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Secagem na viabilidade e desenvolvimento embrionário de sementes de Ilex paraguariensis

Drying on the viability and embryonic development of Ilex paraguariensis seeds

Resumo

A germinação de erva-mate tem sido apontada como baixa, irregular e lenta, com diferentes graus de dormência, tornando a produção de mudas um grande desafio. Estudos destinados a esclarecer os principais mecanismos de dormência presentes em sementes de erva-mate são de grande importância, porém, escassos. Diante disso, objetivou-se avaliar os efeitos da secagem na viabilidade e no desenvolvimento embrionário de sementes da espécie. A avaliação do efeito da secagem foi realizada mediante determinação do teor de água, teste de tetrazólio e desenvolvimento embrionário. Para avaliar a tolerância à dessecação, as sementes foram acondicionadas em uma bandeja plástica sem tampa, colocada em prateleira de câmara fria e seca (CFS), regulada com 25 ± 3% de umidade relativa do ar e temperatura de 10 ± 1°C, por 70 dias. A cada sete dias, as sementes foram retiradas da CFS e submetidas ao teste de tetrazólio e à avaliação do teor de água. O desenvolvimento embrionário foi avaliado a partir dos embriões excisados, oriundos do teste de tetrazólio. O teste de germinação foi conduzido no substrato areia, em caixas gerbox, acondicionadas em câmara de germinação regulada a 25°C e fotoperíodo de 12 horas. Das sementes que não foram submetidas à secagem, apenas 8% germinaram, resultado da imaturidade embrionária das sementes recém-colhidas. A secagem por 70 dias promoveu o desenvolvimento embrionário, mas afetou a viabilidade das sementes, sendo recomendada, portanto, sua secagem por até 49 dias para melhorar a germinação e posterior produção de mudas.

Palavras-chave:
Dormência; Dessecação; Espécie nativa; Erva-mate

Abstract

Yerba mate germination has been pointed as low, irregular and slow, with different degrees of dormancy, making the production of seedlings a great challenge. Studies to clarify the main mechanisms of dormancy present in yerba mate seeds are of great importance, but scarce. Therefore, we evaluated the effects of drying on the viability and the embryonic development of the species seeds. We evaluated the drying effect by determining the water content, tetrazolium test and embryo development. In order to evaluate the desiccation tolerance, the seeds were stored in a plastic tray without lid, placed on a cold and dry chamber (CFS) shelf, regulated with 25 ± 3% relative humidity and a temperature of 10 ± 1 ° C, for 70 days. Every seven days the seeds were removed from the CFS and submitted to tetrazolium test and water content evaluation. Embryo development was evaluated from excised embryos, originated from tetrazolium test. The germination test was conducted on sand substrate, in gerbox boxes placed in a growth chamber regulated at 25 °C and photoperiod of 12 hours. From seeds not subjected to drying, only 8% germinated, as a result of embryo immaturity of newly harvested seeds. Drying for 70 days promoted the embryonic development, but affected the viability of the seeds. Therefore, we recommend drying for up to 49 days to improve the germination and the subsequent seedling productions.

Keywords:
Dormancy; Desiccation; Brazilian native species; Yerba mate

Introdução

A espécie Ilex paraguariensis A. St. Hil., popularmente conhecida como erva-mate, é uma árvore nativa típica encontrada nas regiões da Argentina, Brasil e Paraguai (WENDT et al., 2007WENDT, S. N. et al. Caracterização genética de procedências e progênies de Ilex paraguariensis St. Hill. utilizando marcadores RAPD. Scientia Forestallis, Piracicaba, v. 73, n. 73, p. 47-53, 2007. ). Tanto no Brasil como nos países de ocorrência natural, a espécie é tradicionalmente consumida na forma de bebida. Para tanto, as folhas e ramos finos, depois de secos e triturados, passam por infusão a quente ou a frio, preparando as bebidas chimarrão e tererê, respectivamente, e, quando as folhas são tostadas prepara-se o chá-mate. A espécie tem sido explorada também para fins estéticos, fitoterápicos e culinários, principalmente nos mercados mundiais, incluindo os Estados Unidos e Europa (BIASI; GRAZZIOTIN; HOFMANN JÚNIOR, 2009BIASI, B.; GRAZZIOTIN, N. A.; HOFMANN-JÚNIOR, A. E. Antimicrobial activity of extracts of the leaves and branches of Ilex paraguariensis (erva-mate). Brazilian Journal of Pharmacognosy, Curitiba, v. 19, n. 2B, p. 582-585, 2009. ; BARZOTTO; ALVES, 2013BARZOTTO, I. L. M.; ALVES, L. F. A. Bioecologia e manejo de Gyropsylla spegazziniana em erva-mate. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v. 80, n. 4, p. 457-464, 2013.). Devido à diversidade de uso, em 2014, a produção brasileira de erva-mate atingiu em torno de 333 mil toneladas, sendo o maior produtor o Paraná, responsável por 86,3% da produção nacional, Santa Catarina (7,6%) e Rio Grande do Sul (6,1%) (IBGE, 2015IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática SIDRA. Brasília, 2015.).

