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Caracterização epidemiológica da hepatite B em idosos

Resumo

Objetivo

Caracterizar o perfil e identificar os fatores associados à Hepatite B na população com 60 anos ou mais de idade da região Sudoeste do Paraná, Brasil.

Método

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo e inferencial que analisou quantitativamente dados secundários obtidos através do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), entre 2007 a 2017.

Resultados

A Hepatite B foi mais frequente em homens, com baixa escolaridade e em indivíduos que exerciam atividade ligada à agricultura. A maioria dos casos foi notificada entre 2013 a 2017 e em sujeitos que reportaram exposição a material biológico. No modelo multivariado de regressão logística, as infecções pelos vírus da hepatite B foram associadas à raça/cor não branca (OR: 2,89; IC95% 1,07 – 7,87), ao histórico de realização de transfusão sanguínea (OR: 14,51; IC95% 5,44 – 38,74), em residentes de municípios de 10 a 20 mil habitantes (OR: 4,57; IC95% 1,59 – 13,12) e de municípios entre 20 a 50 mil habitantes (OR: 4,33; IC95% 1,61 – 11,56).

Conclusão

A caracterização dos possíveis fatores de risco para hepatite B nessa população podem subsidiar ações mais eficazes de prevenção e promoção de saúde, bem como fomentar estudos específicos que possam guiar políticas de atenção integral ao idoso.

Palavras-Chave:
Saúde do Idoso; Hepatite B; Epidemiologia; Fatores de Risco

Abstract

Objective

to characterize the epidemiologic profile of Hepatitis B in the population aged 60 years old or more from the southwest region of the state of Paraná, Brazil, between 2007 and 2017.

Method

an epidemiologic, descriptive, and inferential study was conducted based on notifications obtained from the Notifiable Diseases Information System(or SINAN).

Results

Hepatitis B was more frequent in men, those with low levels of schooling and among individuals who worked in agriculture. Most of the cases were reported between 2013 and 2017 in subjects who reported having been exposed to biological material. According to logistic regression, hepatitis B infections were associated with non-white ethnicity (OR: 2.89; 95%CI 1.07 – 7.87), a history of blood transfusions (OR: 14.51; 95%CI 5.44 – 38.74), living in municipal regions with 10,000 to 20,000 inhabitants (OR: 4.57; 95%CI 1.59 – 13.12) and also among individuals from municipal regions with 20,000 to 50,000 inhabitants (OR: 4.33; 95%CI 1.61 – 11.56).

Conclusion

the epidemiological profile reported here represents a risk factor for hepatitis B in this population. The data can support more effective interventions, as well as further studies to guide comprehensive public health policies for older adults.

Keywords
Health of the Elderly; Hepatitis B; Epidemiology; Risk Factors

INTRODUÇÃO

A Hepatite B é causada pelo vírus da hepatite B (VHB), um DNA vírus pertencente à família Hepadnaviridae 11 Hu J, Protzer U, Siddiqui A. Revisiting hepatitis B virus: challenges of curative therapies. J Virol. 2019;93(20):e01032-19.. Tal vírus possui alta infectividade e pode ser transmitido de maneira direta ou indireta, através da exposição percutânea ou de mucosas a fluidos corporais ou sangue contaminados com o vírus22 Veronesi R, Focaccia R. Tratado de Infectologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2015.. Acredita-se que desfechos negativos do VHB sofrem influências de fatores presentes mais comumente na população idosa, incluindo mudanças fisiológicas relacionadas à idade e maior taxa de comorbidades33 Carrion AF, Martin P. Viral hepatitis in the elderly. Am J Gastroenterol. 2012;107(5):691-7..

