Resumo
Este artigo tem um objetivo duplo: i) oferecer um mapa teórico capaz de sistematizar os fatores que explicam a variação na intensidade da inserção do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo decisório e as diferentes formas pelas quais ele pode ser mobilizado por atores políticos; e ii) definir uma tipologia da judicialização da política que combine as diferentes formas de acesso ao tribunal com as características do seu processo decisório interno. Nesse sentido, em um extremo, a judicialização seria resultado de uma manifestação de natureza duplamente coletiva (ator relevante coletivo demandando e conseguindo decisão coletiva do STF); no outro, um formato duplamente individualizado (um parlamentar individual demandando e conseguindo uma intervenção de um ministro individual no processo decisório). São apresentados casos que ilustram quatro dimensões pouco estudadas na literatura sobre judicialização da política: o acesso ao STF por classes processuais diferentes da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI); a mobilização do STF por parlamentares individuais; a atuação de atores governistas, que evidencia a importância de dinâmicas contingentes da conjuntura política na motivação de judicializar; a intervenção individual dos ministros do STF.
Palavras-chave:
Judicialização da política; processo político decisório; processo decisório judicial; controle de constitucionalidade
Abstract
This paper has two goals. First, in dialogue with scholarly efforts to explain variations in the intensity of the Brazilian Supreme Court’s role in the political process, we propose a theoretical map that can account, in a more systematic fashion, for the different ways and mechanisms by which judicialization can take place. Second, we offer a typology of varieties of judicialization of politics that combines different mechanisms for accessing the court’s jurisdiction, and features of the court’s internal decision-making process. At one side of the spectrum, judicialization as a phenomenon would result from a combination of two collective decisions - a collective actor (such as a political party) triggering a collective decision by the STF. At the other side, it would result from a combination of two sets of individual decisions - an individual politician, for example, obtaining a favorable ruling or injunction by a single STF justice. Within this framework, we exemplify and discuss four understudied dimensions of the judicialization of politics: mechanisms of access to the STF beyond abstract review lawsuits (ADIs); appeals to the STF by individual politicians; appeals to the STF by members of the ruling coalition, which highlight the relevance of contingent political dynamics in judicialization strategies; the individual judicial powers and their implications for the political process.
Keywords:
Judicialization of politics; political decision-making process; judicial decision-making process; constitutional review
Introdução
Quais são as formas pelas quais o Supremo Tribunal Federal (STF) se constitui como um ator importante no processo político decisório? Quais fatores explicam a variação na intensidade com que o STF é “convocado” a participar do processo decisório? Essas perguntas estão presentes, explícita ou implicitamente, nas diversas análises sobre decisões do STF que alteraram o status quo da política pública brasileira nos últimos anos ou nos estudos sobre ativismo judicial e judicialização da política - termos normalmente mobilizados para descrever a participação do Supremo no processo decisório.1 1 Para uma revisão recente de literatura sobre tribunais e política no Brasil, com foco no STF, ver Da Ros (2017). Enquanto trabalhos reconhecem na atuação do tribunal um protagonismo político (VIEIRA, 2008VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, v. 4, n. 2, p. 441-464, 2008.), outros apontam que o Supremo, embora seja provocado por diversos atores relevantes, praticamente não altera as decisões tomadas pelas instâncias majoritárias.2 2 Ver, por exemplo, Oliveira (2005) e Pogrebinschi (2011). Essa diversidade de perspectivas, porém, se une em torno da ideia de “judicialização da política”, que vem sendo usada para caracterizar a atuação do Supremo na política brasileira. As pesquisas produzidas nessa chave procuram descrever e explicar as formas de ação política do Supremo, o quanto atores relevantes o acessam para atingir seus objetivos na arena política e a importância do tribunal para a alteração ou a manutenção do status quo em termos de policy.
A partir dos importantes resultados obtidos, de meados dos anos 1990 para cá, dentro da chave da judicialização da política, este artigo ressalta dois aspectos inter-relacionados que podem ser incorporados de maneira mais sistemática nas análises sobre o tema e, assim, contribuir para o seu poder explicativo no cenário político e institucional brasileiro. O primeiro aspecto diz respeito à incorporação de fatores relacionados à dinâmica política da conjuntura para explicar a variação nas formas e na intensidade com que o STF é mobilizado a participar do processo decisório. A ideia central é que as variações na forma e na intensidade com a qual o STF é mobilizado como ator político estão associadas não apenas a fatores relacionados ao desenho institucional da democracia brasileira e do Poder Judiciário, mas também à dinâmica política da conjuntura.
O desenho institucional é importante para definir quem pode acessar o STF, quais temas podem ser objeto desse acionamento, quais são os recursos disponíveis para o tribunal responder a essa provocação e, relacionado a essa última dimensão, quando o STF pode atuar no processo decisório. Entretanto, o desenho institucional não é suficiente para explicar o quanto o tribunal é “convocado” a participar do processo decisório, tendo em vista as diferentes formas que os atores políticos têm para acessá-lo. Argumentamos que a mobilização do STF depende, em grande medida, da motivação desses atores com poder para trazer o tribunal ao processo decisório. Essa motivação está relacionada aos seguintes fatores identificados no modelo de análise institucional proposto por Tsebelis (2002)TSEBELIS, George. Veto Players: How political institutions work. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2002.: i) correlação de forças entre os atores relevantes (posição de poder dos atores no processo decisório); ii) distância de suas preferências a respeito do objeto a ser judicializado; iii) grau de coesão interna no caso de atores coletivos (partidos, associações e coalizões, por exemplo); e iv) saliência política do objeto a ser judicializado.3 3 A importância da variação da saliência de temas e do contexto político para explicar a judicialização realizada por partidos políticos no Brasil pode ser encontrada em Taylor e Da Ros (2008).
Esses fatores não são dados de antemão pela configuração institucional, mas são definidos e redefinidos nas reiteradas interações decorrentes da dinâmica política.4 4 As referências centrais aqui são Tsebelis (2002); Katznelson e Weingast (2005). Ou seja, a decisão de mobilizar o Supremo é uma ação estratégica que emerge do jogo político do momento, embora as condições para isso sejam definidas pelo desenho institucional. É nesse sentido que afirmamos que a dinâmica política da conjuntura define, em grande medida, a probabilidade de determinado ator acionar o STF a fim de atingir seus objetivos. Em síntese, parte importante da variação do que será objeto de contestação judicial , quem acionará o STF e como, quando e quanto o tribunal será mobilizado é explicada por fatores que são contingentes à dinâmica política.5 5 Por sua vez, como discutiremos adiante, a incorporação da dimensão conjuntural na análise pode ser derivada do próprio conceito de judicialização da política, tal como ele é predominantemente definido na literatura.
