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Padrões de inversão do sujeito na escrita brasileira do século 19: evidências empíricas para a hipótese de competição de gramáticas

Patterns of subject inversion in Brazilian writing during the 19th century: empirical evidence for the hypothesis of competing grammars

Resumos

Este artigo apresenta resultados de uma análise dos padrões de inversão do sujeito, restrita a orações em que há um constituinte em posição pré-verbal (em contextos XV(S)), em uma amostra extraída de cinco peças de teatro escritas por brasileiros nascidos no curso do século 19, no litoral de Santa Catarina. A perspectiva teórica assumida buscará conciliar a gradação observada entre formas em variação em textos escritos e uma interpretação gramatical (estrutural) da mudança sintática (KROCH, 1989). Os resultados atestam a recorrência de diferentes padrões de inversão: (i) construções com inversão inacusativa, que são encontradas tanto nas gramáticas do Português Antigo (PA), quanto na do Português do Brasil (PB) (ou mesmo do Português Europeu (PE)); (ii) construções XVS, com inversão do sujeito (pronominal) em construções com verbos não inacusativos - inversão germânica - que parecem superficializar estruturas geradas pela gramática do PA; e (iii) construções YXV, em que o sujeito ocupa sempre a posição pré-verbal (XSV ou SXV), associadas a estruturas geradas pela gramática do PB (ou mesmo do PE). Interpretamos esses padrões empíricos como construções geradas por estruturas que refletem nos textos a competição de diferentes gramáticas do português.

Ordem; Inversão do sujeito; Competição de gramáticas; Século 19


This paper presents the results of a study of the subject inversion patterns in clauses with a pre-verbal constituent in XV(S) contexts, in a sample of five plays written by Brazilian playwrights born during the 19th century on the coast of Santa Catarina, Brazil. Our theoretical basis is an attempt to conciliate the gradation observed in forms exhibiting variation in written texts and a grammatical (structural) interpretation of syntactic change (KROCH, 1989). Our results show recurrence of different inversion patterns: (i) constructions with an unaccusative inversion, which may be found both in the Old Portuguese (OP) and Brazilian Portuguese (BP) grammars (and even in the European Portuguese (EP) grammar); (ii) XVS constructions, with an inversion of (pronominal) subject in constructions with non-unaccusative verbs - Germanic inversion - which seem to surface structures generated by the grammar of OP; and (iii) constructions YXV, where the subject always takes a pre-verbal position (XSV or SXV), associated with structures generated by the BP grammar (or even EP grammar). We interpret these empirical patterns as constructions generated by different structures that reflect, in the analyzed texts, a competition between different grammars of Portuguese.

Order; Subject inversion; Competing grammars; 19th century


ARTIGOS ORIGINAIS

Izete Lehmkuhl CoelhoI; Marco Antonio MartinsII

IUFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão - Departamento de Língua e Literatura Vernáculas. Florianópolis. Santa Catarina - SC - Brasil. 88040-970 - izete@cce.ufsc.br

IIUFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal -RN - Brasil. 59078-970 - marcomartins@ufrnet.br

RESUMO

Este artigo apresenta resultados de uma análise dos padrões de inversão do sujeito, restrita a orações em que há um constituinte em posição pré-verbal (em contextos XV(S)), em uma amostra extraída de cinco peças de teatro escritas por brasileiros nascidos no curso do século 19, no litoral de Santa Catarina. A perspectiva teórica assumida buscará conciliar a gradação observada entre formas em variação em textos escritos e uma interpretação gramatical (estrutural) da mudança sintática (KROCH, 1989). Os resultados atestam a recorrência de diferentes padrões de inversão: (i) construções com inversão inacusativa, que são encontradas tanto nas gramáticas do Português Antigo (PA), quanto na do Português do Brasil (PB) (ou mesmo do Português Europeu (PE)); (ii) construções XVS, com inversão do sujeito (pronominal) em construções com verbos não inacusativos - inversão germânica - que parecem superficializar estruturas geradas pela gramática do PA; e (iii) construções YXV, em que o sujeito ocupa sempre a posição pré-verbal (XSV ou SXV), associadas a estruturas geradas pela gramática do PB (ou mesmo do PE). Interpretamos esses padrões empíricos como construções geradas por estruturas que refletem nos textos a competição de diferentes gramáticas do português.

