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Amplitude e velocidade dos movimentos mastigatórios em indivíduos laringectomizados totais Como citar este artigo: Pinheiro PF Jr, Albuquerque LCA, Lima-Silva CL, Silva NF, Cunha DA, Silva HJ. Amplitude and speed of masticatory movements in total laryngectomy patients. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:138-45

Resumos

Introdução:

A laringectomia é um procedimento que objetiva a retirada do osso hiode, da laringe e seus músculos, e, com isso acredita-se que ocorra uma desestabilização do eixo hiódeo-mandibular, com consequente alteração na mastigação.

Objetivo:

Caracterizar a amplitude e a velocidade mastigatória em laringectomizados e compará-las com dois grupos de indivíduos não laringectomizados, de acordo com a faixa etária.

Método:

Participaram do estudo 72 voluntários, que foram divididos em três grupos: (A) 32 voluntários, não laringectomizados com idade média de 22,3 anos, sendo 17 do sexo feminino; (B) c20 voluntários não laringectomizados, idade média de 53,2 anos, dos quais 10 eram do sexo feminino; e (C) 20 voluntários submetidos à laringectomia total, idade média de 61,5 anos, sendo um do sexo feminino. Para a avaliação foi utilizada a eletrognatografia, que é um método objetivo e não invasivo que rastreia e mensura milimetricamente os movimentos mandibulares.

Resultados:

Foram encontradas grandes diferenças entre os grupos A e C na velocidade e amplitude mastigatória, e essas diferenças foram significativas.

Conclusão:

Fatores etários, adaptativos e compensatórios parecem explicar melhor as alterações mastigatórias do que fatores relacionados à laringectomia total.

Eletrofisiologia; Idoso; Reabilitação


Introdution:

Laryngectomy is a surgical procedure that aims to remove the hyoid bone and the larynx and its muscles; it is inferred that a destabilization of the hyoid-mandibular axis will occur, consequently changing chewing.

Objective:

To characterize the amplitude and speed of chewing in laryngectomies and to compare them with two groups of non-laryngectomized individuals differentiated by age.

Method:

72 volunteers were divided into three groups: (A) 32 volunteers, mean age 22.3 years, 17 females; (B) 20 volunteers, mean age 53.2 years, 10 females, and (C) 20 volunteers who underwent total laryngectomy, mean age 61.5 years, one female. Electrognathography, a method that tracks and measures millimeter jaw movements, was used for evaluation.

Results:

Significant diferences were observed between groups A and C in masticatory amplitude and speed.

Conlcusion:

Age, and adaptive and compensatory changes appear to explain chewing better than factors related to total laryngectomy.

Electrophysiology; Rehabilitation; Aged


Introdução

A laringectomia total é um método de tratamento cirúrgico de câncer de laringe. O procedimento é caracterizado pela remoção total da laringe, da base da língua à traqueia, incluindo o osso hioide e o espaço pré-epiglótico,1Silva LSL, Pinto MH, Zago MMF. Assistência de enfermagem ao laringectomizado no período pós-operatório. Rev Bras Cancerol. 2002;48:213-21.

Genden EM, Ferlito A, Silver CE, Jacobson AS, Werner JA, Suarez C, et al. Evolution of the management of laryngeal cancer. Oral Oncol. 2007;43:431-9.
-3INCA, Câncer de Laringe. [cited 28 March 2010]. Available from: www.inca.gov.br.
www.inca.gov.br...
levando a inutilização de vários sistemas e a consequente alteração de suas características funcionais, como no sistema estomatognático.4Noronha MJR, Dias FL. Epidemiologia - etiopatogenia e fatores etiológicos do câncer da laringe - potencial para quimioprevenção. In: Noronha MJR, Dias FL, editors. Câncer da laringe: uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: Livraria Editora Revinter; 1997. p. 4-7.,5Hannickel S, Zago MMF, Bandeira CBS, Sawada NO. O comportamento dos laringectomizados frente a imagem corporal. Rev Bras Cancerol. 2002;48:333-9.

