Acessibilidade / Reportar erro

Influência da obesidade nos critérios de classificação de sarcopenia em idosos

Resumo

Objetivo

identificar a prevalência de obesidade sarcopênica em idosos residentes na comunidade e analisar a relação da obesidade com os critérios de classificação da sarcopenia.

Método

Trata-se de um corte transversal analítico vinculado ao projeto “Atenção Integral à Saúde do Idoso”. A avaliação da sarcopenia foi realizada a partir dos critérios do Consenso Europeu de Sarcopenia. Para classificação dos idosos como obesos sarcopênicos considerou-se aqueles que se apresentaram como provável sarcopênico, sarcopênico ou sarcopênico severo associado ao percentual de gordura >27% para homens e >38% para mulheres. Os dados foram analisados utilizando estatística bivariada e um modelo de regressão linear.

Resultados

Dos 209 idosos residentes na comunidade foi verificado uma prevalência de 23,9% de sarcopenia, 28,2% de obesidade e 4,3% de obesidade sarcopênica. Ainda, pode-se observar que os homens apresentaram maior prevalência de sarcopenia (p=0,006) e de obesidade (p=0,005) que as mulheres; os obesos tiveram menor prevalência de perda de massa muscular que os idosos não obesos (p<0,001); e os obesos apresentaram incremento na força (p=0,003) e na massa muscular (p<0,001) em relação aos não obesos, mesmo quando ajustado para sexo, faixa etária, multicomorbidades e incapacidade funcional.

Conclusão

levando em consideração a prevalência de obesidade sarcopênica na população estudada e a influência positiva da obesidade na predição de força e massa muscular, destaca-se a importância da avaliação multidimensional do idoso, a fim de averiguar a real necessidade de intervenções para perda de peso corporal, com intuito de prevenção de perda de força e massa muscular.

Palavras-Chave:
Sarcopenia; Obesidade; Assistência Integral à Saúde; Saúde do Idoso

Abstract

Objective

to identify the prevalence of sarcopenic obesity in old residents in the community and to analyze the relation between obesity and the sarcopenia classification criteria.

Method

This is an analytical cross-sectional study linked to the project “Comprehensive Health Care for the Old People”. The assessment of sarcopenia was carried out using the criteria of the European Sarcopenia Consensus. For the classification of the old people as sarcopenic obese, we considered as likely sarcopenic, sarcopenic, or severe sarcopenic associated with a fat percentage >27% for men and >38% for women. The data were analyzed using bivariate statistics and a linear regression model.

Results

from a sample of 209 community-dwelling old people, a prevalence of 23,9% of sarcopenia, 28,2% of obesity and 4,3% of sarcopenic obesity was found. Still, it can be observed that men had a higher prevalence of sarcopenia (p=0,006) and obesity (p=0,005) than women; the obese had a lower prevalence of muscle mass loss than the non-obese old people (p<0,001); and the obese showed an increase in muscle strength (p=0,003) and muscle mass (p<0,001) in relation to the non-obese, even when adjusted for gender, age group, multicomorbidities, and functional capacity.

Conclusion

taking into account the prevalence of sarcopenic obesity in the population studied and the positive influence of obesity in the prediction of strength and muscle mass, the importance of multidimensional assessment of the old people is highlighted, in order to ascertain the real need for interventions for weight loss, with the aim of preventing strength and muscle mass loss.

Keywords
Sarcopenia; Obesity; Comprehensive Health Care; Health of the Elderly

INTRODUÇÃO

A sarcopenia, anteriormente considerada como uma alteração fisiológica decorrente do envelhecimento, hoje é classificada como uma doença caracterizada pela insuficiência muscular que ocorre antes do processo de envelhecimento, tendo como o principal motivo investigativo a baixa força muscular11 Schaap LA, van Schoor NM, Lips P, Visser M. Associations of sarcopenia definitions, and their components, with the incidence of recurrent falling and fractures: the longitudinal aging study Amsterdam. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2018;73:1199-204.. A medida da força muscular é a forma mais confiável de mensuração da função muscular e, a partir disso, é possível classificar como ‘sarcopenia provável’, quando o idoso apresenta apenas baixa força muscular; ‘sarcopenia’, quando a baixa força muscular está associada à baixa quantidade ou qualidade muscular; e a ‘sarcopenia severa’, quando o idoso apresentar um declínio na performance física22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10..

As alterações no sistema musculoesquelético relacionadas à idade juntamente com o aumento da prevalência de obesidade observada atualmente em idosos revelam uma nova condição chamada obesidade sarcopênica33 Zamboni M, Rubele S, Rossi AP. Sarcopenia and obesity. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2019;22(1):13-9., a qual configura-se com a associação de sarcopenia ao aumento de gordura corporal44 Cruz-jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing. 2010;39(4):412-23.. Esse fenótipo clínico implica uma conexão estreita entre músculo e tecido adiposo e desempenha papel central na função muscular55 Tournadre A, Vial G, Capel F, Soubrier M, Boirie Y. Sarcopenia. Joint Bone Spine. 2019;86(3):309-14.. Na coexistência dessas duas condições, evidenciam-se maiores riscos de mortalidade e agravamento de incapacidades, como pior desempenho físico, maior risco de quedas, menor desempenho cognitivo, agravamento de doenças cardiovasculares e outras condições desfavoráveis ​​à saúde, como hospitalizações33 Zamboni M, Rubele S, Rossi AP. Sarcopenia and obesity. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2019;22(1):13-9.. Sabe-se que a obesidade sarcopênica aumenta em 1,21 vezes o risco de mortalidade em comparação aos idosos robustos66 Zhang X, Xie X, Dou Q, Liu C, Zhang W, Yang Y, et al. Association of sarcopenic obesity with the risk of all-cause mortality among adults over a broad range of different settings: a updated meta-analysis. BMC Geriatrics. 2019;19(183):1-9..

