um juízo de prioridade. serão considerados prioritários em face de outros. Mas o que justificaria atribuir prioridade a determinadas doenças? As razões são variadas e envolvem, em geral, o impacto da patologia sobre os pacientes e sobre a coletividade.

Um primeiro exemplo desse critério é a prioridade atribuída ao tratamento de doenças infectocontagiosas nos países em que elas são relevantes, como era o caso do Brasil até poucas décadas passadas. Trata-se de uma avaliação acerca do impacto coletivo da doença sobre a população e não necessariamente do impacto sobre cada indivíduo isoladamente.

É bem de ver que a priorização de doenças infectocontagiosas está relacionada também com a existência de tratamentos que apresentem uma relação adequada entre custo e efetividade, tema que será examinado mais adiante. Nem sempre essa mesma racionalidade é aplicada na fase de pesquisa e desenvolvimento de tratamentos, sendo que uma das questões discutidas hoje pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é justamente o investimento prioritário em doenças infectocontagiosas ainda sem tratamento eficaz.2 2 Conferir em: <http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564489_eng.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2017. Seja como for, o impacto coletivo das doenças infectocontagiosas é, em geral, o fundamento utilizado para atribuir prioridade ao seu tratamento ou imunização.

Um segundo exemplo de aplicação desse critério é a priorização de doenças que geram limitações e encargos para o indivíduo, privando-o da vida civil e gerando um custo social e econômico relevante a título de tratamento, particularmente aquelas que geram dores crônicas no indivíduo. Como destacam Daniel S. Goldberg e Summer J. McGee, acredita-se que um em cada cinco adultos sofrem dores e um a cada 10 adultos é diagnosticado com dor crônica a cada ano. Para esses autores, as consequências para o indivíduo nessas situações são demasiadamente sérias, pois ocasionam depressão, incapacidade para o trabalho, perturbações nas relações sociais e pensamentos suicidas, dentre outras. Além disso, pessoas assim possuem expectativa de vida limitada a apenas sete anos (GOLDBERG; McGEE, 2011GOLDBERG, Daniel S.; McGEE, Summer J. Pain as global public health priority. BMC Public Health, v. 11, p. 770-770, 2011., p. 1-3).

Dentre as razões apresentadas para a classificação prioritárias das doenças de dor crônica, destacam-se a grande prevalência mundial de pessoas afetadas e o fato da dor crônica tipicamente ser acompanhada de relevantes comorbidades, como o próprio câncer, diabetes, osteoporose, artrite, artrose, fibromialgia, entre outras. Para tanto, deve-se destacar que, quanto mais aumentam as doenças crônicas, cresce também a prevalência de dor crônica (GOLDBERG; McGEE, 2011GOLDBERG, Daniel S.; McGEE, Summer J. Pain as global public health priority. BMC Public Health, v. 11, p. 770-770, 2011., p. 1-3).

Uma terceira aplicação desse critério envolve a priorização das doenças crônicas não transmissíveis, categoria na qual se incluem as doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Até algumas décadas atrás, esse grupo de doenças era próprio de países industrializados. O quadro, porém, foi alterado e também os demais países têm apresentado índices altos dessas patologias, em geral, associadas a fatores como deficiências nutricionais, inatividade física, altos níveis de estresse pessoal, poluição do ar, precariedade no sistema de saneamento básico, dentre outros (ACHUTTI; AZAMBUJA, 2004ACHUTTI, Aloyzio; AZAMBUJA, Maria Inês Reinert. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: repercussões do modelo de atenção à saúde sobre a seguridade social. Ciência Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 833-840, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a02v9n4>. Acesso em: 20 nov. 2012.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a02v9n...
, p. 834) Dados de 2003 indicam que essas doenças foram responsáveis por 60% das mortes e das incapacidades em todo o mundo, com previsão de esse índice chegar a 73% em 2020. No Brasil, em 2001, tais doenças causaram 62% das mortes e 39% das internações no Sistema Único de Saúde (ACHUTTI; AZAMBUJA, 2004ACHUTTI, Aloyzio; AZAMBUJA, Maria Inês Reinert. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: repercussões do modelo de atenção à saúde sobre a seguridade social. Ciência Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 833-840, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a02v9n4>. Acesso em: 20 nov. 2012.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n4/a02v9n...
, p. 834). Também aqui, como se vê, o fundamento da prioridade está claramente relacionado com a prevalência da doença na sociedade.

Ainda nessa mesma linha, tem se discutido a priorização no atendimento a doenças crônicas que atingem a população idosa, tendo em conta o envelhecimento da população. Esse debate se relaciona de certo modo com a priorização em torno de determinados grupos de pessoas, que será examinado adiante. De todo modo, se é certo que muitas vezes os argumentos em torno da priorização de doenças crônicas invocam uma certa racionalidade econômica – já que essas patologias podem reduzir a capacidade laboral do indivíduo –, a mesma lógica não pode ser invocada em relação à população idosa, que já não integra a força de trabalho ativa.

Um outro grupo de doenças cuja priorização se discute é aquele formado por patologias que demandam cuidados de terceiros. Um debate relevante diz respeito às doenças mentais, em especial, o Alzheimer. O elevado índice de incidência na população mundial preocupa a OMS, conforme orienta o relatório elaborado pela Organização, intitulado Dementia: a public health priority.3 3 Conferir em: <http://www.who.int/mental_health/publications/dementia_report_2012/en/>. Acesso em: 14 jun. 2017. O relatório alerta os governos mundiais para o tratamento da doença como prioridade em matéria de saúde pública. O Alzheimer hoje representa um dos principais causadores da demência, que, associada ao crescimento da expectativa de vida, desacompanhada de políticas públicas suficientes, justifica o alerta mundial.

Como se percebe, a eleição de determinadas doenças como prioritárias não é uma decisão simples, nem se funda, em geral, em uma racionalidade única. O fato de uma patologia afetar uma grande quantidade de pessoas parece importante, mas outras considerações são igualmente relevantes. Seja como for, uma última observação deve ser feita. Parece inevitável que os sistemas de saúda formulem opções à luz de considerações generalizadoras. Entretanto, além da perspectiva do sistema e da comunidade como um todo, há, por evidente, a perspectiva individual do paciente e sua família, que não sofre menos porque a doença que o acomete é incomum. Embora as políticas públicas sejam formuladas de forma geral, a relevância que cada caso possui em seu contexto particular não deixa de existir. Esse equilíbrio entre a política coletiva e o caso individual é um problema complexo que não deve ser ignorado.

1.2 Critérios relacionados à priorização de determinadas pessoas no sistema de saúde público

Um segundo conjunto de critérios utilizado e discutido no contexto de sistemas de saúde envolve a priorização de grupos de pessoas, e não exatamente de doenças. É possível conjugar critérios de natureza subjetiva com outros de natureza diversa, mas, para facilitar a compreensão, a abordagem aqui ficará limitada àqueles parâmetros que tenham pertinência apenas com o indivíduo.