A inutilização entre as regiões supra e infra-hióideas que ligam a mandíbula, o osso hioide, o esterno e a clavícula6Noronha MJR. Tumores malignos da laringe. In: Brandão LG, Ferraz AR. Cirurgia de cabeça e pescoço. São Paulo: Editora Roca; 1989.,2Genden EM, Ferlito A, Silver CE, Jacobson AS, Werner JA, Suarez C, et al. Evolution of the management of laryngeal cancer. Oral Oncol. 2007;43:431-9. interfere diretamente no funcionamento do sistema estomatognático, levando o paciente a desenvolver parafunções neuromusculares compensatórias com as estruturas musculares restantes.7Santos J Jr. Oclusão clínica - atlas colorido. São Paulo: Santos; 1995.,8Okeson JP. Tratamento das desordens temporomandibulares e oclusão. 4th edition. São Paulo: Artes Médicas; 1991. Essas parafunções representam o impacto intrincado na biomecânica mandibular decorrente do dano a estruturas pertencentes ou relacionadas ao sistema estomatognático.9Mannheimer JS, Rosenthal RM. Acute and chronic postural abnormalities as related to craniofacial pain and temporomandibular disorders. Dent Clin North Am. 1991;35:185-208.,1010 Grimaldi N, Sarmento V, Provedel L, Almeida D, Cunha S. Conduta do cirurgião-dentista na prevenção e tratamento da osteorradionecrose: revisão de literatura. Rev Bras Cancerol. 2005;51:319-24.,1111 Grade R, Caramês J, Pragosa A, Carvalhão J, Sousa S. Postura e disfunção temporo-mandibular: controvérsias actuais. Rev Port Estomatol Cir Maxilofac. 2008; 49:111-7. Uma maneira de analisar essa biomecânica é medindo a amplitude e a velocidade dos movimentos da mandíbula, variáveis preditivas dessas mudanças cinemáticas. Neste contexto, a eletrognatografia (ENG), um método que aplica a tecnologia de rastreamento de movimentos utilizando sensores magneto resistivos, pode ser um excelente meio para obter esses dados.1212 Paiva GD. Diagnóstico informatizado. In: Barros JJ, Rode SM, editors. Tratamento das disfunções craniomandibulares: ATM. São Paulo: Santos; 1995. p. 119-20.,1313 Luz, JM. Medição de deslocamento através de sensores magnetoresistivos aplicada ao movimento mandibular. [Thesis]. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002.

A medição da amplitude e da velocidade de movimentos relacionados à biomecânica mandibular de laringectomizados totais ainda não foi relatada na literatura. A importância deste trabalho é o levantamento de dados quantitativos que podem servir de base, reorganizar ou auxiliar programas terapêuticos multidisciplinares direcionados a este segmento da população.

O objetivo deste estudo foi caracterizar a amplitude e a velocidade de ciclos mastigatórios em laringectomizados totais avaliados por eletrognatografia e compará-las com dois grupos de indivíduos não laringectomizados de acordo com a idade.

Método

Estudo transversal, observacional e exploratório, tipo casuístico, com comparação de grupos, conduzido entre fevereiro e julho de 2012. O estudo incluiu pacientes submetidos à laringectomia total e voluntários sem interferência cirúrgica no pescoço ou na cabeça.

Setenta e dois indivíduos de ambos os gêneros participaram do estudo com a seguinte distribuição: grupo A composto de 32 voluntários, com idade média de 22,3 anos; grupo B incluindo 20 voluntários, com idade média de 53,2 anos; grupo C consistindo em 20 pacientes submetidos à laringectomia total, com idade média de 61,5 anos e pós-operatório médio de 3,65 anos, incluindo uma paciente do sexo feminino (5%).

Adotando como principal parâmetro o pós-operatório restrito à laringectomia total com dissecção do pescoço na ausência de complicações recentes no pós-operatório ou dificuldade em entender instruções simples, a população estudada consistiu em 20 pacientes (grupo C).