No envelhecimento, a obesidade sarcopênica é uma causa importante de fragilidade, incapacidade e perda de independência dos idosos44 Cruz-jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing. 2010;39(4):412-23.. Os fatores causais da obesidade sarcopênica são nutrição inadequada, resistência à insulina, diminuição da concentração de hormônios (GH e testosterona), inflamação por meio da produção de citocinas pró-inflamatórias pelo tecido adiposo, inatividade física e sedentarismo77 Campos GC, Lopes CL, Lourenço RA. Obesidade sarcopênica e funcionalidade: Uma revisão da literatura. Rev HUPE. 2017;16(2):102-9.. É consenso que a perda de peso é responsável por muitos benefícios e redução de riscos de complicações em pessoas jovens ou de meia-idade, em contrapartida, nos idosos os efeitos ainda são controversos88 Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92.. A literatura aponta que não existem evidências suficientes que comprovem a associação entre redução de peso intencional e aumento de expectativa de vida88 Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92.. Também, não se observa associação entre sobrepeso em pacientes idosos com aumento da mortalidade geral99 Santos RR, Bicalho MA, Mota P, Oliveira DR, Moraes EN. Obesity in the elderly. Rev med Minas Gerais. 2013;23(1):64-73.. Apenas recomenda-se a perda de peso intencional especificamente para idosos com comorbidades relacionadas à obesidade, como limitações funcionais, síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares88 Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92..

Diante deste contexto, percebe-se na literatura que não há um consenso sobre a prevalência de obesidade sarcopênica na população idosa1010 Batsis JA, Villareal DT. Sarcopenic obesity in older adults: aetiology, epidemiology and treatment strategies. Nat Rev Endocrinol. 2018;14(9):513-37.,1111 Oliveira TM, Roriz AKC, Medeiros JMB, Ferreira AJF, Ramos LB. Sarcopenic obesity in community-dwelling older women, determined by different diagnostic methods. Nutr Hosp. 2019;36(6):1267-72.. Estudos realizados em diferentes regiões do Brasil trazem prevalências de obesidade sarcopênica em idosos que variam de 0,7% a 9,4%1111 Oliveira TM, Roriz AKC, Medeiros JMB, Ferreira AJF, Ramos LB. Sarcopenic obesity in community-dwelling older women, determined by different diagnostic methods. Nutr Hosp. 2019;36(6):1267-72.,1212 Santos CM, Dias JMD, Samora GAR, Perracini MR, Guerra RO, Dias RC. Prevalence of obesity, sarcopenic obesity and associated factors: a FIBRA Network study. Fisioter Mov. 2017;30(Suppl 1):161-9.,1313 Santos VR, Gomes IC, Bueno DR, Christofaro DG, Freitas Jr IF, Gobbo LA. Obesity, sarcopenia, sarcopenic obesity and reduced mobility in Brazilian older people aged 80 years and over. Einstein. 2017;15(4):435-40.. Além disso, os estudos sugerem que são necessárias novas pesquisas que investiguem possíveis diferenças entre os sexos1111 Oliveira TM, Roriz AKC, Medeiros JMB, Ferreira AJF, Ramos LB. Sarcopenic obesity in community-dwelling older women, determined by different diagnostic methods. Nutr Hosp. 2019;36(6):1267-72. e que tragam uma melhor compreensão sobre a influência da obesidade na saúde do idoso, visto que os mecanismos e implicações clínicas não podem ser comparados com os que ocorrem na população jovem88 Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92.. Portanto, o objetivo deste artigo foi identificar a prevalência de obesidade sarcopênica em idosos residentes na comunidade e analisar a relação da obesidade com os critérios de classificação da sarcopenia.

MÉTODO

Estudo de corte transversal analítico, vinculado ao projeto “Atenção Integral à Saúde do Idoso”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul sob o Parecer Consubstanciado nº 2.653.484. Os dados da presente pesquisa referem-se à primeira avaliação realizada no período de 2018 e 2019.

A população de estudo foi composta por indivíduos com idade ≥60 anos, ambos os sexos, usuários da atenção primária da área urbana de um município de médio porte da região sul do Brasil. O método de cálculo da amostra, técnica de amostragem e critérios de seleção foram previamente descritos de forma detalhada1414 Berlezi EM, Gross CB, Pimentel JJ, Pagno AR, Fortes CK, Pillatt AP. Estudo do fenótipo de fragilidade em idosos residentes na comunidade. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(11):4201-9.. Para o cálculo amostral utilizou-se como base os dados do Sistema de Atenção Básica (SIAB) e o número total de idosos cadastrados em Estratégias de Saúde da Família (ESF) na área urbana, que era de 5.269 idosos. Considerando a taxa de envelhecimento populacional, optou-se por uma representatividade superior a 10% da população de idosos das ESF. Para estimar o tamanho da amostra definiu-se por um erro amostral tolerável de 5% o que definiu um tamanho inicial de amostra de 372 idosos, selecionados por técnica de amostragem randomizada e estratificada proporcionalmente por ESF e por sexo.

Foram excluídos do estudo idosos que realizaram procedimento cirúrgico em um período inferior a 30 dias e aqueles que não apresentavam condições física e/ou psíquicas para responder aos instrumentos de coleta. Para este estudo, foram selecionados os indivíduos que possuíam o protocolo do exame físico completo para avaliação de composição corporal e sarcopenia, totalizando uma amostra de 209 idosos com idade mínima de 62 e máxima de 93 anos. Os motivos de perda incluíram hospitalização recente, óbitos, mudança de endereço e não consentimento em participar da pesquisa.