O segundo aspecto diz respeito à variação que o próprio fenômeno da judicialização da política pode assumir, tendo em vista a combinação entre i) as diferentes formas com que o STF pode ser mobilizado a participar do processo político; e ii) as características do processo decisório interno ao próprio tribunal. O desenho institucional da democracia brasileira e do Poder Judiciário permite que inúmeros atores coletivos e individuais acessem o STF por meio de diferentes recursos judiciais, e em momentos distintos do processo decisório. Além disso, temas dos mais variados podem ser questionados no Supremo, que é uma instituição dentro da qual convivem processos decisórios muito diferentes em termos de desenho, escopo e expectativas (VIEIRA, 2008VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, v. 4, n. 2, p. 441-464, 2008.; ARGUELHES e RIBEIRO, 2016ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Criatura e/ou criador: transformações do Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988. Revista Direito GV, v. 12, n. 2, p. 405-440, 2016.; FALCÃO, CERDEIRA e ARGUELHES, 2011FALCÃO, Joaquim; CERDEIRA, Pablo Camargo; ARGUELHES, Diego Werneck. I Relatório Supremo em Números: O Múltiplo Supremo. FGV Direito Rio, 2011. Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/10312. Acesso em: 27 jun. 2019.
http://hdl.handle.net/10438/10312...
). Isso significa que a participação do STF no processo decisório pode ser bem mais complexa do que a forma predominantemente analisada na literatura especializada por meio de processos sobre Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). Essa opção tem uma razão de ser. Incorporado nos estudos sobre judicial review, a expressão “judicialização da política” se tornou uma referência conceitual importante para descrever a atuação de tribunais constitucionais (ou superiores) na arena política pelo menos desde meados dos anos 1990. Como a ADI é uma classe processual bastante mobilizada por atores relevantes e torna visível a atuação do STF em controle abstrato de constitucionalidade - ação típica de judicial review -, é natural que os trabalhos sobre o tema se detenham predominantemente em dados sobre ela.
No entanto, essa forma de apreender a judicialização limita as análises que podem ser feitas sobre o papel do STF no processo político decisório. É possível, a partir da conjugação dos fatores institucionais e conjunturais do fenômeno da judicialização mencionados, aprimorar os estudos sobre o tema, incorporando ao menos as seguintes dimensões de maneira mais sistemática à análise e que são pouco exploradas pela literatura:6 6 Em artigo recente, Da Ros (2017) chama a atenção para o fato de que a literatura sobre o STF foca na perspectiva teórica da judicialização da política - perspectiva essa baseada, sobretudo, nos trabalhos de Tate e Vallinder (1995) e Stone Sweet (2000) - e deixa de lado outros enfoques teóricos sobre tribunais constitucionais, que poderiam render novos testes de hipóteses e a aplicação de novas teorias ao STF. O argumento aqui, porém, é que mesmo o uso do referencial popularizado entre nós, focado na judicialização da política, pode proporcionar novas hipóteses sobre a atuação do STF no cenário político brasileiro. i) diferentes formas de acesso além das ADIs; ii) diversidade de atores coletivos e individuais que podem acessar o STF (para além daqueles autorizados a ingressar com ADIs); iii) a interação entre atores do campo “governista” que acionam o tribunal para superar conflitos internos às coalizões políticas; e iv) convocação do STF para atuar na dinâmica do processo legislativo.
Essas intuições básicas a respeito das lacunas na literatura sobre judicialização da política do Brasil e, especificamente, do papel do Supremo como ator importante no processo decisório já foram identificadas em alguns trabalhos (TAYLOR, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.; CARVALHO, 2010CARVALHO, Ernani. Trajetória da revisão judicial no desenho constitucional brasileiro: tutela, autonomia e judicialização. Sociologias, v. 12, n. 23, p. 176-207, 2010.; DA ROS, 2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97.). Ao fazer um balanço da literatura a respeito do STF na política brasileira, por exemplo, Da Ros não apenas lamenta que os estudos sobre acesso ao STF foquem muito em ADIs, havendo “poucos estudos que integrem à análise mandados de injunção, arguições de preceito fundamental, mandados de segurança impetrados contra atos de autoridade e mesmo inquéritos, e ações penais originárias” (DA ROS, 2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97., p. 83), como aponta para a necessidade de trabalhos que “integrem de forma mais clara o STF (e o judiciário em geral) às pesquisas sobre policy-making e capacidade governativa no Brasil [...] examinando-se inclusive o seu impacto indireto sobre as etapas anteriores ao processo decisório propriamente dito” (DA ROS, 2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97., p. 83).
Ainda assim, essas lacunas não têm sido objeto de teorização sistemática até o momento. Nesse sentido, este artigo tem um objetivo duplo. Por um lado, oferecer um mapa teórico capaz de sistematizar os fatores que podem explicar a variação na intensidade da inserção do STF no processo decisório e descrever as diferentes formas pelas quais o Supremo pode ser mobilizado. Por outro, definir uma tipologia da judicialização da política que detalhe as formas pelas quais o STF pode atuar no processo decisório. Nesse caso, argumentamos que as diferentes formas de acesso ao tribunal podem ser combinadas com as características do processo decisório interno do tribunal e proporcionar uma descrição mais detalhada do fenômeno da judicialização da política.
Trabalhos anteriores procuraram dividir as formas de exercício de poder judicial de acordo com a sua forma de alocação mais ou menos centralizada no processo decisório interno no tribunal. Nesse sentido, poderíamos falar de formas de atuação coletivas, individuais centralizadas (decisões de ministros individuais que ocupam espaços formais na estrutura decisória do tribunal, como o presidente) e individuais descentralizadas (que estão, em princípio, ao alcance de qualquer ministro, individualmente considerado, pela simples condição de membro do tribunal) (ARGUELHES e RIBEIRO, 2018aARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. “Ministrocracia”? O Supremo Tribunal Individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos Cebrap, v. 37, p. 13-32, 2018a. e 2018bARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. “The Court, it is I”? Individual judicial powers in the Brazilian Supreme Court and their implications for constitutional theory. Global Constitutionalism, v. 7, p. 236-262, 2018b.). Essas são formas variadas de produzir, em última instância, efeitos sobre a política fora do tribunal. Decisões de ministros individuais podem ter um peso institucional equivalente ao de todo o tribunal, fazendo que, em determinadas situações, a decisão de um ministro seja suficiente para manter ou alterar o status quo.