De forma simples, são considerados parâmetros subjetivos aqueles vinculados a caracteres pessoais como, por exemplo, a idade, o gênero/sexo, a raça/etnia, a religião, o status social, as capacidades mentais e físicas, a orientação sexual, a condição genética e o estilo de vida (ligado à responsabilidade pelo surgimento da própria doença) (KAPIRIRI; NORHEIM, 2004KAPIRIRI, Lydia; NORHEIM, Ole Frithjof. Criteria for priority-setting in health care in Uganda: exploration of stakeholders’ values. Bulletin of the World Health Organization, n. 82, mar. 2004., p. 173).

É controversa a adoção de critérios ligados a características individuais para o estabelecimento de prioridades em matéria de saúde. Em pesquisa realizada em Uganda, a maioria dos participantes concordou com a importância de se atentar para a doença (tipo, gravidade etc.), bem como para parâmetros sociais (equidade de acesso, preferências da comunidade etc.). Contudo, quanto aos elementos pessoais, houve grandes divergências. Mais de 80% dos entrevistados consideraram que a idade deveria ser incluída, conferindo-lhe alta relevância, ao passo que apenas 24% opinaram por se levar em conta a religião, o poder e a influência do indivíduo, colocando-os, assim, num patamar de baixa relevância. Outros aspectos, como o status social, o estilo de vida, as capacidades físicas e mentais e o sexo, foram classificados como de média relevância diante do resultado da pesquisa (KAPIRIRI; NORHEIM, 2004KAPIRIRI, Lydia; NORHEIM, Ole Frithjof. Criteria for priority-setting in health care in Uganda: exploration of stakeholders’ values. Bulletin of the World Health Organization, n. 82, mar. 2004., p. 175).

Há critérios que são considerados, quase que unanimemente, como inaceitáveis para a definição de prioridades em políticas públicas de saúde, tais como a raça ou a etnia, a orientação sexual e a religião, porque a sua adoção geraria uma discriminação injustificada de indivíduos com determinadas qualidades, o que poderia configurar um desrespeito ao princípio da isonomia. Defender o contrário, ao menos em tese, seria violar não só o princípio da igualdade, mas também o da proporcionalidade (PEREIRA, 2007PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os imperativos de razoabilidade e de proporcionalidade. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. São Paulo: Renovar, 2007.), pois não haveria nenhum vínculo de pertinência lógica entre a raça, a orientação sexual ou a religião, de um lado, e a promoção da saúde, de outro.

Entretanto, a questão não é tão simples. No Brasil, por exemplo, a desigualdade social é um critério considerado relevante no debate sobre prioridades (DRACHLER et al., 2003DRACHLER, Maria de Lourdes; CÔRTES, Soraya M. Vargas; CASTRO, Janice Dorneles de; LEITE, José Carlos de Carvalho. Proposta de metodologia para selecionar indicadores de desigualdade em saúde visando definir prioridades de políticas públicas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, p. 461-470, 2003.). Um outro parâmetro discutido nesse contexto é a idade. As questões podem ser resumidas nos seguintes termos: A idade deve ser considerada como um critério para essa finalidade ou não? Em se entendendo que sim, a prioridade deve ser dada aos mais jovens ou aos mais idosos?

Há quem defenda a utilização da idade sob a premissa de que é um parâmetro transparente e objetivamente controlável (DIEDERICH; WINKELHAGE; WIRSIK, 2011DIEDERICH, Adele; WINKELHAGE, Jeannette; WIRSIK, Norman. Age as a criterion for setting priorities in health care? A survey of the German public view. PLoS ONE, n. 6, ago. 2011., p. 2), que não deixa ao mero alvedrio ou a uma avaliação puramente subjetiva dos médicos ou dos agentes decisórios do sistema a escolha daqueles que merecem preferência na oferta de tratamentos. Sustenta-se, ainda, que o emprego desse critério se justifica por razões de justiça intergeracional, cuja lógica é a de que, uma vez atingida uma idade avançada, o sistema sanitário deve alocar os seus recursos em benefício de outros indivíduos, para que eles também possam alcançar esse patamar etário (WILLIAMS, 1997WILLIAMS, Alan. Intergenerational equity: an exploration of “fair innings” argument. Health Economics, n. 6, p. 117-132, mar. 1997., p. 242). Por outro lado, há quem rejeite a priori a inserção da idade nesse tema, optando por considerar apenas aspectos vinculados à doença ou ao tratamento.

Dentre aqueles que consideram adequado incluir a idade como um dos parâmetros, há diversas opiniões no sentido de que as crianças devem ser tidas como um grupo preferencial (DIEDERICH; WINKELHAGE; WIRSIK, 2011DIEDERICH, Adele; WINKELHAGE, Jeannette; WIRSIK, Norman. Age as a criterion for setting priorities in health care? A survey of the German public view. PLoS ONE, n. 6, ago. 2011., p. 5), sobretudo em países em desenvolvimento, tendo em vista as altas taxas de mortalidade verificadas nesta faixa etária. Sucede que, ao se tomar como critério a taxa de mortalidade, a idade não é o critério principal, mas consequência lógica da adoção de um parâmetro de ordem objetiva.

Embora não haja unanimidade, há certa tendência em se dar prioridade a crianças e idosos, principalmente por serem grupos vulneráveis, que, muitas vezes, demandam do resto da sociedade suporte físico, emocional e financeiro. A discussão desse tema no Brasil não pode prescindir da análise do art. 227 da Constituição de 1988 – que estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, dentre outros –, bem como do art. 230 do mesmo diploma – que dispõe ser dever daqueles mesmos entes amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Essas normas constitucionais parecem dar respaldo à priorização de crianças e idosos em detrimento de pessoas de meia-idade.

Um estudo realizado nos Estados Unidos, com alunos universitários de um centro médico, revelou que a importância dada à idade do paciente variava de acordo com o tipo de tratamento que estava em jogo. Os dados obtidos demonstraram que a idade foi tida como mais relevante para o estabelecimento de prioridades na oferta de tratamentos para a infertilidade e para salvar vidas, ao passo que foi considerada menos relevante para tratamentos para a depressão e para aliviar a dor (JOHRI et al., 2005JOHRI, Mira et al. The importance of age in allocating health care resources: does intervention-type matter? Health Economics, n. 14, 2005., p. 672-673).

Por vezes, alguns critérios objetivos direcionam as preferências para pessoas com determinada idade. É o caso da efetividade do tratamento. Embora não esteja relacionada diretamente a essa característica individual, a sua adoção pode traduzir implicitamente a opção por favorecer os mais jovens em detrimento dos mais idosos, já que aqueles apresentam, em tese, maior capacidade de recuperação do que estes (HADORN, 1991HADORN, David C. Setting health care priorities in Oregon: cost-effectiveness meets the rule of rescue. JAMA, v. 265, n. 17, mai. 1991., p. 2221).

