Resumo
O presente artigo tem o seguinte problema: qual foi o padrão de julgamento sobre decisões políticas adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) entre os anos de 2010 e 2019? As ADIs são adotadas como variável de análise por possibilitarem a retirada do ordenamento jurídico de decisões democráticas e por comporem a maioria das ações de controle concentrado de constitucionalidade no período considerado. Primeiro, faz-se uma revisão bibliográfica referente ao padrão de julgamento sobre decisões políticas pelo STF. Em seguida, adotam-se instrumentos de estatística descritiva para compreender o fenômeno no Brasil. Busca-se retomar o estudo da forma como o julgamento sobre decisões políticas pela Suprema Corte em ADIs ocorreu na última década. Para tanto, replica-se o modelo de estudo dos autores Pogrebinschi (2011), Vianna et al. (1999) e Vianna, Burgos e Salles (2007), em um recorte temporal entre os anos de 2010 e 2019, para entender se, após uma década dos estudos dos referidos autores, houve mudança no padrão de julgamento do STF em sede de ADIs. Conclui-se que, apesar de o STF ter atuado de forma comedida, os ministros não foram comedidos.
Constitucionalismo democrático; Poder Judiciário; Supremo Tribunal Federal; Ações Diretas de Inconstitucionalidade; julgamento sobre decisões políticas
Abstract
The present work has the following problem: what was the standard of judgment on political decisions by the Brazilian Federal Supreme Court (STF), in the context of Direct Actions of Unconstitutionality (ADIs), between the years 2010 and 2019? ADIs are adopted as an analysis variable because they allow the removal of democratic decisions from the legal order, and also because they make up the majority of concentrated constitutionality control actions in the period considered. First, a bibliographic review is made on the standard of judgment on political decisions by the STF. Then, descriptive statistics instruments are adopted to understand the phenomenon in Brazil. It seeks to resume the study of how the Brazilian Supreme Court judgment on political decisions in ADIs took place in the last decade. To this end, it is replicated the model study of authors Pogrebinschi (2011) and Vianna et al. (1999, 2007), in a time frame between the years 2010 and 2019, to understand whether, after a decade of the studies by the aforementioned authors, there was a change in the standard of judgment of the STF in relation to ADIs. The conclusion is that, in spite of the fact that the STF acted with restraint, the ministers were not restrained.
Democratic constitutionalism; Judicial Power; Brazilian Federal Supreme Court; Direct Actions of Unconstitutionality; judgment on political decisions
Introdução
Em 31 de dezembro de 2019, o site do Supremo Tribunal Federal (STF) publicou uma reportagem sob o título: “Julgamentos de impacto social, político e econômico marcaram pauta do STF em 2019” (STF, 2019SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Julgamentos de impacto social, político e econômico marcaram pauta do STF em 2019. 31 dez. 2019. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=433939. Acesso em: 11 mar. 2022.
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). Assuntos como a vedação à prisão automática após condenação em segunda instância, a ilegitimidade do trabalho insalubre de gestantes, a constitucionalidade do decreto de indulto natalino de 2017, entre outros, foram alguns temas de repercussão política decididos pelo STF. Muitos observam os julgamentos desses casos polêmicos e concluem que o Supremo tem adotado uma posição de ampla interferência nos assuntos políticos.
Porém, três estudos (POGREBINSCHI, 2011POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.; VIANNA et al., 1999VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.; VIANNA, BURGOS e SALLES, 2007) debruçaram-se sobre a forma como o STF responde às ações que incidem sobre decisões políticas prévias e contestaram tal conclusão. Essas análises fizeram uso dos dados das ações de controle concentrado direto e abstrato, com especial destaque às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), em recortes temporais que abrangem o intervalo de tempo de 1988 a 2010, e concluíram que o STF é comedido em suas decisões em controle de constitucionalidade, agindo de maneira responsiva e autocontida às demandas dos legitimados constitucionais.
Os textos desses autores, em geral, consideram que, devido ao desenho constitucional democrático brasileiro, os legitimados da Constituição Federal de 1988 (CF/88) em controle concentrado de constitucionalidade ao acionarem o STF reforçam o regime democrático. Para tanto, os escritores consideraram o quantitativo de ações impetradas pelos interessados, distribuídas e efetivamente julgadas, e concluíram que o Supremo é comedido em não retirar do sistema jurídico as normas legislativas e os atos de governo aprovados pelos outros Poderes.
Contudo, os estudos desses autores aglutinaram as formas de decisão do STF, isto é, não distinguiram o quantum de ações julgadas de forma colegiada e o quantum de ações julgadas de maneira monocrática. Apesar de vários estudos seguintes reafirmarem essa autocontenção do STF em interferir pouco nas decisões dos outros Poderes, alguns autores têm apontado, mais recentemente, a necessidade de se observar o padrão decisório do Supremo e quais os aspectos e institutos informais utilizados pelos ministros para interferirem nas decisões do Tribunal.
Com efeito, alguns estudos (ARGUELHES e RIBEIRO, 2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015., 2016ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Criatura e/ou Criador: transformações do Supremo Tribunal federal sob a Constituição de 1988. Revista Direito GV, v. 12, n. 2, p. 405-440, 2016. e 2018) sobre o STF têm sugerido, mais recentemente, que alguns institutos internos ao Supremo permitem que os ministros, individualmente, atuem interferindo em pautas e debates políticos por meio de decisões monocráticas. Isto é, tem-se sugerido que os ministros têm atuado no sentido de interferir em decisões sobre questões políticas, formando uma ministrocracia – governo dos ministros.
Parece necessário, nesse contexto, investigar como o Supremo decidiu as ADIs, impactando as decisões políticas prévias. A importância deste artigo está no fato de que busca retomar o estudo da forma como as decisões políticas têm sido julgadas pela Suprema Corte em sede de ADIs, replicando o modelo de estudo de Pogrebinschi e Vianna et al., em um recorte temporal entre os anos de 2010 e 2019. O que se busca é investigar, analiticamente, a maneira como o controle se deu, por meio das ADIs, sobre decisões políticas na última década.
Problematiza-se, dessa forma, qual o padrão de julgamento de decisões políticas adotado pelo STF, em sede de ADIs, entre 2010 e 2019. Assim, o presente artigo visa estudar a atuação da Suprema Corte nos julgamentos de ADIs analisando se a postura da Corte e dos ministros, individualmente, foi comedida ou não.