O tipo de amostra foi definido pelas características do grupo de indivíduos não laringectomizados. Por esse motivo, adotamos para esses participantes a amostragem não probabilística, por acessibilidade ou conveniência, que se baseia na especificidade do indivíduo e que pode representar todo esse universo, sendo um estudo descritivo e exploratório.1414 Marotti J, Galhardo APM, Furuyama RJ, Pigozzo MN, Campos TN, Laganá DC. Amostragem em pesquisa clínica: tamanho da amostra. Rev Odontol Universidade São Paulo. 2008;20:186-94.

Para determinar o tamanho da amostra dos grupos comparados, identificados como grupo jovem-adulto (também denominado grupo A) e grupo adulto (também denominado grupo B), pressupomos a proporção 1,6:1,0, com nível de significância de 0,05 e 80% de poder de evidência estimado em 31 indivíduos no grupo A e 19 no grupo B; estimativas adequadas para o grupo B reuniram mais características semelhantes ao universo de pacientes laringectomizados.1515 Fleiss JL, Levin B, Paik MC. Statistical methods for rates and proportions. 3rd edition. Hoboken, NJ: Wiley-Interscience; 2003.

Os grupos A e B tiveram como critérios de inclusão comuns o fato de serem indivíduos de ambos os sexos, dentados ou parcial ou totalmente desdentados, com ou sem prótese ou aparelhos ortodônticos, não submetidos à cirurgia nas regiões da cabeça e pescoço; sem queixas de disfagia, não submetidos aqualquer fisioterapia e/ou tratamento fonoaudiológico e sem dificuldade em entender ordens simples. Os critérios de exclusão para os grupos A e B foram a presença de doenças neurológicas, neuromusculares ou neurodegenerativas e diagnóstico clínico de sintomas agudos de disfunções temporomandibulares nos testes.

O critério de inclusão diferencial entre os grupos A e B foi a idade. O grupo A incluiu jovens adultos com idade entre 18 e 29, e o grupo B incluiu indivíduos com 40 anos ou mais.

Fase de coleta de dados

Após ler e assinar o consentimento informado, os voluntários foram submetidos a exames de histórico e físico específicos.

Para a eletrognatografia, o voluntário foi instruído a sentar-se confortavelmente em uma cadeira com a cabeça ereta e os olhos direcionados para a frente.

O equipamento utilizado foi o eletrognatógrafo JT-3D da marca BioRESEARSH®. O programa utilizado para leitura dos dados captados foi o BioPak System.

Na coleta dos parâmetros da eletrognatografia, um pequeno ímã foi originalmente fixado na superfície vestibular dos incisivos inferiores correspondentes ao nível da linha média, e o suporte para a cabeça foi simetricamente regulado.

Para avaliar o ciclo mastigatório, solicitamos que um voluntário mastigasse 15 g de pão por 20 segundos. O funcionamento da mandíbula e o consequente movimento do sensor magnético foram captados pelo eletrognatógrafo, transmitidos e registrados em computador, permitindo a visualização e a análise de todos os gráficos de movimento mandibular interno.

A varredura no visor (fig. 1) analisou: a) o número total de ciclos, b) o número de lateralização de ciclos para a direita, c) o número de lateralizações para a esquerda, d) número de protrusões; e e) número de retrusões. No visor XY (fig. 2) foram mensurados valores máximos das variáveis: a) amplitude de abertura no plano frontal; b) lateralidade direita no plano horizontal; c) movimento de lateralidade esquerda no plano horizontal; d) protrusão no plano sagital; e) retrusão no plano sagital; f) velocidade máxima de abertura; e g) velocidade máxima de fechamento.

Figura 1
- Pelo gráfico Vert, realizamos a contagem total do número de ciclos; pelo gráfico Lat, realizamos a contagem do número de ciclos mastigatórios para a direita e para a esquerda; e pelo gráfico A/P, realizamos a contagem do número de protrusões e retrusões.
Figura 2
- Por meio do gráfico de VELOCIDADE, observamos as velocidades máximas de abertura (lado O do gráfico) e fechamento (lado C do gráfico); por meio do gráfico SAGITAL, observamos a protrusão máxima (lado A do gráfico) e a retração máxima (lado P do gráfico); por meio do gráfico FRONTAL, observamos a amplitude de abertura máxima; por meio do gráfico HORIZONTAL, observamos a lateralidade direita máxima (lado direito do gráfico) e a lateralidade esquerda máxima (lado esquerdo do gráfico).