Outro critério aventado para o estabelecimento de prioridades no setor de saúde é o sexo/gênero. Mulheres grávidas, por exemplo, costumam receber maiores investimentos dos sistemas públicos, sobretudo porque o adequado tratamento no período pré-natal resulta em bebês mais saudáveis, minorando os gastos com crianças que nascem abaixo do peso (RICE, 1991RICE, Dorothy P. Health status and national health priorities. The Western Journal of Medicine, n. 154, v. 3, mar. 1991., p. 299). O Estado de Oregon, nos Estados Unidos, foi um dos pioneiros na elaboração de uma lista de prioridades para o setor de saúde, tendo colocado os cuidados com a maternidade em segundo lugar no ranking, ficando atrás apenas dos tratamentos para doentes com risco iminente de morte (HADORN, 1991HADORN, David C. Setting health care priorities in Oregon: cost-effectiveness meets the rule of rescue. JAMA, v. 265, n. 17, mai. 1991., p. 2221).

O ponto, no entanto, merece uma observação. Ao se optar por investir mais em tratamentos ligados à maternidade, não se está priorizando a mulher em detrimento do homem em razão simplesmente da diferença de gênero. Há outro elemento relevante envolvido, que faz ser o sexo um fator distintivo legítimo para o provimento do acesso aos serviços. A gravidez é uma situação de especial vulnerabilidade que atrai maior atenção do sistema de saúde. A gestação de um novo ser humano envolve, ainda, outros valores considerados socialmente relevantes, como a perpetuação da espécie e, logicamente, a necessidade de se resguardar uma nova vida em formação. Como apenas as mulheres ficam grávidas, há quem entenda justificável que elas tenham preferência em relação aos homens.

Outro parâmetro de que se poderia cogitar é o da renda ou status social do doente. Em se tratando de definição de prioridades num sistema público de saúde, a capacidade de o paciente custear ou não com seus próprios meios o seu tratamento ou um seguro privado pode ser um indicador importante para a escolha de grupos preferenciais. Essa discussão está ligada à promoção da equidade de acesso, que leva em consideração os maiores obstáculos que determinadas pessoas enfrentam para ter acesso a cuidados de saúde.

Além da dificuldade de obter acesso a esses serviços, indivíduos de baixa renda apresentam maior grau de vulnerabilidade, porque normalmente possuem deficiências na alimentação desde o pré-natal e a infância, o que acarreta maior probabilidade de desenvolverem doenças cardiovasculares e eleva as taxas de mortalidade, quando comparadas com as de pessoas que receberam adequada nutrição.

Nessa mesma linha, também por sua vulnerabilidade, podem ser considerados como grupos prioritários os portadores de deficiência, de modo a se lhes prover dignidade e qualidade de vida em patamar igual ao dos demais cidadãos.

O que se percebe, portanto, é que situações de vulnerabilidade em geral – como a pouca idade, a senilidade, a maternidade, a pobreza e a deficiência – tornam justificável o amparo estatal, destinando-se mais recursos aos mais frágeis ou necessitados.

Outro critério subjetivo mencionado pela doutrina é o estilo de vida do doente, isto é, o grau de responsabilidade individual pela provocação da patologia que o acomete. A consideração do estilo de vida do paciente para a definição de prioridades em matéria de saúde é bastante problemática.4 4 Os autores destacam que a maioria da doutrina acredita ser importante incluir critérios não médicos na definição de prioridades. Entretanto, os estudos sobre o tema têm falhado em chegar a um consenso sobre quais deles são efetivamente relevantes. Alguns pesquisadores propõem que, a menos que o critério tenha direta influência no resultado do tratamento, ele não deve ser considerado. Em primeiro lugar, há uma dificuldade inerente a este critério que consiste em determinar se o surgimento de uma doença ocorreu efetivamente devido à prática de hábitos não saudáveis ou a outros fatores, como, por exemplo, a condição genética do indivíduo. Em segundo lugar, a própria adoção de hábitos saudáveis ou não é influenciada por circunstâncias socioeconômicas, como a educação ou a renda. Conferir menor grau de prioridade a pacientes com estilos de vida pouco salutares pode incrementar ainda mais as desigualdades de acesso à saúde já existentes na sociedade. É por isso que, para alguns, a utilização desse critério está condicionada à existência de iguais oportunidades de se ter uma vida saudável (WINKELHAGE; DIEDERICH, 2012WINKELHAGE, Jeannette; DIEDERICH, Adele. The relevance of personal characteristics in allocating health care resources – Controversial preferences of laypersons with different educational backgrounds. International Journal of Environmental Research and Public Health, n. 9, 2012., p. 237).

Nesse ponto, a discussão parece estar centrada em se saber se a prática de um estilo de vida prejudicial à saúde se deveu efetivamente a uma escolha do doente, realizada de forma livre e consciente, ou se decorreu de circunstâncias alheias à sua vontade. No primeiro caso, é possível que se legitime a seleção do estilo de vida como um critério para a definição de prioridades no sistema de saúde, pois se atribuiria ao indivíduo a responsabilidade pelos seus próprios atos. Na segunda hipótese, porém, há dúvidas se seria justo tomá-lo como mais um elemento nesse intrincado debate.

A responsabilidade pelos custos das próprias escolhas é uma formulação que encontra respaldo em teóricos de expressão, como Ronald Dworkin. O autor faz referência ao princípio da responsabilidade especial, segundo o qual, embora não se desconsidere que as escolhas dos indivíduos são influenciadas por sua educação, cultura e outras circunstâncias materiais, eles se tornam responsáveis por elas à medida que as realizam para definir o seu modo de vida (DWORKIN, 2000DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University Press, 2000., p. 6).

A principal ideia subjacente a isso é impedir que algumas pessoas subvencionem as más escolhas feitas por outras e fazer com que o destino de cada um dependa de suas próprias ambições (no sentido amplo de objetivos e projetos de vida), por ser injusto que alguém pague pelos custos de decisões que não tomou (KYMLICKA, 2006KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. São Paulo: Martins Fontes 2006., p. 97). Quando se está tratando de alocação de recursos para a implementação de políticas públicas de saúde, subsidiar tratamentos para doenças como o alcoolismo, o câncer de pulmão (derivado do tabagismo excessivo durante vários anos da vida), a obesidade, dentre outras, significa retirar investimentos de outras patologias, cuja causa não tem nenhuma relação com o comportamento individual adotado.