Se isso é verdade, a conjugação entre as formas de acesso ao STF por atores relevantes e o tipo de decisão do tribunal pode levar à construção de uma tipologia em que o fenômeno da judicialização da política seria variável de acordo com seu caráter individual/coletivo não apenas em função da provocação do tribunal, mas também da forma de decisão pelo tribunal. Em um extremo, a judicialização seria resultado de uma manifestação de natureza duplamente coletiva (ator relevante coletivo demandando e conseguindo decisão coletiva do STF); no outro, teríamos um formato duplamente individualizado (por exemplo, um parlamentar individual demandando e conseguindo, por meio de um mandado de segurança ou habeas corpus, uma intervenção de um ministro individual no processo decisório). Essa judicialização individualizada e descentralizada (Seção 2.3) pode ter consequências importantes para a manutenção ou alteração do status quo, embora a literatura “clássica” brasileira a partir dos anos 1990 tenha enfocado a judicialização da política basicamente como o resultado de interações entre dois conjuntos de atores coletivos (partidos de oposição acionando o plenário do Supremo, por exemplo).
i. Judicialização da política: para além das ADIs “contramajoritárias”
O fenômeno da judicialização teve grande destaque nas ciências sociais brasileiras nos últimos anos - incluindo a literatura do campo do Direito.7 7 Sobre a judicialização da política no Brasil ver, entre outros: Arantes (2007); Carvalho (2009); Maciel e Koerner (2002); Marchetti (2008); Oliveira (2011); Pogrebinschi (2011); Taylor (2007 e 2008); Taylor e Da Ros (2008), Vianna et al. (1999); Vianna, Burgos e Salles (2007). Uma subdivisão encontrada nos estudos é a classificação entre judicialização das relações sociais e a judicialização da política (VIANNA et al., 1999VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Resende de; MELO, Manuel Palacios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann (eds.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.). Nesse último caso, a literatura nacional tem privilegiado a descrição do fenômeno da judicialização a partir da análise das ADIs ajuizadas no STF (DA ROS, 2017DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97.; POGREBINSCHI, 2011POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. São Paulo: Campus/Elsevier, 2011.). A descrição da judicialização da política no Brasil por meio de ADIs tem suas raízes no trabalho A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Resende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, publicado em 1999 pela editora Revan, e a sua escolha como indicador privilegiado de análise foi justificada pelos autores da seguinte forma:
A análise das ADIs se justifica por ser o instrumento inovador através do qual o legislador constituinte confiou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o controle abstrato de constitucionalidade das leis, mediante a provocação da chamada comunidade de intérpretes da Constituição. (VIANNA et al., 1999VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Resende de; MELO, Manuel Palacios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann (eds.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999., p. 47)8 8 O termo “judicialização da política” foi usado de maneira pioneira no Brasil provavelmente em Castro (1997). Para uma discussão a respeito dos usos do conceito de judicialização da política no Brasil, ver Maciel e Koerner (2002).
A partir do trabalho pioneiro de Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Resende de; MELO, Manuel Palacios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann (eds.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999., outros estudos se debruçaram sobre o tema da judicialização da política e pode-se dizer que a análise de ADIs se consolidou como seu principal indicador empírico - que, normalmente, é analisada pelos requerentes que compõem a “comunidade de intérpretes” da Constituição.9 9 Este trabalho investiga as ADIs a partir de seus autores (governadores, Procuradoria-Geral da República, partidos políticos, associações de trabalhadores, profissionais e empresariais e OAB) e do tipo de assunto questionado (administração pública, política social, regulação econômica, política tributária, regulação da sociedade civil, competição política e relações de trabalho). Por exemplo, Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. São Paulo: Campus/Elsevier, 2011. observa que “o número de ações direitas de inconstitucionalidade (ADIs) impetradas [sic] no STF passou a ser tomado como uma espécie de indicador do nível de judicialização do país”.10 10 A autora continua: “O volume do uso desse recurso institucional por atores políticos, como partidos e governadores, passou a ser usado para mensurar a natureza da judicialização como propriamente política, ou seja, conducente a confirmá-la como ‘um recurso das minorias contra as maiorias parlamentares’ (VIANNA et al., 1999, p. 51)” (POGREBINSCHI, 2011, p. 6). O uso de ADIs como operacionalização adequada do fenômeno da judicialização também pode ser encontrado no influente trabalho de Taylor e Da Ros (2008, p. 830)TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.. Os autores afirmam que, comparativamente, as ADIs permitem que um número elevado de atores políticos conteste decisões diretamente em um tribunal superior, sem encarar, portanto, “a sobrecarga processual dos tribunais inferiores”, além de ser um instrumento capaz de proporcionar “uma decisão judicial com efeitos gerais, imediatos e vinculantes”.
O foco das análises sobre o papel do STF no processo decisório em ADIs pode ser explicado pela forma como o conceito de judicialização da política foi incorporado na literatura. A principal definição conceitual difundida nos trabalhos sobre judicialização da política no Brasil é a do artigo “Judicialization and the future of politics and policy”, de Tate e Vallinder, publicado em 1995TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial power. New York: New York University Press, 1995. na obra The global expansion of judicial power. Esses autores definem a judicialização da política em duas dimensões: 1) um fenômeno “mais dramático” de transferência de decisões normativas do Legislativo e/ou do Executivo para o Judiciário, que ocorre principalmente pelo controle de constitucionalidade. Nessa dimensão, a judicialização significa um processo por meio do qual os tribunais e os juízes se tornam atores na produção de políticas públicas previamente elaboradas por órgãos dos poderes Legislativo e Executivo (TATE e VALLINDER, 1995TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial power. New York: New York University Press, 1995., p. 28); 2) um fenômeno “menos dramático” de incorporação de métodos próprios de decisão e resolução de conflitos dos tribunais em setores administrativos e legislativos diversos.11 11 Segundo Tate e Vallinder (1995), a difusão e a intensidade do fenômeno da judicialização da política se correlacionam positivamente com oito condições “facilitadoras” - ou seja, tais condições não são concebidas como necessárias, nem suficientes pelos autores. São elas (apenas sete são listadas): 1) Regime democrático. O argumento apresentado é que democracia aumenta a probabilidade da participação de juízes independentes no processo decisório e da deferência a suas decisões por parte dos demais atores; 2) Separação de poderes. Os atos normativos são passíveis de interpretação judicial somente em contextos em que há separação de poderes; 3) Direitos políticos formalizados. Os autores argumentam que essa condição facilita a judicialização porque significa proteção jurídica a minorias. Isso aumenta a probabilidade de que minorias que tiveram direitos desrespeitados pelas maiorias procurem transferir a decisão normativa ao Judiciário; 4) O uso dos tribunais por grupos de interesse e oposições. Não basta haver possibilidade institucional de recurso ao Judiciário, ele deve ser acionado pelos atores políticos; 5) Partidos políticos e governos de coalizão fracos. A lógica aqui é que, ao produzirem políticas pouco efetivas e com pouco apoio dos cidadãos, ações da oposição por intervenção normativa do Judiciário aumentariam - condição que os autores denominam de “instituições majoritárias não efetivas”; 6) Percepção negativa das instituições majoritárias por parte do público e da elite, o que levaria à intensificação de contestações de políticas públicas no Judiciário; e, por fim, 7) A delegação para os tribunais de medidas e decisões que as instituições majoritárias não querem tomar.
Do ponto de vista do sentido “mais dramático” do fenômeno, é possível compreender o foco da literatura em analisar a atuação das oposições por meio de ADIs: os maiores interessados em “transferir” decisões normativas para o Judiciário, em especial para o STF, seriam os perdedores nas instituições majoritárias (Executivo e Legislativo). Assim, as ADIs seriam indicadores válidos e confiáveis do recurso ao STF como ator de veto. No entanto, trabalhos elaborados a partir dos anos 2000 já chamavam a atenção para as diversas formas pelas quais o STF pode se constituir como ator relevante do processo decisório, ampliando a análise para considerar outros mecanismos de acesso ao tribunal para além de ADIs.12 12 Não iremos aqui fazer um mapeamento exaustivo de todos os trabalhos que acrescentam aspectos importantes à dinâmica da judicialização a partir do conceito de Tate e Vallinder (1995). Escolhemos alguns deles que, por serem muito citados e serem seminais na proposição de novas dimensões de análise, são exemplificativos daquilo a que estamos chamando a atenção. Para uma revisão recente da literatura, incluindo a discussão sobre “judicialização da política”, ver Da Ros (2017).