Nesse contexto, o VHB adquire importância, pois a probabilidade de ocorrência de complicações decorrentes da doença hepática aguda e crônica, bem como a mortalidade geral causadas por esse vírus, também aumenta com o envelhecimento. A idade avançada também aumenta a probabilidade de um indivíduo ter passado por transfusão de sangue prévia, ter tido múltiplos parceiros sexuais, dentre outros fatores de risco44 Kemp L, Clare KE, Brennan PN, Dillon JF. New horizons in hepatitis B and C in the older adult. Age Ageing. 2019;48(1):32-7.,55 Marinho TA, Lopes CLR, Teles SA, de Matos MA, de Matos MAD, Kozlowski AG, et al. Epidemiology of hepatitis B virus infection among recyclable waste collectors in central Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2014;47(1):18-23.. Investigações recentes enfatizam que o VHB aumenta as chances de desenvolvimento de várias neoplasias, ao passo que a imunização possa reduzir as chances de ocorrência e recorrência de cânceres66 Cui H, Jin Y, Chen F, Ni H, Hu C, Xu Y, et al. Clinicopathological evidence of Hepatitis B Virus infection in the development of gastric adenocarcinoma. J Med Virol. 2020;92(1):71-7.,77 Mahale P, Engels EA, Koshiol J. Hepatitis B virus infection and the risk of cancer in the elderly US population. Int J Cancer. 2019;144(3):431-9, que reconhecidamente acometem uma proporção maior de idosos88 Nolen SC, Evans MA, Fischer A, Corrada MM, Kawas CH, Bota DA. Cancer- incidence, prevalence and mortality in the oldest-old: a comprehensive review. Mech Ageing Dev. 2017;164:113-26..

A imunização da hepatite B foi inserida no calendário vacinal a partir de 1998. Sabe-se que, com o aumento da idade, ocorre a diminuição da imunogenicidade e, por volta dos 60 anos, somente cerca de 75% dos vacinados desenvolvem anticorpos protetores99 Sociedade Brasileira de Pediatria. Vacina contra hepatite B. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(5):288–9.. Isso ocorre devido as alterações na composição da medula óssea, que diminui a capacidade de produzir e nutrir células-tronco e acaba atrofiando a glândula timo com a redução da produção de células T. Nessa situação, a resposta à vacinação é prejudicada devido a defeitos funcionais em vários níveis nas respostas imunes inatas e adaptativas1010 Williams RE, Sena AC, Moorman AC, Moore ZS, Sharapov UM, Drobenuic J, et al. Hepatitis B vaccination of susceptible elderly residents of long term care facilities during a hepatitis B outbreak. Vaccine. 2012;30(21):3147-50.,1111 Vermeiren APA, Hoebe CJPA, Dukers-Muijrers NHTM. High non-responsiveness of males and the elderly to standard hepatitis B vaccination among a large cohort of healthy employees. J Clin Virol. 2013;58(1):262-4..

O Brasil apresentou, entre 1999 e 2017, 218.257 casos confirmados de Hepatite B, estando 31,6% dos casos concentrados na região Sul. A população de 60 anos ou mais apresentou, entre 2007 e 2017, um aumento nas taxas de detecção, passando de 4,4 para 7,4 casos para cada 100.000 habitantes1212 Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Hepatites Virais - 2018 [Internet]. [acesso em 14 set. 2020]. Brasília, DF: MS; 2018. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2018/boletim-epidemiologico-de-hepatites-virais-2018
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. Já no estado do Paraná, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), entre 2007 e 2017, 29.268 casos de Hepatite B, com tendência de queda desde 2011 e maior concentração na região Oeste; deste total, 10,08% dos casos concentram-se na população de 60 anos ou mais1313 Paraná. Secretaria de Estado da Saúde. Boletim Epidemiológico: Hepatites Virais - 2018 [Internet]. [acesso em 01 out. 2020]. Paraná: SES; 2018. Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/BoletimHepatitesVirais2018.pdf
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. No caso da hepatite B, é importante frisar que a área de abrangência do estudo é endêmica para a doença1414 Souto FJD. Distribution of hepatitis B infection in Brazil: the epidemiological situation at the beginning of the 21 st century. Rev Soc Bras Med Trop. 2015;49(1):11-23..