Palavras-chave: Ordem. Inversão do sujeito. Competição de gramáticas. Século 19.

ABSTRACT

This paper presents the results of a study of the subject inversion patterns in clauses with a pre-verbal constituent in XV(S) contexts, in a sample of five plays written by Brazilian playwrights born during the 19th century on the coast of Santa Catarina, Brazil. Our theoretical basis is an attempt to conciliate the gradation observed in forms exhibiting variation in written texts and a grammatical (structural) interpretation of syntactic change (KROCH, 1989). Our results show recurrence of different inversion patterns: (i) constructions with an unaccusative inversion, which may be found both in the Old Portuguese (OP) and Brazilian Portuguese (BP) grammars (and even in the European Portuguese (EP) grammar); (ii) XVS constructions, with an inversion of (pronominal) subject in constructions with non-unaccusative verbs - Germanic inversion - which seem to surface structures generated by the grammar of OP; and (iii) constructions YXV, where the subject always takes a pre-verbal position (XSV or SXV), associated with structures generated by the BP grammar (or even EP grammar). We interpret these empirical patterns as constructions generated by different structures that reflect, in the analyzed texts, a competition between different grammars of Portuguese.

Keywords: Order. Subject inversion. Competing grammars. 19th century.

Introdução

Este artigo1 1 Trabalho apresentado no VII Congresso Internacional da ABRALIN , Curitiba/PR, de 09 a 12 de fevereiro de 2011. Agradecemos comentários e sugestões feitos pela querida amiga Edair Maria Görski, pelos colegas da sessão de comunicação do evento e pelos pareceristas da Revista ALFA. se propõe a reunir reflexões que vimos fazendo ao longo dos últimos dois anos sobre a correlação que existe entre ordem do sujeito e construções V2 (verbo em segunda posição superficial)/construções V3 (verbo em terceira posição superficial) no intuito de (re)discutir uma das mudanças sintáticas atestadas pelo Português do Brasil (PB): a de ordem variável do sujeito de construções não inacusativas em direção a um enrijecimento da ordem sujeito-verbo-objeto (SVO). Tencionamos, em especial, perseguir três objetivos: (i) descrever e analisar a natureza do constituinte pré-verbal em construções V2/V3 não dependentes, em textos escritos por brasileiros nascidos no século 19, considerando as ordens sujeito-verbo e verbo-sujeito (SV/VS); (ii) descrever e analisar a forma de realização do sujeito e a natureza do verbo em orações não dependentes, nesses mesmos textos, considerando as ordens SV/VS - e cabe colocar que esses dois primeiros objetivos são propostos no sentido de verificar os padrões de inversão germânica e inacusativa; e (iii) verificar se as construções (Y)XV (que podem superficializar (X)SV, SXV ou (Y)XVS) da amostra investigada refletem um processo de mudança sintática, via competição de diferentes gramáticas do português.

A perspectiva teórica deste trabalho leva em consideração postulados teórico-metodológicos de Weinreich, Labov, Herzog (1968) para explicar a gradação observada entre formas em variação em textos de escritores catarinenses nascidos no curso do século 19, e a hipótese de competição de gramáticas, proposta por Kroch (1989), que busca associar a variação atestada nos textos a uma interpretação gramatical (estrutural) da mudança sintática. Com esse propósito, abrimos nossa discussão trazendo algumas questões:

1) Qual a natureza (e a recorrência) do constituinte pré-verbal nas construções (Y)XV na escrita brasileira do século 19?

2) Qual a correlação entre as construções (Y)XV, ordem e forma de realização do sujeito?

3) Qual a correlação entre as construções (Y)XV e tipo de verbo?

4) É possível dizer que as diferentes estruturas sintáticas ((X)SV, SXV ou (Y)XVS) são indícios de propriedades de diferentes padrões de inversão, nos termos de Kato et al (2006)?

5) Os padrões empíricos de (Y)XV podem ser reflexos de um processo de mudança sintática, via competição de diferentes gramáticas do português?