No entanto, ainda que o estilo de vida seja fruto de uma decisão voluntária, há críticas a sua adoção como um critério válido de priorização. Isto porque todos devem ter liberdade para traçar os seus próprios planos e projetos de vida, sem estarem sujeitos a qualquer grau de reprovação social. O igual respeito e consideração pelo outro compreenderia a aceitação do seu modo de vida, seja ele qual for, desde que envolva atitudes autorreferentes, que não causem prejuízos à esfera de terceiros. A distribuição dos recursos sociais, dentre os quais se inserem os serviços de saúde, não poderia ser guiada por doutrinas morais abrangentes, que não validem esta ou aquela forma de ser.5 5 Esta discussão está ligada ao critério denominado de QALY (Quality-Adjusted Life Year), que apresenta maior pertinência com os critérios relacionados à priorização de determinados tratamentos e, por isso, não será aprofundado neste capítulo. Michaela Pinho e Paula Alexandra Correia Veloso Veiga destacam o seguinte: “A esperança de vida é que é o elemento constituinte dos QALYs e, por inerência, a idade. Uma vez que, às idades mais jovens está, frequentemente, associada uma maior esperança de vida, coloca-se a questão se será legítimo privilegiar as faixas etárias mais jovens como decorre da aplicação da ACU [análise custo-utilidade]” (PINHO; VEIGA, 2009, p, p. 242).

Se, por um lado, a percepção de que o estilo de vida adotado por alguém influencia decisivamente a sua condição de saúde conduz alguns a defender que se devem investir menos recursos para o tratamento daqueles que, de alguma forma, contribuíram para o seu próprio mal, por outro lado, essa mesma noção desencadeou, em alguns países, o desenvolvimento de políticas voltadas a desestimular o consumo de produtos que propiciem o surgimento dessas doenças no futuro.

Em 1992, a Suécia iniciou o programa chamado Smoke Free Children (em tradução livre, “crianças livres do fumo”), que tinha por objetivo afastar as crianças, no começo de suas vidas, do contato com o cigarro e reduzir o consumo do tabaco entre as mulheres. A Finlândia, por sua vez, criou, no ano de 2001, um programa para redução do consumo de álcool, que envolvia medidas preventivas e de controle, bem como de reabilitação. O Canadá tem uma estratégia nacional contra o uso de drogas, que visa a minorar os danos associados ao álcool e a outras drogas para indivíduos, famílias e comunidades (ALLIN et al., 2004ALLIN, Sara; MOSSIALOS, Elias; MCKEE, Martin; HOLLAND, Walter. Making decisions on public health: a review of eight countries. European Observatory on Health Systems and Policies. Bruxelas, 2004., p. 40-42).

Ao invés de canalizar recursos da saúde para o tratamento de pacientes que, de algum modo, adoeceram em razão de seu estilo de vida, uma opção legítima neste campo poderia perpassar pelo investimento em programas direcionados a conscientizar e informar acerca dos males advindos do consumo de certas substâncias, a fim de se minimizar a incidência de doenças intimamente ligadas a elas (como, por exemplo, o alcoolismo, o câncer etc.). Nesse contexto, o maior dispêndio não estaria em medidas curativas ou repressivas, mas em medidas preventivas. Com isso, o critério do estilo de vida estaria afastando a priorização de doentes responsáveis em parte por seu próprio mal, mas, ao mesmo tempo, estaria incentivando tentativas de se eliminar as principais causas dessas doenças, visando a combatê-las nas suas raízes.

Por fim, é evidente que a eventual seleção de algum ou alguns desses parâmetros envolvendo caracteres pessoais está diretamente relacionada com princípios de justiça. Critérios vinculados à idade, sobretudo quando conjugados com a eficácia do tratamento, põe em evidência a valorização de um princípio de eficiência, alinhado com teorias utilitaristas. Por outro lado, considerações atinentes ao estilo de vida do indivíduo e à influência de seus hábitos para a causa de sua doença estão diretamente ligadas à preferência por um princípio meritório, segundo o qual a distribuição de recursos deve ser sensível às escolhas feitas por cada um. E, finalmente, parâmetros que levem em conta a renda ou debilidades físicas do doente se inclinam pela adoção de um princípio igualitário, sob um viés material, que direcione as prioridades no sistema de saúde para os menos favorecidos da sociedade (PINHO, 2008PINHO, Michaela Moreira. Fórum: racionamento dos cuidados de saúde: problemática inerente. Cadernos de Saúde Pública, n. 24, mar. 2008., p. 691-692).

1.3 Critérios relacionados à priorização de tratamentos no sistema público de saúde

Um terceiro conjunto de critérios identificados como materiais diz respeito à priorização de determinados tratamentos no âmbito do sistema de saúde, em geral tendo em conta o aspecto econômico. São dois os elementos principais a serem aqui examinados. Primeiro, o custo do tratamento. A classificação dos tratamentos de saúde em razão de seu custo será determinante para definir quais são os tratamentos que oneram mais ou menos o sistema, sobretudo o sistema público. O segundo elemento a ser considerado é a eficácia dos tratamentos. Estabelecer um ranking dos tratamentos mais eficazes pode auxiliar na determinação das prioridades, de modo que os tratamentos de eficácia comprovada, ou ainda os mais eficazes, serão preferidos em detrimento daqueles de menor eficácia. No Brasil, ao menos desde meados da década de 1990, existe um discurso político de prioridade para um conjunto de ações denominadas de atenção básica à saúde (BORGES; BAPTISTA, 2010BORGES, Camila Furlanetti; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. A política de atenção básica do Ministério da Saúde: refletindo sobre a definição de prioridades. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 27-53, mar.-jun. 2010.).

É certo que o custo do tratamento e sua eficácia nem sempre caminharão em um mesmo sentido: um tratamento pode ser custoso e pouco ou muito eficaz, ou barato e muito ou pouco eficaz. Será importante, portanto, combinar o resultado do custo do tratamento com a sua eficácia, o que dá origem ao que é frequentemente identificado como o custo-efetividade do tratamento.

Desta forma, se o objetivo da fixação de prioridades é maximizar a saúde das comunidades a partir dos recursos disponíveis (WILLIAMS, 1991WILLIAMS, Alan. Setting priorities in health care: an economist’s view. The journal of Bone and Joint Surgery, v. 73-B, n. 3, maio 1991., p. 367; WILLIAMS, 1988WILLIAMS, Alan. Priority setting in public and private health care: a guide through the ideological jungle. Journal of Health Economics, n. 7, 1988., p. 173-183), é preciso identificar não somente a eficácia do tratamento, mas também o que se denomina de custo-efetividade. A análise do custo-efetividade de um tratamento tem servido como uma importante ferramenta na alocação de recursos para a saúde, apesar do fato de que o seu uso e impacto nos países em geral, com algumas exceções, tem sido limitado (HUTUBESSY; CHISHOLM; EDEJER, 2003HUTUBESSY, Raymond; CHISHOLM, Dan; EDEJER, Tessa Tan-Torres; WHO-CHOICE. Generalized cost-effectiveness analysis for national-level priority-setting in the health sector. Cost Effectiveness and Resource Allocation, v. 1 n. 8, 2003., p. 8).