O perfil epidemiológico do indivíduo idoso possui elevada prevalência de doenças crônicas, estando associado com maior mortalidade decorrente de complicações e/ou falta de tratamento adequado. Logo, considerando que, no Estado do Paraná, cerca de 20% da sua população terá ≥60 anos em 20401515 IPARDES. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Projeção da população dos municípios do Paraná para o período 2018 a 2040 [Internet]. Paraná: IPARDES; 2018 [acesso em 24 nov. 2020]. Disponível em: http://www.ipardes.pr.gov.br/sites/ipardes/arquivos_restritos/files/documento/2019-09/nota_tecnica_populacao_projetada.pdf
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, somadas as consequências do impacto das doenças agudas e crônicas junto aos sistemas de saúde, esta pesquisa teve como objetivo caracterizar o perfil e identificar os fatores associados a Hepatite B na população de 60 anos ou mais da região Sudoeste do Paraná, Brasil.

MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo e inferencial que analisou quantitativamente dados secundários obtidos através do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) entre 2007 a 20171616 Brasil. Ministério da Saúde. Brasília, DF: MS; 2019 [acesso em 24 nov. 2020]. Sistema de Informação de Agravos de Notificação [Internet]. Disponível em: http://portalsinan.saude.gov.br/
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. O SINAN constitui uma das principais ferramentas disponíveis para coleta e processamento de dados de agravos, permitindo avaliar a extensão e possíveis impactos de uma doença na população geral ou numa determinada população específica, possibilitando a elaboração de hipóteses epidemiológicas. Obteve-se aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, sob o parecer nº 3.359.586 de 31 de Maio de 2019.

Do total de 589 notificações no período para Hepatites B e C na região Sudoeste do Paraná, 26 casos apresentavam coinfecção (i.e., VHB e VHC), sendo excluídos da pesquisa. O número final de indivíduos incluídos na pesquisa foi de 563 casos notificados. Os critérios de inclusão foram: indivíduos com 60 anos ou mais, residentes em um dos 37 municípios da região Sudoeste do Paraná, com notificação por Hepatite B confirmada a partir de seus marcadores sorológicos para infecção ativa ou passada (no caso da Hepatite B, positividade para o Anti-HBc total, com HBsAg reagente ou não).

O desfecho analisado neste estudo foi a presença de hepatite B (sim/não). As variáveis explicativas foram: sexo (masculino/feminino), idade (agrupada conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Populações [Internet]. 2020 [acesso em 24 nov. 2020]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao.html
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, raça/cor (branca/outra), escolaridade (≤4 anos e >4 anos), população do município de residência (agrupado por número de habitantes: até 10 mil, 10 a 20 mil, 20 a 50 mil e 50 a 100 mil habitantes) e microrregião, período de notificação (agrupados de cinco em cinco anos) e ocupação. As profissões foram agrupadas conforme a lista da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)1818 Brasil. Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) [Internet]. 2020 [acesso em 24 nov. 2020]. Disponível em: https://empregabrasil.mte.gov.br/76/cbo/
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. Ademais, as variáveis a seguir foram incluídas, tendo sido classificadas de forma dicotômica (sim/não): história de contato sexual e contato domiciliar com portadores do VHB, histórico de múltiplos parceiros sexuais, exposição a medicamentos/substâncias injetáveis, transfusão sanguínea, tratamento cirúrgico e dentário, hemodiálise e transplante de órgãos.

Os dados extraídos da base do SINAN foram convertidos em formato compatível com Microsoft Excel para posterior análise. Considerou-se a região Sudoeste como conjunto das Microrregiões de Capanema, Francisco Beltrão e Pato Branco, totalizando 37 municípios, segundo classificação do IBGE; essa classificação difere da utilizada pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, a qual inclui a Microrregião de Palmas, composta por cinco municípios1515 IPARDES. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Projeção da população dos municípios do Paraná para o período 2018 a 2040 [Internet]. Paraná: IPARDES; 2018 [acesso em 24 nov. 2020]. Disponível em: http://www.ipardes.pr.gov.br/sites/ipardes/arquivos_restritos/files/documento/2019-09/nota_tecnica_populacao_projetada.pdf
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. As análises iniciais de associação foram realizadas com a aplicação do teste qui-quadrado (x22 Veronesi R, Focaccia R. Tratado de Infectologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2015.) de Pearson e teste exato de Fisher. As variáveis que apresentaram um valor de probabilidade igual ou inferior a 0,25 pelo teste x22 Veronesi R, Focaccia R. Tratado de Infectologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2015. foram selecionadas para análise multivariada, através de um modelo de regressão logística não condicional. Adotou-se p<0,05 como indicativo de significância.

