Acessibilidade / Reportar erro

Impacto do Decreto n. 8.058/2013 sobre investigações antidumping no Brasil

Impact of Decree n. 8.058/2013 on anti-dumping investigations in Brazil

Resumo

A promulgação do Decreto n. 8.058/2013 alterou os procedimentos relativos às investigações antidumping no Brasil. Um dos objetivos do novo decreto, conforme disposto no Plano Brasil Maior (2011), foi o de intensificar a defesa comercial no país, reduzindo-se os prazos de investigação e de concessão de direitos provisórios. Este artigo (i) apresenta fatos estilizados e a agenda de pesquisa sobre medidas antidumping; (ii) mostra a evolução da legislação sobre medidas de defesa comercial no Brasil de 1994 até 2016; (iii) analisa as principais tendências da defesa comercial no Brasil e no mundo a partir da análise das informações do Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e do Global Antidumping Database do Banco Mundial; e (iv) discute por meio de testes estatísticos e econométricos os efeitos do Decreto n. 8.058/2013 sobre as investigações antidumping no Brasil. Em particular, argumenta-se que (a) o aumento observado no número de investigações abertas não deve ser atribuído ao Decreto n. 8.058/2013, mas à divulgação do Plano Brasil Maior; (b) a taxa de aprovação de medidas não aumentou em decorrência do decreto; e (c) o tempo de investigação se reduziu, mas continua maior do que a comparação internacional.

Direito e Economia; economia internacional; política comercial; defesa comercial; investigações antidumping

Abstract

The enactment of Decree n. 8.058/2013 changed the procedures regarding anti-dumping investigations in Brazil. One of its purposes, as set forth in the 2011 Plan Brasil Maior, was to intensify trade defense measures in Brazil, reducing the investigation process’ time and granting early provisional duties. The present article (i) presents stylized facts and the research agenda about antidumping measures; (ii) shows the evolution of the legislation on trade defense measures in Brazil from 1994 to 2016; (iii) analyzes the main trends of trade defense in Brazil and in the world, based on data from the Department of Trade Defense (Decom) of the Ministry of Development, Industry and Trade (MDIC) and the World Bank’s Global Antidumping Database (GAD); and (iv) discusses, through statistical and econometric tests, the effects of Decree n. 8.058/2013 on anti-dumping investigations in Brazil. In particular, it is shown that the increase in number of investigation should be attributed to the Plan Brasil Maior instead of the Decree n. 8.058/2013; that the rate of approval did not increase because of the decree; and that investigation time has effectively been reduced, but it is still higher than the international comparison.

Law and Economics; international economics; trade policy; trade defense; anti-dumping investigations

INTRODUÇÃO* * Este artigo é uma versão revista do texto para discussão/Working Paper n. 462, disponível em: http:/bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/18874?locale-attribute=en. Acesso em: 26 dez. 2018, e em http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18874/TD%20462%20-%20SergioGoldbaum.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 26 dez. 2018.

As medidas de defesa comercial (direitos antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas) integram um conjunto amplo de instrumentos utilizados pelos governos nacionais para atuar sobre o fluxo internacional de bens e serviços, sintetizado na política comercial.

Especificamente sobre direitos antidumping, o Acordo Antidumping (ADA) da Organização Mundial do Comércio (OMC), em seu Artigo 5.2, estabelece que o pedido de abertura de investigação para aplicação de direito antidumping deve incluir evidências de dumping, dano e nexo causal entre as importações a preço de dumping e o dano alegado. Sem a estrita observância desses três elementos, uma investigação antidumping é encerrada sem a aplicação do direito.

O setor industrial brasileiro é grande usuário das medidas de defesa comercial. O recurso a essas medidas mostrou-se relativamente frequente nos últimos anos. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) mostram que a média de investigações iniciadas na década de 1990 foi de apenas 13,5 casos por ano. Na década de 2000, essa média aumentou para 17,4. Já nos primeiros cinco anos da década de 2010, a média saltou para expressivos 47,2 casos por ano.

Os produtos geralmente envolvidos em petições antidumping são homogêneos, industriais e intermediários. Mas há muitas exceções. Bens heterogêneos (como calçados), produtos agrícolas (como alho) e bens finais (como talheres ou leite em pó) já foram objeto de investigação.

Mesmo assim, é notável a participação de insumos de produção nas investigações antidumping realizadas no Brasil. Entre os setores que demandam a aplicação de direitos antidumping, destacam-se indústrias representadas nos seguintes capítulos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM): plásticos e suas obras (capítulo 39), ferro fundido, ferro e aço (capítulo 72), borracha e suas obras (capítulo 40), produtos químicos orgânicos (capítulo 29) e inorgânicos (capítulo 28).

Até 2013, a legislação brasileira que regulamentava os critérios de aplicação de direito antidumping era a que constava no Decreto n. 1.602/1995. Em 2013, foi aprovado o Decreto n. 8.058, em substituição ao Decreto n. 1.602, com o objetivo de alterar os procedimentos relativos à investigação antidumping para torná-la mais ágil. Em particular, os prazos de análise foram diminuídos e a interposição de direito provisório, que pode vigorar durante o processo de investigação, foi facilitada.

O novo decreto também procurou atender objetivos dispostos no Plano Brasil Maior (ABDI, 2011ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Brasil Maior – Plano 2011/2014: Texto de Referência. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 2011. Disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio...
). Esse plano constituiu a matriz de política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior do primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014).1 1 Os diversos instrumentos, medidas e orientações estratégicas que integram o Plano Brasil Maior (ABDI, 2011) são enumerados em seu texto de referência disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/ Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019. Entre a série de medidas que integra o referido plano destaca-se a intensificação da defesa comercial no país, com redução dos prazos de investigação e de concessão de direitos provisórios (ABDI, 2011ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Brasil Maior – Plano 2011/2014: Texto de Referência. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 2011. Disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio...
, p. 19).

O objetivo do presente artigo é analisar os efeitos da aprovação do Decreto n. 8.058/2013 sobre a evolução das investigações antidumping no Departamento de Defesa Comercial do MDIC. O artigo é composto, além desta introdução, de mais seis seções. A próxima seção apresenta fatos estilizados e a agenda de pesquisa sobre medidas antidumping. A seção seguinte mostra a evolução da legislação sobre medidas de defesa comercial no Brasil de 1994 até 2016. Na sequência, são analisadas as principais tendências da defesa comercial no Brasil e no mundo a partir da análise das informações do Departamento de Defesa Comercial (Decom) e do Global Antidumping Database do Banco Mundial. A penúltima seção discute, por meio de testes estatísticos e econométricos, os efeitos do Decreto n. 8.058/2013 sobre as investigações antidumping no Brasil. Uma última seção resume as principais conclusões deste estudo.

1 FONTES DE DADOS, FATOS ESTILIZADOS E AGENDA DE PESQUISA SOBRE MEDIDAS ANTIDUMPING

A abrangente survey de Blonigen e Prusa (2016)BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy. Amsterdã: North Holland, 2016. menciona a disponibilidade de pelo menos duas fontes de dados de livre acesso sobre medidas antidumping: o Global Antidumping Database do Banco Mundial2 2 Disponível em: https://sites.google.com/site/chadpbown/GAD.zip?attredirects=0. Acesso em: 9 abr. 2018. e o independente Global Trade Alert. Além dessas fontes, há facilidade de acesso aos dados do United States International Trade Commission (USITC) e do European Union Anti-dumping Information. No que concerne ao Brasil, o endereço na internet do Decom, pertencente ao MDIC, é bastante atualizado e completo.

Blonigen e Prusa (2016)BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy. Amsterdã: North Holland, 2016. também reportam quatro fatos estilizados decorrentes da adoção de medidas antidumping pelo mundo:

i. proliferação relativamente recente de países com legislação antidumping, em especial após a Rodada Uruguai da OMC;

ii. forte aumento de ações antidumping entre 1995 e 2002, e relativa redução das investigações totais após esse período;

iii. complementarmente, usuários tradicionais de medidas antidumping, os países desenvolvidos foram substituídos pelos países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China; e

iv. os principais alvos das ações dos novos usuários também são outros países em desenvolvimento, em especial a China. Em outras palavras, o aumento de investigações antidumping nos últimos anos insere-se, em especial, em uma dinâmica Sul-Sul.3 3 Cf. Bown (2013).