Todas as medições foram resumidas como média, erro padrão médio, intervalo de confiança de 95%, mediana e intervalo interquartil. Na comparação entre os grupos A, B e C, o teste ANOVA foi utilizado para diferenças entre as médias. Em casos sem diferença significativa, o contraste post-hoc de Dunnett foi utilizado para identificar diferenças entre os grupos, utilizando o grupo C como parâmetro. Em casos sem relevância de acordo com o teste ANOVA, o teste t foi utilizado para diferença de médias, também admitindo o grupo C como parâmetro. Em todos os testes, um nível de significância de 0,05 foi utilizado para rejeição das hipóteses nulas de igualdade de médias entre grupos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, recebendo o registro CAAE nº 0014.0.447.172-10. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e a Declaração de Helsinki de 2008 foram seguidas.

Resultados

O número de ciclos mastigatórios de laringectomizados foi semelhante nos grupos A e B, porém diferiram na frequência de lateralizações. As lateralizações para a direita foram mais frequentes que as esquerdas, semelhante às observadas em adultos no grupo B; contudo, essas lateralizações atingiram maior frequência que as observadas no grupo A (tabela 1).

Tabela 1
- Parâmetros estatísticos do ciclo mastigatório

Assim, o resultado foi a tendência à lateralização para a direita como diferenciação dos grupos em detrimento da principal diferença entre o grupo A e o grupo C, que atingiu relevância estatística. Essa diferença, contudo, esteve ausente na lateralização para a esquerda, para a qual não houve diferença entre grupos, no que diz respeito ao grupo C em comparação aos grupos A e B.

No que diz respeito às velocidades dos ciclos mastigatórios, houve diferença entre grupos no número de ciclos por segundo e na velocidade máxima de deslocamento mandibular tanto na abertura quanto no fechamento da boca. O grupo C foi significativamente diferente do grupo A por ter menor número de ciclos por segundo e alta variação de velocidade, o que foi demonstrado com o maior intervalo interquartil.

Com relação à velocidade de deslocamento máxima (mm/s), da mesma forma, a diferença significativa observada entre grupos ocorreu em virtude da diferença entre os grupos C e A. Pacientes laringectomizados apresentaram maior deslocamento por unidade de tempo e maior variabilidade desse movimento (tabela 1). Essas diferenças foram significativas.

Ao detalhar a velocidade de deslocamento mandibular máxima, foi observado que a média da velocidade máxima de abertura atingiu relevância apenas quando comparadas as médias dos três grupos, exceto ao considerar o grupo C como padrão para comparação. Apesar da ausência de relevância entre os grupos A e B e o grupo dos laringectomizados, vale mencionar que o erro padrão médio do grupo C divergiu mais do grupo A que do grupo B. No que diz respeito às médias de velocidade de fechamento mandibular máxima, a relevância observada entre grupos foi determinada pela diferença entre os grupos C e A. No que diz respeito à média de divulgação máxima avaliada no plano frontal, não houve diferenças significativas entre grupos (tabela 1).

A tabela 2 apresenta os resultados dos parâmetros estatísticos relacionados ao estudo de protrusões e retrusões encontradas no ciclo mastigatório dos três grupos. Não houve diferenças significativas entre os grupos A e B com relação C, tanto no número de protrusões quanto na média de protrusão máxima avaliada no plano sagital.

Tabela 2
- Parâmetros estatísticos de protusão e retrusão no ciclo mastigatório

No que diz respeito a retrusões, os grupos não diferiram em frequência e variabilidade. Essa diferença esteve presente no valor médio de retrusão máxima, havendo a tendência estatística de o grupo C ter valores menores que os de A e B, pois o valor de p ficou entre 0,05 e 0,10. Ao comparar cada grupo separadamente com os pacientes laringectomizados, esses demonstraram uma tendência de retrusão máxima em média menor que a do grupo A e significativamente menor que a do grupo B (tabela 2).

