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Vulnerabilidades da população idosa durante a pandemia pelo novo coronavírus

O estado atual de pandemia pelo novo coronavírus no Brasil contabiliza mais de 5,5 milhões de pessoas infectadas e aproximadamente 159 mil mortos por COVID-19, a síndrome causada pelo vírus. Para além dos números, os efeitos psicossociais são devastadores por impactarem a segurança financeira das famílias e a saúde mental da população. Para cada cenário possível no contexto de pandemia, os impactos mobilizam sentimentos que denotam a insegurança do momento, como no aumento de relatos de ansiedade e medo em sair de casa para trabalhar, na alta carga emocional negativa imposta aos profissionais de saúde na linha de frente nos hospitais, ou ainda no caso das famílias tentando da melhor maneira enfrentar a dor pelos seus entes hospitalizados ou falecidos pela doença. O ano de 2020 com certeza é um divisor de águas na história recente da humanidade.

As vulnerabilidades às quais estamos expostos são particularmente evidentes no caso da população idosa, que está entre os grupos mais suscetíveis às complicações da COVID-19, apresentando taxas que variam de 50% a 84% dos mortos no Brasil por essa doença. Mesmo antes da pandemia, os idosos já compunham um dos grupos populacionais que mais sofrem com o isolamento devido às vulnerabilidades sociais impostas por uma sociedade que exclui o idoso do convívio familiar e social. Em tempos pré-pandemia, já sentiam o peso do isolamento quando o processo de institucionalização é acompanhado de diminuição dos laços com a família, ou até mesmo quando são excluídos dentro da própria casa. Além disso, idosos estão particularmente vulneráveis pela perda progressiva de apoio social, com as mortes de parentes, cônjuges e amigos, que são acumuladas ao longo dos anos, podendo impactar no agravo da saúde mental. A morte de um cônjuge em especial é um fator de piora da qualidade de vida do idoso, impactando não somente o agravo da saúde mental, mas também podendo estar associada ao seu falecimento algum tempo depois. Adicionalmente, quando comparados com jovens, idosos apresentam muito mais o comportamento de autotoque, possivelmente como uma forma de compensar a carência do toque de outras pessoas. Agora, diante do contexto distendido de quarentena e mesmo antes dos possíveis impactos gerados pelo desenvolvimento de COVID-19, os idosos podem compor o grupo que mais sofre com o distanciamento necessário ao controle da pandemia.

Estudos mostram que as redes de apoio e relacionamentos significativos são os maiores preditores de satisfação com a vida e de longevidade, superando outros elementos importantes como a boa alimentação e possuir hábitos saudáveis. Essa importância da formação e da manutenção de redes sociais positivas poderia parecer surpreendente, mas não é de se espantar se considerarmos as preponderantes características pró-sociais da nossa espécie e o dado de que o bem-estar subjetivo está positivamente associado às metas de construção de laços familiares e amorosos duradouros. Em outra linha, sabe-se que hormônios relacionados aos sentimentos de prazer e bem-estar são liberados na corrente sanguínea quando somos tocados por outras pessoas ou quando interagimos com um cão, e até mesmo quando acreditamos estar acompanhados de outra pessoa em um ambiente não familiar. As atribulações da vida são minimizadas quando temos com quem contar. É desse apoio social que precisamos, particularmente as pessoas idosas que são recorrentemente excluídas do convívio familiar e social em nossa sociedade.

Embora as sociedades ocidentais modernas não reconheçam o valor dos idosos como deveriam, sabemos que em outras sociedades os idosos assumem papel importante na dinâmica social, transmitindo conhecimento e contribuindo para a saúde de seus netos, por exemplo. Por meio de alianças históricas, idosos criam e mantém redes de relacionamentos que afetam direta e indiretamente o dia a dia de sua família, contribuindo em momentos importantes ao longo da vida das pessoas.

É preocupante pensarmos que o distanciamento pela pandemia possa agravar ainda mais a vulnerabilidade da população idosa. Desde o início do ano venho advogando pela substituição do termo distanciamento social por distanciamento físico, em virtude de a tecnologia servir como instrumento de aproximação entre as pessoas fisicamente distantes. Objetivamente não queremos isolar socialmente as pessoas, queremos mantê-las fisicamente distantes para preservar sua saúde. O isolamento social pode ter consequências emocionais graves como sentimentos de solidão, depressão e ansiedade. Não por acaso, os idosos estão entre aqueles que mais relatam experimentar esses sentimentos. O uso da tecnologia para aproximar as pessoas pode minimizar os impactos negativos da falta de contato físico e do olho no olho.

Momentos de crise como o atual só podem ser vencidos com mudanças nas práticas culturais e nos valores. Este processo de mudança não pode prescindir de conhecermos, por exemplo, como respondemos à disseminação do vírus a nível individual e coletivo. De posse deste conhecimento podemos refletir e planejar as mudanças necessárias para melhor atravessarmos a crise. Pensar enquanto sociedade, qual mundo queremos após a pandemia, é fundamental para atenuar os efeitos negativos, especialmente sobre os grupos mais vulneráveis. Talvez, a pandemia seja uma grande oportunidade para revermos nossas escolhas, e planejarmos tomadas de decisão a nível individual e governamental que possam balizar tais mudanças.

Dedico este manuscrito à minha sogra, Sandra Maria Duarte Marques, vítima da COVID-19. Partiu aos 70 anos de idade, deixando muita saudade.

Mauro Dias Silva Júnior, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, professor adjunto I e Coordenador do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020
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