As mudas de erva-mate são produzidas por sementes, especialmente devido ao menor custo de produção quando comparado à propagação vegetativa (WENDLING; BRONDANI, 2015WENDLING, I.; BRONDANI, G. Produção de mudas de erva-mate. In: WENDLING, I.; SANTIN, D. (org.). Propagação e nutrição de erva-mate. 1. ed. Brasília: EMBRAPA Informação Tecnológica, 2015. v. 1, p. 11-98.). Entretanto, a germinação é irregular, lenta (CATAPAN, 1998CATAPAN, M. I. S. Influência da temperatura, substrato e luz na germinação de sementes de Ilex paraguariensis St. Hil. 1998. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. ) e frequentemente baixa, com diferentes graus de dormência, a qual está relacionada a uma combinação de causas como a imaturidade morfológica do embrião (MELLO, 1980MELLO, V. D. C. Morfologia e germinação da semente de erva-mate (Ilex paraguariensis St. Hil.). 1980. Dissertação (Mestrado em Ciências Agrárias) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 1980.), a estrutura do tegumento (FOWLER; STURION, 2000 FOWLER, J. A. P.; STURION, J. A. Aspectos da formação do fruto e da semente na germinação da erva-mate. Colombo: EMBRAPA Florestas , 2000. 5 p. (Comunicado Técnico, 45).) e a presença de endocarpo lenhoso (MEDEIROS; EIRA, 2006MEDEIROS, A. C. S.; EIRA, M. T. S. Comportamento fisiológico, secagem e armazenamento de sementes florestais nativas. Colombo: EMBRAPA Florestas , 2006. 13 p.).

O elevado número de frutos maduros, cujas sementes (cerca de 99%) possuem o embrião imaturo é o fator responsável pela baixa e desuniforme germinação ao longo do tempo (FOWLER; STURION; ZUFFELLATO-RIBAS, 2007FOWLER, J. A. P.; STURION, J. A.; ZUFFELLATO-RIBAS, K. C. Variação do desenvolvimento embrionário das sementes de erva-mate. Pesquisa Florestal Brasileira, Colombo, n. 54, p. 105-108, jan./jun. 2007. ). Pesquisas apontam que a dormência das sementes de Ilex paraguariensis e I. dumosa também está associada à consistência do endocarpo, a qual dificulta a germinação (DOLCE; MROGINSKI; REY, 2010DOLCE, N. R.; MROGINSKI, L. A.; REY, H. Y. Endosperm and endocarp effects on the Ilex paraguariensis A. St. Hil. (Aquifoliaceae) seed germination. Seed Science and Technology, Zurich, v. 38, n. 2, p. 441-448, 2010. ; 2011DOLCE, N. R.; MROGINSKI, L. A.; REY, H. Y. Enhanced Seed Germination of Ilex dumosa R. (Aquifoliaceae) through. In Vitro Culture of Cut Pyrenes. American Society for Horticultural Science, Alexandria, v. 46, n. 2, p. 278-281, 2011.). Em estudos realizados com sementes de I. rotunda e I. latifolia, Tezuka et al. (2013TEZUKA, T. et al. Factors affecting seed germination of Ilex latifolia and I. rotunda. HortScience, Alexandria, v. 48, n. 3, p. 352-356, 2013. ) concluíram que há barreiras mecânicas no endocarpo e presença de inibidores no endosperma, testa e/ou endocarpo, sugerindo que esta associação de fatores impede a germinação destas sementes. Devido a esse conjunto de mecanismos de dormência, presente nas sementes do gênero Ilex, a produção de mudas via sementes torna-se um desafio.