No trabalho mencionado de Taylor e Da Ros, as possíveis motivações dos atores relevantes para judicializar a política foram amplamente mapeadas como: i) tática da oposição; ii) arbitragem de interesses em conflito; e/ou iii) instrumento de governo (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008., p. 848). O primeiro caso exemplifica a forma predominante de tratamento do fenômeno da judicialização da política na literatura brasileira. Aqui, a judicialização se refere às ações típicas de atores opositores a determinada política pública que usam o Judiciário, particularmente o STF, como recurso para “retardar, impedir, desmerecer ou declarar a oposição a determinadas leis” (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008., p. 848). Ou seja, o STF se configura como uma “arena de veto”, mobilizada por atores derrotados na arena legislativa para contestar a implementação de uma política pública (TAYLOR, 2007TAYLOR, Matthew. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, v. 50, n. 2, 2007.). Esse seria o uso contramajoritário do tribunal, no sentido amplamente discutido nos trabalhos a respeito do papel das cortes constitucionais na política (GINSBURG, 2003GINSBURG, Tom. Judicial review in new democracies: constitutional courts in Asian cases. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.; MCCUBBINS e RODRIGUEZ, 2006MCCUBBINS, Matthew D.; RODRIGUEZ, Daniel B. When does deliberating improve democratic decisionmaking? Journal of Contemporary Legal Issues, v. 15, p. 9-50, 2006.).
Vale ressaltar que a classificação “tática de oposição” inclui ações oposicionistas diferentes e não excludentes: o veto a uma lei definida em instituições majoritárias, a sinalização de preferências ou a protelação da decisão legislativa. Esses dois últimos casos chamam a atenção para o possível uso dos tribunais por atores oposicionistas mesmo quando as chances de uma vitória jurídica são reduzidas. O objetivo primordial dos atores da oposição seria difundir o posicionamento político para a opinião pública.13 13 Essa hipótese foi elaborada no trabalho de Dotan e Hofnung (2005) e aplicada, no caso brasileiro, por Taylor (2008). Interessante notar que a estratégia oposicionista de tentar retardar a implementação de uma política pública via STF revela a possibilidade de o tribunal ser mobilizado não apenas no processo de implementação ou no estágio final do processo legislativo, mas também durante a elaboração de uma política pública. É nesse sentido que Taylor, em trabalho publicado mais de uma década atrás, já chamava a atenção para a possibilidade de o STF interferir nos trabalhos legislativos por meio do uso de recursos distintos das ADIs, como, no caso, o mandado de segurança (TAYLOR, 2007TAYLOR, Matthew. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, v. 50, n. 2, 2007., p. 240).14 14 Essa ideia, porém, não foi suficientemente explorada pela literatura. Ver Arguelhes e Sussekind (2018).
Para além desses usos claramente oposicionistas do Judiciário, em geral, ou do STF, em particular, porém, as duas outras motivações mapeadas pelos autores já apontam para formas diferentes de judicialização, que poderiam ser estudadas de maneira mais detalhada - a judicialização como “arbitragem de interesses em conflito” e como “instrumento de governo”. No primeiro caso, a judicialização teria como principal objetivo contestar políticas que alteram regras e procedimentos que prejudicam determinados interesses. Não se configuraria, portanto, como uma judicialização de oposição ao governo. No segundo, o STF seria acionado por meio de ADIs para superar impasses do processo legislativo ou anular normas indesejadas pelo próprio governo. Nesse caso, portanto, a judicialização da política seria um instrumento usado pelo governo para superar obstáculos e fazer valer seus objetivos.
Entre os seus diversos méritos, esses trabalhos ajudaram a mapear o STF como ator relevante no processo decisório. Permitiram, em especial, chamar a atenção para um aspecto até então pouco explorado do funcionamento do sistema político brasileiro, caracterizado pelo presidencialismo de coalizão, cujo foco principal de análise recai na relação Executivo-Legislativo. Ao inserir o Judiciário e o STF como atores ou arenas políticas, esses trabalhos mostram que a dinâmica da elaboração e, principalmente, da implementação de uma política pública pode ser mais complexa do que supõe a literatura sobre a formação e a gestão de coalizões no Brasil. O Judiciário e, em particular, o STF oferecem canais de contestação e sinalização às oposições que a análise centrada na relação Executivo-Legislativo desconsidera. Para além de uma visão “contramajoritária” da atuação dos tribunais, porém, esses trabalhos ressaltam o uso da judicialização por atores governistas, a motivação em judicializar a política durante o processo político e o uso de outras classes processuais, para além das ADIs, como indicador de judicialização.
Na verdade, o próprio conceito original de “judicialização da política”, em sua dimensão “mais dramática”, já permite um olhar sobre a interação entre cortes constitucionais e atores das instituições majoritárias. O fato de haver a possibilidade de um tribunal ser acionado como ator de veto altera a dinâmica entre os atores das instituições majoritárias - predominantemente, mas não exclusivamente entre governistas e oposicionistas -, uma vez que antecipações estratégicas entram no cálculo da ação e influenciam, portanto, no fenômeno que será em última instância observado. Nesse cenário, seria possível falar em influência do tribunal constitucional mesmo na ausência de um ato formal de contestação no Judiciário; já seria possível observar uma política “judicializada” se os atores políticos levassem em consideração as preferências do tribunal em suas interações, antecipando-se estrategicamente a possíveis decisões judiciais futuras, de modo a evitar que ocorram de fato (STONE SWEET, 2000STONE SWEET, Alec. Governing with Judges. Constitutional politics in Europe. Oxford: Oxford University Press, 2000.).
2. Tipos de judicialização da política
2.1. Desenho institucional, contingência e intensidade da judicialização
No sentido mais frequentemente assumido nos estudos brasileiros, a judicialização da política se refere à transferência de decisões normativas das arenas majoritárias para o Poder Judiciário e, sobretudo, para o STF. Essa definição conceitual já é suficiente para especificar as dimensões da judicialização e elaborar hipóteses para sua tipificação e variabilidade que vão além do que pode ser efetivamente mensurado por ADIs. Sendo um processo de transferência, é preciso observar: i) as motivações dos atores que promovem essa transferência; ii) as instituições que definem as estruturas de oportunidades vigentes para que a transferência possa ser feita; e iii) as crenças que os atores responsáveis pela transferência têm a respeito de suas motivações e das estruturas de oportunidades (ELSTER, 2007ELSTER, Jon. Explaining social behavior: More nuts and bolts for the social sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.).