Propõe-se um estudo da variável ADI por dois motivos. Primeiro, essas ações permitem que alguns legitimados constitucionais questionem no STF normas legislativas e atos governamentais. O Supremo pode declarar a inconstitucionalidade de tais atos aprovados democraticamente, retirando-os do sistema jurídico político brasileiro. Ademais, essas ações representam a ampla maioria das ações de controle de constitucionalidade impetradas no STF entre os anos de 2010 e 2019. Elas representaram 78,63% das ações autuadas em controle abstrato e direto e 88,06% dessas ações com julgamento final no período.
Os dados analisados encontram-se disponíveis no site do STF.1 A partir da obtenção deles, foram consideradas as ADIs com julgamentos finais entre 2010 e 2019. Foram observados, nas ações julgadas, o quantitativo de requerentes, a origem e o tipo das normas, e a matéria questionada. No tratamento dos dados, foi proposto o uso de instrumentos de estatística descritiva, a saber, medidas de tendência central (média e mediana), de dispersão (desvio-padrão) e de posição (distribuição de frequência relativa), a fim de melhor compreender e interpretar o fenômeno.
Nesse sentido, este artigo propõe também uma revisão da literatura, apontando as interpretações sobre os julgamentos de decisões políticas pelo Supremo. Considerar-se-á o que tem sido debatido sobre as decisões do STF de forma colegiada e monocrática, como também o uso de eventuais instrumentos pelos ministros para influenciar as decisões com impacto político. Essa revisão bibliográfica possibilitará a problematização e interpretação dos dados das decisões do STF em sede de ADIs, entre 2010 e 2019, com eventuais conclusões sobre o comedimento decisório do Supremo.
O objetivo é analisar o padrão de julgamento sobre decisões políticas pelo STF, entre os anos de 2010 e 2019, ajuizadas por meio de ADIs, discutindo se houve ou não uma atuação comedida da Corte e dos ministros. A principal hipótese deste estudo é a de que não houve alteração substancial no padrão de deslocamento de decisões políticas para o STF.
Primeiro, estudar-se-ão as principais discussões e conclusões da literatura política sobre o padrão de julgamento de decisões políticas pelo STF. Perceber-se-á que os autores têm diferentes enfoques sobre esse objeto de estudo. Enquanto alguns interpretam que o Supremo atua de forma comedida ao julgar ações de controle concentrado, evitando revisar decisões políticas, outros indicam que, nos últimos anos, os ministros individualmente têm se utilizado de institutos e instrumentos para expandir o impacto de suas decisões no âmbito político.
No tópico subsequente, analisar-se-á o quantitativo de ADIs julgadas entre os anos de 2010 e 2019. Os dados derivados das estatísticas do STF permitem um estudo da forma como o Supremo se comportou ao julgar essas ações. A partir das conclusões sobre os dados coletados e das discussões bibliográficas da literatura política sobre o comportamento do STF, buscar-se-á extrair algumas conclusões sobre qual o padrão de julgamento de decisões políticas pelo Supremo, em sede de ADIs, entre os anos de 2010 e 2019.
1. Um STF comedido em decisões políticas
Nos anos 1990, Pacheco (2018)PACHECO, Cristina Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Curitiba: Appris, 2018. estudou o comportamento dos atores políticos e do STF no período do primeiro mandato (1995-1998) de Fernando Henrique Cardoso (FHC). À época, a presidência do governo FHC dispunha de ampla popularidade após o Plano Real em um contexto de defesa global da necessidade de livre mercado. O presidente propôs-se a realizar mudanças constitucionais e infraconstitucionais a fim de viabilizar a abertura da economia, a reforma do serviço público, a ampliação das políticas previdenciárias e maior rigor no controle fiscal.
Nesse cenário, Pacheco (2018)PACHECO, Cristina Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Curitiba: Appris, 2018. explica que o Supremo foi acionado inúmeras vezes ao longo dos processos de reformas governamentais por aqueles que visavam barrá-las ou alterá-las. A partir disso, a autora ofereceu-se para estudar o sentido político dos julgamentos do STF no período histórico analisado. Para tanto, a escritora analisou 513 ADIs no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Suas hipóteses eram de que a) as decisões que de fato interferiam no processo político eram poucas, b) a Corte, quando decidia, priorizava os casos de baixa relevância nacional e pouco impacto territorial, e c) o STF, em geral, apoiara a coalização majoritária em prol das reformas estatais.
A autora conclui que o Supremo brasileiro, apesar de ser um importante ponto de veto político, agiu na época considerada apoiando as reformas liberalizantes do governo Executivo ao rejeitar pedidos de declaração de inconstitucionalidade de atos governamentais e ao não julgar a maioria das ADIs protocoladas. E afirma que
[o] sentido político das decisões do Supremo foi o de apoiar as instâncias representativas e o processo decisório, facilitar o andamento das reformas e de evitar interpretações do conteúdo da Constituição que bloqueassem a conformação do Estado que emergia daquele processo. (PACHECO, 2018PACHECO, Cristina Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Curitiba: Appris, 2018., p. 116)
Para Pacheco (2018)PACHECO, Cristina Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Curitiba: Appris, 2018., o STF deu suporte ao processo político e à sua orientação reformista do Estado. Em geral, a Corte mostrou-se coesa, isto é, as decisões tiveram poucas divergências. A maioria das ações foi arquivada por motivos processuais, sem julgamento de mérito. As decisões de mérito, de forma geral, debruçaram-se em questões de pequena relevância nacional e baixo impacto territorial. E as decisões que vetaram medidas do Executivo eram relativas, em termos gerais, à burocracia estatal, ou seja, temas da administração pública. Em suma, a Corte usou “nos casos de controle de constitucionalidade, de um leque de estratégias decisórias informais que garantem a ela um espaço de manobra em relação aos demais poderes, pouco acionando seu poder de veto constitucional” (PACHECO, 2018PACHECO, Cristina Carvalho. O Supremo Tribunal Federal e a Reforma do Estado: uma análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Curitiba: Appris, 2018., p. 253). Assim, parece que o Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão colegiado, na década de 1990, agiu em um sentido comedido no julgamento de decisões políticas.
Já nos anos 2000, Carvalho (2009)CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Judicialização da política no Brasil: controlo de constitucionalidade e racionalidade política. Análise Social, v. 44, n. 191, p. 315-335, 2009. propõe-se a estudar se o STF tem protagonizado um processo sistemático de interferência em decisões políticas. Para tanto, o autor analisa as ADIs que possuem a legislação federal como objeto jurídico. Carvalho analisa 1.073 ações, entre 1988 e 2002. Seu objetivo é compreender o fenômeno do deslocamento das decisões políticas para o Supremo a partir das consequências da revisão abstrata da legislação.