Apesar das informações da literatura, há uma série de questões que envolvem os mecanismos morfofisiológicos da dormência das sementes de erva-mate que ainda não foram investigados. Neste sentido, tem-se possivelmente a presença de substâncias inibidoras da germinação, que se encontram na estrutura do embrião ou do endosperma, como nas espécies I. rotunda e I. latifolia. (TEZUKA et al., 2013TEZUKA, T. et al. Factors affecting seed germination of Ilex latifolia and I. rotunda. HortScience, Alexandria, v. 48, n. 3, p. 352-356, 2013. ). Tokuhisa et al. (2007TOKUHISA, D. et al. Phenolic compound inhibitors in papaya seeds (Carica papaya L.). Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v. 29, n. 3, p. 180-188, 2007.) mencionam que substâncias de diferentes categorias químicas podem ser encontradas em sementes de várias espécies, interferindo no processo germinativo. Bewley e Black (1994BEWLEY, J. D.; BLACK, M. Seeds: physiology of development and germination. New York: Plenum Press, 1994. 445 p.) sugerem que o contato com um substrato úmido reduz a influência dos inibidores de germinação devido a sua lixiviação. Assim, supõe-se que ao longo do processo de estratificação das sementes de erva-mate ocorra a lixiviação dos inibidores da germinação. Fadimu, Idowu e Ipinlaye (2014FADIMU, O. Y.; IDOWU, O. T. H.; IPINLAYE, S. J. Studies on the dormancy and germination of stony fruits of hog plum (Spondias mombin) in response to different pre-soaking seed treatments. International Research Journal of Biological Sciences, Madhya , v. 3, n. 6, p. 57-62, 2014.), sugerem a aplicação de métodos de secagem para promover a volatilização destes compostos, sendo considerada uma das alternativas ao longo período de estratificação.

Outro aspecto importante para as sementes de erva-mate é o conhecimento dos teores de água críticos e letais, pois a compreensão desses fatores é indispensável para o planejamento e a execução da secagem e do armazenamento das mesmas (CARDOSO; ALVES; ALVES, 2015CARDOSO, E. A.; ALVES, E. U.; ALVES, A. U. Qualidade de sementes de pitombeira em função do período e da temperatura de secagem. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 36, n. 1, p. 7-16, jan./fev. 2015.). Ademais, a perda da viabilidade das sementes está diretamente relacionada com a tolerância à dessecação, avaliada a partir da determinação do teor de água mínimo suportável pelos tecidos das sementes (PRADO; PEREIRA; JOSE, 2014PRADO, N. B.; PEREIRA, E. L.; JOSE, A. R. S. Dessecação de sementes de Achras sapota L. Revista Brasileira de Fruticultura, Jaboticabal, v. 36, n. 4, p. 1009-1017, 2014.). Já para a determinação da viabilidade e do vigor da semente, o teste de tetrazólio tem se mostrado uma alternativa promissora, pela sua qualidade e rapidez na obtenção dos resultados (NOGUEIRA; TORRES; FREITAS, 2014NOGUEIRA, N. W.; TORRES, S. B.; FREITAS, R. M. O. F. Teste de tetrazólio em sementes de timbaúba. Semina: Ciências Agrárias , Londrina, v. 35, n. 6, p. 2967-2976, 2014.). Diante do exposto, objetiva-se avaliar o efeito da secagem na viabilidade e no desenvolvimento embrionário de sementes de erva-mate.