O protocolo de pesquisa foi aplicado no espaço domiciliar em duas etapas. Na primeira etapa, foram coletadas as variáveis de interesse a partir da aplicação de questionário estruturado, elaborado pelos pesquisadores para obter dados sociodemográficos e condições clínicas de saúde e a partir de testes para avaliação da capacidade funcional. Ainda nesta etapa, foram passadas as instruções para a realização dos exames físicos e foi realizado o agendamento da segunda etapa. Na segunda etapa foi realizado o exame físico para avaliação da sarcopenia e aferição das medidas de composição corporal.

Para avaliar a condição clínica de saúde, solicitou-se aos idosos a confirmação de presença de comorbidades, como diabetes mellitus, hipercolesterolemia, hipertensão arterial sistêmica, acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, demência, doenças cardíacas, doenças renais, doenças osteoarticulares e depressão. Para fins estatísticos classificaram-se como multicomorbidades aqueles idosos que apresentaram cinco ou mais das condições supracitadas. Além disso, foi avaliada a capacidade funcional dos idosos através da escala de Katz1515 Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963;185(12):914-9. que mensura a dependência para atividades básicas da vida diária (ABVD) e da escala de Lawton e Brody1616 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9:179-86. utilizada para avaliar as atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Para fins estatísticos classificaram-se como dependentes para ABVD ou AIVD aqueles idosos que não realizavam ou precisavam de ajuda para realizar ao menos uma atividade das escalas específicas.

A avaliação da sarcopenia foi realizada com base nos critérios do Consenso Europeu de Sarcopenia22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10. que classifica como: provável sarcopênico, idosos que apresentam diminuição de força muscular; sarcopênico, que apresentam diminuição de força muscular e de massa muscular; e, sarcopênicos severos, que apresentam diminuição de força muscular, massa muscular e performance física. O Consenso Europeu de Sarcopenia22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10. apresenta uma ampla variedade de testes e técnicas que podem ser utilizados para a caracterização da sarcopenia, na prática e na investigação. No presente estudo optou-se para avaliar a força muscular a técnica de Força de Preensão Manual; para massa muscular a composição corporal por Análise de Impedância Bioelétrica; e performance física pelo teste de velocidade de marcha.

Para obter a Força de Preensão Manual utilizou-se a técnica de dinamometria, realizada com dinamômetro (E.CLEAR, modelo EH101) colocado na mão dominante do idoso. O teste foi realizado em posição sentada, com o braço do idoso aduzido, a flexão do antebraço formando um ângulo de 90º em relação ao braço e punho em posição neutra. Foram realizadas três tentativas, com intervalo de um minuto entre elas e considerada a média dos valores. Considerou-se como baixa força muscular valores <27kg para homens e <16kg para mulheres1717 Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip strength across the life course: normative data from twelve British studies. PLoS ONE. 2014;9(12):e113637..

A análise de Impedância Bioelétrica tetra polar foi realizada com aparelho portátil (RJL System Inc., modelo BIA101A, USA), que fornece valores de resistência e reatância, com frequência de 50 kHz e 800 μA. Foram seguidos os critérios propostos pelo próprio manual do equipamento para a realização do exame e orientado aos idosos, previamente, quanto a não realização de exercícios físicos por período de oito horas e a abstenção da ingestão de álcool por 12 horas anteriores ao exame. Ainda, foram orientados para que esvaziassem a bexiga antes do exame, que permanecessem em silêncio durante a realização, que não estivessem molhados de suor ou urina e que não apresentassem febre ou estado de choque. Os valores de resistência e reatância encontrados foram utilizados para o cálculo de massa muscular esquelética apendicular (MMEA), a partir da fórmula1818 Sergi G, Rui M, Veronese N, Bolzetta F, Berton L, Carraro S, et al. Assessing appendicular skeletal muscle mass with bioelectrical impedance analysis in free-living Caucasian older adults. Clin Nutr. 2015;34(4):667-73.: MMEA (kg)= -3,964 + (0,227 *resistência normalizada para estatura) + (0,095*massa corporal) + (1,384*sexo)+(0,064*reatância). Sendo estatura em centímetros, o valor da resistência em ohm; para sexo, mulher=0 e homem=1. O ponto de corte adotado foi <20kg para homens e <15kg para mulheres1919 Studenski SA, Peters KW, Alley DE, Cawthon PM, McLean RR, Harris TB, et al. The FNIH sarcopenia project: rationale, study description, conference recommendations, and final estimates. J. Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2014;69(5):547-58..

As medidas antropométricas de massa corporal e estatura foram realizadas segundo os critérios estabelecidos pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)2020 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN . Brasília, DF : MS; 2011. (Série G. Estatística e Informação em Saúde)., sendo que para a massa corporal eram pesados descalços e usando roupas leves, orientados a retirarem do bolso objetos pesados tais como chaves, cintos, óculos, telefones celulares e quaisquer outros objetos que pudessem interferir. Para a estatura o indivíduo deveria estar descalço e com a cabeça livre de adereços, no centro do equipamento, ereto, com os braços estendidos ao longo do corpo, com a cabeça erguida, olhando para um ponto fixo na altura dos olhos, cabeça posicionada no plano de Frankfurt (margem inferior da abertura do orbital e a margem superior do meatus auditivo externo ficando em uma mesma linha horizontal), pernas paralelas, pés formando um ângulo reto com as pernas. Para a verificação da massa corporal foi utilizada uma balança portátil, marca G_Tech, capacidade máxima 150kg, para a estatura um estadiômetro de bolso, marca Cescorf com uma amplitude de medida de três metros.