Essas conclusões mantêm-se em qualquer uma das medidas usuais de atividade antidumping: número de investigações iniciadas, índice de cobertura em termos de linhas tarifárias abrangidas por medidas antidumping, ou índice de cobertura ponderado pelo peso nas importações de cada país.

Em linha com o que se observa no Brasil, a atividade antidumping é especialmente concentrada em três segmentos econômicos: “metais”, “químicos” e “plásticos e borracha”. No entanto, há diferenças entre países. O México, por exemplo, cobre quase 70% de suas linhas tarifárias de produtos têxteis com medidas antidumping. Nos demais países, esse índice dificilmente chega a 15%.4 4 Cf. Blonigen e Prusa (2016).

Finalmente, a survey de Blonigen e Prusa (2016)BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy. Amsterdã: North Holland, 2016. também mapeia os estados da arte da agenda de pesquisas sobre medidas antidumping.5 5 Ver Seção V de Blonigen e Prusa (2016): “Assuntos geralmente tratados pela literatura econômica e legal”. Os autores dividem as questões teóricas em quatro temas, que são desenvolvidos nas subseções a seguir:

i. Quando e por que ocorre o dumping?

ii. Quando e onde ações antidumping ocorrem?

iii. Quão efetivas são as ações antidumping?

iv. Como processos legais, administrativos e regulatórios afetam a legislação antidumping?

1.1 QUANDO E POR QUE OCORRE O DUMPING?

A explicação tradicional da teoria econômica para a prática de dumping refere-se à estrutura de mercado e à prática de discriminação internacional de preços, em que um exportador com poder de mercado em seu próprio mercado doméstico consegue cobrar por seu produto um preço maior internamente do que o praticado nas exportações para países que apresentam maior competição. Em outros termos, a elasticidade-preço da demanda no mercado doméstico,6 6 A elasticidade-preço da demanda é o conceito econômico que mede a sensibilidade do consumidor em resposta a variações de preço. Para maiores detalhes, videCooter e Ulen (2010, p, p. 48-49). protegido pelo menos naturalmente pela distância, é menor do que no mercado internacional, o que permite que se pratique preço maior no mercado doméstico do que nas exportações. Nessa mesma linha, o conhecido modelo de Brander e Krugman (1983)BRANDER, J.; KRUGMAN, Paul. A “reciprocal dumping” model of international trade. Journal of International Economics, v. 15, n. 3-4, p. 313-321, 1983. prevê a possibilidade de dumping recíproco, em que dois países praticam preços de exportação menores do que nos seus respectivos mercados domésticos.

Há também uma literatura que sugere que leis antidumping podem facilitar a colusão entre produtores domésticos e exportadores. Empresas estrangeiras podem atuar agressivamente para forçar uma ação antidumping que, por sua vez, resultaria em uma restrição voluntária à exportação (Voluntary Export Restraint – VER) que implicaria rendas econômicas extraordinárias para exportadores e produtores domésticos. Entre os autores que desenvolveram essa linha, podem ser citados Staiger e Wolak (1989)STAIGER, Robert W.; WOLAK, Frank A. Strategic use of antidumping law to enforce tacit international collusion. NBER Working Paper, n. 3016, 1989., Prusa (1992)PRUSA, Thomas J. Why Are So Many antidumping petitions withdrawn? Journal of International Economics, v. 33, n.1-2, p. 1-20, 1992., Zanardi (2004)ZANARDI, Maurizio. Antidumping law as a collusive device. Canadian Journal of Economics, v. 37, n. 1, p. 95-122, 2004. e Veugelers e Vandenbussche (1999)VEUGELERS, Reinhilde; VANDENBUSSCHE, Hylke. European anti-dumping policy and the profitability of national and international collusion. European Economic Review, v. 43, n. 1, p. 1-28, 1999..

A possibilidade desse tipo de comportamento estratégico é de certa forma irônica: a motivação primária do livro de Jacob Viner, Dumping: A Problem in International Trade (1923VINER, Jacob. Dumping: A problem in international trade. Chicago: University of Chicago Press, 1923.), era criar legislação que pudesse justamente evitar que cartéis alemães do setor da siderurgia abusassem de seu poder econômico no mercado norte-americano.

Entretanto, medidas antidumping podem ser aplicadas mesmo na ausência de prática de dumping. Lindsey (2000)LINDSEY, Brink. The U.S. antidumping law: rhetoric versus reality”, Journal of World Trade, v. 34, n. 1, p. 1-38, 2000., Lindsey e Ikenson (2003)LINDSEY, Brink; IKENSON, Daniel J. Antidumping exposed: the devilish details of unfair trade law. Washington, DC: Cato Institute, 2003. e Blonigen (2006)BLONIGEN, Bruce A. Evolving discretionary practices of U.S. antidumping activity. Canadian Journal of Economics, v. 39, n. 3, p. 874-900, 2006. mostram que há muita discricionariedade e flexibilidade nos critérios que as autoridades norte-americanas de defesa comercial utilizam para a aplicação de medidas antidumping e o enfraquecimento dos padrões legais para sua concessão ao longo dos anos.

Em particular, os autores chamam a atenção para o conceito de “cumulação”, em que várias origens são acumuladas para determinar se há dumping, dano e nexo causal; e para o zeroing, ou seja, a prática de zerar as vendas efetuadas com dumping negativo para aumentar a margem de dumping observada. O zeroing foi condenado pela OMC e mesmo assim continua sendo praticado pelo USITC.7 7 Cf. Bown e Sykes (2008). Bown e Prusa (2011)BOWN, Chad P; PRUSA, Thomas J. U.S. Antidumping: much ado about zeroing. In: MARTIN, William J.; MATTOO, Aaditya (eds.). Unfinished business? The WTO’s Doha Agenda. London: CEPR and World Bank, 2011, p. 355-392. estimam que aproximadamente 25% dos casos de antidumping em vigor nos EUA teriam resultado em ausência de dumping se o zeroing não tivesse sido utilizado.

1.2 QUANDO E ONDE AÇÕES ANTIDUMPING OCORREM?

Este tema reúne trabalhos que estudam a maior incidência de ações antidumping em indústria e países específicos. Em especial, analisa-se a influência de fatores macroeconômicos (como taxa de câmbio e ciclos de negócios) e das relações entre países na abertura de investigações antidumping.

De um lado, a depreciação cambial torna o produto estrangeiro mais caro, afetando, dessa forma, a possibilidade de ocorrência de dano à indústria doméstica. Por outro lado, como o pass-through do câmbio para o preço é incompleto, a desvalorização do real pode aumentar o prospecto de vendas abaixo do valor normal. Na prática, períodos de baixo crescimento e de moeda forte são positivamente correlacionados com aumento da atividade antidumping. Papers citados que estudam a relação entre variáveis macroeconômicas e incidência de ações antidumping são, entre outros, Knetter e Prusa (2002)KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002., Blonigen e Bown (2003)BLONIGEN, Bruce A.; BOWN, Chad. Antidumping and retaliation threats. Journal of International Economics, v. 60, n. 2, p. 249-273, 2003., Bown e Crowley (2013BOWN, Chad P.; CROWLEY, Meredith A. Import protection, business cycles, and exchange rates: evidence from the Great Recession. Journal of International Economics, v. 90, n. 1, p. 50-64, 2013.; 2014), Feinberg (1989FEINBERG, Robert M. Exchange rates and unfair trade. Review of Economics and Statistics, v. 71, n. 4, p. 704-707, 1989.; 2005FEINBERG, Robert M. U.S. Antidumping enforcement and macroeconomic indicators revisited: do petitioners learn? Weltwirtschaftliches Archiv/Review of World Economics, v. 141, n. 4, p. 612-622, 2005.) e Feinberg e Reynolds (2006)FEINBERG, Robert M.; REYNOLDS, Kara M. The spread of antidumping regimes and the role of retaliation in filing. Southern Economic Journal, v. 72, n. 4, p. 877-890, 2006..

1.3 QUÃO EFETIVAS SÃO AS AÇÕES ANTIDUMPING?

Além dos efeitos diretos, isto é, os efeitos de medidas antidumping sobre as exportações dos países-alvo dessas medidas, a literatura também estuda os efeitos indiretos ou não intencionados, como criação e desvio de comércio, tariff-jumping (que consiste em contornar a tarifa, eventualmente posicionando a produção ou parte dela no mercado de destino), deflexão e depressão de comércio.