Material e métodos

Caracterização da área de estudo e obtenção das sementes

O trabalho foi conduzido nos Laboratórios de Sementes Florestais (LSF), Propagação de Espécies Florestais e Patologia Florestal, da EMBRAPA Florestas, no município de Colombo - PR. Os frutos de erva-mate foram colhidos no município de Ivaí - PR, de 15 árvores-matrizes, obedecendo a distância mínima de 100 metros entre as mesmas. Posteriormente, os frutos foram acondicionados separadamente em sacos de polietileno, identificados e transportados para o LSF, para uma seleção dos maduros (coloração roxo-avermelhada), os quais foram beneficiados para a extração das sementes, conforme procedimentos descritos por Christin (1988CHRISTIN, O. Instrucciones para la preparación y cuidado del almacigo y vivero de yerba mate. Circular INTA, Missiones, n. 33, p. 6, 1988.), Zanon (1988ZANON, A. Produção de sementes de erva mate. Colombo: EMBRAPA Florestas , 1988. 8 p. (Circular Técnica, 16).) e Catapan (1998CATAPAN, M. I. S. Influência da temperatura, substrato e luz na germinação de sementes de Ilex paraguariensis St. Hil. 1998. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. ). Para perderem o excesso de água obtido na despolpa dos frutos, as sementes foram secas em condições ambientais naturais (22°C e UR 60%), durante 48 horas. Posteriormente, foi formado o lote de trabalho, constituído pela mistura das sementes em igual volume das 15 árvores-matrizes.

Teste de germinação

Para o teste de germinação foram utilizadas 400 sementes divididas em 20 repetições de 20 sementes e distribuídas no substrato de areia, o qual foi umedecido com água destilada até atingir 60% de sua capacidade de retenção e as sementes semeadas a 1 cm de profundidade em caixas de acrílico transparentes do tipo gerbox (11 x 11 x 3,5 cm). O teste de germinação foi conduzido em germinador tipo Biological Oxigen Demand (B.O.D.), regulado para temperatura constante de 25°C e fotoperíodo de 12 horas. As avaliações foram efetuadas semanalmente após a instalação do teste, por um período de 210 dias, quando o experimento foi encerrado. As contagens foram realizadas, considerando-se como sementes germinadas aquelas que haviam emitido a raiz primária e a parte aérea (plântulas normais) e os resultados expressos em porcentagem, conforme Brasil (2009)BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Regras para análise de sementes. Brasília: MAPA; ACS. 2009. 395 p..

Secagem

Para avaliar os efeitos da secagem na viabilidade e desenvolvimento embrionário, as sementes foram acondicionadas em bandeja plástica (60 x 30 cm) sem tampa, distribuídas em camadas finas, evitando a sobreposição. Em seguida, a bandeja foi colocada em câmara fria e seca regulada nas condições de 25% umidade relativa e temperatura de 10°C, por um período de 70 dias, sendo que a cada sete dias foram retiradas amostras de sementes para realizar os seguintes testes e determinações:

Teor de água (TA): determinado pelo método de estufa a 105 ± 3°C por 24 horas, conforme prescrito pelas Regras para Análise de Sementes (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Regras para análise de sementes. Brasília: MAPA; ACS. 2009. 395 p.). O TA inicial também foi determinado, antes de realizar a secagem, como tratamento controle.

Teste do tetrazólio (TZ): aplicado para determinar a viabilidade dos embriões ao longo dos períodos de exposição à secagem, seguindo metodologia sugerida por Catapan (2008), em que o preparo das sementes para o TZ foi realizado em quatro etapas:

I - Pré-condicionamento: 100 sementes foram imersas em água destilada a temperatura de 30°C por 24 horas; II - Exposição dos tecidos para coloração: as sementes foram cortadas longitudinalmente, próximo ao eixo embrionário, com auxílio de bisturi e microscópio estereoscópico, sendo que apenas a parte da semente que abrigava o embrião foi imersa para coloração dos tecidos em solução de TZ; nesta etapa foram descartadas as sementes vazias; III - Coloração: as partes das sementes contendo o embrião foram imersas na solução de TZ com concentração de 0,1%, por 24 horas a 35°C, no escuro; IV - Avaliação: as sementes foram lavadas em água destilada e avaliadas quanto à intensidade da coloração e consistência dos tecidos para se obter sua viabilidade. Consideraram-se viáveis as sementes cujo endosperma e embrião encontravam-se com a coloração rosa ou vermelho-clara e inviáveis as sementes de cor púrpura e branca.