A velocidade de marcha foi obtida pelo teste de velocidade de marcha de quatro metros, demarcados ao chão, no qual o idoso realiza o percurso dentro do seu padrão de marcha habitual e é cronometrado o tempo de deslocamento2121 Maggio M, Ceda GP, Ticinesi A, de Vita F, Gelmini G, Costantino C, et al. Instrumental and Non-Instrumental Evaluation of 4-Meter Walking Speed in Older Individuals. PLoS ONE. 2016;11(4):e0153583.22. Ann N Y Acad Sci. 2000;(904):437-48.. O teste de velocidade de marcha é um teste validado e recomendado pelo Consenso Europeu de Sarcopenia, devido a conveniência de uso e capacidade de predizer resultados relacionados à sarcopenia22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10.. O teste foi realizado na área interna ou externa do domicílio, em local que permitisse o idoso caminhar quatro metros em linha reta, superfície plana e sem obstáculos. Considerou-se baixa velocidade de marcha22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10. valores ≤0,8m/s.

Para a classificação da obesidade foi considerado o percentual de gordura >27% para homens e >38% para mulheres2222 Roubenoff R, Baumgartner RN, Harris TB, Dallal GE, Hannan MT, Economos CD, et al. Application of bioelectrical impedance analysis to elderly population. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 1997;52:129-36.. O cálculo do percentual de gordura foi obtido pela fórmula2323 Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3: 1-10.: Porcentagem de massa gorda = massa corporal - {5,741 + {0,4551* [(estatura * estatura) / resistência]} + (0,1405 * massa corporal) + (0,0573 * reatância) + (6,2467 * Sexo)}, sendo que os valores de resistência e reatância foram obtidos a partir da análise de Impedância Bioelétrica já citada anteriormente. Para a classificação de obesidade sarcopênica considerou-se a condição de provável sarcopênico ou sarcopênico ou sarcopênico severo associada à condição de obesidade.

Os dados obtidos foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS; versão 22.0). Para a definição das medidas da estatística descritiva e analítica foi observado o comportamento de normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para as variáveis quantitativas utilizou-se média e desvio padrão e teste de comparação de média não paramétrico para amostras independente (Teste de Mann-Whitney). Para as qualitativas utilizou-se medidas de frequência relativa e absoluta e teste de associação (teste qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher) para verificar a dependência das variáveis. Para todos os casos foi utilizada um intervalo de confiança de 95% (IC95%). A avaliação da probabilidade de risco de um grupo em relação ao outro foi avaliada pelo cálculo da razão de prevalência (RP), considerando aumento de risco valores superiores a 1,02424 Jonas Valente. Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2018. Agência Brasil (Brasília) [Internet]. 18 jun. 2018 [acesso em 09 dez 2019]. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/no...
. Para analisar a relação entre as variáveis dependentes (força muscular, massa muscular e velocidade de marcha) com as variáveis independentes (obesidade, sexo, faixa etária, multicomorbidades e capacidade funcional) foi utilizado o modelo de regressão linear. Para todos os testes considerou-se estatisticamente significativo p<0,05.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 209 idosos, com idade média de 73,02±7,38 anos. Quando analisada a idade por sexo, observou-se que os homens apresentaram idade maior (74,39±7,43 anos) que as mulheres (72,25±7,27 anos; p=0,038). Já quando analisada por composição corporal, os obesos apresentaram idade menor (71,10±6,83 anos) que os não obesos (73,77±7,48 anos; p=0,017). A Tabela 1 apresenta o perfil sociodemográfico e de condição clínica de obesos e não obesos, na qual observa-se que os obesos apresentaram maior prevalência de homens e de multicomorbidades quando comparados aos não obesos.

Tabela 1
Perfil sociodemográfico e de condição clínica de idosos obesos e não obesos residentes na comunidade (n=209). Ijuí-RS, 2019.

Quanto a classificação da sarcopenia, verificou-se que 75,6% (n=158) dos idosos eram robustos, 13,9% (n=29) eram prováveis sarcopênicos, 6,2% (n=13) foram diagnosticados como sarcopênicos e 4,3% (n=9) como sarcopênicos severo. Para fins de análise estatística, os idosos que se apresentaram como prováveis sarcopênicos, sarcopênicos e sarcopênicos severo foram agrupados, como apresentado na Tabela 2. Ainda, são apresentadas as prevalências de obesidade e obesidade sarcopênica.

Tabela 2
Prevalências de sarcopenia, obesidade e obesidade sarcopênica em idosos residentes na comunidade (n = 209). Ijuí-RS, 2019.

A Tabela 3 relaciona a sarcopenia, a obesidade e obesidade sarcopênica com o sexo de idosos residentes na comunidade. Constatou-se que os homens apresentam maiores prevalências destas variáveis quando comparados às mulheres, no entanto a diferença apresentou-se como significativa apenas para sarcopenia e obesidade.

Tabela 3
Relação bivariada entre sarcopenia, obesidade e obesidade sarcopênica com o sexo (n=209). Ijuí-RS, 2019.

A Tabela 4 apresenta a relação bivariada entre obesidade e as variáveis da sarcopenia de idosos residentes na comunidade. Observa-se que os obesos apresentaram menor prevalência para perda de massa muscular quando comparado aos não obesos. Na comparação das médias das variáveis da sarcopenia, observou-se que os idosos obesos comparados aos não obesos apresentaram maior força muscular (27,59±10,36Kg vs. 22,43±7,18Kg; p=0,001), massa muscular (21,46±4,17Kg vs. 17,48±3,88 Kg; p<0,001), mas não de velocidade de marcha (1,06±0,32m/s vs. 1,04±0,36m/s; p=0,719).

Tabela 4
Relação bivariada entre obesidade e os critérios de sarcopenia (n=209). Ijuí-RS, 2019.