Para responder às questões 1 a 3, valemo-nos de amostra empírica e tratamento estatístico. E, para as questões 4 e 5, pretendemos trazer reflexões sobre os resultados encontrados na empiria, não como respostas prontas, mas sim como possibilidades de discussão e análise.

Feita esta introdução, passamos à organização do trabalho. Na primeira seção serão apresentadas algumas notas sobre os padrões de inversão do sujeito (inacusativa e germânica) na história do Português. Faremos, então, a sistematização de algumas hipóteses, para, em seguida, apresentarmos a metodologia deste trabalho. E, por fim, descreveremos nossos resultados estatísticos e traremos algumas reflexões teóricas, seguidas das considerações finais.

Notas sobre os padrões de inversão do sujeito na história do Português

Estudos mostram que há diferentes tipos de estruturas envolvidas na ordem XVS e diferentes condições sintáticas envolvidas no licenciamento dessa ordem (ver Kato e Tarallo (1988, 2003), Moraes (1993), Ribeiro (2001), Sousa (2004) , Kato et al. (2006), entre outros). Essas construções podem ser resultado de estruturas com movimento do verbo, conhecidas na literatura como inversão germânica, ou sem movimento do verbo (inversão inacusativa).

A ordem XVS de verbos não inacusativos, em geral, resulta de uma estrutura com movimento do verbo para uma posição que antecede o sujeito. São construções denominadas de fronteamento do verbo ou de inversão germânica. Além do fronteamento do verbo, esse tipo de construção também é conhecido pela possibilidade de deslocamento de um outro constituinte X para a posição inicial da sentença, gerando estruturas do tipo OVS, SPVS (com SP argumental ou não argumental) ou AdvVS, como os exemplos em (1), retirados da nossa amostra, ilustram.

(1) a. "Tal lhe disse eu: mas ela riu-se" - Raimundo,1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).2 2 Os exemplos que seguem foram retirados de peças de teatro de Santa Catarina, disponíveis para empréstimo na agência do Projeto VARSUL da UFSC. Informações sobre o Projeto VARSUL podem ser obtidas no site: < http://www.varsul.org.br/>. Os exemplos doravante citados, retirados da amostra, serão seguidos do título da peça de teatro, do ano de publicação, do autor seguido das datas de nascimento e morte.

b. "mas nisto mesmo venceu-me o diabo do Chico Hyppolito" - Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).

c. "Bem dizia eu!" - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

Sobre o padrão de inversão na gramática do Português Europeu (PE), Raposo (1994 apud RIBEIRO, 2001) diz que, na ordem XVS, X é um tipo de operador que desencadeia o movimento do verbo para o domínio de uma categoria funcional mais alta na estrutura da sentença. Nessas construções, o sujeito está em posição pós-verbal e o verbo está antecedido imediatamente por um (e apenas um) complemento ou advérbio. Esse tipo de construção, segundo Morais (1993), é encontrado em línguas como o alemão e o francês antigo, que não admitem V3 ou V>2 como em XSV - ver também Ribeiro (2007).

Em relação ao estudo de Morais (1993), tendo em vista peças de teatro escritas por brasileiros nascidos nos séculos 18, 19 e 20, o aumento de construções SV ou XSV encontrado na escrita de brasileiros pode evidenciar que essa língua estaria perdendo a restrição V2 e reanalisando as declarativas como estruturas (X)SVO. Parece que esse movimento de perda de V2 (com VS) e de aparecimento de V3 foi atestado também na história do francês, segundo Roberts (1993, apud MORAIS, 1993). O autor mostra que o francês, ao perder a restrição V2, estava reanalisando as declarativas SVO como IP e não mais como CP.

A progressiva tendência à ordem (Y)SVX com o sujeito em posição pré-verbal parece evidenciar, segundo Morais (1993), que, a partir do século 18, as novas gerações de falantes estavam atribuindo uma diferente análise a essas construções XV.

Ribeiro (2001, p.93) apresenta uma análise segundo a qual a alegada "perda" da inversão germânica na gramática do português escrito no Brasil "[...] não deve ser tratada nos termos de mudança gramatical em termos de língua-I." Segundo a autora, a inversão germânica é um padrão que parece não estar associado à gramática do Português Clássico (PC) ou à gramática do PB, mas à gramática do Português Antigo (ou mesmo do PE). Para a autora, os dados com inversão germânica encontrados em textos de brasileiros dos séculos 18 e 19 são opções estilísticas disponíveis na escrita de letrados. São reflexos do padrão do PA, associados a opções de língua-E e não necessariamente uma estrutura gerada pela língua-I, em termos chomyskianos.