Avaliação do desenvolvimento embrionário: foram utilizados 100 embriões excisados de cada estágio de desenvolvimento, oriundos dos testes de tetrazólio, a cada período de secagem. Os embriões foram extraídos das sementes e analisados em lupa Zeiss (AxioCam) com aumento de 100x. Com auxílio do softwareZen lite 2012” realizaram-se as mensurações das dimensões destes embriões (comprimento e largura, em mm) e calculada a área. Em seguida, os embriões foram classificados em diferentes estágios de desenvolvimento (Figura 1).

Figura 1
Dimensões utilizadas para determinar os estágios de desenvolvimento embrionário das sementes de erva-mate. I - Globular; II - Coração; III - Pós-coração; IV - Torpedo e V - Maduro.
Figure 1
Dimensions used to determine the embryonic development stages of yerba mate seeds. I - Globular; II - Heart; III - Post-heart; IV - Torpedo and V - Mature.

Delineamento experimental e análise estatística

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente ao acaso, em quatro repetições de 100 sementes cada. Os dados foram submetidos à análise de variância e de regressão polinomial, testando os modelos linear e quadrático, selecionando-se o modelo significativo de maior ordem (R2).

Resultados e discussão

A germinação das sementes de erva-mate é lenta e irregular, constituindo um problema que ainda não foi solucionado e apontado como um dos motivos pelos quais ainda permanecem dificuldades na produção das mudas. As sementes necessitam de um longo período para iniciar o processo de germinação, que, segundo Catapan (1998CATAPAN, M. I. S. Influência da temperatura, substrato e luz na germinação de sementes de Ilex paraguariensis St. Hil. 1998. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. ), pode ser em torno de seis meses, o que pode ser comprovado neste experimento, uma vez que foi observado apenas 1% de sementes germinadas aos 150 dias após o início do teste de germinação e, aos 210 dias, este percentual aumentou para 8%. Quando o teste foi encerrado aos 210 dias, havia 23% de sementes mortas, 39% de duras e 30% consideradas com potencial de germinação que, ao serem avaliadas pelo teste de tetrazólio, mostraram embriões viáveis, porém, dormentes.

O baixo percentual de germinação das sementes de erva-mate foi relatado em pesquisas anteriores, o qual foi atribuído a diferentes fatores, como a presença de substâncias inibidoras (no endosperma e/ou embrião), resistência mecânica dos tecidos externos ao embrião (endocarpo), impermeabilidade à água e imaturidade do embrião (FOWLER; BIANCHETTI, 2000FOWLER, J. A. P.; BIANCHETTI, A. Dormência em sementes florestais. Colombo: EMBRAPA Florestas, 2000. 27 p.; FOWLER; STURION, 2000 FOWLER, J. A. P.; STURION, J. A. Aspectos da formação do fruto e da semente na germinação da erva-mate. Colombo: EMBRAPA Florestas , 2000. 5 p. (Comunicado Técnico, 45).). Assim, na presente pesquisa, a baixa porcentagem de germinação das sementes pode ser atribuída aos mesmos fatores, os quais provavelmente estejam influenciando todo o processo germinativo.

Ao serem expostas às condições de secagem em câmara seca e fria (25% UR e 10ºC) as sementes de erva-mate reduziram abruptamente seu teor de água em 50%, passando de 10,74% (0 dias) para 5,75% (sete dias). Todavia, nas avaliações realizadas entre o 35° e o 70° dia, o teor de água médio permaneceu em de 5,0% (Figura 2). Nas sementes são identificados cinco tipos ou formas de água, baseado no potencial hídrico e no modo de ligação da água com as macromoléculas (VERTUCCI, 1993VERTUCCI, C. W. Predicting the optimum storage conditions for seeds using thermodynamic principles. Journal of Seed Technology, Washington, v. 17, n. 2, p. 41-53, 1993.; MARCOS FILHO, 2015MARCOS-FILHO, J. Fisiologia de sementes de plantas cultivadas. Londrina: ABRATES, 2015. 659 p.). Com o teor de água inicial de 10,74%, as sementes de erva-mate estão com água do tipo 2, o que torna a secagem inicialmente rápida. Entretanto, ao mesmo tempo, vários constituintes celulares destas sementes as tornam mais susceptíveis à deterioração, especialmente as reações catabólicas que comumente ocorrem em sementes com este teor de água. Por outro lado, quando o teor de água é inferior a 10% (água do tipo 1), verificam-se características vítreas e essas reações são reprimidas (VERTUCCI, 1993). Após os sete dias de secagem houve uma desaceleração do processo de secagem, sugerindo-se que a ligação da água com a semente se encontrava mais forte, necessitando de maior energia para a sua evaporação, conforme sugerido por Resende et al. (2009RESENDE, O. et al. Modelagem matemática para a secagem de clones de café (Coffea canephora Pierre) em terreiro de concreto. Acta Scientiarum Agronomy, Maringá, v. 31, n. 2, p. 189-196, 2009.).