Por um lado, as estruturas de oportunidades são dadas pelo desenho institucional do sistema político vigente, incluindo o Poder Judiciário. Nessa linha, é importante considerar o desenho institucional do regime vigente. No caso de democracias, pode haver diferenças para o processo de judicialização se o modelo for uma democracia majoritária ou consensual (LIJPHART, 1999LIJPHART, Arend. Patterns of democracy. Government form and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press, 1999.). É importante considerar a existência ou não de um tribunal com poder de exercer controle de constitucionalidade e o grau de rigidez constitucional, como já explorado por Lijphart (1999)LIJPHART, Arend. Patterns of democracy. Government form and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press, 1999.. A possibilidade de minorias perdedoras nas arenas majoritárias vetarem uma medida majoritária via o exercício de controle de constitucionalidade aumentaria a probabilidade da judicialização da política. Contudo, é fundamental levar em conta, também, o desenho institucional do Poder Judiciário, o qual define o conjunto de atores que podem judicializar a política, os temas passíveis de judicialização e os recursos de acesso aos tribunais. Quanto mais atores forem credenciados a usar o Judiciário, mais temas puderem ser judicializados e mais instrumentos processuais estiverem disponíveis aos atores, maior será a probabilidade de que a política seja judicializada. Isso significa que variações do desenho institucional (modelo de democracia e configuração institucional do Poder Judiciário) se associam a variações no tipo e na intensidade da judicialização da política - o desenho institucional pode ser considerado, portanto, uma dimensão estrutural que impacta o fenômeno da judicialização.
Entretanto, além da dimensão institucional, pode haver variação no tipo e na intensidade da judicialização associada à motivação dos atores em transferir decisões majoritárias para o Poder Judiciário. A motivação desses atores é moldada pela dinâmica política, que é, em grande medida, contingente. Nesse caso, a variação da judicialização da política - em tipo e intensidade - depende muito das interações estratégicas entre atores políticos e sociais relevantes definidas pela conjuntura. O que levaria os atores a transferirem decisões de instituições majoritárias para o Judiciário? Como visto anteriormente, a própria literatura sobre judicialização da política no Brasil, mesmo que não sistematicamente, especifica as motivações possíveis: 1) vetar uma decisão majoritária; 2) sinalizar preferências a outros atores ou à população; 3) protelar a tomada de decisão; 4) coordenar ações; 5) arbitrar conflitos; e 6) embora não esteja presente na literatura, a judicialização pode perfeitamente ser uma ação que visa promover uma determinada política pública (superar vetos). Essas motivações são fortemente relacionadas a cálculos que dependem da dinâmica política entre os atores relevantes em um dado momento. Ou seja, a motivação é, em larga medida, contingente.
Para descrever e explicar o fenômeno da judicialização, portanto, é preciso conjugar i) variáveis relacionadas ao desenho institucional (que moldam maior ou menor possibilidade de certos atores, em certos momentos, judicializarem certos temas) com ii) variáveis relativas às motivações para judicializar, que se relacionam fortemente com um cálculo político conjuntural. O Judiciário seria, então, um recurso político a ser mobilizado pelos atores, dependendo de cálculos feitos por eles para alcançarem seus objetivos. As próprias condições facilitadoras de Tate e Vallinder já chamam a atenção para essa interação entre o desenho institucional e a dinâmica política. As condições definidas pelos autores englobam tanto “dimensões institucionais”, como democracia, separação de poderes e direitos assegurados, quanto dimensões que, na ausência de um conceito melhor, serão denominadas aqui como “político-contingentes”. É interessante notar que, implicitamente, o modelo teórico proposto se assenta em motivações e percepção dos atores que podem usar o Judiciário. Em primeiro lugar, está explícito que os tribunais devam ser mobilizados pelos atores, mas está implícito que essa mobilização depende da expectativa em torno da independência dos juízes, do cálculo da força relativa de partidos e coalizões no jogo político e da avaliação corrente, feita por atores políticos, a respeito das instituições majoritárias.
A partir da própria linha de argumentação de Tate e Vallinder, portanto, é possível pensar que o fenômeno da judicialização da política - a variação que seu tipo e sua intensidade podem assumir - é moldado por dois conjuntos distintos de variáveis. De um lado, as características institucionais vigentes em um determinado país, as quais dão concretude à independência aos tribunais e aos juízes, definem seus espaços de ação e a extensão de direitos dos cidadãos. De outro, o cálculo político dos atores em transferir decisões normativas para os tribunais, tendo em vista o contexto político em que as próprias interações políticas ocorrem (se as instituições majoritárias estão fortes ou não, bem avaliadas ou não, e o posicionamento relativo de partidos e coalizões).
Nessa leitura, extrair as implicações observáveis do conceito de judicialização requer incluir, na análise, ao menos: a) as características do modelo institucional da democracia vigente; b) as características do desenho institucional do Poder Judiciário; c) a própria dinâmica do processo de decisão judicial do tribunal; e d) a conjuntura política. Isso significa que o foco nas ADIs fornece um mapa apenas incompleto da dinâmica da judicialização da política no país, bem como de suas variações ao longo do tempo. No Quadro 1, a seguir, procuramos apresentar o que seria um mapa completo dos elementos - espaços institucionais, variáveis da conjuntura e motivações - relevantes para analisar o fenômeno de maneira mais abrangente.
A partir desse quadro, é possível perceber que as formas de mobilização do STF para que participe do processo decisório são múltiplas, resultantes de variadas combinações de elementos de desenho institucional, tema, conjuntura política e motivação. Esses elementos não estão necessariamente correlacionados, nem têm uma relação linear. Por exemplo, a motivação para utilizar o STF como recurso político para fins de sinalização ou resolução de conflitos sobre um dado tema pode tornar determinada via de judicialização (como a ADI) menos atraente para certos atores. Mais ainda, a dinâmica política define as posições de poder dos atores em determinado momento (configuração conjuntural das correlações de força); a distância da posição política dos atores sobre dado assunto; e o grau de coesão interna de atores coletivos (coalizões, partidos, associações, etc.). Molda, ainda, a entrada na agenda política de temas mais ou menos salientes. Detalharemos esses elementos na próxima seção.
2.2. Fatores que configuram a judicialização
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Diferentes formas de acesso . O uso de outras classes processuais de acesso ao STF que não a ADI e que dão margem à ação do tribunal no processo decisório pode proporcionar uma descrição mais acurada do fenômeno da judicialização, apreendendo suas diversas nuances. Como discutiremos em detalhes adiante, a judicialização da política é um fenômeno complexo e multidimensional. O caso brasileiro propicia a ocorrência desse fenômeno em diversas situações, tendo em vista a elevada lista de classes processuais que permitem o acesso de diversos atores ao STF. O uso de ADIs como foco predominante da operacionalização empírica da judicialização limita a observação de dimensões igualmente relevantes sobre as formas pelas quais o STF impacta o processo político decisório. A incorporação de novas classes processuais de maneira mais sistemática pode, também, ter um efeito do ponto de vista descritivo, contribuindo para uma melhor mensuração do fenômeno da judicialização da política no Brasil.