Alguns autores apontam limitações técnicas na construção dos dados sobre o custo-efetividade, o que deverá ser levado em consideração para o uso apropriado dessas informações na política e planejamento da saúde (HUTUBESSY; CHISHOLM; EDEJER, 2003HUTUBESSY, Raymond; CHISHOLM, Dan; EDEJER, Tessa Tan-Torres; WHO-CHOICE. Generalized cost-effectiveness analysis for national-level priority-setting in the health sector. Cost Effectiveness and Resource Allocation, v. 1 n. 8, 2003., p. 8). Alguns desses problemas poderiam ser resumidos nos seguintes termos: (i) inconsistência metodológica e heterogeneidade de métodos e medidas utilizadas nas avaliações econômicas conduzidas por diferentes investigadores que dificultam a síntese e a interpretação dos resultados do custo-efetividade; (ii) indisponibilidade de dados em relação a vários tratamentos; e, portanto, (iii) falta de generalização, já que nenhum país está apto a promover os estudos necessários para comparar o custo-efetividade de todas as possíveis intervenções segundo as suas características, de modo a permitir uma comparação entre elas.

A despeito dessas limitações, muitos autores sustentam que, ainda assim, a análise custo-efetividade (Cost-Effectiveness Analysis – CEA) poderá ser útil para indicar que combinação de intervenções de saúde maximizaria o nível de saúde da população a partir dos recursos disponíveis (HUTUBESSY; CHISHOLM; EDEJER, 2003HUTUBESSY, Raymond; CHISHOLM, Dan; EDEJER, Tessa Tan-Torres; WHO-CHOICE. Generalized cost-effectiveness analysis for national-level priority-setting in the health sector. Cost Effectiveness and Resource Allocation, v. 1 n. 8, 2003., p. 8). Tanto é assim que o custo-efetividade se tornou relevante para a construção de outro critério de definição de prioridades na saúde pública, qual seja: o custo por QALY (Quality-Adjusted Life Year).

O QALY seria uma unidade correspondente a um ano de vida de um indivíduo com saúde. Quem escreve sobre esse critério, costuma advertir que “saúde” não envolve apenas a expectativa de vida, mas também, e principalmente, a qualidade de vida. Alan Williams, o autor que desenvolveu de forma pioneira o tema do custo-efetividade na saúde-pública, explica como funciona o QALY: se por algum tratamento pudermos oferecer às pessoas a expectativa de anos adicionais de vida saudável, cada ano adicional contaria como uma unidade (um QALY).

Segundo a lógica desse critério, se o melhor que pudermos fazer consiste em oferecer às pessoas anos adicionais de vida sem saúde, então devemos considerar que cada ano de vida vale menos que um QALY. Logo, um ano de vida das pessoas vale, no máximo, um QALY, variando esta medida para mais ou para menos conforme se tenha uma vida mais ou menos saudável. Percebe-se que é a qualidade de vida que vai permitir aferir a medida do ano real do indivíduo a partir do QALY.

Este conceito inicial é fundamental para entender o critério do custo por QALY. Tomando como referência determinado tratamento ou procedimento cirúrgico, calcula-se o número de QALYs razoavelmente esperados e o custo do tratamento ou procedimento (WILLIAMS, 1991WILLIAMS, Alan. Setting priorities in health care: an economist’s view. The journal of Bone and Joint Surgery, v. 73-B, n. 3, maio 1991.). A partir destes dois dados relevantes, apura-se qual o custo por QALY em face das diferentes intervenções de saúde. Calculado este, a conclusão do que se fazer decorreria de forma direta: sabendo do custo por QALY correspondente a cada tratamento sondado, dever-se-ia deslocar os recursos para aquelas atividades cujo custo por QALY é baixo em detrimento das atividades em que ele é alto. O objetivo seria limitar recursos em uma área para beneficiar outra na qual o benefício será maior (WILLIAMS, 1991WILLIAMS, Alan. Setting priorities in health care: an economist’s view. The journal of Bone and Joint Surgery, v. 73-B, n. 3, maio 1991., p. 367).

Nada obstante, este critério foi criticado em razão da fraqueza dos dados empíricos apresentados para o seu cálculo. Apesar da falta de solidez dos dados, muitos sustentam a validade da metodologia utilizada por Williams e de sua ideia-base (FOX-RUSHBY; MILLS; WALKER, 2001FOX-RUSHBY, Julia; MILLS, Anne; WALKER, Damian. Setting health priorities: the development of cost-effectiveness league tables. Bulletin of the World Health Organization, v. 79, n. 7, p. 679-680, 2001., p. 679-680). Com efeito, Fox-Rushby, Mills e Walker, para exemplificar a importância do critério criticado, afirmam que, em virtude do seu artigo seminal, foram introduzidas quatro específicas metodologias na tomada de decisões do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido: (i) aplicação do QALY como uma medida de eficácia das intervenções; (ii) cálculo das proporções nos ganhos de custo por QALY das intervenções; (iii) comparação do custo-efetividade de diferentes intervenções; e (iv) reconhecimento de que subgrupos de pacientes podem ter diferentes proporções de custo-efetividade (FOX-RUSHBY; MILLS; WALKER, 2001FOX-RUSHBY, Julia; MILLS, Anne; WALKER, Damian. Setting health priorities: the development of cost-effectiveness league tables. Bulletin of the World Health Organization, v. 79, n. 7, p. 679-680, 2001., p. 679-680).

A despeito das imperfeições metodológicas do critério elaborado por Williams, a literatura especializada indica que, na medida em que a análise do custo-efetividade aumenta pelo mundo, esta será uma área de pesquisa que vai crescer bastante nesta década (PINHO, 2008PINHO, Michaela Moreira. Fórum: racionamento dos cuidados de saúde: problemática inerente. Cadernos de Saúde Pública, n. 24, mar. 2008., p. 690-695; ARVIDSSON et al., 2010ARVIDSSON, Eva et al. Priority setting in primary health care-dilemmas and opportunities: a focus group study. BMC Family Practice, v. 11, n. 71, 2010. Disponível em: <https://bmcfampract.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2296-11-71>. Acesso em: 09 jun. 2017.
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; SABIK; LIE, 2008SABIK, Lindsay M.; LIE, Reidar K. Lessons from the experiences of eight countries. International Journal for Equity in Health, n. 7, v. 4, jan. 2008.).