1.4 COMO PROCESSOS LEGAIS, ADMINISTRATIVOS E REGULATÓRIOS AFETAM A LEGISLAÇÃO ANTIDUMPING E QUAIS SÃO SUAS CONSEQUÊNCIAS?

Entre os vários assuntos relacionados a esse tema, destaca-se o paper de Blonigen e Haynes (2002)BLONIGEN, Bruce A.; HAYNES, Stephen E. Antidumping investigations and the pass-through of exchange rates and antidumping duties. American Economic Review, v. 92, n. 4, p. 1044-1061, 2002., que mostra como preços de exportação são afetados por revisões administrativas em direitos que já estão em vigor. Para o caso brasileiro, as próximas seções procuram retratar detalhadamente o impacto que a legislação antidumping recente provocou na quantidade de casos investigados e na aprovação de medidas de defesa comercial.

2 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING NO BRASIL

O Gráfico 1 apresenta a evolução da legislação antidumping no Brasil entre 1994 e 2016. Observa-se que o grande período de vigência do antigo Decreto n. 1.602/1995, de aproximadamente 18 anos, decorreu sem muitas alterações até a promulgação do Decreto n. 8.058/2013.

GRÁFICO 1
– EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE MEDIDAS ANTIDUMPING NO BRASIL, 1994 A 2016

Os principais instrumentos legais relacionados à defesa comercial no Brasil estão listados no Quadro 1, com destaque para o Acordo de Marrakesh e os Decretos n. 1.355/1994, 1.602/1995, 4.732/2003, 8.058/2013 e 8.807/2016.

QUADRO 1
– PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS RELACIONADOS A DIREITOS ANTIDUMPING NO BRASIL, 1994 A 2016

As alterações do Decreto n. 1.602/1995 promovidas pelo Decreto n. 8.058/2013 foram consideradas prioritárias no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e estavam previstas no Plano Brasil Maior (ABDI, 2011ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Brasil Maior – Plano 2011/2014: Texto de Referência. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 2011. Disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio...
), que dedicou uma seção apenas para os instrumentos de defesa comercial, com os seguintes pontos:

: Intensificação da defesa comercial com ações antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias: a partir de reduções de prazos para investigação, de 15 para 10 meses, e para a aplicação de direito provisório, de 240 para 120 dias.

: Combate à circunvenção: com extensão de direitos antidumping, ou de medidas compensatórias a importações, cujo objetivo seja reduzir a eficácia de medidas de defesa comercial em vigor.

: Combate à falsa declaração de origem: incluindo o indeferimento da licença de importação no caso de falsa declaração de origem, após investigação.

: Combate a preços subfaturados: por meio do fortalecimento da fiscalização administrativa dos preços das importações, para identificação de casos de subfaturamento.

: Aperfeiçoamento da estrutura tarifária do Imposto de Importação com foco na política: a partir do apoio, no âmbito do Mercosul, da proposta de criação de mecanismo para permitir aumento do imposto de importação.

: Aumento da exigência de certificação compulsória: a partir da instituição (ou ampliação) de tratamento administrativo para importações de produtos sujeitos à certificação compulsória e fortalecimento do controle aduaneiro desses produtos, mediante cooperação entre Inmetro, Secex e Receita Federal.

: Fortalecimento do combate a importações ilegais: com a criação de grupo de inteligência Polícia Federal-Sistema MDIC, para combater a violação de propriedade industrial e de certificação compulsória.

: Suspensão de ex-tarifário para máquinas e equipamentos usados: a partir da revisão da Resolução CAMEX que suspende a concessão de ex-tarifário para bens usados.

: Quadruplicar o número de investigadores de defesa comercial: com a ampliação do número de investigadores de defesa comercial de 30 para 120.

A redução dos prazos de investigação (de 15 para 10 meses) e da aplicação de direito provisório (de 240 para 120 dias) eram, portanto, dois dos principais objetivos da atualização do Decreto Antidumping.8 8 A comparação detalhada entre o Decreto n. 1.602/1995 e o Decreto n. 8.058/2013 pode ser encontrada na edição especial do Boletim Panorama Defesa Comercial da FIESP/CIESP, de agosto de 2013. Disponível em: http://www.ciesp.com.br/arquivo-download/?id=9015.

A Figura 1 exibe o fluxograma de uma investigação antidumping típica, conforme descreve o Decreto n. 8.058/2013. Distinguem-se três fases:

FIGURA 1
– FLUXOGRAMA DE UMA INVESTIGAÇÃO ANTIDUMPING CONFORME O DECRETO N. 8.058/2013

1. A fase de pré-investigação, que vai do protocolo da petição até o início da investigação, dura de 30 a 45 dias, dependendo da necessidade de informações complementares.

2. A fase da determinação preliminar de dumping, dano e nexo causal, que dura no máximo até 120 dias. A determinação preliminar pode ser positiva, o que pode ensejar a adoção de direito antidumping provisório; ou negativa, o que pode ensejar o encerramento da investigação.

3. A fase da determinação final de dumping, dano e nexo causal, que dura até 210 dias. Esta fase comporta:

: o período de instrução (que pode incluir audiências públicas sobre o caso);

: as manifestações das partes sobre os dados e informações resultantes das verificações in loco;

: a divulgação da nota técnica com os fatos essenciais do caso;

: a manifestação final das partes; e

: a elaboração do relatório de determinação final pelo Decom.

O relatório de determinação final elaborado pelo Decom é então enviado à Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), que define se o direito será (ou não) aplicado. Não há prazos definidos para a decisão da CAMEX. Em situações normais, a CAMEX decide em uma ou duas de suas reuniões mensais. Contudo, esse prazo pode variar bastante.

3 LEVANTAMENTO DA SITUAÇÃO ATUAL DA APLICAÇÃO DE DIREITOS ANTIDUMPING NO MUNDO

Os dados sobre a aplicação de direitos antidumping no mundo estão disponíveis no site do Global Antidumping Database (GAD),9 9 Disponível em: https://datacatalog.worldbank.org/dataset/temporary-trade-barriers-database-including-global-antidumping-database/resource/dc7b361e. Acesso em: 2 abr. 2019. mantido pela Divisão de Comércio e Integração Internacional do Banco Mundial.

Entre outras informações, o GAD apresenta o número de investigações abertas por país, contabilizadas por produto/país envolvido. Assim, uma investigação iniciada no Brasil contra as exportações de um produto originárias de três países conta como três registros, não importando o número envolvido de classificações do Sistema Harmonizado (SH). Em planilha adicional, o GAD relaciona todas as classificações do SH ou de outro sistema (identificado na planilha) envolvidas em cada investigação de cada país.

As subseções a seguir analisam a evolução do número de investigações, a frequência relativa dos produtos envolvidos e a duração média das investigações finalizadas.

3.1 EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES

O Gráfico 2, elaborado a partir das informações constantes no GAD, indica que o número de investigações antidumping abertas no mundo vinha reduzindo desde o princípio da década de 2000, mas voltou a crescer após 2011, chegando a 275 investigações iniciadas em 2013. O segmento mais escuro mostra que a participação do Brasil nesses últimos anos foi relevante em termos mundiais. Por exemplo, em 2013, das 275 investigações iniciadas no mundo, 54 (ou 19,6%) foram iniciadas no Brasil.

GRÁFICO 2
– ABERTURA DE NOVAS INVESTIGAÇÕES DE ANTIDUMPING, TOTAL (EXCETO BRASIL) E BRASIL, 1978 A 2015

O Gráfico 3, por sua vez, separa os dados do Gráfico 2 entre países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) (em cinza-claro) e os demais, incluindo o Brasil (que combinam cor cinza-escura para o Brasil e cinza-médio para os demais países não membros da OCDE). Os dados mostram que até 1991 investigações antidumping eram abertas quase exclusivamente em países desenvolvidos. A partir de 1992, mas principalmente a partir de 2001, observa-se maior participação de países não membros da OCDE, novamente com destaque para o Brasil (em cinza-escuro).

GRÁFICO 3
– ABERTURA DE NOVAS INVESTIGAÇÕES DE ANTIDUMPING, PAÍSES-MEMBROS DA OCDE, NÃO MEMBROS (EXCETO BRASIL) E BRASIL, 1978 A 2015

Em relação aos exportadores-alvo das investigações, o Gráfico 4 mostra que a China, os Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura) e os Novos Tigres Asiáticos (Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã) tornaram-se os principais alvos de investigações antidumping, em especial a partir dos anos 2000. Em 2015, por exemplo, das 222 investigações iniciadas, 133 (cerca de 60%) foram contra exportações desses países.