Figura 2
Teor de água das sementes de erva-mate submetidas à secagem em câmara fria e seca (25% UR e 10°C) por 70 dias, Colombo - PR.
Figure 2
Water content of yerba mate seeds dried in cold and dry chamber (25% RH and 10 °C) for 70 days, Colombo - PR state, Brazil.

Com relação à viabilidade das sementes avaliada pelo teste de TZ (Figura 3), verifica-se que no início do experimento havia 66% de sementes viáveis, contudo, esse percentual foi sendo reduzido conforme a ampliação do período de secagem, chegando a 50% de sementes viáveis no 49º dia. Após serem submetidas à secagem durante 70 dias, o percentual de sementes inviáveis aumentou de 34% (0 dias) para 58% (70 dias).

Figura 3
Percentual de viabilidade de embriões em sementes de erva-mate submetidas à secagem em câmara fria e seca (25% UR e 10°C) por 70 dias, Colombo - PR.
Figure 3
Percentage of embryo viability in yerba mate seeds dried in cold and dry chamber (25% RH and 10 ° C) for 70 days, Colombo - PR state, Brazil.

A perda da viabilidade dos embriões está diretamente ligada à redução do teor de água das sementes, associada à exposição às condições de baixa temperatura e umidade relativa durante a secagem. Este comportamento pode ter sido provocado pela redução do teor de água a níveis inferiores àqueles considerados críticos, ou seja, quando os valores encontravam-se iguais ou inferiores aos considerados letais (WALTERS, 2000WALTERS, C. Levels of recalcitrance in seeds. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, Campinas, n. 12, p. 7-21, 2000. Edição especial.). Outra explicação para redução da viabilidade dos embriões deve-se ao fato de que o processo de secagem pode causar diversos danos às sementes, dentre eles a desnaturação de proteínas e danos às membranas (BLACK; PRITCHARD, 2002BLACK, M.; PRITCHARD, H. W. Desiccation and survival in plants: drying without drying. 2nd ed. Wallingford: CAB International, 2002. 412 p.). Outrossim, a integridade do sistema de membranas é essencial para a manutenção da viabilidade e caso haja qualquer ruptura indevida, gerada pela perda de água durante o processo de secagem ou durante a fase de embebição após a secagem (KERMODE; FINCH-SAVAGE, 2002KERMODE, A. R.; FINCH-SAVAGE, W. E. Desiccation sensitivity in orthodox and recalcitrant seeds in relation to development. In: Black, M.; Pritchard, HW. DESICCATION and survival in plants: drying without dying. Wallingford; Oxford: CABI Publishing, 2002. p. 149-184.), podem ocorrer alterações no metabolismo celular das sementes, processos oxidativos e anomalias devido à perda de estruturas macromoleculares (PAMMENTER; BERJAK, 1999PAMMENTER, N. W.; BERJAK, P. A review of recalcitrant seed physiology in relation to desiccation-tolerance mechanisms. Seed Science Research, Wallingford, v. 9, n. 1, p. 13-37, 1999. ).