RESULTADOS

A idade da amostra apresentou uma média de 66,05 anos (±6,09), sendo 65,86 (±5,51) do sexo masculino e 66,28 (±6,69) do sexo feminino. A idade variou de 60 a 106 anos. A maioria dos participantes (50,6%) exercia atividades ligadas à agricultura. Na análise univariada, observou-se maior frequência para Hepatite B no sexo masculino (53,1%), na faixa etária acima de 64 anos (56,7%), de raça branca (93,3%), com até 4 anos de escolaridade (67,1%), com atividade profissional na agricultura (50,6%) e residindo em municípios com até 10 mil habitantes (33,9%). Ademais, maior proporção de casos notificados ocorreu entre 2013 a 2017 (74,7%), em sujeitos com exposição à medicamentos/substâncias injetáveis (59,4%) e histórico de tratamento dentário (58,3%).

Na Tabela 2, estão descritas as variáveis que passaram pela análise de regressão. Observou-se que raça/cor não branca (OR: 2,89; IC95% 1,07 -7,87), ter realizado transfusão sanguínea (OR: 14,51; IC95% 5,44-38,74), residir em municípios entre 20 a 50 mil habitantes (OR: 4,33; IC95% 1,61-11,66) e em municípios de 10 a 20 mil habitantes (OR: 4,57; IC95% 1,59-13,12) apresentaram maior probabilidade de ter infecção pelo VHB.

Tabela 1
Características de idosos com e sem Hepatite B da região Sudoeste do Paraná, entre 2007 e 2017
Tabela 2
Fatores preditores para Hepatite B em idosos da região Sudoeste do Paraná, entre 2007 e 2017.

DISCUSSÃO

As infecções sexualmente transmissíveis são temas recorrentes em debates com enfoque na população jovem, mas - com o aumento da expectativa de vida e a mudança do perfil comportamental da população idosa – nota-se maior risco de exposição às IST1919 Levy SB, Gunta J, Edemekong P. Screening for Sexually Transmitted Diseases. Prim Care. 2019;46(1):157-73.,2020 Weinberger B. Vaccines for the elderly: current use and future challenges. Immun Ageing. 2018;15(1):1-3. e, dentre estas, a infecção pelo VHB2121 Yooda AP, Sawadogo S, Soubeiga ST, Obiri-Yeboah D, Nebie K, Ouattara AK, et al. Residual risk of HIV, HCV, and HBV transmission by blood transfusion between 2015 and 2017 at the Regional Blood Transfusion Center of Ouagadougou, Burkina Faso. JBM. 2019;10:53-8.. Fatores como a reduzida resposta vacinal, aumento da suscetibilidade a doenças e baixa eficácia do sistema imunológico2222 Koldaş ZL. Vaccination in the elderly population. Turk Kardiyol Dern Ars. 2017;45(Suppl 5):124-7. e, no caso dos municípios interioranos do país, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, ausência ou pouco conhecimento sobre mecanismos de prevenção e sobre o estado de saúde tornam essa população mais vulnerável à hepatite B2323 Andrade J, Ayres JA, Alencar RA, Duarte MTC, Parada CMGL. Vulnerabilidade de idosos a infecções sexualmente transmissíveis. Acta Paul Enferm. 2017;30(1):8-15..

No presente estudo, idosos que residiam em municípios com população entre 10 e 50 mil habitantes apresentaram maiores chances de contaminação pelo VHB quando comparado a idosos residentes em municípios com população acima de 50 mil habitantes. A contaminação pelo VHB pode estar associada ao estilo de vida de cidades relativamente maiores, com maior população em situação de vulnerabilidade, como maior número de parceiros sexuais e maiores índices de uso de drogas. Por outro lado, 61,27% dos idosos do presente estudo encontram-se em cidades de pequeno porte, com uma estrutura econômica fortemente agrícola, onde as crenças e tabus voltados à sexualidade de idosos são mais intensas e associadas à relutância dos idosos e profissionais de saúde em abordar o assunto2323 Andrade J, Ayres JA, Alencar RA, Duarte MTC, Parada CMGL. Vulnerabilidade de idosos a infecções sexualmente transmissíveis. Acta Paul Enferm. 2017;30(1):8-15.. Entende-se, assim, que fatores de risco sociodemográficos específicos podem tornar os idosos mais suscetíveis a exposição às IST’s, tanto em cidades de pequeno como médio porte. Deste modo, campanhas preventivas podem ser delineadas focando nessas especificidades.