Seu estudo indica que o STF tende a rever com maior frequência a legislação que tem como foco temático a administração da justiça. Além disso, os dados apontam que o Procurador Geral da República foi o maior parceiro nesse processo de revisão de decisões políticas no campo da administração judicial, obtendo a maior taxa de sucesso entre os requerentes.
Carvalho (2009)CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Judicialização da política no Brasil: controlo de constitucionalidade e racionalidade política. Análise Social, v. 44, n. 191, p. 315-335, 2009. entende que não houve participação crescente do STF no mundo político no âmbito da revisão abstrata da legislação no contexto federal. Em geral, no período analisado, o STF atuou mais na revisão de matéria de administração da justiça, em atendimento à considerável parte dos pedidos do procurador-geral da República. E conclui que
[a] estratégia de julgamento do Supremo Tribunal Federal obedeceu a uma lógica de selectividade [sic] e especificidade. Por outras palavras, foi selectivo [sic] na escolha do parceiro e foi específico no tema que estava disposto a regular. [...] a tese de que o Supremo Tribunal Federal, com base na revisão abstracta [sic] da legislação, vinha assumindo papéis importantes no processo decisório fica seriamente comprometida. (CARVALHO, 2009CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Judicialização da política no Brasil: controlo de constitucionalidade e racionalidade política. Análise Social, v. 44, n. 191, p. 315-335, 2009., p. 334-335)
Ocorre que, alguns anos depois do artigo de 2009, outro estudo de Carvalho em parceria com Barbosa (2016CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Leon Victor de Queiroz. Ativismo judicial: entre o mito e a juristocracia velada. Revista Política Hoje, v. 25, n. 2, p. 7-20, 2016.) defendeu que o STF brasileiro, quantitativamente, não tem buscado maximizar sua atuação na revisão judicial, apesar de que, em termos qualitativos, o STF tem decidido questões-chave, antigamente decididas pelo Legislativo. Para os autores, o Supremo não fez um exercício suficiente de limitação de sua atuação, permitindo-se interferir em várias decisões políticas nacionais, ainda que, como órgão de cúpula, a Corte não busque maximizar sua atuação na revisão judicial.
Com efeito, entre os estudos que entendem que o STF tem assumido uma postura comedida na revisão de decisões políticas, talvez o de maior destaque seja o de Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., devido à abrangência de sua análise. A autora considera as 4.574 ações do controle constitucional abstrato protocoladas no STF no período de 1988 a 2009. E também observa como a Corte as julgou, comparando-as aos dados e aos conteúdos das normas aprovadas pelo Legislativo.
Por meio de vários critérios, Pogrebinschi chega ao universo de 810 ADIs e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) efetivamente julgadas procedentes ou procedentes em parte. Ao discutir os dados, a autora critica a tese de que há ampla judicialização da política, porque o Congresso Nacional não cumpre seu papel de legislador. Ela chama essa leitura de falso silogismo da judicialização e diz que é necessário olhar para além dos dados de ações impetradas no STF, sendo preciso considerar os resultados das ações efetivamente decididas.
Pogrebinschi sugere que o STF adotou uma postura contramajoritária comedida em suas decisões sobre as leis promulgadas e que o Legislativo brasileiro não se furtou no exercício de legislar. A escritora apresenta que de 12.749 normas promulgadas pelo Congresso de 1989 a 2009, o STF declarou inconstitucionais apenas 46 (37 Leis Ordinárias, 4 Leis Complementares e 5 emendas à Constituição), resultando em 0,36% do total de normas. A autora conclui que, no período analisado, apenas um número pequeno de leis foi efetivamente julgado no mérito e declarado inconstitucional. E sugere que
[d]esde 1988 o STF vem exercendo sua função contramajoritária de modo bastante parcimonioso e, mais do que isso, vem contribuindo, no exercício do controle de constitucionalidade, para o fortalecimento da vontade majoritária expressa pelas instituições representativas, isto é, pelos poderes Legislativo e Executivo. (POGREBINSCHI, 2011POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., p. 9)
A partir disso, Pogrebinschi argumenta que a judicialização da política brasileira reforça a representação. Em primeiro lugar, o STF não age sistematicamente de forma contramajoritária, de forma que são poucas as decisões que declaram a inconstitucionalidade de leis e atos normativos promulgados pelo Congresso Nacional. Em segundo lugar, o STF reforça a vontade da maioria expressa no Poder Legislativo Federal ao decidir preliminarmente como improcedentes a maioria das ações de controle de constitucionalidade.
Ademais, o STF não se coloca no vácuo normativo deixado pelo Poder Legislativo nem enfraquece este último ao sobrepor suas decisões à vontade majoritária expressa pelo Parlamento, de maneira que as decisões de procedência de controle de constitucionalidade são respondidas pelo Congresso Nacional por novas normas naqueles temas declarados inconstitucionais.
A autora sustenta, ainda, que o STF impulsiona a agenda do Congresso Nacional a legislar sobre matérias específicas até então não legisladas, e nota, pelos dados, que o STF não age de forma sistemática no sentido favorável ou desfavorável a nenhuma coalização majoritária formada no Congresso. Por fim, o STF, no julgamento das decisões procedentes e procedentes em parte, utiliza-se dos expedientes de interpretação conforme a Constituição, declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e modulação dos efeitos da decisão que preservam o trabalho do Legislativo, ainda que limite os efeitos de suas decisões. Assim, defende a autora,
[o] STF, longe de ameaçar a expressão da vontade majoritária e enfraquecer o Congresso Nacional, revalida aquela e impulsiona este, contribuindo, assim, à chamada judicialização para o fortalecimento da representação política e para o revigoramento da democracia representativa no Brasil. (POGREBINSCHI, 2011POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., p. 13)
Portanto, pelo estudo de Pogrebinschi, a atitude do STF no período analisado parece ser de exercer moderadamente seu poder contramajoritário, colocando-se como deferente às decisões dos órgãos representativos. Faltam-lhe, porém, considerações sobre as decisões monocráticas no período analisado. Considerar apenas as decisões do STF de forma colegiada pode resultar em uma percepção parcial sobre o modo como a Corte lida com decisões políticas.
Outra literatura amplamente citada sobre o estudo do deslocamento de decisões políticas é a de Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. e Vianna, Burgos e Salles (2007). No estudo de 1999, os autores consideraram as ADIs protocoladas e decididas entre 1988 e 1998, totalizando 1.935 ações. Já na análise de 2007, os autores debruçaram-se sobre 1.713 ADIs propostas entre 1999 e 2005. As duas análises, somadas, resultaram em um estudo de 3.648 ADIs, protocoladas entre 1988 e 2005. O objetivo dos dois estudos foi compreender o padrão de judicialização da política. O método utilizado foi organizar e classificar, conforme a origem, os requerentes, os requeridos, as normas questionadas, os ramos do Direito, a fundamentação constitucional e o resultado das liminares.