2 Critérios procedimentais de definição de prioridades em prestações de saúde

Uma segunda perspectiva acerca da definição de prioridades em saúde se preocupa de forma específica com o processo de tomada de tais decisões. A definição de prioridades em saúde, como ato do Poder Público em um Estado democrático, não pode ser fruto do simples arbítrio das autoridades competentes. Ela deve corresponder ao resultado de um processo de tomada de decisões cuja legitimidade decorre da observância de uma série de condições. Assim, é de extrema relevância conceber um processo de definição de prioridades em saúde capaz de dar conta das exigências de razoabilidade, transparência e accountability próprias de uma democracia.

Sofia Gruskin e Norman Daniels destacam, em trabalho realizado em 2008, que as autoridades responsáveis pelo estabelecimento de prioridades na saúde geralmente possuem considerável treinamento e expertise para a consecução da tarefa de decidir o modo como os recursos escassos devem ser aplicados da maneira mais eficiente. Por outro lado, eles reconhecem também que essas autoridades são pouco confiantes em sua capacidade de reconciliar essa expertise em aprimorar o sistema de saúde com a necessidade de que isso seja feito levando em conta as exigências da equidade (GRUSKIN; DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1573). Devido a essa dificuldade, os autores ressaltam a necessidade de enquadramentos normativos capazes de dar forma a um procedimento para a definição de prioridades que seja apto a propiciar a tomada de decisões aceitáveis e justificáveis publicamente.

Os autores partem da premissa de que os direitos humanos e os princípios de justiça são frequentemente invocados pelos responsáveis pela formulação de políticas públicas para legitimar escolhas distributivas que inevitavelmente resultam em ganhadores e perdedores. De acordo com os autores, no entanto, nenhuma dessas abordagens é por si só suficiente para orientar as decisões políticas mais urgentes e impactantes.

A abordagem dos direitos humanos para a saúde enfatiza que esta depende da satisfação de uma ampla gama de direitos, incluindo o direito à saúde propriamente dito, à não discriminação, à educação, à informação, às liberdades básicas e à participação política. Todavia, de acordo com os autores, essa abordagem contribui pouco – exceto por excluir a discriminação e exigir a participação das comunidades afetadas – para o processo de seleção e classificação das reivindicações da população, ou seja, para a determinação dos ganhadores e perdedores (GRUSKIN; DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1573).

Por outro lado, as abordagens fornecidas pelas diversas teorias da justiça igualmente falham em oferecer orientação adequada. Por exemplo, o liberalismo igualitário enfatiza que o funcionamento das instituições deve promover uma equalização das oportunidades entre as pessoas, para que elas possam exercitar da maneira mais livre possível as suas próprias capacidades e aptidões individuais. Esse dever institucional exige que a saúde seja promovida e distribuída de maneira equânime. Para os autores, essa teoria da justiça oferece orientações razoáveis para a alocação dos recursos da saúde em relação a alguns aspectos, mas, tomada por si só, é muito genérica para fornecer respostas para questões-chave no processo de definição de prioridades. Por exemplo, essa teoria defende que a prioridade seja dada para aqueles que estão em pior situação, mas não deixa claro em que grau deve ser essa prioridade, nem o que se deve entender como “pior situação”. Como se sabe, a expressão “pior situação” não é unívoca, podendo adquirir múltiplas dimensões e ser aferida por diferentes critérios (GRUSKIN; DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1574).

Outras teorias da justiça apresentam problemas similares. É esse o caso do utilitarismo clássico, que, ao defender a maximização de alguma medida agregada de saúde para o maior número de pessoas, não confere a atenção adequada aos problemas relacionados com a equidade, pois permitiria a priori que a saúde de camadas minoritárias da população pudesse ser sacrificada em benefício da saúde dos grupos majoritários. Os autores destacam, portanto, que nem a abordagem dos direitos humanos, na qual eles incluem a participação popular, nem as baseadas em princípios de justiça distributiva, são suficientes para resolver desacordos a respeito do modo de definição de prioridades.

Aqueles preocupados com decisões urgentes sobre prioridades necessitam de uma abordagem que ofereça além de orientação, também um aumento na percepção da legitimidade e da equidade do procedimento, para que os resultados obtidos sejam entendidos como justos (GRUSKIN, DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1575). Os autores propõem, então, uma nova abordagem, que se baseia em ambas as perspectivas anteriores como um primeiro passo em um trabalho conjunto para fortalecer os enquadramentos normativos que visam a orientar as definições de prioridades na saúde.

Eles sugerem que um processo deliberativo equânime, chamado por eles de “accountability para a razoabilidade”, desenvolvido como uma forma de justiça procedimental para o estabelecimento de prioridades diante de um quadro de escassez, deve ser construído de maneira a garantir participação dos grupos interessados e a accountability do governo. Esse modelo de processo deliberativo equânime forneceria um procedimento razoável, apto a enfatizar os componentes chave da abordagem dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que o destaque dado à accountability aumentaria a legitimidade do resultado, ao apelar para a equidade do procedimento. Para eles, essa abordagem combinada facilita a realização progressiva de um direito humano à saúde (GRUSKIN; DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1576).

Para os autores, os titulares de direitos afetados por decisões que estabelecem prioridades têm também o direito de saber como essas decisões foram tomadas. A accountability para a razoabilidade, baseada na teoria democrática, exige uma deliberação cuidadosa que ilumina os valores subjacentes aos desacordos. A ideia principal por trás dessa abordagem é que pessoas razoáveis são capazes de aceitar os resultados do procedimento de definição de prioridades quando entendem que ele se deu de maneira justa e equânime. Para que isso aconteça, os autores consideram necessário que quatro condições sejam observadas (GRUSKIN; DANIELS, 2008GRUSKIN, Sofia; DANIELS, Norman. Justice and human rights: priority setting and fair deliberative process, v. 98, n. 9, p. 1573-1577, 2008., p. 1576):

  1. Condição de publicidade: as decisões que estabelecem prioridades em saúde, assim como o raciocínio que lhes é subjacente, devem ser publicamente acessíveis.

  2. Condição de relevância: as razões que orientaram a definição de prioridades devem poder ser explicadas razoavelmente. Elas o serão caso seja demonstrado que fizeram uso de provas, premissas e princípios aceitos como relevantes por pessoas razoáveis. Intimamente relacionado com esta condição está a necessidade de inclusão mais ampla possível dos grupos interessados no processo de decisões.

  3. Condição de revisão e recurso: deve haver mecanismos e oportunidades para revisão e aprimoramento das políticas, à luz de novas evidências ou argumentos.

  4. Condição regulativa: o processo deve ser regulado publicamente, de modo que as condições anteriores não deixem de ser observadas.

Para os autores, a accountability para a razoabilidade fornece um enquadramento capaz de incorporar os elementos-chave da abordagem dos direitos humanos – como a não discriminação, a educação, a informação e a participação política – e garantir a sua aplicação no processo de definição das prioridades de saúde. Para eles, a accountability para a razoabilidade é politicamente viável e capaz de orientar adequadamente os gestores responsáveis por aprimorar as políticas de saúde, de modo que tanto os direitos citados como o bem-estar geral sejam promovidos.