A Tabela 5 apresenta o modelo de regressão simples e ajustado por sexo, faixa etária, multicomorbidades e capacidade funcional da obesidade para a predição de força muscular, massa muscular e velocidade de marcha. Após o ajuste do modelo, percebeu-se que a obesidade e o sexo masculino foram significativos nas predições de uma maior força muscular e massa muscular, já na velocidade de marcha apenas o sexo influenciou. A faixa etária de 80 anos ou mais foi significativa na predição de menores valores das três variáveis analisadas, enquanto multicomorbidades influenciou em força muscular e velocidade de marcha e dependência para AIVD apenas em força muscular.

Tabela 5
Modelo de regressão linear simples e ajustada para os critérios de sarcopenia em idosos residentes na comunidade (n=209). Ijuí – RS, 2019.

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa evidenciaram em uma amostra de idosos residentes na comunidade do sul do Brasil uma prevalência de 23,9% de sarcopenia, 28,2% de obesidade e 4,3% de obesidade sarcopênica. Ainda, pode-se observar que os homens apresentaram maior prevalência de sarcopenia e de obesidade que as mulheres e os obesos tiveram menor prevalência de perda de massa muscular que os idosos eutróficos.

No Brasil e no mundo há evidências de que a obesidade vem aumentando entre as pessoas idosas2525 Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2018 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa>.Acesso em: 09/12/2019
http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/no...
,2626 Nações Unidas, Departamento de Divisão de População Econômica. Perspectivas da população mundial: a revisão de 2017, as principais conclusões e as tabelas de avanço. [sem local]: Nações Unidas; 2017. Working Paper No. ESA / P / WP / 248.. No Brasil, percebeu-se um crescimento de 26% de obesidade nessa população entre os anos de 2007 e 20172525 Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2018 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa>.Acesso em: 09/12/2019
http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/no...
, mas na condição associada de sarcopenia ainda é preciso mais estudos epidemiológicos que utilizem o mesmo método de mensuração para fins de estabelecer melhores parâmetros de prevalência. A prevalência de 4,4% de obesidade sarcopênica foi relatada em estudo que avaliou idosos de diferentes regiões do Brasil1212 Santos CM, Dias JMD, Samora GAR, Perracini MR, Guerra RO, Dias RC. Prevalence of obesity, sarcopenic obesity and associated factors: a FIBRA Network study. Fisioter Mov. 2017;30(Suppl 1):161-9., dado semelhante ao encontrado em nosso estudo. No entanto, percebe-se que existe uma variação de prevalência dependendo dos métodos de avaliação da obesidade sarcopênica. Um estudo comparativo apresentou dados divergentes para medidas levando em consideração o Índice de Massa Corporal (0,7%), a circunferência abdominal (6,5%) e o percentual de gordura (9,4%)1111 Oliveira TM, Roriz AKC, Medeiros JMB, Ferreira AJF, Ramos LB. Sarcopenic obesity in community-dwelling older women, determined by different diagnostic methods. Nutr Hosp. 2019;36(6):1267-72.. O excesso de gordura corporal somado com a redução de massa magra, decorrente do envelhecimento, pode resultar em um Índice de Massa Corporal dentro da normalidade, portanto, não se recomenda que o diagnóstico de obesidade sarcopênica leve em consideração essa medida de avaliação.

Quando comparado os sexos, outro estudo encontrou maior proporção entre os homens com 80 anos ou mais (8,6%) quando comparada às mulheres na mesma faixa etária (1,7%)1313 Santos VR, Gomes IC, Bueno DR, Christofaro DG, Freitas Jr IF, Gobbo LA. Obesity, sarcopenia, sarcopenic obesity and reduced mobility in Brazilian older people aged 80 years and over. Einstein. 2017;15(4):435-40.. Em nosso estudo verificou-se uma maior prevalência em 143% e 141% dos homens apresentarem sarcopenia e obesidade, respectivamente, em relação às mulheres. No entanto, percebeu-se que ser do sexo masculino foi a única variável que influenciou de forma positiva na predição de todos os critérios de sarcopenia, ou seja, um incremento de 9,06Kg na força muscular, de 5,25Kg na massa muscular e de 0,14m/s na velocidade de marcha, mesmo quando ajustado para obesidade, faixa etária, multicomorbidades e incapacidade funcional. Diante disso, pode-se sugerir duas hipóteses: a primeira relacionada às diferenças biológicas entre os sexos que justifica a influência positiva do sexo masculino na força e massa muscular; e a segunda, relacionada aos pontos de cortes utilizados para classificação da sarcopenia e da obesidade, os quais podem ter influenciado numa maior prevalência dessas condições para os homens, visto que os pontos de corte utilizados são oriundos da população europeia, que possui características biopsicossociais diferentes dos idosos brasileiros. Cabe destacar ainda que não existem estudos que tenham estabelecido pontos de corte específicos para classificação da sarcopenia na população idosa brasileira.