Perceberam que a ampla maioria das ações protocoladas trata do ramo do Direito Administrativo, sendo o Ministério Público (MP) e os governadores os mais atuantes requerentes no processo de judicialização. Os escritores entenderam que o STF tem sido muito parcimonioso em suas decisões, assumindo um papel, diante das pressões democráticas, comedido na anulação de normas ou atos dos outros Poderes, agindo como um Conselho de Estado e um agente institucional estratégico de governo.
Os autores apontam que o deslocamento do Judiciário brasileiro ocorre por uma série de fatores institucionais e sociais, não sendo resultado de uma ambição de poder dos juízes. O estudo sugere que essas ações são usadas na defesa de minorias, na busca de direitos sociais e como recurso estratégico da oposição para controlar a situação. A própria legislação elaborada pelos representantes eleitos passa a possibilitar novos mecanismos de representatividade por meio do Judiciário, por exemplo, por meio de juizados de pequenas causas, novos instrumentos processuais de acesso à justiça, novos direitos para as crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência física. O juiz torna-se, sob o aval do desenho institucional republicano e democrático, um agente da questão social.
Portanto, para Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. e Vianna, Burgos e Salles (2007)VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social, v. 19, n. 2, p. 39-85, 2007., o desenho democrático constitucional contribui amplamente para a expansão e consolidação do fenômeno da judicialização da política. Para eles, esse fenômeno é positivo por avizinhar a estrutura judicial das demandas populacionais, sendo importante que o juiz se torne protagonista das questões sociais.
O Quadro 1, a seguir, apresenta uma sinopse da literatura de um STF comedido.
Em suma, parte da literatura parece coadunar no sentido de que o STF tem exercido um papel comedido no que toca à revisão de decisões políticas. Porém, outros autores mais recentemente têm apontado que os ministros do Supremo têm agido individualmente no sentido de gerar impactos políticos.
2. Os ministros do STF em decisões políticas
Ainda nos anos 2000, Vieira (2008)VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 441-464, 2008. sugeria que o Brasil dispunha de uma supremocracia, a saber, o Supremo tinha maior autoridade na comparação com as demais instâncias do Judiciário, podendo governá-las jurisdicionalmente, e expandia sua autoridade em detrimento dos demais poderes. Para o autor, a extensão do texto constitucional de 1988 e a concentração de poderes na esfera de jurisdição do STF desequilibrava o sistema de separação de poderes no Brasil.
O protagonismo do STF em questões-chave ampliava sua interpretação por meio de princípios gerais, e, consequentemente, aumentava seu poder. E, dessa maneira, o STF não apenas protegia as normas constitucionais, mas criava novas. Assim,
[a] ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos, outras vezes substituindo as escolhas majoritárias. Se esta é uma atribuição comum a outros tribunais constitucionais ao redor do mundo, a distinção do Supremo é de escala e de natureza. Escala pela quantidade de temas que, no Brasil, têm natureza constitucional e são reconhecidas pela doutrina como passíveis de judicialização; de natureza, pelo fato de não haver qualquer obstáculo para que o Supremo aprecie atos do poder constituinte reformador. (VIEIRA, 2008VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 441-464, 2008., p. 445)
O Supremo brasileiro serve de tribunal constitucional (analisa a constitucionalidade das leis e dos atos normativos), é um foro especializado para julgar altas autoridades e causas políticas, e é um tribunal de apelação ou última instância para alguns casos. Para ele, essa supremocracia poderia significar uma contribuição no fortalecimento do Estado de Direito, como também poderia ser um sinal de fragilidade do sistema representativo.
Dez anos depois da publicação de seu artigo seminal, Vieira (2018)VIEIRA, Oscar Vilhena. A batalha dos poderes: da transição democrática ao mal-estar constitucional. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. sugere que o STF, no percurso das últimas três décadas, partiu de uma postura omissa, passou por um comportamento deferente e avançou para uma postura responsiva. E, especialmente, a partir de 2013, o STF tem tomado decisões usurpadoras. E conclui que a supremocracia
[d]ecorre da associação entre o modelo constitucional adotado em 1988, a arquitetura institucional da corte, mas também da postura assumida pelos próprios ministros do STF. A supremocracia encontra-se em evidente tensão com concepções majoritárias da democracia, em que a última palavra sobre temas relevantes à sociedade deve ficar reservada à vontade da maioria. (VIEIRA, 2018VIEIRA, Oscar Vilhena. A batalha dos poderes: da transição democrática ao mal-estar constitucional. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 209-210, grifo nosso)
Importante notar que a análise de Vieira se dá sobre decisões colegiadas, necessitando-se de um estudo mais específico nas decisões monocráticas. Nesse sentido, Verissimo (2008)VERISSIMO, Marcos Paulo. A constituição de 1988, vinte anos depois: Suprema Corte e ativismo judicial “à brasileira”. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 407-440, 2008., ao analisar o quantum de decisões do Supremo em 20 anos de jurisprudência, percebeu, pelo número de acórdãos publicados, que a maioria dos processos decididos pelo STF não são de julgamentos colegiados, seja das Turmas ou do Pleno, mas sim resultado de julgamentos monocráticos. Em termos quantitativos, 88,20% dos processos julgados pelo STF não eram levados a julgamento colegiado, sendo objeto de julgamento monocrático. As decisões do Plenário representavam uma pequena minoria.
Ocorre que, em 2012, Oliveira publicou um estudo em que se dedicara a compreender o processo decisório do STF em ações de controle direto de constitucionalidade. Seu objeto era analisar o tribunal de forma colegiada, não individualmente. O período analisado data de 1999 a 2006. A autora mapeou os padrões de decisão do tribunal em ADIs e eventuais fatores que influenciaram os julgamentos. Observou que a composição da Corte e o perfil dos ministros significavam mudanças no padrão de julgamento. Porém, Oliveira (2012)OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Supremo relator: processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 89-115, 2012. notou que a variável determinante para o resultado final da decisão era o voto do relator, sendo algo que mereceria maior atenção, posto que um ministro poderia exercer grande impacto na decisão final do colegiado. A autora já se referia a esse fenômeno interno ao STF como Supremo Relator.