A implementação prática da accountability para a razoabilidade impõe uma série de desafios e deve ser feita de maneira calibrada, de modo que eventuais contradições entre as exigências das quatro condições (por exemplo, exigência de participação popular e de critérios técnicos para a definição de prioridades) sejam equacionadas da melhor maneira possível.

De todo o modo, a proposta de um procedimento para a definição de prioridades para a saúde como a accountability para a razoabilidade, calcado nas quatro condições acima listadas, parece ser capaz de produzir resultados justos, precisamente por serem razoáveis e passiveis de ampla aceitação, até mesmo pelas partes que não forem contempladas da maneira que considerem ideal, ou seja, que “saírem perdendo”. Isso é o melhor e o máximo que se pode esperar de um procedimento de alocação de recursos escassos em uma sociedade e em um Estado democráticos.

3 O critério “multicritério”

Como é fácil perceber da exposição acima, o caráter multifacetário da saúde transforma as escolhas da administração sanitária em questões complexas, pois a definição das prioridades a serem adotadas pelos gestores públicos deve levar em consideração diferentes parâmetros decisórios, além de dever respeitar exigências procedimentais. Essa multiplicidade de critérios sugeridos para a escolha dos cuidados a serem oferecidos pelo sistema público representa mais que uma diversidade de opiniões. Isso porque, além da natureza plural da ideia de saúde, as prestações sanitárias integram uma política pública que envolve diversos setores, de diferentes áreas de conhecimento, preocupados com distintos prismas da questão.

Essas são as considerações que, de forma resumida, tornam atraente o desenvolvimento de um instrumento capaz de amalgamar todos os critérios, levando-os a sério e avaliando como o cuidado analisado se porta diante de cada um deles. Nesse sentido, Rob Baltussen e Niessen Louis (2006)BALTUSSEN, Rob; NIESSEN, Louis. Priority setting of health interventions: the need for multi-criteria decision analysis. Cost Effectiveness and Resource Allocation, v. 4, n. 14, 2006. Disponível em: <https://resource-allocation.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-7547-4-14>. Acesso em: 09 jun. 2017.
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sugerem que as decisões sobre prioridades em saúde devem ser submetidas a uma metodologia multicritério, a que chamam de multi-criteria decision analysis (MCDA). Aprofunde-se brevemente a questão.

A MCDA foi desenvolvida por Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, em 1976, buscando uma teoria da decisão capaz de lidar com a incerteza provocada pela existência de múltiplos objetivos e consequências das escolhas associados à matéria sobre a qual se está decidindo (KEENEY; RAIFFA, 1976KEENEY, Ralph L.; RAIFFA, Howard. Preferences and value tradeoffs. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.). Uma matéria complexa – como a definição das prioridades em saúde – está submetida a distintos critérios de decisão. Dependendo de qual for adotado, é possível chegar a conclusões distintas, uma vez que raramente uma opção será a melhor de acordo com todos os critérios. Em outras palavras, cada critério de decisão pode conduzir a uma resposta diferente a respeito de qual é a melhor opção. Assim, por exemplo, é possível que os critérios “participação popular”, “gravidade da doença”, “vulnerabilidade do indivíduo” e “custo-efetividade” cheguem, cada um, a uma resposta distinta sobre qual deve ser a prioridade do sistema de saúde.

A técnica de decisão MCDA tem por objetivo ordenar as opções, por meio da criação de um ranking, construído com base nos múltiplos critérios relacionados à questão. Desse modo, avalia-se todas as opções de acordo com cada um dos critérios, criando-se uma lista ordenada, pautada no multicritério. Uma versão exemplificativa simplificada foi demonstrada no Quadro 1.

QUADRO 1
– Aplicação multicritério 1

Em situações reais, porém, a complexidade da análise multicritério pode ser significativamente maior, seja em razão do grande número de critérios ou de opções, seja pela atribuição de pesos distintos para cada critério, dependendo de sua relevância. A construção da matriz de análise multicritério deve levar em consideração essas variáveis e atentar para todas as circunstâncias que envolvem a decisão. O preenchimento também deve ser cuidadoso, para não provocar distorções nos resultados. Além disso, também a análise do resultado final deve se objeto de investigação, para se compreender bem o seu significado.

Em uma tentativa de tornar a ideia operacional, a equipe do National Economic Research Associates (NERA) divide a aplicação do MCDA em oito etapas (DODGSON et al., 2000DODGSON, John et al. DTLR multi-criteria analysis manual. Londres: NERA, p. 40-41, 2000. Disponível em: <http://www.nera.com/67_4765.htm>. Acesso em: 08 nov. 2012.
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):

i. Estabelecimento do contexto da decisão

: Fixação dos objetivos do MCDA.

- O que será avaliado?

: Identificação dos tomadores de decisão e dos principais atores.

- Quem decide? Quem são os stake holders?

- Quem influencia a decisão?

: Desenho do sistema técnico-social para os desenvolvimentos do MCDA.

- Como será realizado o MCDA? Como as opiniões serão colhidas?

: Identificar o contexto de avaliação.

- Identificação da situação atual, dos objetivos a serem alcançados, dos recursos disponíveis e dos obstáculos às melhorias.

ii. Identificação das opções a serem avaliadas

: Indicação de todas as alternativas para a decisão.

iii. Identificação dos objetivos e critérios

: Identificação dos critérios.

- Com base em quais critérios serão analisadas as consequências de cada opção identificada no item ii?

: Organizar os critérios, ordenando-os por grau de relevância.

iv. Avaliar e pontuar a performance esperada para cada opção de acordo com cada critério

: Descrever as consequências de cada opção.

: Pontuar (ranquear) as opções em cada critério.

- Construção de uma escala das consequências, por ordem de preferência.

: Verificar a consistência da pontuação em cada critério.

v. Atribuir peso aos critérios, de acordo com sua relevância para a decisão

: Identificar quais são os critérios mais relevantes para a decisão e atribuir-lhes peso maior que o dos demais critérios.

vi. Combinar o peso e a pontuação de opção para chegar a um valor geral

: Calcular a pontuação final, por meio da mescla entre os itens iv e v.

vii. Examinar os resultados

viii. Análise de sensibilidade (teste de razoabilidade)

: Outras preferências ou pesos afetam a ordem geral das opções?

: Observar as vantagens e desvantagens das opções selecionadas e compará-las de par em par.

: Criar a possibilidade de novas opções melhores das que foram consideradas originalmente.

: Repetir todos os passos até que o modelo requisitado seja obtido.