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Atores coletivos e individuais . As diversas classes processuais permitem que o STF seja “convidado” a participar do jogo político por um conjunto mais amplo de atores do que os legitimados a ajuizar ADIs. Nesse leque ampliado, fica claro que alguns desses atores são individuais (incluindo integrantes de partidos políticos que ajuízam mandados de segurança em nome próprio, por exemplo), enquanto outros são atores coletivos. A mobilização de outras classes processuais por atores individuais pode revelar dimensões da dinâmica política brasileira, fortemente descentralizada, que ainda não foram exploradas de maneira sistemática pela literatura. Essa descentralização é potencializada pela descentralização decisória do próprio STF, em que os ministros individualmente têm forte poder de decisão.
No limite, portanto, é possível haver dinâmicas de judicialização, com impacto relevante no processo político decisório, alimentadas basicamente por parlamentares individuais interagindo com ministros individuais. Esse cenário extremo na teoria não é raro na prática e contribui para que os resultados finais do jogo político sejam, em grande medida, contingentes, pois ocorrem às margens de regras de maioria em processos decisórios legislativos, partidários e judiciais. Esse caráter contingente torna o fenômeno da judicialização muito imprevisível, tanto em termos de sua variação ao longo do tempo quanto com relação a seus resultados substantivos sobre políticas públicas e conflitos políticos no Brasil. Em diversas dimensões possíveis de judicialização, o resultado da atuação do STF seria muito diferente caso os atores envolvidos fossem coletivos nas duas pontas do processo - atores políticos coletivos, como partidos, ajuizando ações que geram decisões coletivas (e não monocráticas) por parte do STF.
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Interação entre atores “governistas” . Em geral, os estudos sobre a judicialização da política enfatizam o Judiciário, particularmente o STF, como recurso de veto ou sinalização para atores da oposição. Mas, em vez de uma clara divisão entre governo e oposição, a judicialização pode propiciar recursos para grupos governistas sinalizarem suas preferências aos demais atores - incluindo para atores de seu próprio campo de alinhamento junto ao governo, ou para o próprio governo. Existem alguns poucos estudos que já discutem a judicialização como um recurso para atores governistas coordenarem suas ações (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.). Mesmo uma coalizão majoritária pode apresentar graus diferentes de coesão interna, com variação dependendo do tema em jogo, e essa diversidade de interesses pode impor custos constantes de negociação e barganha. Porém, considerando que o governo tem recursos limitados para negociar e manter uma coesão da coalizão, a via judicial pode se constituir como elemento importante de sinalização e barganha entre as próprias forças que compõem uma maioria.
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Obstrução do processo decisório . A literatura nacional sobre judicialização já discutiu muitos usos possíveis dos recursos ao STF para atores políticos. Em especial, como arena ou ator de veto e contestação de políticas públicas (TAYLOR, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.), como mecanismo de sinalização ou declaração das preferências dos atores políticos à opinião pública (TAYLOR, 2007TAYLOR, Matthew. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, v. 50, n. 2, 2007. e 2008TAYLOR, Matthew. Judging policy: Courts and policy reform in democratic Brazil. Stanford: Stanford University Press, 2008.), como arbitragem de interesses em conflito (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.) e como instrumento de coordenação de governo (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.). Entretanto, para além desses usos, os atores políticos podem recorrer ao tribunal para tentar bloquear ou alterar a dinâmica do processo legislativo de outras maneiras, modificando o timing das decisões políticas com consequências importantes para o processo de negociação e barganha entre os diversos interesses em disputa na matéria considerada.
Aqui, a judicialização se assemelharia mais a um recurso de obstrução do processo legislativo, na medida em que a contestação judicial puder se dar antes mesmo da aprovação e implementação da política pública - por exemplo, por meio de mandados de segurança empregados por parlamentares durante o processo legislativo. Não se trata especificamente de retardar a implementação de uma policy já aprovada, ou de tentar alterar a sua substância, mas de trazer a arena judicial para dentro do próprio processo legislativo, de modo a mudar a força relativa dos atores políticos nele envolvidos. Esse uso do STF como obstrução não é menos significativo que as demais dimensões da judicialização, tendo em vista que o travamento do processo decisório pode levar a uma renegociação dos temas de barganha entre os atores políticos, ao realinhamento dos posicionamentos dos atores, à alteração dos custos e benefícios de apoio a uma medida, ou mesmo pode inviabilizar a proposição de uma política - como chama a atenção a literatura sobre obstrução do processo legislativo (INÁCIO, 2009INÁCIO, Magna. Mudança procedimental, oposições e obstrução na Câmara dos Deputados. In: INÁCIO, Magna; RENNÓ, Lucio (eds.). Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. p. 353-380.; HIROI e RENNÓ, 2014HIROI, Taeko; RENNÓ, Lucio. Obstrução e processo decisório na Câmara dos Deputados: 1991 a 2010. Texto para Discussão 1957, Brasília, abr. 2014.).
2.3. Implicações: uma judicialização descentralizada e contingente?
As diferentes possibilidades e combinações entre os elementos discutidos na seção anterior estão expressas no Quadro 2, a seguir. As células J e L, em destaque, representam os cenários de individualização/descentralização máxima, em todas as dimensões: um parlamentar individual, da base ou da oposição, provoca (ou consegue) uma decisão individual do ministro relator do STF. Exemplos dessa judicialização descentralizada não são raros no Brasil recente. Em abril de 2013, por exemplo, o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu a tramitação do Projeto de Lei (PL) n. 4.470/2012, ao decidir liminarmente sobre o mandado de segurança ajuizado pelo senador Rodrigo Rollenberg (PSB). O PL, de autoria dos deputados Edinho Araújo (PMDB), Rubens Bueno (PPS) e Bruno Araújo (PSDB), dispunha “que a migração partidária que ocorrer durante a legislatura não importará na transferência dos recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”, já tinha sido votado na Câmara dos Deputados e estava em discussão no Senado.
Meses antes, em dezembro de 2012, o ministro do STF Luiz Fux havia concedido liminar em um mandado de segurança do deputado Alessandro Molon (PT) suspendendo a urgência do Congresso Nacional para votar a Lei n. 2.565/2011, de autoria do senador Wellington Dias (PT), conhecida como nova lei de distribuição de royalties e petróleo. Em 2014, o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antonio Imbassahy, declarou que o partido iria travar uma “guerra jurídica” contra o Projeto de Lei do Congresso (PLN n. 36) que flexibilizava a meta de superávit primário do governo federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) naquele ano. Na ocasião, o partido entrou com um MS no STF para trancar a tramitação do projeto no Congresso. E, mais recentemente, diversos parlamentares da base do governo e da oposição ameaçaram entrar com MS com a intenção de barrar a etapa final da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC n. 171/1993), de autoria do deputado Benedito Domingos (PP), prevendo a redução da maioridade penal no país.