GRÁFICO 4
– ABERTURA DE NOVAS INVESTIGAÇÕES DE ANTIDUMPING POR PAÍS EXPORTADOR-ALVO, BRASIL E PRINCIPAIS PAÍSES, 1978 A 2015

O Gráfico 5 compara o número de investigações iniciadas em cada país com o número de vezes em que esse país aparece nas investigações promovidas por outros países. A linha diagonal separa os países que usam os instrumentos de defesa comercial de forma mais proativa (abaixo da linha) daqueles que são mais defensivos (acima da linha). Os países mais proativos aparecem mais vezes como investigantes do que como investigados; os defensivos, ao contrário, aparecem mais como investigados do que como investigantes. Os principais países defensivos são China, Coreia do Sul, Indonésia, Taiwan, Tailândia e Japão. Os principais países proativos são Índia, Estados Unidos, União Europeia e Brasil.

GRÁFICO 5
– PAÍSES INVESTIGADOS VERSUS PAÍSES INVESTIGANTES, 1994 A 2015

As tabelas a seguir analisam a situação individual de alguns países. A Tabela 1 registra que os países que mais investigaram exportadores brasileiros entre 1978 e 2015 foram Argentina (78 casos), Estados Unidos (55) e México (25); em contrapartida, o Brasil envolveu empresas chinesas em 97 investigações, norte-americanas em 52, e indianas e sul-coreanas em 23 investigações cada.

TABELA 1
– BRASIL: INVESTIGAÇÕES CONTRA O BRASIL VERSUS INVESTIGAÇÕES INICIADAS PELO BRASIL, 1978 A 2015

Conforme demonstrado na Tabela 2, a China e suas empresas foram envolvidas em 190 investigações norte-americanas, 179 indianas, 161 da União Europeia e 97 brasileiras. Em contrapartida, a China investigou empresas japonesas em 43 ações, norte-americanas em 42 e sul-coreanas em 35.

TABELA 2
– BRASIL: INVESTIGAÇÕES CONTRA A CHINA VERSUS INVESTIGAÇÕES INICIADAS PELA CHINA, 1978 A 2015

Finalmente, a Tabela 3 aponta que o México (84 investigações), o Canadá (67) e o Brasil (52) são os países que mais moveram ações antidumping contra exportações norte-americanas. Por sua vez, os Estados Unidos abriram 190 processos contra a China, 128 contra o Japão e 85 contra a Coreia do Sul.

TABELA 3
– BRASIL: INVESTIGAÇÕES CONTRA OS EUA VERSUS INVESTIGAÇÕES INICIADAS PELOS EUA, 1978 A 2015

3.2 FREQUÊNCIA DOS PRODUTOS ENVOLVIDOS NAS INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING

As planilhas secundárias do GAD permitem abrir as investigações antidumping iniciadas pelos produtos envolvidos nessas investigações. O Gráfico 6 mostra que o capítulo SH-2 mais acionado nas investigações antidumping entre 1994 e 2015 foi o 72 (Ferro e Aço, 46%), seguido dos capítulos 73 (Obras de Ferro e Aço, etc., 17%), 48 (Papel, 3%), 29 (Químicos orgânicos, 3%) e 39 (Plásticos e suas obras, 3%).

GRÁFICO 6
– PRODUTOS SH-2 ENVOLVIDOS NAS INVESTIGAÇÕES DE ANTIDUMPING ABERTAS ENTRE 1994 E 2015

A evolução da quantidade de produtos listados nas investigações antidumping, agrupados pelos capítulos SH-2, está no Gráfico 7. Observa-se, com maior clareza, a importância da indústria siderúrgica e metalúrgica na evolução das investigações antidumping no mundo. É possível distinguir três picos de abertura de investigações antidumping, em 1992, entre 1998 e 2001 e em 2015, todos eles concentrados fortemente no comércio internacional dos capítulos 72 e 73 do Sistema Harmonizado.

GRÁFICO 7
– PRODUTOS SH-2 ENVOLVIDOS NAS INVESTIGAÇÕES DE ANTIDUMPING ABERTAS ENTRE 1994 E 2015

3.3 DURAÇÃO MÉDIA DAS INVESTIGAÇÕES FINALIZADAS

Os dados do GAD também permitem apurar a duração média das investigações antidumping que apresentam decisão final positiva ou negativa. As tabelas a seguir comparam a duração média das investigações antidumping finalizadas, por país, que foram abertas entre 2009 e 2013 (Tabela 4) e entre 2014 e 2015 (Tabela 5), isto é, após a entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013. A Tabela 4, por exemplo, indica que a média de duração das investigações realizadas no Brasil entre 2009 e 2013 foi de 480,6 dias, 8,9% superior à média ponderada dos países, que atingiu 441 dias.

TABELA 4
– DURAÇÃO MÉDIA DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING INICIADAS ENTRE 2009 E JULHO DE 2013 COM DECISÃO FINAL POSITIVA OU NEGATIVA*
TABELA 5
– DURAÇÃO MÉDIA DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING INICIADAS DEPOIS DE AGOSTO DE 2013 COM DECISÃO FINAL POSITIVA OU NEGATIVA*

Na Tabela 5, por sua vez, observa-se que, após a entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013, a duração média das investigações brasileiras caiu para 381,8 (redução de 20,5%), mas continuou acima (7,3% superior) da média ponderada internacional, que foi de aproximadamente 355 dias.

4 EVOLUÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING NO BRASIL

Dados mais detalhados sobre investigações antidumping abertas no Brasil podem ser obtidos no site do Decom,10 10 Disponível em: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/defesa-comercial. Acesso em: 6 out. 2016. nas circulares da SECEX11 11 Disponível em: http://www.mdic.gov.br/legislacao/159-circulares-secex. Acesso em: 6 out. 2016. e nas resoluções da CAMEX.12 12 Disponível em: http://www.camex.gov.br/resolucoes-camex/resolucoes. Acesso em: 21 jan. 2019. Os gráficos a seguir foram elaborados a partir de banco de dados construído com base nas informações dessas três fontes que estão atualizadas até o mês de dezembro de 2016.

4.1 EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES

O Gráfico 8 revela que o número de investigações abertas no Brasil aumentou muito a partir de 2009, chegando ao pico em 2013 (com 64 investigações abertas naquele ano) e em 2014 (com 65 casos).

GRÁFICO 8
– BRASIL, ABERTURA DE NOVAS INVESTIGAÇÕES DE DEFESA COMERCIAL, 1988 A 2016

Por sua vez, o Gráfico 9 destaca a importância da China e dos EUA como principais alvos de investigações antidumping abertas pelo Brasil, especialmente a partir de 2006, dois anos após o início da escalada de exportações daquele país para o Brasil.

GRÁFICO 9
– BRASIL: A IMPORTÂNCIA DA CHINA E DOS EUA NA ABERTURA DE INVESTIGAÇÕES DE DEFESA COMERCIAL

A forte participação da China e dos EUA é corroborada no Gráfico 10, em que se observa que investigações envolvendo os dois países representam 36% do total de investigações entre 1988 e 2016.

GRÁFICO 10
– BRASIL: PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES-ALVO DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING, 1988 A 2016

A abertura de investigações não significa necessariamente a aplicação de direito antidumping. O Gráfico 11 aponta que investigações que terminam sem aplicação de direito representam parcela significativa das investigações encerradas, em especial nos últimos anos. Em 2015, por exemplo, das 60 investigações encerradas, 25 terminaram sem aplicação de direito, pouco mais de 40% do total.

GRÁFICO 11
– BRASIL, ENCERRAMENTO DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING, 1988 A 2016

O Gráfico 12 assinala que o número de medidas de defesa comercial em vigor aumentou após a Crise do Real, em janeiro de 1999, e permaneceu relativamente estável entre meados de 2000 e meados de 2006. A partir desta data – bem antes, portanto, da Crise Financeira Internacional de setembro de 2008 – o número de medidas em vigor passou a aumentar, e praticamente explodiu após o Decreto n. 8.058/2013.