Para explicar os problemas de dormência em sementes de erva-mate há inúmeras hipóteses, sem, contudo, existirem dados consistentes que direcionem a conclusões definitivas. Pesquisas indicaram que o desenvolvimento embrionário em sementes das espécies do gênero Ilex pode estar sendo afetado pela presença de substâncias voláteis ou hormônios no seu interior, os quais estariam dificultando a expansão das células embrionárias e, consequentemente, retardando o seu desenvolvimento (TEZUKA et al., 2013TEZUKA, T. et al. Factors affecting seed germination of Ilex latifolia and I. rotunda. HortScience, Alexandria, v. 48, n. 3, p. 352-356, 2013. ). Assim, quando essas substâncias forem eliminadas supõe-se que os embriões possam avançar seu estágio de desenvolvimento até atingirem o ponto de germinação (passando do estágio rudimentar ao maduro), em um menor espaço de tempo. Uma das alternativas para que esses inibidores possam ser eliminados seria o uso da secagem controlada, como foi realizada na presente pesquisa, para promover a liberação da dormência.

É importante ressaltar que ao longo dos 70 dias de secagem, o embrião se desenvolveu passando do estágio globular para torpedo. Assim, verificou-se que o desenvolvimento dos embriões de erva-mate, representado pelas mudanças de forma, evoluiu à medida que se estendeu o tempo de exposição à secagem (Figuras 1 e 4). No início do experimento (0 dias) registrou-se um percentual de 44% dos embriões no estágio globular e 52% no estágio de coração. No entanto, aos 28 dias, não havia mais registros de embriões no estágio globular e, sim em estágios de coração (55%) e pós-coração (45%), que são mais desenvolvidos. Estes resultados sugerem que a secagem controlada pode acelerar o desenvolvimento dos embriões porque enzimas associadas exclusivamente a processos pós-germinativos têm sua produção induzida pela secagem da semente durante seu processo de desenvolvimento/maturação. Assim, torna-se fundamental que a dessecação seja controlada (BARBEDO; MARCOS-FILHO, 1998BARBEDO, C. J.; MARCOS-FILHO, J. Tolerância à dessecação de sementes. Acta Botanica Brasilica, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 145-164, 1998. ) porque pressupõe-se que substâncias voláteis podem estar presentes no interior da semente. Desta forma, supõe-se que as condições de secagem (25% UR e 10°C) podem neutralizar ou até eliminar essas substâncias e, assim, promover o desenvolvimento do embrião.

Figura 4
Estágios de desenvolvimento do embrião em sementes de erva-mate submetidas à secagem em câmara fria e seca (25% UR e 10°C) por 70 dias. Colombo - PR.
Figure 4
Embryo development stages in yerba mate seeds dried in cold and dry chamber (25% RH and 10 ° C) for 70 days. Colombo - PR state, Brazil.

Uma hipótese que pode explicar o bloqueio no crescimento do embrião é o fato de os tecidos que circundam ou aqueles do próprio embrião podem restringir a entrada de O2 e a saída de CO2, interferindo na respiração da semente. Dias (2005DIAS, D. C. F. S. Dormência em sementes: mecanismos de sobrevivência das espécies. Seed News, Pelotas, v. 9, n. 4, p. 24-28, 2005.) relatou que esta impermeabilidade aos gases pode ser atribuída aos compostos fenólicos existentes no envoltório da semente que retêm o O2, reduzindo a disponibilidade desse gás para o embrião.

No presente estudo observou-se que, aos 49 dias de secagem, a redução da viabilidade das sementes de erva-mate ainda não foi tão significativa. Ademais, o desenvolvimento embrionário amplia-se ao longo desse tempo e, portanto, sugere-se que em novas pesquisas utilize-se a secagem em câmara seca e fria durante 49 dias.

Conclusão

A secagem das sementes de erva-mate durante 70 dias reduziu a viabilidade dos embriões em 24%. Entretanto, o desenvolvimento embrionário foi favorecido pela secagem por até 49 dias, o que pode melhorar a germinação e posterior produção de mudas.

Referências

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  • BARZOTTO, I. L. M.; ALVES, L. F. A. Bioecologia e manejo de Gyropsylla spegazziniana em erva-mate. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v. 80, n. 4, p. 457-464, 2013.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2016
  • Aceito
    14 Mar 2019
  • Publicado
    30 Set 2019
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