Os motivos sugeridos por Oliveira (2012)OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Supremo relator: processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, p. 89-115, 2012. para tal influência do voto do relator sobre a decisão final seriam as possíveis negociações nos bastidores da Corte, em que os relatores só colocariam em votação os temas em que acreditam ter maioria, ou talvez, o fato de que, devido à alta carga de processos no Supremo, os ministros decidam seguir o voto do relator para diminuir o custo argumentativo de uma decisão individual contrária.
Já em 2015, Hartmann e Ferreira estudaram o impacto do poder do ministro relator no STF. Utilizando-se de dados do Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas Direito Rio, concluíram que as decisões monocráticas de mérito e liminares dos relatores de processos do Supremo superaram em muito as decisões colegiadas, nas formas de controle concreto e concentrado. E concluíram que o STF não tem atuado como um Tribunal, mas sim como um conjunto de juízes individuais autônomos.
Nos recentes estudos de Arguelhes e Ribeiro, tem-se identificado que o volume substancial de decisões monocráticas tem impactado tanto o desenho institucional interno do Supremo quanto os cálculos políticos externos ao STF. Os autores (2015) buscaram mapear as decisões monocráticas da Corte Suprema a fim de compreender o impacto dos mecanismos de atuação dos ministros sobre o processo político. Os ministros usam de várias formas para participar e influenciar o processo decisório político sem passar pelo processo decisório interno do Tribunal. A participação individual dos magistrados, ainda que informal por não encontrar lastro em regras institucionais positivadas, pode ser apontada pelo menos de três formas.
Em primeiro lugar, alguns ministros antecipam suas posições na imprensa sobre os processos judiciais ou pautas políticas a fim de influenciar a decisão final dos atores envolvidos. Ademais, os magistrados podem pedir vista de forma discricionária de um processo em julgamento como controle individual da agenda de decisões. E esse pedido não sofre limitação institucional clara quanto à sua duração.2 Além dessas formas, os ministros podem usar decisões monocráticas para promover visões individuais – jurisprudência pessoal – ao decidir individualmente como se se tratasse de uma decisão colegiada que representa a posição da instituição.3
Nesse sentido, Arguelhes e Ribeiro (2015)ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015. falam de haver um Supremo Individual, pelo qual os ministros usam de artifícios para participar individualmente de decisões com repercussões políticas e tornam-se potenciais vetos políticos, especialmente em decisões liminares monocráticas em que os ministros atribuem ao STF decisões notadamente individuais.
Em outro texto, Arguelhes e Ribeiro (2016)ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Criatura e/ou Criador: transformações do Supremo Tribunal federal sob a Constituição de 1988. Revista Direito GV, v. 12, n. 2, p. 405-440, 2016. sustentam que a expansão do deslocamento de decisões políticas para o Judiciário não é fruto apenas do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição que atribui amplos poderes e autonomia ao STF, mas também de uma postura institucional dos ministros em decisões colegiadas e monocráticas de expandirem seus poderes. Os autores indicam que a prática institucional e as interpretações dos ministros do STF ajudaram na interferência do Judiciário para temas políticos, com novos poderes e novas competências. A escolha de casos, os temas escolhidos e o tempo de julgamento são discricionariamente estabelecidos pelos ministros do STF, resultando em vetos políticos.
Nesse contexto, em um artigo de coautoria entre Arguelhes e Hartmann (2017)ARGUELHES, Diego Werneck; HARTMANN, Ivar A. Timing Control without Docket Control: How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Court’s Agenda. Journal of Law and Courts, v. 5, n. 1, p. 105-140, 2017., estudou-se o uso do instituto de pedido de vista pelos ministros do STF. Os autores usaram dados de 1,5 milhão de casos para calcular a duração do pedido de vista. E concluíram que esse instituto é utilizado como um poder individual, ilimitado pelas regras internas da Corte, para remover ou controlar processos e matérias colocados na agenda de votação. Além disso, os autores sugerem que os pedidos de vista têm sido utilizados pelos ministros para propósitos estratégicos na espera da melhor composição ou melhor momento político para votação. Logo, modos informais de atraso da agenda de votação importam no STF.
A partir da investigação precedente, Arguelhes e Ribeiro (2018)ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 13-32, 2018. observam que o alto número de decisões monocráticas do STF indica o fenômeno da ministrocracia – governo judiciário por meio de decisões individuais dos ministros, sem a participação do plenário ou até contra ele. Os ministros têm recursos discricionários e institucionais – possibilidade de manifestações públicas sobre futuras decisões, definição de agenda pelo presidente da Corte, concessão de liminares pelo relator de um processo, impedimento pelo relator de levar o processo a julgamento, pedido de vista de ação em julgamento – para evitar, ignorar ou impedir as decisões do Plenário, configurando um modelo de contramajoritarismo interno.4
A decisão monocrática torna-se duplamente contramajoritária – contra a maioria da legislatura e contra a maioria judicial interna do órgão. Esse tipo de judicial review individual indica que a decisão do ministro vincula as decisões constitucionais ao entendimento de juízes que não refletem a posição do colegiado. Nessa configuração,
[o] uso de poderes depende muito mais da virtude individual do que de mecanismos institucionais de controle. E, enquanto o plenário não se pronuncia sobre essas ações individuais mais ou menos virtuosas, ministros solitários mudam o status quo e moldam a política nacional. (ARGUELHES e RIBEIRO, 2018ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 13-32, 2018., p. 27)
Em suma, Arguelhes e Ribeiro sugerem que o volume substancial de decisões monocráticas tem impactado tanto o desenho institucional interno do Supremo quanto os cálculos políticos externos ao STF. Em diálogo com as conclusões desses autores, Silva (2018)SILVA, Jeferson Mariano. Mapeando o Supremo: as posições dos ministros do STF na jurisdição constitucional (2012-2017). Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 35-54, 2018., que mapeia o Supremo por meio de estimação de pontos ideais para cada ministro nos julgamentos de ADIs, entre 2012 e 2017, sustenta que os ministros não têm aumentado as divergências dos votos entre si.
Para Silva, as principais divergências entre os ministros ocorrem sobre a organização da federação e sobre os poderes em nível estadual. Apesar do aumento no número de decisões monocráticas, o referido autor entende que essa fragmentação se baseia em consensos prévios e estáveis que permitem a delegação, aos relatores, de poderes, de admissibilidade e até de mérito. Mesmo com uma leitura mais favorável ao padrão de julgamento dos ministros, Silva reconhece que a fragmentação do Tribunal possibilita a atuação individual e independente de acordos anteriores. Nesse ponto, decisões liminares monocráticas têm sido amplamente utilizadas para decisões individuais.
O Quadro 2, a seguir, apresenta a sinopse da literatura dos ministros não comedidos.