GRÁFICO 12
– BRASIL, MEDIDAS DE DEFESA COMERCIAL EM VIGOR, 1988 A 2016

4.2 FREQUÊNCIA DOS PRODUTOS ENVOLVIDOS NAS INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING

O Gráfico 13 demonstra que os produtos envolvidos em investigações antidumping no Brasil são mais diversificados do que no resto do mundo, em que predominam ferro e aço (capítulo 72 da NCM) e obras de ferro e aço (capítulo 73 da NCM). No Brasil, também há participação importante de plásticos e suas obras (capítulo 39), produtos químicos orgânicos (capítulo 29) e inorgânicos (capítulo 28), borracha (capítulo 40) e vidros (capítulo 70).

GRÁFICO 13
– BRASIL, CAPÍTULOS DA NCM QUE SÃO ALVO DE INVESTIGAÇÕES DE DEFESA COMERCIAL, 1988 A 2016

4.3 DURAÇÃO MÉDIA DAS INVESTIGAÇÕES FINALIZADAS

Por fim, o Gráfico 14 indica que a duração média das investigações antidumping no Brasil – que foram encerradas com aplicação de direito antidumping – realmente caiu na comparação entre 2013 (459 dias) e 2014 (340 dias) e, também, 2015 (325 dias). Esses prazos são os menores desde 1993, quando o Decreto n. 1.605/1995 ainda não estava em vigor. É, portanto, uma evidência mais firme da esperada redução da duração das investigações antidumping pretendida com o Decreto n. 8.058/2013.

GRÁFICO 14
– BRASIL, DURAÇÃO MÉDIA DAS INVESTIGAÇÕES DE DEFESA COMERCIAL ABERTAS EM CADA ANO E TERMINADAS COM APLICAÇÃO DE DIREITO ANTIDUMPING, 1988 A 2016

5 IMPACTO DO DECRETO N. 8.058/2013 SOBRE AS INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING

O objetivo desta seção é analisar os impactos do Decreto n. 8.058/2013 sobre as investigações antidumping no Brasil. Em particular, pretende-se responder a três questões:

(i) Se, após o Decreto n. 8.058/2013, aumentou o número de investigações abertas e de medidas antidumping em vigor;

(ii) Se, com o Decreto n. 8.058/2013, aumentou a proporção de investigações encerradas com aplicação de direitos;

(iii) Se, após a entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013, diminuiu o prazo de investigações.

As subseções seguintes apresentam as respostas às questões propostas acima.

5.1 O DECRETO N. 8.058/2013 RESULTOU NO AUMENTO DO NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING?

A hipótese a ser testada nesta subseção é se a promulgação do Decreto n. 8.058/2013 resultou no aumento do número de investigações abertas. Em primeiro lugar, é importante observar, a partir da Figura 2, que ocorrem dois lapsos de tempo (medidos em trimestres) entre a decisão de uma empresa – ou conjunto de empresas – em submeter uma petição solicitando a abertura de uma investigação antidumping e a efetiva abertura desta investigação. Em t-2 (ou seja, dois trimestres antes da abertura da investigação) as requerentes decidem submeter uma petição antidumping, mas precisam de alguns meses para preparar o formulário e os apêndices necessários para a submissão da petição junto ao Decom.

FIGURA 2
– LAPSOS DE TEMPO ENTRE A DECISÃO DE ENTRAR COM PETIÇÃO ANTIDUMPING E A EFETIVA ABERTURA DA INVESTIGAÇÃO POR PARTE DA AUTORIDADE DE DEFESA COMERCIAL

A empresa decide submeter a petição antidumping observando o que ocorreu nos quatro trimestres anteriores à decisão, em particular, indicadores da atividade econômica (“Média do PIB”), do comportamento da taxa de câmbio real efetiva (“Média da REER” – Real Effective Exchange Rate) e das importações, em especial as originárias da China (“Média das MCHN”).

Em t-1, a petição está pronta e as requerentes submetem à autoridade de defesa comercial, que necessita de mais alguns meses (um trimestre) para avaliar a petição e decidir a abertura efetiva da investigação, publicando o parecer de abertura no Diário Oficial da União (que ocorre, finalmente, em t0).

Dessa maneira, para fins deste estudo, considerou-se que a soma dos dois lapsos de tempo entre a decisão de entrar com uma petição antidumping e a abertura efetiva da investigação é de seis meses (ou dois trimestres). A evolução do número de ações antidumping abertas por trimestre no Brasil está demonstrada no Gráfico 15. Em cinza estão destacados os trimestres posteriores ao Decreto n. 8.058/2013.

GRÁFICO 15
– EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES ANTIDUMPING ABERTAS POR TRIMESTRE, 1996 A 2016

O modelo geral de previsão, seguindo Knetter e Prusa (2002)KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002., inclui, como variáveis explicativas para a evolução do número de ações de abertura de investigações antidumping, variações tanto do Produto Interno Bruto (PIB) quanto da taxa de câmbio real efetiva.

Além das variáveis utilizadas em Knetter e Prusa (2002)KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002. foram incluídos mais dois controles. O primeiro deles é uma variável categórica que indica o trimestre em que se deu o início da investigação. Essa nova variável serve para controlar a tendência de concentração de aberturas de investigação nos dois últimos trimestres do ano.13 13 Segundo dados do Decom, entre 1989 e 2016, 62% das investigações foram iniciadas nos dois últimos trimestres, sendo 33% (isto é, um terço do total) no último. O segundo controle é uma variável binária ou dummy que identifica a entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013, que altera o marco regulatório da defesa da concorrência.14 14 Variáveis dummies são normalmente utilizadas em avaliações de políticas públicas, pois servem para separar os momentos antes e depois da intervenção governamental, por exemplo, a instauração de um decreto. Para maiores detalhes, videWooldridge (2013, , Capítulo 7).

A equação, a seguir, define a especificação do modelo básico a ser estimado:

n u m A D = β 0 + β 1 ( P I B t r i m ) + β 2 ( R E E R ) + β 3 ( d M R ) + γ j ( d t r i m ) + ε (1)

onde β0 é a constante. βi, com i = 1,2,3, e γj, com j = 1,2,3,4, são os coeficientes de interesse a serem estimados e medem o impacto de cada variável no número de ações antidumping abertas.15 15 Também foi testada a inclusão de variável representando as importações originárias da China, mas a correlação entre esta variável e o PIB trimestral mostrou-se muito elevada.

De acordo com a equação (1), o número de ações antidumping abertas para investigação (numAD) é uma função das seguintes variáveis: PIBtrim, o logaritmo natural da média do PIB trimestral dos quatro trimestres que antecederam a tomada de decisão por parte da requerente; REER, o logaritmo natural da média da taxa de câmbio real efetiva nos quatro trimestres que antecederam a tomada de decisão por parte da requerente; dMR, o momento da alteração do marco regulatório definida pelo Decreto n. 8.058/2013, no terceiro trimestre de 2013, defasada em dois trimestres; e dtrim, a variável categórica que indica o trimestre do ano em que se deu o início da investigação (cujo resultado é medido sempre em relação ao primeiro trimestre). Finalmente, ε representa o termo erro aleatório.

As estatísticas descritivas das variáveis contínuas utilizadas no modelo (1) – número de ações antidumping, PIB trimestral e taxa de câmbio real efetiva – são apresentadas na Tabela 6.

TABELA 6
– ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS QUANTITATIVAS

Também foi estimado um modelo (denominado 1a) que inclui, no modelo (1), interações entre a variável que define o novo marco regulatório e as variáveis contínuas relativas ao PIB trimestral e ao movimento cambial. Estas interações objetivam compreender se a abertura de investigações antidumping, após a publicação do novo marco regulatório, é independente dessas mesmas variáveis.

Os resultados das regressões (1) e (1a), que testam a importância da variável referente à entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013, estão consolidados na Tabela 7.16 16 Os modelos (1) e (1a), bem como os modelos (2) e (2a) discutidos a seguir, foram estimados pelo método dos mínimos quadrados ordinários com erros-padrão robustos em relação à heteroscedasticidade, conforme o procedimento sugerido por Davidson e MacKinnon (1993) e Cameron e Trivedi (2009) para modelos heteroscedásticos em função de amostras reduzidas: o método produz intervalos de confiança mais conservadores, reforçando a validade dos testes de hipótese para os coeficientes estimados. Os sinais das variáveis referentes ao câmbio e à atividade econômica merecem alguma explicação. Knetter e Prusa (2002)KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002. argumentam, em primeiro lugar, que o sinal do crescimento econômico sobre a abertura de investigações antidumping não é ambíguo e deveria estar negativamente relacionado à abertura de investigações antidumping. Os resultados da Tabela 7 mostram que o sinal da variável referente ao crescimento econômico é sempre positivo e significativo. Por outro lado, Bown e Crowley (2014)BOWN, Chad P.; CROWLEY, Meredith A. Emerging economies, trade policy, and macroeconomic shocks. Journal of Development Economies, v. 111, p. 261-273, 2014. mostram evidências de que a relação contracíclica entre choques macroeconômicos e barreiras temporárias ao comércio (entre elas, direitos antidumping) nos países emergentes pode ter se alterado após a crise financeira internacional, o que justificaria o sinal positivo para o coeficiente.