Nossos dados também sugeriram que idosos obesos apresentaram uma razão de prevalência 95% menor de perda de massa muscular quando comparados aos não obesos, porém, esse dado precisaria ser validado com um tamanho amostral maior, devido ao baixo número absoluto e relativo de obesos com baixa massa muscular. Também se observou que os idosos obesos apresentaram 3,11Kg adicionais de força muscular e 2,61Kg de massa muscular em relação aos idosos não obesos, mesmo quando ajustado para sexo, faixa etária, multicomorbidades e incapacidade funcional. Esse achado num primeiro momento parece ser controverso, haja vista que a obesidade poderia ser um fator limitador de mobilidade necessária para a manutenção de massa muscular capaz de gerar força muscular suficiente para a realização das tarefas de vida diária. Outros estudos encontraram valores de força muscular similares ou maiores entre os obesos quando comparados aos seus pares não obesos2727 Zoeller RF, Ryan, ED, Gordish-Dressman H, Price TB, Seip RL, Angelopoulos TJ, et al. Allometric scaling of isometric biceps strength in adult females and the effect of body mass index. Eur J Appl Physiol. 2008;104(4):701-10.,2828 Maffiuletti NA, Jubeau M, Munzinger U, Bizzini M, Agosti F, de Col A, et al. Differences in quadríceps muscle strength and fatigue between lean and obese subjects. Eur J Appl Physiol. 2007;101(1):51-9.. De acordo com os autores, esses achados têm sido atribuídos à provável adaptação neuromuscular induzida pelo excesso de peso corporal na estrutura musculoesquelética2727 Zoeller RF, Ryan, ED, Gordish-Dressman H, Price TB, Seip RL, Angelopoulos TJ, et al. Allometric scaling of isometric biceps strength in adult females and the effect of body mass index. Eur J Appl Physiol. 2008;104(4):701-10.,2828 Maffiuletti NA, Jubeau M, Munzinger U, Bizzini M, Agosti F, de Col A, et al. Differences in quadríceps muscle strength and fatigue between lean and obese subjects. Eur J Appl Physiol. 2007;101(1):51-9. Por outro lado, quando a força muscular é expressa por unidade de massa corporal ou de massa livre de gordura, essas diferenças desapareceram, sugerindo que a qualidade do tecido muscular não é afetada pela obesidade2727 Zoeller RF, Ryan, ED, Gordish-Dressman H, Price TB, Seip RL, Angelopoulos TJ, et al. Allometric scaling of isometric biceps strength in adult females and the effect of body mass index. Eur J Appl Physiol. 2008;104(4):701-10.,2828 Maffiuletti NA, Jubeau M, Munzinger U, Bizzini M, Agosti F, de Col A, et al. Differences in quadríceps muscle strength and fatigue between lean and obese subjects. Eur J Appl Physiol. 2007;101(1):51-9..

O excesso de massa corporal representa carga adicional na estrutura musculo esquelética de indivíduos obesos, levando a possíveis adaptações favoráveis na massa muscular, massa óssea e na força muscular2929 Wetzsteon RJ, Petit MA, Macdonald HM, Hughes JM, Beck TJ, McKay HA. Bone Structure and Volumetric BMD in Overweight Children: a Longitudinal Study. J Bone Miner Res. 2008;23(12):1946-53.

30 Gracia-Marco L, Ortega FB, Jiménez-Pavón D, Rodríguez G, Castillo MJ, Vicente-Rodríguez G. Adiposity and bone health in Spanish adolescents: The HELENA study. Osteoporos Int. 2012;23(3):937-47.
-3131 Vanderwalle S, Taes Y, van Helvoirt M, Debode P, Herregods N, Ernst C, et al. Bone size and bone strength are increased in obese male adolescents. J Clin Endocrinol Metab. 2013;98(7):3019-28.. Além disso, os obesos apresentam perfil metabólico alterado em comparação aos não obesos, com maiores valores de insulina basal, a qual pode levar a estado anabólico sistêmico3232 Lopes WA, Leite N, Silva LR, Moraes Jr FB, Consentino CLM, Araújo CT, et al. Influence of obesity on the upper and lower body muscular strength in adolescents Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2013;18(6):720-9.. A combinação desse ambiente anabólico e a sobrecarga adicional podem ser responsáveis pela maior massa muscular e óssea, bem como os maiores níveis de força verificada em obesos quando comparados aos não obesos3232 Lopes WA, Leite N, Silva LR, Moraes Jr FB, Consentino CLM, Araújo CT, et al. Influence of obesity on the upper and lower body muscular strength in adolescents Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2013;18(6):720-9..

Os estudos supracitados que encontraram valores de força muscular similares, ou até mesmo superiores em obesos quando comparados aos não obesos, foram realizados com populações de crianças e adolescentes2929 Wetzsteon RJ, Petit MA, Macdonald HM, Hughes JM, Beck TJ, McKay HA. Bone Structure and Volumetric BMD in Overweight Children: a Longitudinal Study. J Bone Miner Res. 2008;23(12):1946-53.

30 Gracia-Marco L, Ortega FB, Jiménez-Pavón D, Rodríguez G, Castillo MJ, Vicente-Rodríguez G. Adiposity and bone health in Spanish adolescents: The HELENA study. Osteoporos Int. 2012;23(3):937-47.

31 Vanderwalle S, Taes Y, van Helvoirt M, Debode P, Herregods N, Ernst C, et al. Bone size and bone strength are increased in obese male adolescents. J Clin Endocrinol Metab. 2013;98(7):3019-28.
-3232 Lopes WA, Leite N, Silva LR, Moraes Jr FB, Consentino CLM, Araújo CT, et al. Influence of obesity on the upper and lower body muscular strength in adolescents Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2013;18(6):720-9.. Diante disso, ainda há necessidade de uma investigação mais detalhada sobre o que esses dados significam para a população idosa, visto que os processos fisiológicos entre essas duas etapas da vida são diferentes. A combinação entre a redução de massa e força muscular vem sendo associada à dependência física, ao comprometimento cognitivo e ao aumento do risco de comorbidades e morte em idosos3333 Li CI, Li TC, Lin WY, Liu CS, Hsu CC, Hsiung CA, et al. Combined association of chronic disease and low skeletal muscle mass with physical performance in the elderly in the Sarcopenia and Translational Aging Research study in Taiwan (START). BMC Geriatr. 2015;15:1-10.. Portanto, as estratégias de perda de peso corporal oferecidas para população idosa devem levar em consideração a prevenção de perda óssea e muscular88 Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92..