A retrusão lateral máxima, medida no plano horizontal, apresentou comportamento distinto de acordo com a lateralidade. Com lateralidade direita, os valores do grupo C foram próximos das medições nos grupos A e B. Contudo, com lateralidade esquerda, os valores foram significativamente menores no grupo C em comparação aos três grupos, porém com maior intervalo de variação. A comparação entre o grupo C, considerado padrão, e os dois outros grupos, constatou que os pacientes laringectomizados apresentaram retrusão lateral máxima média para a esquerda significativamente menor que no grupo A (tabela 2).

Discussão

Nos últimos anos, diversos estudos foram realizados sobre a possível relação dos músculos supra e infra-hióideos e o osso hioide na mastigação, nas alterações temporomandibulares e na espinha cervical, entretanto, sem um consenso que tornasse possível a orientação de uma equipe profissional na abordagem clínica do paciente.1616 Tallgreen A, Lang B, Walker G, Ash M. Changes in jaw relations, hyoid position and posture in complete denture wearers. J Prosthet Dent. 1983;50:148-56. Essa dificuldade identificou a grande complexidade do problema e a multiplicidade de fatores que poderiam estar envolvidos.1111 Grade R, Caramês J, Pragosa A, Carvalhão J, Sousa S. Postura e disfunção temporo-mandibular: controvérsias actuais. Rev Port Estomatol Cir Maxilofac. 2008; 49:111-7.

A caracterização eletrognatográfica da amplitude e da velocidade dos ciclos mastigatórios em pacientes laringectomizados totais, por sua vez, demonstrou uma biomecânica mandibular ainda mais complexa, que pareceu ser decorrente da remoção dos músculos supra e infra-hióideos e do osso hioide, além da influencia do processo de envelhecimento dos músculos.

A pesquisa realizada para caracterizar o mecanismo hioide no ciclo mastigatório mostra a necessidade de sinergia entre o envolvimento dos músculos masseter, temporal e pterigóideo medial na elevação da mandíbula, e a ação dos músculos supra-hióideos, do ventre anterior do digástrico, milo-hióideo, gênio-hióideo, pterigóideo lateral, músculos da mímica, músculos da língua e infra-hióideos como depressores da mandíbula, dependendo da posição do osso hioide.1717 Molina OF, Bielencki CO. Teste de provocação sobre a dor e fadiga: um estudo preliminar e implicações diagnósticas. J Bras Ortodon Ortop Facial. 1998;3:61-79. A fixação do osso hioide pelos músculos infra-hióideos permite que os músculos depressores promovam a abertura da boca.1818 Steenks MH, Wijer A. Disfunções da articulação temporomandibular do ponto de vista da fisioterapia e odontologia - diagnóstico e tratamento. São Paulo: Santos; 1996.

Além disso, por meio de estudos eletromiográficos, houve também comprovação de sinergismo entre os músculos extensores e flexores da cabeça na espinha cervical e da atividade de músculos supra e infra-hióideos e, portanto, da posição do osso hioide, que contribui com a estabilidade do movimento do ciclo mastigatório.1919 Forsberg CM, Hellsing E, Linder-Aaronson S. EMG activity in neck and mastigatory muscles in relation to extension and flexion of the head. Eur J Orthod. 1985;7:177.

Neste contexto, é possível supor que a laringectomia total, com a excisão dos músculos supra e infra-hióideo, bem como do osso hioide e os músculos da língua, promova novas dinâmicas no ciclo mastigatório, o que parece ter sido comprovado neste estudo. Mesmo considerando que em pacientes laringectomizados totais a área de mastigação é a que sofre menos impacto sobre a qualidade de vida em comparação à perda da voz, as constatações apresentadas são relevantes para o entendimento dessa nova cinemática.2020 Paula FC, Chaud RR. Avaliação de qualidade de vida em laringectomizados totais. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2009;38:177-82.