TABELA 7
– RESULTADOS DAS REGRESSÕES PARA A VARIÁVEL “MARCO REGULATÓRIO” (VARIÁVEL DEPENDENTE: NUMAD)

Tomando-se os resultados do modelo (1), observa-se que um crescimento econômico médio de 1% (defasado em dois trimestres) eleva em 0,144 a quantidade de investigações antidumping em um determinado trimestre. Alternativamente, seria necessário um crescimento econômico esperado de aproximadamente 6,9% [1/14,404 ≅ 0,069] para provocar a abertura de uma investigação antidumping adicional. Ou seja, o resultado embora positivo é muito baixo.

Knetter e Prusa (2002)KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002. também argumentam que o sinal da taxa de câmbio é ambíguo, mas que na prática uma taxa de câmbio valorizada costuma estar relacionada positivamente com a abertura de investigações. Os resultados da Tabela 7 estão consistentes com o argumento dos autores, pois o sinal negativo para a variável REER equivale a dizer que o aumento da taxa de câmbio (isto é, a desvalorização cambial) reduziria a quantidade de abertura de ações antidumping. Entretanto, no modelo (1) a variável REER apresentou-se significativa apenas a 10% de nível de significância. No modelo (1a) esta variável não se apresentou significativa. Desse modo, é possível descartar a influência da taxa de câmbio real efetiva sobre número de investigações abertas.

O comportamento da variável dtrim, por sua vez, foi o esperado, ou seja, a abertura de ações no terceiro e no quarto trimestre é significativamente superior a dos trimestres anteriores com, pelo menos, 95% de confiança.

A análise da variável “Marco Regulatório” no modelo (1) mostra que não apenas o sinal não foi o esperado (a variável dMR negativa sugere que o novo marco regulatório reduziu a quantidade de investigações antidumping), como a variável não se mostrou significativa. O modelo (1a), por outro lado, revela que a variável “Marco Regulatório” é independente das demais variáveis explicativas contínuas em função da baixa significância representada pelas interações PIBtrim*dMR e REER*dMR.

Os resultados pouco significativos proporcionados pelos modelos (1) e (1a) em relação à variável “Marco Regulatório” sugerem a necessidade de uma alteração na especificação utilizada. A mudança mais evidente implica a substituição da variável dMR por outra que marca a divulgação do Plano Brasil Maior, em agosto de 2011, que sinalizou para a indústria brasileira a prioridade dada pelo governo aos instrumentos de defesa comercial. Dessa maneira, o modelo (1) passa a ser especificado como:

n u m A D = β 0 + β 1 ( P I B t r i m ) + β 2 ( R E E R ) + β 3 ( d P B M ) + γ j ( d t r i m ) + ε (2)

onde dPBM representa o momento da divulgação do Plano Brasil Maior defasada em dois trimestres. As demais variáveis e coeficientes permanecem com os mesmos significados. Também é estimado um modelo adicional (2a) com interações entre a variável dPBM e as variáveis contínuas (PIB trimestral e movimento cambial) a fim de testar a independência da variável dPBM.

A Tabela 8 resume os resultados da estimação dos modelos (2) e (2a).17 17 Vide Nota 16. Os sinais dos coeficientes referentes ao movimento cambial, ao crescimento econômico e as dummies de trimestre permanecem os mesmos. Entretanto, a variação do PIB perdeu a significância.

TABELA 8
– RESULTADOS DAS REGRESSÕES PARA A VARIÁVEL “PLANO BRASIL MAIOR” (VARIÁVEL DEPENDENTE: NUMAD)

Mais importante, o modelo (2) mostra que a variável referente à divulgação do Plano Brasil Maior é significativa com 95% de nível de confiança. Isto é, não se pode rejeitar a hipótese de que a divulgação do plano impulsionou o número de investigações antidumping. O coeficiente associado à variável revela que o Plano Brasil Maior promoveu um aumento médio, respectivamente, de 5,5 aberturas de investigação por trimestre em relação ao período anterior à divulgação do plano.

O modelo (2a), finalmente, mostra que a variável referente à divulgação do Plano Brasil Maior interage com a atividade econômica e com o movimento cambial (a 95% de significância). Isto pode significar que a divulgação do Plano Brasil Maior potencializou o efeito dessas outras duas variáveis sobre a abertura de novas investigações antidumping. Em outras palavras, as variáveis macroeconômicas, sozinhas, não foram suficientes para impulsionar a abertura de investigações, mas a influência da variável política dPBM acaba se tornando essencial para o aumento de processos.

Os resultados desta seção permitem concluir, portanto, que a entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013 não parece estar relacionada ao aumento da abertura de investigações antidumping no Brasil. Por outro lado, não é possível rejeitar a hipótese de que a divulgação do Plano Brasil Maior, em agosto de 2011, não tenha tido esse efeito.

5.2 O DECRETO N. 8.058/2013 RESULTOU NO AUMENTO NA PROPORÇÃO DE INVESTIGAÇÕES FINALIZADAS COM APLICAÇÃO DE DIREITO ANTIDUMPING?

A partir do banco de dados de investigações de defesa comercial do Decom foi possível identificar, entre abril de 1989 e junho de 2016, 570 registros de casos investigados com tomada de decisão (“com aplicação de direito” ou “sem aplicação de direito”). A Tabela 9 mostra que antes do novo marco regulatório 62,4% dos casos investigados foram aprovados com aplicação de direito antidumping. Após a publicação do decreto, a proporção de casos investigados com aplicação de direito apresentou ligeiro crescimento para 63,5%.

TABELA 9
– CASOS INVESTIGADOS PELO DECOM COM TOMADA DE DECISÃO ANTES E DEPOIS DO DECRETO N. 8.058/2013, ABRIL DE 1989 A JUNHO DE 2016

Para responder à questão proposta, testa-se a hipótese de que a diferença verificada na proporção de aplicações de direito antidumping antes e depois da publicação do Decreto n. 8.058/2013 (de aproximadamente 1,1 ponto percentual) é estatisticamente significativa. Sendo P0 a proporção de aplicação de direitos antes do decreto e P1 a proporção de aplicação de direitos depois, realiza-se o seguinte teste de hipótese clássico:

H 0 : P 0 = P 1 H 1 : P 0 P 1

Ou ainda:

H 0 : P 0 - P 1 = 0 H 1 : P 0 - P 1 0

Assim, se a hipótese nula H0 for aceita, as proporções são estatisticamente iguais e, portanto, não se pode afirmar que a taxa de aprovação aumentou após o decreto. O resultado do teste, ao nível de significância de 5%, pode ser observado na Tabela 10.

TABELA 10
– TESTE DE HIPÓTESE DE PROPORÇÕES PARA O IMPACTO DO DECRETO N. 8.058/2013 NA APROVAÇÃO DE DIREITOS ANTIDUMPING

Os resultados não permitem rejeitar a hipótese nula de proporções estatisticamente iguais. Sob H0, obteve-se p-value de 0,8398, que é (bem) maior que o nível de significância proposto de 0,05. Nesse caso, a hipótese nula não deve ser rejeitada, significando dizer que o decreto, por si só, não impactou no aumento da proporção de aplicações de direito antidumping.18 18 Também foi testada a aplicação de um probit informal, em que a variável dependente (a variável categórica com/sem aplicação de direito) é analisada em função de controles para atividade econômica e países investigados, além da variável de impacto antes/depois do novo marco regulatório. O resultado encontrado, mesmo com os controles, reforça a conclusão de que o marco regulatório não impactou no aumento de aprovações de direito antidumping.