Os itens acima revelam a complexidade da elaboração de uma matriz multicritério, sendo certo que a prioridade eleita ainda pode ser desdobrada em diversas outras opções, que necessitaram de uma nova matriz de avaliação. Assim, por exemplo, é possível imaginar uma situação em que os gestores sanitários devem decidir como aplicar uma determinada verba extraordinária. Após a análise do contexto da saúde pública, selecionam-se três opções: doenças geriátricas, câncer de mama e cólera. Em seguida, identificam-se os critérios que devem ser considerados na escolha entre as três opções: “demanda do público”, “gravidade da doença”, “vulnerabilidade do indivíduo” e “custo-efetividade”.

Na etapa seguinte, pontuam todas as opções, de acordo com cada critério (Quadro 2).

QUADRO 2
– Aplicação multicritério 2

No exemplo, os gestores consideram que o custo-efetividade é o parâmetro mais relevante e atribuem a ele peso 3. A gravidade da doença e a vulnerabilidade do indivíduo recebem peso 2. Por fim, à participação popular é atribuído peso 1. Com a atribuição dos pesos de cada critério, as médias seriam as retratadas no Quadro 3.

QUADRO 3
– Cálculo multicritério

O resultado, portanto, conduziria à seguinte ordem de preferência entre as opções: 1º cólera, 2º câncer de mama e 3º doenças geriátricas.

Escolhido o combate à cólera, os gestores de saúde se deparam com uma segunda decisão a tomar (derivada da primeira), que se relaciona com a escolha da forma de combate à cólera. Surgem, então, outras três opções: distribuição de medicamentos, construção de uma rede de saneamento básico e a instituição do programa médico de família. Desse modo, uma nova matriz deve ser realizada, para que se possa escolher uma das três alternativas. O novo resultado poderia ainda ser desdobrado em outras decisões (por exemplo, qual medicamento, que projeto de saneamento, qual o modelo de médico de família etc.).

Não há dúvidas de que o MCDA pode aumentar a transparência e o controle das formulações de políticas públicas (JEHU-APPIAH et al., 2008JEHU-APPIAH, Caroline et al. Balancing equity and efficiency in health priorities in Ghana: the use of multicriteria decision analysis. Value in health, v. 11, n. 7, p. 1081-1087, 2008.), permitindo que as decisões sejam tomadas com base racional e pautadas em uma visão ampla. O método possibilita ao gestor focar não apenas a árvore, mas toda a floresta e sob diversos ângulos. A redução da incerteza, porém, não é absoluta, pois, apesar da base racional, o MCDA não é imune ao subjetivismo do tomador da decisão, além da sempre presente possibilidade de erro de avaliação.

Ademais, a delimitação das opções e dos critérios de avaliação já consiste em uma escolha que foge ao alcance do MCDA. O gestor excluirá algumas opções e elegerá os parâmetros de decisão sem utilizar o método multicritério, por se tratar de uma etapa prévia. Assim, um erro nessa etapa comprometeria o MCDA, que deixaria de considerar um aspecto relevante do contexto técnico-social. A classificação hierárquica dos parâmetros, apesar de importante, também abre campo para distorções, pois um equívoco na atribuição de pesos às opções pode modificar por completo o resultado obtido a partir da matriz. Por fim, um aspecto negativo adicional do MCDA é que sua complexidade pode ser incompatível com o tempo e as informações disponíveis para a tomada de decisão. É possível que a prática cotidiana não permita um olhar minucioso sobre todas as opções e métodos de escolha, afastando-se da análise multicritério por inviabilidade de sua aplicação.

Apesar dessas limitações, o MCDA tem a grande virtude de conservar o potencial para levar a sério os diferentes critérios de avaliação. Assim, apesar de falível, o método de decisão multicritério guarda maiores chances de alcançar um resultado equilibrado que a tomada de decisão baseada em critério único. Na escolha das prioridades da política sanitária esse potencial é fundamental, sob pena de se reduzir a saúde a uma visão estrita e incompatível com o seu intrínseco caráter multifacetário.

Conclusão

O presente estudo pretendeu apresentar, de forma muitíssimo simplificada, alguns dos critérios em debate, potencialmente aplicáveis no processo, e ao processo, de fixação de prioridades em saúde. É certo que há muitas outras questões relevantes na realidade que não são capturadas por esses critérios: a situação das minorias, das doenças raras, da pesquisa científica etc. Eles são apenas um ponto de partida para a discussão.

A exposição dos critérios também não abordou, salvo por rápidas menções inevitáveis, o que o Direito tem a dizer sobre eles, e o objetivo central do estudo é justamente convidar as partes envolvidas a esse diálogo. As controvérsias sobre o direito à saúde, sobretudo no campo do Direito, têm ignorado a realidade da fixação de prioridades, do mesmo modo como pouco tem se discutido, sob a perspectiva jurídica, acerca dos critérios adotados para a fixação dessas prioridades ou mesmo sobre as exigências procedimentais para a tomada dessas decisões. Como referido acima, embora a fixação de prioridades em saúde receba a influência de muitos outros conhecimentos, o Direito também deve ter algo a dizer. Sendo a escassez um dado, as decisões de fornecer serviços públicos a determinadas pessoas e não a outras (e, a fortiori, a utilização de recursos) devem atender a critérios que respeitem as exigências básicas de justiça da ordem jurídica.

Nota de agradecimento

O presente estudo foi desenvolvido no âmbito de grupo de pesquisa desenvolvido junto ao programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ. Agradecemos a colaboração do acadêmico Edmilson Farias na organização final do texto.

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    É certo que, mesmo considerando-se uma determinada doença, podem existir variados tratamentos e a escolha por alguns deles também envolve um juízo de prioridade.
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    Os autores destacam que a maioria da doutrina acredita ser importante incluir critérios não médicos na definição de prioridades. Entretanto, os estudos sobre o tema têm falhado em chegar a um consenso sobre quais deles são efetivamente relevantes. Alguns pesquisadores propõem que, a menos que o critério tenha direta influência no resultado do tratamento, ele não deve ser considerado.
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    Esta discussão está ligada ao critério denominado de QALY (Quality-Adjusted Life Year), que apresenta maior pertinência com os critérios relacionados à priorização de determinados tratamentos e, por isso, não será aprofundado neste capítulo. Michaela Pinho e Paula Alexandra Correia Veloso Veiga destacam o seguinte: “A esperança de vida é que é o elemento constituinte dos QALYs e, por inerência, a idade. Uma vez que, às idades mais jovens está, frequentemente, associada uma maior esperança de vida, coloca-se a questão se será legítimo privilegiar as faixas etárias mais jovens como decorre da aplicação da ACU [análise custo-utilidade]” (PINHO; VEIGA, 2009, pPINHO, Michaela Moreira; VEIGA, Paula Alexandra Correia Veloso. Avaliação de custo-utilidade como mecanismo de alocação de recursos em saúde: revisão do debate. Cadernos de Saúde Pública, n. 25, p. 239-250, fev. 2009., p. 242).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    05 Maio 2017
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