Esses casos ilustram, de maneira geral, aspectos pouco estudados do fenômeno da judicialização da política no Brasil, em, ao menos, cinco níveis. Primeiro, envolvem o uso de outra classe processual de acesso ao STF que não a ADI - indicador predominantemente empregado para apreender a judicialização da política pela literatura especializada. Segundo, são episódios em que a judicialização da política nem sempre ocorre por iniciativa de um ator coletivo, como um partido político, mas por parlamentares individuais. Terceiro, o acionamento do tribunal por partidos e parlamentares ocorreu de maneira mais complexa do que uma clara divisão entre oposição e governo, ficando a decisão sobre judicializar ou não dependente de dinâmicas contingentes da conjuntura política. Quarto, o recurso ao STF pode ter ocorrido para alterar a dinâmica do processo legislativo, de maneiras sutilmente distintas dos objetivos tradicionalmente mapeados pela literatura (os objetivos dos atores variam de acordo com a negociação política que ocorre no Congresso). Quinto, e por fim, a eventual intervenção do Supremo se dá por ação individual de seus ministros, e não pelas decisões plenárias, colegiadas, que geralmente são enfatizadas pela literatura.
Conclusão
Neste artigo, procuramos mostrar que, em teoria, a literatura sobre a judicialização da política no Brasil pode incorporar mais implicações observáveis a respeito do papel potencial do STF no processo político decisório. Buscamos adicionar essa complexidade a partir de duas grandes dimensões: de um lado, quanto às motivações para acionar o tribunal; de outro, no que se refere ao conjunto de atores (dentro e fora do tribunal) cuja ação combinada judicializa a política nacional. No que diz respeito ao primeiro ponto (usos da judicialização e motivações para judicializar), como afirmado anteriormente, o recurso ao STF para alterar a dinâmica do processo legislativo indica que a judicialização pode ser estudada de maneira mais sistemática antes mesmo da implementação da política pública - e não apenas depois, como sugerem os indicadores baseados em processos de ADIs. Atores políticos recorrem ao Supremo durante o processo legislativo - e não apenas para bloquear, criticar ou retardar um resultado final, mas também para alterar suas posições relativas na negociação legislativa.
Quanto aos atores que judicializam, as observações e as ilustrações apresentadas no artigo chamam a atenção para dois aspectos pouco estudados de maneira sistemática na literatura especializada: a) o acesso ao STF por atores políticos pode ocorrer via outras classes processuais que não as ADIs ou outras formas de controle concentrado de constitucionalidade; e b) o uso do tribunal pode se dar de maneira mais complexa do que uma clara divisão entre oposição e bancada governista. No primeiro caso, embora as ADIs sejam um instrumento importante para vetar uma política pública, sinalizar preferências e arbitrar conflitos, conforme mencionado largamente na literatura, essas estratégias não são exaustivas dos objetivos perseguidos por atores políticos.
Mais ainda, todas essas estratégias também podem ser alcançadas por meio de outras classes processuais - em particular os mandados de segurança - que impactam de modo direto no próprio processo legislativo quando usadas, na prática, como controle de constitucionalidade preventivo. Isso tem implicações com relação ao segundo aspecto mencionado anteriormente. Normalmente, o principal ator interessado na judicialização da política identificado na literatura especializada são as oposições. No entanto, se o STF for concebido como uma arena a ser mobilizada no processo legislativo, é possível pensar também no uso que membros da coalizão de governo podem fazer do tribunal - vale ressaltar que parte da literatura já menciona a judicialização como “fogo amigo” em ADIs (TAYLOR e DA ROS, 2008TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008.). De fato, como é reconhecido, o presidencialismo de coalizão que caracteriza a política nacional envolve um complexo jogo de barganhas e negociações entre seus membros. Como discutido, assim como os recursos a obstruções no processo legislativo podem ser usados para reposicionar as negociações entre governo e oposição, por um lado, e entre membros da coalizão, por outro, as ações de controle preventivo no STF podem se configurar como uma arena de obstrução semelhante.
Em síntese, a política pode ser judicializada por atores da oposição ou do próprio governo. Tais atores podem agir de maneira coletiva, por meio dos partidos, ou individualmente - como evidenciam, por exemplo, as ações de parlamentares no STF. A judicialização pode visar ao conteúdo de uma política pública ou ao próprio processo de barganha e negociação dos atores políticos. Nesse sentido, pode pretender vetar uma política pública, sinalizar preferências dos atores políticos, arbitrar conflitos de interesses - usos já evidenciados da literatura especializada por meio de ADIs - e alterar a dinâmica do processo legislativo - dimensão ainda pouco explorada. Isso tudo pode ser feito por meio de diversas classes processuais de acesso ao STF - embora se reconheça que certas classes se prestam melhor a determinadas finalidades. Integrar todas essas dimensões do processo decisório nas análises sobre judicialização da política e, particularmente, o papel que o STF pode ter no processo é um desafio teórico que merece ser enfrentado.
Há, portanto, diversas perguntas e agendas em aberto na literatura brasileira sobre judicialização da política que poderiam ser revisitadas tendo em consideração a perspectiva que propomos neste artigo. Em recente trabalho, Silva (2018, p. 35-36)SILVA, Jeferson Mariano. Mapeando o Supremo: as posições dos ministros do STF na jurisdição constitucional (2012-2017). Novos Estudos Cebrap, v. 37, p. 35-54, jan./abr. 2018. assevera que as expressões “ativismo judicial” e “judicialização da política” “não funcionam mais como conceitos de referência capazes de agregar o conjunto da produção científica sobre comportamento e instituições judiciais no Brasil”, apontando para novas agendas de pesquisa centradas na tomada de decisão judicial. Trata-se de uma descrição pertinente do que vem sendo produzido pela área nos últimos anos. Contudo, parece haver ainda bastante espaço inexplorado para a construção de pontes entre esses dois conjuntos de estudos - sobre “judicialização da política” e sobre “comportamento judicial”. Em especial, o que sabemos hoje a respeito do funcionamento interno do STF pode nos ajudar a criar categorias mais precisas para compreender como, por que e em que condições certos atores optam por transformar processos decisórios políticos em questões judiciais.
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Para uma revisão recente de literatura sobre tribunais e política no Brasil, com foco no STF, ver Da Ros (2017)DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97..
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Ver, por exemplo, Oliveira (2005)OLIVEIRA, Vanessa Elias de. Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política? Dados, v. 48, n. 3, p. 559-686, 2005. e Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. São Paulo: Campus/Elsevier, 2011..
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A importância da variação da saliência de temas e do contexto político para explicar a judicialização realizada por partidos políticos no Brasil pode ser encontrada em Taylor e Da Ros (2008)TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008..
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As referências centrais aqui são Tsebelis (2002)TSEBELIS, George. Veto Players: How political institutions work. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2002.; Katznelson e Weingast (2005)KATZNELSON, Ira; WEINGAST, Barry R. Intersections between historical and rational choice institutionalism. Preferences and situations: points of intersection between historical and rational choice institutionalism. New York: Russell Sage Foundation, 2005. p. 1-24..