Em suma, enquanto parte da literatura sustenta que o STF tem atuado de forma comedida no julgamento de decisões políticas, outros autores têm salientado que os ministros do Supremo têm agido de forma individual, por meio de institutos internos ao órgão, para impactar em decisões com repercussão política. No próximo tópico, analisar-se-á o quantitativo de ADIs julgadas entre os anos de 2010 e 2019 para melhor compreensão do padrão de julgamento sobre decisões políticas pela Corte Suprema brasileira.
3. Uma análise empírica sobre as ADIs decididas pelo STF entre 2010 e 2019
Os dados da movimentação processual ocorrida no STF entre os anos de 2010 e 2019 indicam que a média anual de processos recebidos pela Corte foi de 84.272. Nesse período, o Supremo julgou de forma colegiada e monocrática 1.089.734, com uma média anual de 108.973 processos. Ademais, publicou anualmente uma média de 13.891 acórdãos (decisão tomada pelo tribunal de forma colegiada). De acordo com o Gráfico 1, do total de processos julgados, 86,84% foram de julgamentos monocráticos, enquanto 13,16% foram de forma colegiada.
Destaca-se que o número de acórdãos finais publicados pelo STF resultou em 96,85% das decisões colegiadas. É possível perceber que, conforme o Gráfico 2, que demonstra a série temporal da movimentação processual, o número de processos julgados monocraticamente acompanha o quantitativo de processos recebidos. E o número de acórdãos publicados acompanha o número de processos julgados de forma colegiada. Essa relação indica que a variação entre processos recebidos e julgados monocraticamente sugere uma preferência do órgão em decidir a maioria de seus processos monocraticamente.
Com isso, percebe-se ampla diferença entre o número de processos julgados de forma monocrática e o número de julgados pelo colegiado. Essa diferença pode indicar que, além das decisões colegiadas tomadas pelo Pleno ou pelas duas Turmas do STF, os 11 ministros têm grande poder decisório sobre uma ampla quantidade de processos recebidos pelo Supremo. Esses dados sugerem que, além da grande diferença entre os números de decisões colegiadas e monocráticas, há baixa padronização no quantitativo de decisões monocráticas comparado às colegiadas.
Quando se observam as decisões finais aos processos, percebe-se que elas representaram 79,86% do total, tendo, no período considerado, um desvio-padrão elevado (11.404), indicando alto grau de dispersão e pouca padronização do quantitativo de decisões finais. Conforme anteriormente demonstrado, a ampla maioria dessas decisões foi monocrática. As demais decisões são, em ampla medida, em recurso interno, totalizando 12,98%.
As decisões interlocutórias e liminares representaram menos de 3% cada. Vale destacar que, das decisões liminares, 99,45% foram tomadas de maneira monocrática, enquanto 0,55% pelo colegiado, e das decisões interlocutórias, 99,97% foram tomadas de maneira monocrática, enquanto 0,03% de forma colegiada. Assim, a maioria das decisões processuais do STF entre os anos de 2010 e 2019 foi tomada de forma monocrática e final, e quase todas as decisões liminares e interlocutórias foram tomadas monocraticamente.
Com efeito, o quantitativo de decisões tomadas pelo STF em sede de ADIs, entre 2010 e 2019, de forma colegiada e monocrática, já consideradas as dos presidentes do órgão, totalizou 4.466, das quais 69,28% foram monocráticas, enquanto as decisões colegiadas representaram 30,72% do total. O desvio-padrão foi alto nas duas formas de decisões (colegiadas, 106,7, monocráticas, 151,9), não se obedecendo a um padrão definido ou a uma constância estável.
Conforme ilustrado pelo Gráfico 3, a quantidade de decisões monocráticas dos ministros supera substancialmente o quantitativo de decisões colegiadas em sede de ADIs, o que pode indicar expressivo poder revisional individual dos ministros do Supremo sobre decisões políticas, gerando, consequentemente, efeitos políticos no desenho da democracia brasileira.
– Comparativo entre decisões colegiadas e monocráticas (incluídas as do presidente) em ADIs
Das 4.466 decisões do STF entre 2010 e 2019, em sede de ADIs, é preciso sublinhar e analisar as decisões finais tomadas pelo órgão, já que são elas que repercutem os efeitos a partir da declaração de (in)constitucionalidade sobre o processo político. No período analisado, o STF tomou 1.730 decisões finais em ADIs.
É preciso analisar tanto quem foram os requerentes dessas ações quanto a origem da norma julgada e sua matéria. Entre 2010 e 2019, foram 1.809 requerentes que obtiveram decisões finais de suas ações. O dado considera que há ações com mais de um requerente. Os cinco requerentes que mais conseguiram decisões finais – governadores, associações, Procuradoria-Geral da República (PGR), partidos políticos e confederações – sobre seus processos somam 1.622, representando 89,67% do total no período.
De acordo com o Gráfico 4, os governadores corresponderam a 22,39% do total de requerentes que tiveram decisões finais de seus processos em sede de ADIs, tendo uma média anual de 40,5 decisões obtidas. Isso indica que o STF decidiu mais sobre questões políticas referentes a demandas estaduais. Governadores buscam no STF defender seus objetivos ante a decisões legislativas das Assembleias estaduais ou decisões de outros Estados que possam impactar negativamente o seu ente.
As associações civis formam o segundo conjunto de requerentes que mais obtiveram decisões finais em sede de ADIs no período considerado. Foram 361 associações requerentes que conseguiram decisões sobre seus processos, o que representa 19,96% do total. Em seguida, o procurador-geral da República formou 18,74% do total de requerentes que lograram decisões finais em sede de ADIs.
O quarto grupo de requerentes que mais obteve decisões finais foi o de partidos políticos, representando 15,20% do total. Já as confederações formam o quinto grupo de requerentes que mais conseguiu decisões finais por meio de ADIs no STF. Somam 13,38% do total de requerentes, conseguindo, à semelhança das associações, exercer um controle político sobre governos e legislaturas por meio de ADIs.
É necessário analisar quais os tipos de normas questionadas sobre as quais o STF mais deliberou em sede de ADIs, entre 2010 e 2019. De 1.730 normas questionadas, 1.090 foram dispositivos ou leis de natureza estadual, sendo 63,01% do total. Já as normas questionadas de natureza federal somaram 472, representando 27,28% do total. Ademais, o maior grau de dispersão do quantitativo de normas em que se incidiu decisões foi em lei estadual (47,12), lei federal (17,28) e medida provisória federal (MPF) (11,68).