Nesse sentido, evidenciou-se que a restrição energética, a partir de uma dieta hipocalórica, independentemente de ser associada com exercício físico, resultou na diminuição de um quarto da massa magra por unidade de peso e, consequentemente, piora nos quadros de sarcopenia e de osteopenia3434 Heymsfield SB, Gonzalez MC, Shen W, Redman L, Thomas D. Weight loss composition is one-fourth fat-free mass: a critical review and critique of this widely cited rule. Rev Obes. 2014;15(4):310-21.. Outro estudo constatou que idosos com mais de 70 anos e com as menores proporções de tecido adiposo apresentaram maiores taxas de mortalidade, independentemente da performance física99 Santos RR, Bicalho MA, Mota P, Oliveira DR, Moraes EN. Obesity in the elderly. Rev med Minas Gerais. 2013;23(1):64-73.. Em controvérsia, nosso estudo também comprovou associação entre obesidade e multicomorbidades, o que pode trazer muitos malefícios à saúde dos idosos. Percebeu-se que idosos obesos possuem uma prevalência aumentada em 119% de apresentarem multicomorbidades quando comparados aos idosos não obesos. Além disso, a multicomorbidade predisse 2,58Kg a menos de força muscular e de 0,11m/s na velocidade da marcha, mesmo quando ajustado para sexo, faixa etária, obesidade e incapacidade funcional.

Diante disso, salientamos que a as intervenções para perda de peso corporal intencional em idosos devem ser fundamentadas a partir dos princípios básicos da geriatria. Percebe-se a necessidade de avaliar os benefícios e malefícios que essas estratégias podem acarretar à saúde dos idosos. Nesse sentido, é de suma importância a avaliação multidimensional do idoso e tratamentos com evidências científicas geradas nessa faixa etária99 Santos RR, Bicalho MA, Mota P, Oliveira DR, Moraes EN. Obesity in the elderly. Rev med Minas Gerais. 2013;23(1):64-73..

Como limitações deste estudo, destacam-se o desenho do estudo transversal, o que limita as conclusões e generalizações dos resultados; o número amostral que não atingiu o tamanho probabilístico determinado; e a diferença de idade entre homens e mulheres, e entre obesos e não obesos, a qual pode ter influenciado em alguns resultados, visto que os homens e os idosos não obesos, apresentaram maiores médias.

Além disso, salientamos que o consenso europeu de sarcopenia22 Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10. traz como padrão ouro para medida de massa muscular a Absorciometria de dupla energia por raios X, porém esse exame ainda não é acessível a toda população. O próprio consenso indica o uso da Análise de Impedância Bioelétrica por ser um aparelho acessível e portátil, juntamente a equação de Sergi1818 Sergi G, Rui M, Veronese N, Bolzetta F, Berton L, Carraro S, et al. Assessing appendicular skeletal muscle mass with bioelectrical impedance analysis in free-living Caucasian older adults. Clin Nutr. 2015;34(4):667-73. para estimar a massa muscular. Esta equação tem validação para populações europeias, portanto, sugerem-se que novos estudos sejam realizados com objetivo de validação para população brasileira. Cabe ainda destacar que os dados são referentes à população de uma única cidade, portanto os resultados não podem ser extrapolados para população brasileira, visto que o Brasil possui diferentes taxas de envelhecimento, condições socioeconômicas e culturais entre suas regiões. Sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas com o intuito de comparação de dados entre as regiões do Brasil.

CONCLUSÃO

Os resultados desta pesquisa evidenciaram uma prevalência de 23,9% de sarcopenia, 28,2% de obesidade e 4,3% de obesidade sarcopênica na população idosa residente na comunidade. Além disso, contatou-se que os homens apresentaram maior razão de prevalência de sarcopenia e de obesidade que as mulheres. No entanto, ser do sexo masculino influenciou de forma positiva na predição de todas as variáveis que compõem os critérios de classificação da sarcopenia. Também foi verificado que os obesos tiveram uma razão de prevalência menor para perda de massa muscular que os idosos não obesos. A obesidade parece ter influenciado de forma positiva na predição de força e massa muscular.

Conclui-se que a obesidade deve ser analisada levando em consideração as diferentes etapas da vida, visto que as estratégias para perda de peso corporal em idosos podem acarretar alguns malefícios à saúde. Destaca-se a importância da avaliação multidimensional do idoso, a fim de averiguar a real necessidade de perda de peso corporal, com intuito de prevenção de perda de massa e força muscular.

  • Financiamento da pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Número do Edital: 88882.164931-2014-01, Código de Financiamento 001, Bolsa PROEX.