5.3 O DECRETO N. 8.058/2013 RESULTOU NA REDUÇÃO DOS PRAZOS DE INVESTIGAÇÃO?

Para saber se o prazo médio das investigações diminuiu, conforme os objetivos do Decreto n. 8.058/2013, são analisadas as duas bases de dados apresentadas nas seções precedentes:

: A base de dados do Decom, para verificar se o prazo de investigação após o Decreto n. 8.058/2013 diminuiu em relação ao prazo médio anterior à promulgação do decreto.

: A base de dados do GAD, do Banco Mundial, para verificar se o prazo de investigação no Brasil após o Decreto n. 8.058/2013 diminuiu em relação ao prazo de investigação médio observado nos outros países.

5.3.1 Análise a partir dos dados do Decom

Considerando o banco de dados elaborado a partir das informações do Decom, a hipótese nula a ser testada é se o prazo de investigação realmente caiu. O teste de hipóteses clássico para variâncias equivalentes rejeita a hipótese nula a 5% de confiança, como se vê na Tabela 11. O tempo médio de investigação após a aprovação do Decreto n. 8.058/2013, portanto, caiu significativamente.

TABELA 11
– DADOS DO DECOM – TESTE DE DIFERENÇAS DE MÉDIAS DA DURAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES PRESUMINDO VARIÂNCIAS EQUIVALENTES: DECRETO N. 1.602/1995 E DECRETO N. 8.058/2013

5.3.2 Análise a partir dos dados do GAD

Considerando o banco de dados elaborado a partir do GAD, as hipóteses a serem testadas são:

: O tempo médio das investigações iniciadas entre 2009 e julho de 2013 no Brasil é diferente do resto do mundo?

: O tempo médio das investigações iniciadas entre agosto de 2013 e julho de 2016 no Brasil é diferente do resto do mundo?

Nesse caso, consideramos um teste-t para amostras presumindo variâncias diferentes, uma vez que não é possível conhecer a evolução do marco regulatório de todos os demais países da amostra.

Entre 2009 e julho de 2013, não é possível rejeitar a hipótese nula de que o tempo médio de investigações no Brasil seja igual ao do resto do mundo, a 5% de confiança no teste unicaudal, mas não há diferença estatística no teste bicaudal.

TABELA 12
– DADOS DO GLOBAL ANTIDUMPING DATABASE: TESTE DE DIFERENÇAS DE MÉDIAS DA DURAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES PRESUMINDO VARIÂNCIAS DIFERENTES, ENTRE 2009 E JULHO DE 2013, BRASIL E O RESTO DO MUNDO

Considerando as investigações iniciadas após agosto de 2013, também não é possível rejeitar a hipótese nula de que o tempo médio de investigações no Brasil é diferente do resto do mundo, ao nível de confiança de 5% no teste unicaudal. E claramente não há diferença estatística entre as médias no teste bicaudal, a 5% de confiança.

TABELA 13
– DADOS DO GLOBAL ANTIDUMPING DATABASE: TESTE DE DIFERENÇAS DE MÉDIAS DA DURAÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES PRESUMINDO VARIÂNCIAS DIFERENTES, APÓS AGOSTO DE 2013, BRASIL E O RESTO DO MUNDO

CONCLUSÃO

O recurso a medidas antidumping intensificou-se desde a crise financeira internacional de 2008, especialmente no Brasil. As investigações antidumping abertas no Brasil representaram parcela significativa do total de investigações, especialmente nos anos de 2012 (23% do total), 2013 (20%) e 2014 (16%). Os países do Leste Asiático, especialmente a China, têm sido alvo preferencial dessas medidas. Em 2015, a participação da China, dos Tigres Asiáticos e dos Novos Tigres Asiáticos no total de países que foram alvos de investigações antidumping chegou a 60%. A frequência de países em desenvolvimento, tanto como autores de investigações antidumping quanto como alvo dessas investigações, sugere que o recurso a instrumentos de defesa comercial é um fenômeno Sul-Sul, como defende Bown (2013)BOWN, Chad P. Emerging economies and the emergence of south-south protectionism. Journal of World Trade, v. 47, n. 1, p. 1-44, 2013..

O Plano Brasil Maior, divulgado em 2011 durante o primeiro governo Dilma Rousseff, conferiu prioridade ao recurso a medidas de defesa comercial e estabeleceu como meta a reforma dos procedimentos de investigações antidumping, com o objetivo de acelerar o processo e de facilitar a concessão de direitos antidumping provisórios durante o processo de investigação. Com base nessa nova política foi instituído o novo marco regulatório de defesa comercial sob o Decreto n. 8.058/2013.

Este artigo analisou os efeitos desta nova regulamentação sobre (i) o número de investigações abertas; (ii) a taxa de aprovação; e (iii) o tempo de duração das investigações, e concluiu que:

: O inequívoco aumento do número de investigações antidumping abertas no Brasil deve ser atribuído não à entrada em vigor do Decreto n. 8.058/2013, mas à divulgação do Plano Brasil Maior, em agosto de 2011.

: O Decreto n. 8.058/2013 não resultou, estatisticamente, no aumento da proporção de investigações terminadas sem aplicação de direito antidumping.

: O tempo médio de investigação após a aprovação do Decreto n. 8.058/2013 caiu significativamente em relação à média observada entre 2009 e 2013, mas ainda é superior ao observado na comparação internacional, cujo tempo médio também se reduziu no período.

Do ponto de vista teórico, os resultados contribuem para o debate sobre a relação entre variáveis macroeconômicas e o recurso a barreiras temporárias ao comércio. Ao contrário do que sugere a literatura econômica mais tradicional, a relação entre crescimento econômico e investigações antidumping mostrou-se pró-cíclica: quanto maior o crescimento econômico, maior a abertura de investigações antidumping. A desaceleração econômica, por sua vez, tende a reduzir o número de investigações antidumping. Uma possível explicação reside no fato de que a desaceleração econômica diminui as importações e, dessa forma, reduz o prospecto de comprovação de nexo de causalidade entre a prática de dumping e o dano à indústria doméstica, mas a confirmação dessa hipótese depende de aprofundamento da análise empírica.

Do ponto de vista de políticas públicas, a avaliação dos efeitos do aumento das investigações antidumping no Brasil sobre a indústria e sobre a economia deve considerar o cenário mais amplo, incluindo também os demais instrumentos de defesa comercial (salvaguardas e medidas compensatórias), os demais instrumentos de política comercial (alterações das alíquotas de importação e das restrições de acesso a prestadores de serviços estrangeiros no mercado brasileiro) e as medidas de fomento da competitividade das empresas nacionais no âmbito do comércio internacional (financiamento de exportações, isenções fiscais e desonerações das exportações, barateamento do acesso a insumos importados via redução de impostos de importação) e, não menos importante, a taxa de câmbio. De certo modo, o exercício requereria a avaliação do conjunto de medidas delineadas no Plano Brasil Maior, o documento que descrevia a política industrial implementada durante os quatro anos do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e o primeiro ano de seu conturbado segundo mandato.

agradecimentos

Os autores agradecem ao financiamento do GVPesquisa.