Essa nova cinemática consistiu em manter o número de ciclos mastigatórios, com mudanças na frequência e na direção da lateralização, o que pareceu ter sido determinado principalmente pelo processo de envelhecimento, pois a diferença foi observada ao comparar o grupo de laringectomizados apenas ao grupo mais jovem (grupo A), o mesmo não ocorrendo em relação ao grupo com idade semelhante à dos pacientes.

As características compensatórias e adaptativas do sistema estomatognático relacionadas à diferença de idade, na divulgação desses dados2121 Ericksson PO, Häggman-Henrikson B, Nordh H, Zafar H. Co-ordinated mandibular and head - neck movementes during rhythmic jaw activities in man. J Dent Res. 2002;79:1378-84.,2222 Bumann A, Lotzmann U. Disfunção temporomandibular: diagnóstico funcional e princípios terapêuticos. Porto Alegre: Artmed; 2002. também pareceram explicar as mudanças na velocidade expressas no número de ciclos mastigatórios por segundo (ciclos/20s). O valor qualitativo prevaleceu sobre a aparência adquirida por meio de ação cirúrgica da laringectomia total,2020 Paula FC, Chaud RR. Avaliação de qualidade de vida em laringectomizados totais. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2009;38:177-82. uma vez que a relevância estatística foi detectada no grupo C. Houve um menor número de ciclos por segundo e maior variação de velocidade em relação ao grupo A, expressos por um intervalo interquartil maior (7,00 ciclos/20s no grupo C contra 13,00 ciclos/20s no grupo A).

A evidência mais forte de que o envelhecimento pode ter contribuído com adaptações mastigatórias esteve presente, contudo, nas médias de velocidade máxima de deslocamento mandibular normal na abertura e no fechamento, pois o grupo C se assemelhou ao grupo B e diferiu significativamente do grupo A tanto no deslocamento geral quanto no fechamento.

Variáveis como a abertura bucal máxima em milímetros, a quantidade máxima de protrusões e a protrusão máxima em milímetros não mostraram nenhuma mudança significativa. Apesar dessa constatação ter corroborado a evidência de Paula e Chaud (2009),2020 Paula FC, Chaud RR. Avaliação de qualidade de vida em laringectomizados totais. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2009;38:177-82. de que a característica mastigatória é a menos afetada em laringectomizados totais, é plausível supor que medições de movimentos periféricos laterais possam revelar características estatísticas significativas.2323 Takahashi M, Hideshima M, Park I, Tanigushi H, Ohyama T. Study of mandibular movements in mandibulectomy patients - border movements and functional movements during mastication, deglutition and speech. J Med Dent Sci. 1999;46:93-103.

Além disso, a tendência de os pacientes laringectomizados mostrarem retrusão máxima média, retrusão lateral máxima avaliada no plano horizontal e retrusão lateral máxima para a esquerda menor que nos grupos de pacientes não laringectomizados mostrou, pela primeira vez, a desordem temporária ou permanente das funções estomatognáticas, consequente da laringectomia total e atribuível à manipulação cirúrgica nas regiões supra e infra-hioideas.2424 Zago MMF, Stoppa MJR, Marinez EL. O significado cultural de ser laringectomizado. Rev Bras de Cancerol. 1989;44:239-45.

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Conclusão

A análise das variáveis sugeridas, as alterações no ciclo mastigatório avaliadas por eletrognatografia permitiram provar a existência de traços compensatórios e adaptativos em pacientes laringectomizados, resultantes da ação conjunta do fator idade e alterações possivelmente atribuíveis à laringectomia total.2727 Okeson JP, O'Donnell J. Standards for temporomandibular evaluation in the pediatric patient. J Pediatric Dentist. 1989;11:329-30.,2828 Bodin C, Lodetti G, Marinone MG. Temporo-mandibular joint kinetics and chewing cycles in children. A 3-year follow-up. Int J Paediatr Dent. 2002;12:33-8.

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  • Financiamento
    Este estudo foi conduzido pelo FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2013
  • Aceito
    12 Ago 2013
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