REFERENCES

  • 1
    Schaap LA, van Schoor NM, Lips P, Visser M. Associations of sarcopenia definitions, and their components, with the incidence of recurrent falling and fractures: the longitudinal aging study Amsterdam. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2018;73:1199-204.
  • 2
    Cruz-jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(6):1-10.
  • 3
    Zamboni M, Rubele S, Rossi AP. Sarcopenia and obesity. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2019;22(1):13-9.
  • 4
    Cruz-jentoft AJ, Baeyens JP, Bauer JM, Boirie Y, Cederholm T, Landi F, et al. Sarcopenia: European consensus on definition and diagnosis: Report of the European Working Group on Sarcopenia in Older People. Age Ageing. 2010;39(4):412-23.
  • 5
    Tournadre A, Vial G, Capel F, Soubrier M, Boirie Y. Sarcopenia. Joint Bone Spine. 2019;86(3):309-14.
  • 6
    Zhang X, Xie X, Dou Q, Liu C, Zhang W, Yang Y, et al. Association of sarcopenic obesity with the risk of all-cause mortality among adults over a broad range of different settings: a updated meta-analysis. BMC Geriatrics. 2019;19(183):1-9.
  • 7
    Campos GC, Lopes CL, Lourenço RA. Obesidade sarcopênica e funcionalidade: Uma revisão da literatura. Rev HUPE. 2017;16(2):102-9.
  • 8
    Kim TN. Elderly Obesity: Is It Harmful or Beneficial? J Obes Metab Syndr. 2018;27(2):84-92.
  • 9
    Santos RR, Bicalho MA, Mota P, Oliveira DR, Moraes EN. Obesity in the elderly. Rev med Minas Gerais. 2013;23(1):64-73.
  • 10
    Batsis JA, Villareal DT. Sarcopenic obesity in older adults: aetiology, epidemiology and treatment strategies. Nat Rev Endocrinol. 2018;14(9):513-37.
  • 11
    Oliveira TM, Roriz AKC, Medeiros JMB, Ferreira AJF, Ramos LB. Sarcopenic obesity in community-dwelling older women, determined by different diagnostic methods. Nutr Hosp. 2019;36(6):1267-72.
  • 12
    Santos CM, Dias JMD, Samora GAR, Perracini MR, Guerra RO, Dias RC. Prevalence of obesity, sarcopenic obesity and associated factors: a FIBRA Network study. Fisioter Mov. 2017;30(Suppl 1):161-9.
  • 13
    Santos VR, Gomes IC, Bueno DR, Christofaro DG, Freitas Jr IF, Gobbo LA. Obesity, sarcopenia, sarcopenic obesity and reduced mobility in Brazilian older people aged 80 years and over. Einstein. 2017;15(4):435-40.
  • 14
    Berlezi EM, Gross CB, Pimentel JJ, Pagno AR, Fortes CK, Pillatt AP. Estudo do fenótipo de fragilidade em idosos residentes na comunidade. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(11):4201-9.
  • 15
    Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963;185(12):914-9.
  • 16
    Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9:179-86.
  • 17
    Dodds RM, Syddall HE, Cooper R, Benzeval M, Deary IJ, Dennison EM, et al. Grip strength across the life course: normative data from twelve British studies. PLoS ONE. 2014;9(12):e113637.
  • 18
    Sergi G, Rui M, Veronese N, Bolzetta F, Berton L, Carraro S, et al. Assessing appendicular skeletal muscle mass with bioelectrical impedance analysis in free-living Caucasian older adults. Clin Nutr. 2015;34(4):667-73.
  • 19
    Studenski SA, Peters KW, Alley DE, Cawthon PM, McLean RR, Harris TB, et al. The FNIH sarcopenia project: rationale, study description, conference recommendations, and final estimates. J. Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2014;69(5):547-58.
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN . Brasília, DF : MS; 2011. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).
  • 21
    Maggio M, Ceda GP, Ticinesi A, de Vita F, Gelmini G, Costantino C, et al. Instrumental and Non-Instrumental Evaluation of 4-Meter Walking Speed in Older Individuals. PLoS ONE. 2016;11(4):e0153583.22. Ann N Y Acad Sci. 2000;(904):437-48.
  • 22
    Roubenoff R, Baumgartner RN, Harris TB, Dallal GE, Hannan MT, Economos CD, et al. Application of bioelectrical impedance analysis to elderly population. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 1997;52:129-36.
  • 23
    Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3: 1-10.
  • 24
    Jonas Valente. Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2018. Agência Brasil (Brasília) [Internet]. 18 jun. 2018 [acesso em 09 dez 2019]. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa
    » http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa
  • 25
    Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2018 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa>.Acesso em: 09/12/2019
    » http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-06/obesidade-atinge-quase-um-em-cada-cinco-brasileiros-mostra-pesquisa
  • 26
    Nações Unidas, Departamento de Divisão de População Econômica. Perspectivas da população mundial: a revisão de 2017, as principais conclusões e as tabelas de avanço. [sem local]: Nações Unidas; 2017. Working Paper No. ESA / P / WP / 248.
  • 27
    Zoeller RF, Ryan, ED, Gordish-Dressman H, Price TB, Seip RL, Angelopoulos TJ, et al. Allometric scaling of isometric biceps strength in adult females and the effect of body mass index. Eur J Appl Physiol. 2008;104(4):701-10.
  • 28
    Maffiuletti NA, Jubeau M, Munzinger U, Bizzini M, Agosti F, de Col A, et al. Differences in quadríceps muscle strength and fatigue between lean and obese subjects. Eur J Appl Physiol. 2007;101(1):51-9.
  • 29
    Wetzsteon RJ, Petit MA, Macdonald HM, Hughes JM, Beck TJ, McKay HA. Bone Structure and Volumetric BMD in Overweight Children: a Longitudinal Study. J Bone Miner Res. 2008;23(12):1946-53.
  • 30
    Gracia-Marco L, Ortega FB, Jiménez-Pavón D, Rodríguez G, Castillo MJ, Vicente-Rodríguez G. Adiposity and bone health in Spanish adolescents: The HELENA study. Osteoporos Int. 2012;23(3):937-47.
  • 31
    Vanderwalle S, Taes Y, van Helvoirt M, Debode P, Herregods N, Ernst C, et al. Bone size and bone strength are increased in obese male adolescents. J Clin Endocrinol Metab. 2013;98(7):3019-28.
  • 32
    Lopes WA, Leite N, Silva LR, Moraes Jr FB, Consentino CLM, Araújo CT, et al. Influence of obesity on the upper and lower body muscular strength in adolescents Rev Bras Ativ Fis Saúde. 2013;18(6):720-9.
  • 33
    Li CI, Li TC, Lin WY, Liu CS, Hsu CC, Hsiung CA, et al. Combined association of chronic disease and low skeletal muscle mass with physical performance in the elderly in the Sarcopenia and Translational Aging Research study in Taiwan (START). BMC Geriatr. 2015;15:1-10.
  • 34
    Heymsfield SB, Gonzalez MC, Shen W, Redman L, Thomas D. Weight loss composition is one-fourth fat-free mass: a critical review and critique of this widely cited rule. Rev Obes. 2014;15(4):310-21.

Editado por

Editado por: Daniel Gomes da Silva Machado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2020
  • Aceito
    05 Nov 2020
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com