Já a significativa relação de casos de hepatite B com histórico de transfusão sanguínea apresentada neste estudo pode remeter às décadas de 1980 e 1990, quando, enfim, se iniciaram os métodos de detecção do VHB no sangue de doadores e hemoderivados2424 Seo DH, Whang DH, Song EY, Han KS. Occult hepatitis B virus infection and blood transfusion. World J Hepatol. 2015;7(3):1-10.. Ou seja, todos aqueles que realizaram esse tipo de procedimento antes da implementação e aprimoramento das técnicas de detecção de vírus - pessoas em sua maioria, hoje, idosas - podem ter sido expostos ao VHB, explicando o alto índice dessa fonte de infecção na população avaliada neste estudo. Isso direciona, inclusive, para a importância da testagem sorológica, por meio de testes complementares ou confirmatórios, de modo a reduzir a transmissão de hepatites virais pela via transfusional2525 Valente VB, Covas DT, Passos ADC. Marcadores sorológicos das hepatites B e C em doadores de sangue do Hemocentro de Ribeirão Preto, SP. Rev Soc Bras Med Trop. 2005;38(6):488-92.. Ademais, tais achados sublinham para a atenção integral ao idoso que, mesmo assintomático, se enquadre em um ou mais dos fatores de risco associados com a infecção pelo VHB detectados nesse estudo. Igualmente, cabe enfatizar para a importância da vigilância epidemiológica relativa às hepatites virais de modo a fomentar políticas que ampliem a cobertura vacinal em regiões endêmicas como a analisada nesse estudo.

Com o avançar da idade biológica, a sociedade tem tendência a desconsiderar a vida econômica, social e sexual do indivíduo que envelheceu. Os cuidados são direcionados à saúde biológica e raramente abordam-se questões sobre a sexualidade. O uso de medicamentos para disfunções eréteis é um fator contribuinte para a manutenção da atividade sexual pelos idosos. Aliado a isso, existe a resistência ao uso de preservativo, mesmo após explicação de sua necessidade, sendo a prática sexual desprotegida - considerada comportamento de risco - alerta para a investigação de IST, incluindo a hepatite B2626 Dornelas Neto J, Nakamura AS, Cortez LER, Yamaguchi MU. Doenças sexualmente transmissíveis em idosos: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(12):3853-64.. Talvez por isso, as vias sexual e injetável são, costumeiramente, as principais formas de transmissão do VHB2727 Centers for Disease Control and Prevention. The ABCs of Hepatitis [Internet]. 2020 [citado 14 nov. 2020]. Disponível em: https://www.cdc.gov/hepatitis/Resources/Professionals/PDFs/ABCTable.pdf
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.

As maiores frequências de VHB foram identificadas entre aqueles idosos que desempenham atividades agrícolas, provavelmente porque essa população está mais afastada, tem maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, ao conhecimento e seu status sorológico, bem como apresenta elevadas taxas de analfabetismo, dentre outras carências sociais e econômicas2828 Braga W, Brasil L, Souza R, Melo M, Rosas M, Castilho M, et al. Prevalência da infecção pelos vírus da hepatite B (VHB) e da hepatite Delta (VHD) em Lábrea, Rio Purus, Estado do Amazonas. Epidemiol Serv Saúde. 2004;13(1):35-46.. O nível de escolaridade demonstrou ser um fator associado a hepatite B na população com 60 anos ou mais. A educação formal ao longo da vida pode ser um fator protetor em relação a doenças transmissíveis2929 Pilger C, Menon MH, Mathias TAF. Socio-demographic and health characteristics of elderly individuals: support for health services. Rev Latinoam Enferm. 2011;19(5):1230-8., pois o nível educacional contribuiu para aumentar a aptidão cognitiva e, consequentemente, tem reflexos na apreensão de conhecimentos e habilidades. Ao melhorar o processamento e manejo da informação, a escolaridade se apresenta como um determinante social no comportamento dessa população. Assim, a ausência ou baixa escolaridade podem resultar em menor compreensão das medidas preventivas, bem como em maior exposição aos fatores de risco, apesar dessa relação não ser homogênea na população. Por exemplo, Henn et al. demonstraram que escolaridade e risco de infecção não estiveram associados3030 Henn ML, Kunz RZ, Medeiros AFR. Perfil clínico de pacientes portadores de hepatite B crônica. Rev Soc Bras Clin Med. 2017;15(4):22-9..