Referências

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Brasil Maior – Plano 2011/2014: Texto de Referência. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 2011. Disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf Acesso em: 21 jan. 2019.
    » https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf
  • BLONIGEN, Bruce A. Evolving discretionary practices of U.S. antidumping activity. Canadian Journal of Economics, v. 39, n. 3, p. 874-900, 2006.
  • BLONIGEN, Bruce A.; BOWN, Chad. Antidumping and retaliation threats. Journal of International Economics, v. 60, n. 2, p. 249-273, 2003.
  • BLONIGEN, Bruce A.; HAYNES, Stephen E. Antidumping investigations and the pass-through of exchange rates and antidumping duties. American Economic Review, v. 92, n. 4, p. 1044-1061, 2002.
  • BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Antidumping. In: CHOI, E. Kwan; HARTIGAN, J. (eds.) Handbook of international trade Oxford: Blackwell, 2001.
  • BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy Amsterdã: North Holland, 2016.
  • BOWN, Chad P. Emerging economies and the emergence of south-south protectionism. Journal of World Trade, v. 47, n. 1, p. 1-44, 2013.
  • BOWN, Chad P. Trade policy flexibilities and Turkey: tariffs, antidumping, safeguards, and WTO dispute settlement. The World Economy, v. 37, n. 2, p. 193-218, 2014.
  • BOWN, Chad P.; CROWLEY, Meredith A. Import protection, business cycles, and exchange rates: evidence from the Great Recession. Journal of International Economics, v. 90, n. 1, p. 50-64, 2013.
  • BOWN, Chad P.; CROWLEY, Meredith A. Emerging economies, trade policy, and macroeconomic shocks. Journal of Development Economies, v. 111, p. 261-273, 2014.
  • BOWN, Chad P; PRUSA, Thomas J. U.S. Antidumping: much ado about zeroing. In: MARTIN, William J.; MATTOO, Aaditya (eds.). Unfinished business? The WTO’s Doha Agenda. London: CEPR and World Bank, 2011, p. 355-392.
  • BOWN, Chad P.; SYKES, Alan O. The zeroing issue: a critical analysis of Softwood V. World Trade Review, v. 7, n. 1, p. 121-142, 2008.
  • BRANDER, J.; KRUGMAN, Paul. A “reciprocal dumping” model of international trade. Journal of International Economics, v. 15, n. 3-4, p. 313-321, 1983.
  • CAMERON, A. Colin; TRIVEDI, Pravin K. Microeconometrics using stata Lakeway Drive, College Station, TX: Stata Press, 2009.
  • COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. New York, NY: Addison-Wesley, 2010.
  • DAVIDSON, R.; MACKINNON, J. G. Estimation and inference in econometrics. New York: Oxford University Press, 1993.
  • FEINBERG, Robert M. Exchange rates and unfair trade. Review of Economics and Statistics, v. 71, n. 4, p. 704-707, 1989.
  • FEINBERG, Robert M. U.S. Antidumping enforcement and macroeconomic indicators revisited: do petitioners learn? Weltwirtschaftliches Archiv/Review of World Economics, v. 141, n. 4, p. 612-622, 2005.
  • FEINBERG, Robert M.; REYNOLDS, Kara M. The spread of antidumping regimes and the role of retaliation in filing. Southern Economic Journal, v. 72, n. 4, p. 877-890, 2006.
  • KNETTER, Michael M.; PRUSA, Thomas J. Macroeconomic factors and antidumping filings: evidence from four countries. Journal of International Economics, v. 61, n. 1, p. 1-18, 2002.
  • LINDSEY, Brink. The U.S. antidumping law: rhetoric versus reality”, Journal of World Trade, v. 34, n. 1, p. 1-38, 2000.
  • LINDSEY, Brink; IKENSON, Daniel J. Antidumping exposed: the devilish details of unfair trade law. Washington, DC: Cato Institute, 2003.
  • NASSER, Rabih Ali; GOLDBAUM, Sergio. Defesa comercial e o setor privado brasileiro. In: HESS, Felipe (org.). O comércio internacional no século XXI: limites e desafios para a defesa comercial. São Paulo: Singular, 2015. v. 1. p. 215-246.
  • PRUSA, Thomas J. Why Are So Many antidumping petitions withdrawn? Journal of International Economics, v. 33, n.1-2, p. 1-20, 1992.
  • STAIGER, Robert W.; WOLAK, Frank A. Strategic use of antidumping law to enforce tacit international collusion. NBER Working Paper, n. 3016, 1989.
  • VEUGELERS, Reinhilde; VANDENBUSSCHE, Hylke. European anti-dumping policy and the profitability of national and international collusion. European Economic Review, v. 43, n. 1, p. 1-28, 1999.
  • VINER, Jacob. Dumping: A problem in international trade. Chicago: University of Chicago Press, 1923.
  • WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introductory econometrics: a modern approach. 5th ed. South Western Cengage Learning, 2013.
  • ZANARDI, Maurizio. Antidumping law as a collusive device. Canadian Journal of Economics, v. 37, n. 1, p. 95-122, 2004.
  • *
    Este artigo é uma versão revista do texto para discussão/Working Paper n. 462, disponível em: http:/bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/18874?locale-attribute=en. Acesso em: 26 dez. 2018, e em http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18874/TD%20462%20-%20SergioGoldbaum.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 26 dez. 2018.
  • 1
    Os diversos instrumentos, medidas e orientações estratégicas que integram o Plano Brasil Maior (ABDI, 2011)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Brasil Maior – Plano 2011/2014: Texto de Referência. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 2011. Disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
    https://old.abdi.com.br/Estudo/Relatorio...
    são enumerados em seu texto de referência disponível em: https://old.abdi.com.br/Estudo/ Relatorio%20PBM%202011-2014.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019.
  • 2
    Disponível em: https://sites.google.com/site/chadpbown/GAD.zip?attredirects=0. Acesso em: 9 abr. 2018.
  • 3
    Cf. Bown (2013)BOWN, Chad P. Emerging economies and the emergence of south-south protectionism. Journal of World Trade, v. 47, n. 1, p. 1-44, 2013..
  • 4
    Cf. Blonigen e Prusa (2016)BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy. Amsterdã: North Holland, 2016..
  • 5
    Ver Seção V de Blonigen e Prusa (2016)BLONIGEN, Bruce A.; PRUSA, Thomas J. Dumping and antidumping duties. In: BAGWELL, Kyle W.; STAIGER, Robert W. (eds.). Handbook of commercial policy. Amsterdã: North Holland, 2016.: “Assuntos geralmente tratados pela literatura econômica e legal”.
  • 6
    A elasticidade-preço da demanda é o conceito econômico que mede a sensibilidade do consumidor em resposta a variações de preço. Para maiores detalhes, videCooter e Ulen (2010, pCOOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. New York, NY: Addison-Wesley, 2010., p. 48-49).
  • 7
    Cf. Bown e Sykes (2008)BOWN, Chad P.; SYKES, Alan O. The zeroing issue: a critical analysis of Softwood V. World Trade Review, v. 7, n. 1, p. 121-142, 2008..
  • 8
    A comparação detalhada entre o Decreto n. 1.602/1995 e o Decreto n. 8.058/2013 pode ser encontrada na edição especial do Boletim Panorama Defesa Comercial da FIESP/CIESP, de agosto de 2013. Disponível em: http://www.ciesp.com.br/arquivo-download/?id=9015.
  • 9
  • 10
    Disponível em: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/defesa-comercial. Acesso em: 6 out. 2016.
  • 11
    Disponível em: http://www.mdic.gov.br/legislacao/159-circulares-secex. Acesso em: 6 out. 2016.
  • 12
    Disponível em: http://www.camex.gov.br/resolucoes-camex/resolucoes. Acesso em: 21 jan. 2019.
  • 13
    Segundo dados do Decom, entre 1989 e 2016, 62% das investigações foram iniciadas nos dois últimos trimestres, sendo 33% (isto é, um terço do total) no último.
  • 14
    Variáveis dummies são normalmente utilizadas em avaliações de políticas públicas, pois servem para separar os momentos antes e depois da intervenção governamental, por exemplo, a instauração de um decreto. Para maiores detalhes, videWooldridge (2013, WOOLDRIDGE, Jeffrey M. Introductory econometrics: a modern approach. 5th ed. South Western Cengage Learning, 2013., Capítulo 7).
  • 15
    Também foi testada a inclusão de variável representando as importações originárias da China, mas a correlação entre esta variável e o PIB trimestral mostrou-se muito elevada.
  • 16
    Os modelos (1) e (1a), bem como os modelos (2) e (2a) discutidos a seguir, foram estimados pelo método dos mínimos quadrados ordinários com erros-padrão robustos em relação à heteroscedasticidade, conforme o procedimento sugerido por Davidson e MacKinnon (1993)DAVIDSON, R.; MACKINNON, J. G. Estimation and inference in econometrics. New York: Oxford University Press, 1993. e Cameron e Trivedi (2009)CAMERON, A. Colin; TRIVEDI, Pravin K. Microeconometrics using stata. Lakeway Drive, College Station, TX: Stata Press, 2009. para modelos heteroscedásticos em função de amostras reduzidas: o método produz intervalos de confiança mais conservadores, reforçando a validade dos testes de hipótese para os coeficientes estimados.
  • 17
    Vide Nota 16.
  • 18
    Também foi testada a aplicação de um probit informal, em que a variável dependente (a variável categórica com/sem aplicação de direito) é analisada em função de controles para atividade econômica e países investigados, além da variável de impacto antes/depois do novo marco regulatório. O resultado encontrado, mesmo com os controles, reforça a conclusão de que o marco regulatório não impactou no aumento de aprovações de direito antidumping.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2017
  • Aceito
    27 Set 2018
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br