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Por sua vez, como discutiremos adiante, a incorporação da dimensão conjuntural na análise pode ser derivada do próprio conceito de judicialização da política, tal como ele é predominantemente definido na literatura.
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Em artigo recente, Da Ros (2017)DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97. chama a atenção para o fato de que a literatura sobre o STF foca na perspectiva teórica da judicialização da política - perspectiva essa baseada, sobretudo, nos trabalhos de Tate e Vallinder (1995)TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial power. New York: New York University Press, 1995. e Stone Sweet (2000)STONE SWEET, Alec. Governing with Judges. Constitutional politics in Europe. Oxford: Oxford University Press, 2000. - e deixa de lado outros enfoques teóricos sobre tribunais constitucionais, que poderiam render novos testes de hipóteses e a aplicação de novas teorias ao STF. O argumento aqui, porém, é que mesmo o uso do referencial popularizado entre nós, focado na judicialização da política, pode proporcionar novas hipóteses sobre a atuação do STF no cenário político brasileiro.
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Sobre a judicialização da política no Brasil ver, entre outros: Arantes (2007)ARANTES, Rogério. Judiciário: entre a justiça e a política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antonio O. (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Konrad Adenauer/Unesp, 2007. p. 81-115.; Carvalho (2009)CARVALHO, Ernani. Judicialização da política no Brasil: controle de constitucionalidade e racionalidade política. Análise Social, v. 44, n. 191, p. 315-335, 2009.; Maciel e Koerner (2002)MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova, n. 57, p. 113-133, 2002.; Marchetti (2008)MARCHETTI, Vitor. Poder Judiciário e competição política no Brasil: uma análise das decisões do TSE e do STF sobre as regras eleitorais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais: Política) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2008.; Oliveira (2011)OLIVEIRA, Fabiana L. Justiça, profissionalismo e política: o STF e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.; Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. São Paulo: Campus/Elsevier, 2011.; Taylor (2007TAYLOR, Matthew. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, v. 50, n. 2, 2007. e 2008)TAYLOR, Matthew. Judging policy: Courts and policy reform in democratic Brazil. Stanford: Stanford University Press, 2008.; Taylor e Da Ros (2008)TAYLOR, Matthew; DA ROS, Luciano. Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 825-864, 2008., Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Resende de; MELO, Manuel Palacios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann (eds.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.; Vianna, Burgos e Salles (2007)VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social, v. 19, n. 2, p. 39-85, 2007..
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O termo “judicialização da política” foi usado de maneira pioneira no Brasil provavelmente em Castro (1997)CASTRO, Marcus F. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 34, 1997.. Para uma discussão a respeito dos usos do conceito de judicialização da política no Brasil, ver Maciel e Koerner (2002)MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Lua Nova, n. 57, p. 113-133, 2002..
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Este trabalho investiga as ADIs a partir de seus autores (governadores, Procuradoria-Geral da República, partidos políticos, associações de trabalhadores, profissionais e empresariais e OAB) e do tipo de assunto questionado (administração pública, política social, regulação econômica, política tributária, regulação da sociedade civil, competição política e relações de trabalho).
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A autora continua: “O volume do uso desse recurso institucional por atores políticos, como partidos e governadores, passou a ser usado para mensurar a natureza da judicialização como propriamente política, ou seja, conducente a confirmá-la como ‘um recurso das minorias contra as maiorias parlamentares’ (VIANNA et al., 1999VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Resende de; MELO, Manuel Palacios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann (eds.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999., p. 51)” (POGREBINSCHI, 2011POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. São Paulo: Campus/Elsevier, 2011., p. 6).
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Segundo Tate e Vallinder (1995)TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial power. New York: New York University Press, 1995., a difusão e a intensidade do fenômeno da judicialização da política se correlacionam positivamente com oito condições “facilitadoras” - ou seja, tais condições não são concebidas como necessárias, nem suficientes pelos autores. São elas (apenas sete são listadas): 1) Regime democrático. O argumento apresentado é que democracia aumenta a probabilidade da participação de juízes independentes no processo decisório e da deferência a suas decisões por parte dos demais atores; 2) Separação de poderes. Os atos normativos são passíveis de interpretação judicial somente em contextos em que há separação de poderes; 3) Direitos políticos formalizados. Os autores argumentam que essa condição facilita a judicialização porque significa proteção jurídica a minorias. Isso aumenta a probabilidade de que minorias que tiveram direitos desrespeitados pelas maiorias procurem transferir a decisão normativa ao Judiciário; 4) O uso dos tribunais por grupos de interesse e oposições. Não basta haver possibilidade institucional de recurso ao Judiciário, ele deve ser acionado pelos atores políticos; 5) Partidos políticos e governos de coalizão fracos. A lógica aqui é que, ao produzirem políticas pouco efetivas e com pouco apoio dos cidadãos, ações da oposição por intervenção normativa do Judiciário aumentariam - condição que os autores denominam de “instituições majoritárias não efetivas”; 6) Percepção negativa das instituições majoritárias por parte do público e da elite, o que levaria à intensificação de contestações de políticas públicas no Judiciário; e, por fim, 7) A delegação para os tribunais de medidas e decisões que as instituições majoritárias não querem tomar.
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Não iremos aqui fazer um mapeamento exaustivo de todos os trabalhos que acrescentam aspectos importantes à dinâmica da judicialização a partir do conceito de Tate e Vallinder (1995)TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial power. New York: New York University Press, 1995.. Escolhemos alguns deles que, por serem muito citados e serem seminais na proposição de novas dimensões de análise, são exemplificativos daquilo a que estamos chamando a atenção. Para uma revisão recente da literatura, incluindo a discussão sobre “judicialização da política”, ver Da Ros (2017)DA ROS, Luciano. Em que ponto estamos? Agendas de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal no Brasil e nos Estados Unidos. In: ENGELMAN, Fabiano (org.). Sociologia política das instituições judiciais. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2017. p. 57-97..
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Essa hipótese foi elaborada no trabalho de Dotan e Hofnung (2005)DOTAN, Yoav; HOFNUNG, Menachem. Legal defeats-political wins: why do elected representatives go to Court? Comparative Political Studies, v. 38, n. 1, p. 75-103, 2005. e aplicada, no caso brasileiro, por Taylor (2008)TAYLOR, Matthew. Judging policy: Courts and policy reform in democratic Brazil. Stanford: Stanford University Press, 2008..
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Essa ideia, porém, não foi suficientemente explorada pela literatura. Ver Arguelhes e Sussekind (2018)ARGUELHES, Diego Werneck; SUSSEKIND, Evandro P. Building judicial power in Latin America: opposition strategies and the lessons of the Brazilian case. Revista Uruguaya de Ciencia Política, v. 1, p. 175-197, 2018..
agradecimentos
Os autores agradecem aos pareceristas anônimos da Revista Direito GV pelos comentários. Agradecem também a Renan Oliveira e Mariana Muniz pelo auxílio na pesquisa e pela preparação do manuscrito para publicação.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Set 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
21 Dez 2018 -
Aceito
18 Mar 2019