A ordem XVS também pode ser o resultado de uma inversão com verbos ergativos (ou inacusativos). Esses verbos permitem que o sujeito permaneça em posição pós-verbal, ou seja, em posição de base no VP. Estudos mostram que as declarativas (Y)XV com verbos inacusativos e posposição do sujeito são muito frequentes no PB atual, mas refletem um fenômeno totalmente diferente da inversão germânica (BERLINCK; DUARTE; OLIVEIRA, 2009).

Kato et al. (2006, p.421), em um estudo em que apresentam resultados da análise de diferentes fenômenos na diacronia do português, considerando textos dos séculos 19 e 20 na virada do milênio, encontram três padrões de inversão em textos do século 19, sendo que as inversões germânica e românica3 3 Segundo Kato et al. (2006), a inversão românica é aquela em que o sujeito posposto não vem contíguo a um verbo transitivo, intransitivo, cópula ou inacusativo, como no exemplo em (i), retirado do nosso corpus: (i) "Em toda a parte são innumeros os batalhadores magicos Chicos Hypollitos"- Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911). Neste trabalho, não trataremos desse tipo de inversão. são "pouco comuns nos dados". Segundo as autoras, a ausência do padrão de inversão germânica nos dados é ainda mais evidente em textos do século 20, que apresentam um padrão de inversão basicamente restrito a construções inacusativas e copulativas.

Ao analisar contextos de inversão do sujeito, em peças de teatro escritas por catarinenses nos séculos 19 e 20, Coelho e Martins (2009) também encontram os três padrões de inversão (germânica, românica e inacusativa) em amostras do século 19 e um acentuado enrijecimento da ordem SV(O) no final do século 20, principalmente em construções transitivas e intransitivas. Tendo em vista os resultados lá apresentados, tudo indica que a inversão não inacusativa ainda seria uma alternativa comum nos dados do início do século 19. Esses resultados serviram de base para o presente trabalho e nos impulsionaram a investigar em outras peças do século 19 as construções prototipicamente de inversão germânica XVS. Importante referir que o padrão de inversão inacusativa em PB já foi atestado empiricamente em estudos em corpus de diferente natureza, e em perspectivas sincrônica e diacrônica, por Berlinck (1988, 1995) e Coelho (2000, 2006).

Na amostra extraída de peças de teatro catarinense e analisada por Coelho e Martins (2009), encontram-se dados com VS inacusativa, sem elemento à esquerda do verbo (V1) e com um elemento deslocado do tipo localizador espacial ou temporal (XVS - V2 superficial). Os resultados desse trabalho mostram que os casos de VS inacusativa aumentam do século 19 para o século 20, principalmente em construções de verbo em segunda posição (XVS), em contextos de sujeito contíguo a um verbo inacusativo. Considerando apenas a ordem verbo-sujeito, verifica-se uma acentuada preferência desse tipo de construção, ao longo de três períodos investigados (45%, 54% e 73%)4 4 Os três períodos investigados por Coelho e Martins (2009) foram: tempo 1 (peças de autores nascidos entre 1800 a 1899); tempo 2 (peças de autores nascidos entre 1900 a 1949); e tempo 3 (peças de autores nascidos entre 1950 a 1969). . Esses resultados atestam que chegamos ao final do século 20 com possibilidades irrestritas de inversão inacusativa em contextos XVS.