O Gráfico 5 sublinha que, das normas sobre as quais o STF exerceu mais controle por meio de ADIs, as leis estaduais representaram 39,71% do total, tendo uma média anual de análise de 68,7. Esse tipo de norma é seguido pelas leis federais, que representam 14,80% das decisões do STF. Em sequência, têm-se as leis complementares estaduais e os artigos de constituições estaduais representando, respectivamente, 8,5% e 8,27% do total de ações que obtiveram decisões finais em ADIs. E, ainda, as MPFs representaram 6,99% do total.
Dessa forma, as leis de origem estadual e os dispositivos das constituições dos Estados representaram 56,48% do total de normas decididas, enquanto as leis e as medidas de origem federal mais decididas representaram 21,79% do total de decisões. Isso sugere um grau de decisão significativamente maior em ações que tratam de decisões políticas estaduais do que federais.
É preciso destacar também o quantitativo de ADIs decididas por ramo do Direito. Conforme o Gráfico 6, as normas de Direito Administrativo e Direito Público representam 75,26% do total de normas sobre as quais o STF decidiu, enquanto as normas de Direito Tributário representam 11,33%. O desvio-padrão foi bastante significativo nesse primeiro ramo do Direito (87,92). Tais ramos do Direito, juntos, abrangem um total de 86,59% das ADIs decididas, totalizando 1.498 ações de 1.730. Dessa maneira, as decisões do STF em sede de ADIs representaram, na prática, ampla deliberação e intervenção em matérias de administração e organização do Estado e conflitos tributários.
Com efeito, ao se analisar as ADIs efetivamente decididas pelo Supremo entre 2010 e 2019, constata-se que os requerentes que mais obtiveram decisões foram os governadores e as associações, que a origem da norma objeto de pedido de inconstitucionalidade foi majoritariamente estadual, e que as matérias foram de natureza administrativa e tributária. Os dados indicam que essas decisões finais foram tomadas majoritariamente, considerando todo o período, de forma colegiada, sendo 52,02% do total de decisões. Porém, o quantum de decisões monocráticas foi relativamente próximo ao de colegiadas, sendo 47,98% do total.
O Gráfico 7 ajuda a perceber que, apesar de a quantidade de decisões monocráticas ter aumentado substancialmente de 2016 para 2017, estabilizou-se entre 2017 e 2019. Já as decisões colegiadas tiveram uma ampliação quantitativa substancial de 2017 para 2019. Isso sugere que o STF pode estar, internamente, priorizando suas decisões colegiadas em sede de ADIs.
É preciso, ainda, considerar as formas de decisões finais estabelecidas pelo STF em ADIs. As principais decisões que levaram o STF a declarar inconstitucionalidade de normas são aquelas compostas pelas categorias procedente e procedente em parte. As outras principais categorias, porém, implicam que o Supremo ou nem considerou o mérito – negado seguimento, prejudicado, não conhecido, extinto o processo – ou, ao considerar o mérito, julgou pela improcedência – improcedente.
O Gráfico 8 apresenta as principais decisões que efetivamente levaram o Supremo a declarar a inconstitucionalidade de normas – procedente e procedente em parte. Elas representam 37,46% do total, resultando em 648 decisões, isto é, um pouco mais de um terço das decisões foi no sentido de interferir nas decisões políticas. Destaca-se que o desvio-padrão das decisões procedentes foi bastante alto (38,41), indicando que o STF interfere mais em alguns anos em decisões políticas do que em outros.
Já o Gráfico 9 mostra as principais decisões do STF em sede de ADIs que não levaram à revisão judicial de decisões políticas entre 2010 e 2019. Essas decisões totalizam 60,92% do total de julgamentos finais, representando 1.054 ADIs. Nessas categorias, o Supremo declarou a improcedência do pedido, isto é, a constitucionalidade da norma questionada, ou nem julgou o mérito ao negar seguimento do processo, não o conhecer, extingui-lo ou julgá-lo prejudicado. O desvio-padrão das decisões improcedentes foi relativamente alto (23,56), indicando uma não padronização do STF na declaração pela constitucionalidade da norma ou ato.
No presente tópico foi discutida a forma das decisões do Supremo em sede de ADIs, entre 2010 e 2019. Partiu-se de como o Tribunal decide em seus processos em geral e em ações de controle concentrado para se analisar as decisões finais em ADIs. É possível apontar algumas conclusões:
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A ampla maioria das decisões do STF em seus processos em geral foram tomadas de forma monocrática, sejam decisões finais, sejam decisões liminares e interlocutórias, o que pode representar um amplo poder individual dos ministros.
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As decisões finais representaram a ampla maioria dos julgamentos nos processos. Porém, até a decisão final, os processos podem ter decisões liminares, interlocutórias, de sobrestamento, entre outras, que impactam o cálculo político dos interessados. A maioria dessas decisões é monocrática, sugerindo um amplo poder de veto dos ministros.
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Sobre as decisões finais em ADIs, a maioria delas foi dada em processos protocolados pelos governadores e associações, indicando maior interferência em assuntos políticos estaduais e associativos que federais, partidários e confederativos.
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Nas decisões finais em ADIs, as normas foram majoritariamente de origem estadual e de matéria de Direito Administrativo e Direito Tributário, o que sugere maior interferência nas decisões políticas administrativas e tributárias dos Estados que em âmbito federal.
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As decisões finais em ADIs foram majoritariamente colegiadas, ainda que o quantum de decisões monocráticas seja próximo. Nos últimos anos, houve aumento do número de decisões monocráticas, mas que se estabilizou, enquanto as decisões colegiadas têm aumentado. Talvez tal tendência se confirme com o passar do tempo.
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Nas decisões finais em ADIs, pouco mais de um terço causou declaração de inconstitucionalidade, enquanto a maioria manteve as normas questionadas. O quantitativo de 37,46% das decisões finais em sede de ADIs no período foi no sentido de revisar decisões políticas, o que não parece indicar uma substancial interferência do STF em decisões políticas por meio desse tipo de ação.
Portanto, a análise precedente dos dados das ADIs levou a algumas conclusões que, em geral, indicam haver certa preferência de o STF pautar e julgar ações que questionam normas de origem estadual e de matéria de Direito Público. Ademais, os dados sugeriram, nos processos julgados pelo Supremo, alto número de decisões internas aos processos tomadas de forma monocrática.
Por sua vez, houve, no caso das ADIs com julgamento final, certa proporcionalidade entre aquelas decididas de forma colegiada e aquelas de maneira monocrática, entre os anos de 2010 e 2019. Esses dados precisam ser interpretados à luz das discussões teóricas sobre o comportamento do STF.