Em relação à diferença na frequência de notificações entre a primeira e a segunda metades do período analisado, provavelmente a subnotificação ou subdiagnóstico de casos foram fatores determinantes neste resultado, já que, conforme os Boletins Epidemiológicos de Hepatites virais no Brasil, demonstra-se que a incidência das hepatites não teve significativo aumento ao longo desses anos. Pelo contrário, houve poucas variações nesse período, o que leva a crer que o resultado apresentado nessa variável pode ser um indicativo de melhoria no sistema de notificação3131 Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Hepatites Virais- 2019 [Internet]. Brasília.DF: MS; 2019 [citado 14 nov. 2020]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-de-hepatites-virais-2019
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Toda a região Sul do Brasil apresenta, por razões históricas, uma predominância da população branca3232 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [citado 11 nov. 2019]. Brasília, DF: IBGE; 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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, o que se relaciona ao maior número de casos de hepatites em indivíduos brancos encontrado neste estudo. Por outro lado, foi demonstrada uma chance maior de ocorrência de hepatite B na população não branca, o que pode estar ligado às situações de vulnerabilidade social mais comumente encontradas nesse grupo, refletindo maior suscetibilidade a agravos de saúde transmissíveis e não transmissíveis3333 Chehuen Neto JA, Fonseca GM, Brum IV, dos Santos JLCT, Rodrigues TCGF, Paulino KR, et al. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: implementação, conhecimento e aspectos socioeconômicos sob a perspectiva desse segmento populacional. Ciênc Saúde Colet. 2015;20:1909-16..

É válido, no entanto, salientar que o presente estudo apresenta como fator limitante o uso de dados secundários, sujeitos a erros no processo de registro de informações, a possibilidade de subnotificação de caso, bem como a presença de dados ausentes no banco de dados. Outra limitação é a dificuldade em estabelecer temporalidade e causalidade3434 Okafor PN, Chiejina M, de Pretis N, Talwalkar JA. Secondary analysis of large databases for hepatology research. J Hepatol. 2016;64(4):946-56.. Apesar disso, os fatores associados identificados neste estudo possuem relevância, de acordo com o modelo preditivo apresentado. Por outro lado, o uso dos dados secundários tem como vantagem a possibilidade de identificar as relações entre variáveis preditoras e de desfecho, tendo sido subutilizado para estudar o contexto da hepatite B e o envelhecimento populacional. Análises de dados secundários podem contribuir para o delineamento de estudos maiores e fornecer hipóteses para novas investigações.

CONCLUSÃO

O VHB é relevante por sua capacidade em causar hepatite aguda e, ao longo do tempo, a infecção crônica pode resultar no desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular. A infecção pelo VHB foi fortemente associada a raça/cor não branca, histórico de realização de transfusão sanguínea, residir em município de 10 a 20 mil e municípios entre 20 a 50 mil habitantes. O envelhecimento populacional e o curso das doenças infecciosas, como a hepatite B, lançam um desafio à saúde pública, principalmente nas cidades de pequeno porte, em que características sociodemográficas e assistenciais tendem a apresentar fragilidades na oferta da escuta especializada e no rastreamento do VHB. Estudos acerca do VHB junto à população idosa permitem ampliar o olhar dos profissionais de saúde para um indivíduo ativo sexualmente e que precisa ser sensibilizado para os riscos da contaminação e orientado quanto ao tratamento, efetivando estratégias de monitoramento e minimização de vulnerabilidades associadas com os estigmas da velhice.

  • Não houve financiamento para a execução desse trabalho.

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Editado por

Editado por: Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Aceito
    18 Dez 2020
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