Considerações finais
O problema inicial do presente artigo foi: qual o padrão de julgamento sobre decisões políticas adotado pelo STF, em sede de ADIs, entre os anos de 2010 e 2019? Em primeiro lugar, o Supremo atribuiu decisões finais, em sua maioria, aos processos protocolados pelos governadores e associações, interferindo mais em assuntos políticos estaduais e associativos do que federais, partidários e confederativos. Nesse sentido, continua válida a conclusão de Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. e de Vianna, Burgos e Salles (2007) de perceber que o STF se preocupa em enfrentar mais as decisões políticas provenientes dos Estados e das associações do que dos entes federais.
Em segundo lugar, entre 2010 e 2019, a maioria dos julgamentos finais em ADIs dizia respeito a questões estaduais e de administração do Estado. Dessa forma, a constatação de Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. e de Vianna, Burgos e Salles (2007) ainda parece válida no sentido de o STF agir como um Conselho de Estado, um Tribunal Administrativo em questões burocráticas e corporativas.
Em terceiro lugar, o STF decidiu, na maioria das vezes, no intervalo de 2010 a 2019, de maneira monocrática e final nos processos recebidos. A ampla maioria das decisões internas às ADIs foi tomada monocraticamente. Essa configuração sugere potencial poder de veto dos ministros, individualmente, nas decisões do Supremo como órgão, gerando impacto no âmbito político. Somam-se a isso as indicações dos estudos de Arguelhes e Ribeiro (2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015. e 2018) e Arguelhes e Hartmann (2017)ARGUELHES, Diego Werneck; HARTMANN, Ivar A. Timing Control without Docket Control: How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Court’s Agenda. Journal of Law and Courts, v. 5, n. 1, p. 105-140, 2017. no sentido de que os ministros do STF na última década atuaram fazendo uso de decisões individuais para impactar decisões políticas.
Em quarto lugar, entre 2010 e 2019, apesar de a maioria das decisões interlocutórias em ADIs terem sido monocráticas, as decisões finais nessas ações foram majoritariamente colegiadas. Foi possível observar uma tendência nos últimos anos de ampliação do quantitativo de processos julgados pelo colegiado, aprimorando o processo de legitimação das decisões do Supremo sobre questões políticas em ADIs.
Por fim, a maioria das decisões finais em ADIs, entre 2010 e 2019, foi no sentido de nem avaliar o mérito das ações. Apenas pouco mais de um terço dos julgamentos impactou efetivamente as decisões políticas, declarando sua inconstitucionalidade total ou parcial. Nesse ponto, a conclusão de Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. de que o STF atua em sede de ADIs decidindo de forma comedida continua válida uma década depois de seu estudo.
Ainda assim, a demonstração de que a maioria das decisões internas aos processos de ADIs foi monocrática, e de que os ministros se utilizam de institutos internos com impacto político, pode sugerir amplo poder individual dos ministros, como apontado pelas análises de Arguelhes e Ribeiro (2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015. e 2018) e Arguelhes e Hartmann (2017)ARGUELHES, Diego Werneck; HARTMANN, Ivar A. Timing Control without Docket Control: How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Court’s Agenda. Journal of Law and Courts, v. 5, n. 1, p. 105-140, 2017.. Nesse sentido, os ministros, individualmente, não foram comedidos em sua atuação.
Portanto, parece que, mais de uma década depois dos estudos de Vianna et al. (1999)VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999., de Vianna, Burgos e Salles (2007) e de Pogrebinschi (2011)POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou representação? Política, direito e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., o padrão de julgamento sobre decisões políticas pelo STF em sede de ADIs continua semelhante. Por outro lado, a maioria das decisões internas às ADIs foi monocrática, ainda que as decisões finais tenham sido majoritariamente colegiadas entre 2010 e 2019. Os estudos de Arguelhes e Ribeiro (2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015. e 2018) e Arguelhes e Hartmann (2017)ARGUELHES, Diego Werneck; HARTMANN, Ivar A. Timing Control without Docket Control: How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Court’s Agenda. Journal of Law and Courts, v. 5, n. 1, p. 105-140, 2017. contribuem ao observar aspectos institucionais internos ao STF que possibilitam maior e substancial grau de interferência em decisões políticas pelos ministros da Corte, de maneira individual, por meio de ADIs, entre os anos de 2010 e 2019.
Referências
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Arguelhes e Ribeiro (2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015., p. 136-137) apontam que “nos termos do Regimento Interno do STF, os pedidos de vista sempre foram sujeitos a um prazo certo e, embora a regra tenha sofrido muitas alterações desde 1988, esse prazo nunca foi superior a 30 dias. O Regimento Interno, porém, não dá conta de como funcionam os pedidos de vista na prática. É o que indica o Relatório ‘O Supremo e o Tempo’, elaborado a partir do banco de dados do projeto Supremo em Números na FGV Direito Rio. De outubro de 1988 a dezembro de 2013, houve 2.987 pedidos de vista no STF, relativos a 2.226 processos. Os autores do estudo observam que, desse conjunto de pedidos, 124 ainda não tinham sido devolvidos até 31 de dezembro de 2013. Dentre os já devolvidos, a duração média era de 349 dias, e apenas cerca de 20% ficaram dentro do prazo regimental. Dentre os não-devolvidos, apenas 5.3% ficaram dentro do prazo, sendo a média nesse caso de 1095 dias. Nos dois grupos de casos, devolvidos e ainda em andamento, é possível encontrar dezenas de processos que ficaram ‘em vista’ por milhares de dias, quase chegando, portanto, a uma década de duração”.
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Segundo Arguelhes e Ribeiro (2015ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. O Supremo Individual: mecanismos de atuação direta dos ministros sobre o processo político. Direito, Estado e Sociedade, n. 46, p. 121-155, 2015., p. 139), “em casos em que não há nada sendo objetivamente decidido, o Ministro faz uso de sua liberdade para construir a fundamentação da decisão como quiser visando (i) anunciar teses jurídicas potencialmente controvertidas e (ii) tratar teses já anunciadas em decisões monocráticas passadas como ‘jurisprudência’ ou ‘precedente’ do STF. Tudo isso sem qualquer tipo de mediação pelo processo decisório colegiado”.
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Arguelhes e Ribeiro (2018ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 13-32, 2018., p. 21) explicam que “na prática, portanto, para que possa haver uma decisão, é preciso que: 1. o relator libere o caso; 2. o presidente inclua o caso em pauta; e 3. nenhum dos outros ministros decida pedir vista para impedir a conclusão do julgamento. Cada um desses diferentes mecanismos de poder de agenda é, na prática ainda que não na teoria, discricionário”.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Abr 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
19 Jul 2020 -
Aceito
20 Jan 2022