Considerando os resultados descritos e analisados em Coelho e Martins (2009), neste trabalho, vamos olhar para construções de inversão germânica e inacusativa em textos escritos por catarinenses nascidos no século 19, encontradas em uma amostra extraída do mesmo conjunto de peças analisadas no referido trabalho.5 5 No trabalho de 2009, analisamos dados extraídos das seguintes peças de teatro escritas por catarinenses nascidos no século 19: Raimundo(1868) de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865); Um cacho de mortes(1881), de Horácio Nunes (1855- 1919); Brinquedos de cupido(1898) de Antero Reis Dutra (1855-1911). Para o presente trabalho, além das três peças lá consideradas, incluímos mais três peças: O Idiota(1890), de Horácio Nunes (1855-1919); A engeitada (1895), de Joaquim Antônio de S. Thiago (1856-1916) e Os ciúmes do capitão (1880), de Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897). Nas referências, as informações sobre as obras estão completas, vide: Carvalho (1994), Dutra (1898), Livramento (1882), Nunes (1999) e Thiago (1930). Nosso foco será, agora, apenas os contextos em que há algum elemento à esquerda do verbo XV (V2) - realizado ou não por um sujeito gramatical, e também construções com mais de um constituinte, em contextos YXV (V3).

Hipóteses

Voltando às nossas questões levantadas na introdução deste trabalho, nossa expectativa com relação à questão 1) é a de que vamos encontrar construções (Y)XV em que a presença de um elemento do tipo advérbio ou complemento preposicionado (argumental ou não argumental) na posição imediatamente antes do verbo parece aumentar a possibilidade de ocorrência de sujeitos pós-verbais (Y)XVS. Estruturas dessa natureza podem estar relacionadas a dois tipos de construção sintática: (i) inversão germânica, em que X é tratado como um operador que desencadeia o movimento do verbo para uma posição mais alta (nos domínios de uma categoria funcional do tipo CP) e o sujeito vai para a posição de especificador de IP (cf. hipótese de RAPOSO, 1994 apud RIBEIRO, 2001); e (ii) inversão inacusativa, em que o sujeito fica na posição de base do VP (in situ) e o sintagma não argumental se move para uma posição mais alta dentro dos domínios do IP. Com a ordem VS cada vez mais restrita a monoargumentais, na gramática do PB, acredita-se que, em construções transitivas XVY, X seja preferencialmente um constituinte argumental (como o sujeito). Na ausência de um elemento argumental antes do verbo, X aparece como um localizador temporal ou espacial ou como um elemento discursivo.

Com relação às questões 2), 3) e 4), nossa expectativa é de que vamos encontrar, em textos do século 19, ocorrências de inversão inacusativa mas também de inversão germânica. Kato et al. (2006) dizem que, nas inversões do tipo germânica (V2), frequentemente, o sujeito posposto é um pronome pessoal adjacente a um verbo não inacusativo, como em (2), diferentemente do padrão de inversão inacusativa, como em (3).

(2) "Lá por isso respondo eu: aquilo era uma boa alma." - Raimundo,1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).

(3) "Não. Já jantei. Além d'isso alli vem a posteridade dos palitos." - Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).

Partindo de resultados empíricos sobre a mudança da ordem do sujeito em construções não inacusativas (de VS para SV) atestada por Berlinck (1988, 1995), Coelho (2000, 2006) e Coelho e Martins (2009), acreditamos que vamos encontrar, no curso do século 19, (considerando o ano de nascimento dos autores, conforme nota 4) evidência empírica para um decréscimo de XVS (de inversão germânica) e um aumento gradativo de (X)SV(Y), conforme dados em (4), ou mesmo SXV(Y), especialmente em construções em que X é realizado pela construção clivada "é que", conforme dados em (5).

(4) Construção XSV

a. "Também eu não posso esperar mais tempo." - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

b. "Certamente eu sei de tudo." - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897)]

(5) Construção SXV

a. "O Sñr. é que preciza sujeitar-se agora á cama" - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

b. "Tu que ficaste em casa durante a minha ausência, deve saber tudo, não é verdade?" - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

Em relação à possibilidade de entender a variação atestada nos textos como reflexo de diferentes gramáticas do português (questão 5), há diferenças estruturais associadas às construções XVS com não inacusativos e às construções (X)SVY, refletidas nos dados da nossa amostra. Tais construções, muito possivelmente, são geradas por diferentes gramáticas do português: PA e PB. Em síntese, nossa hipótese para este trabalho é a de que a escrita de brasileiros nascidos, principalmente, na primeira metade do século 19 superficializa estruturas geradas por diferentes gramáticas do português: construções (X)SV(Y) geradas pela gramática do PB e construções XVS (de inversão germânica) geradas pela gramática do PA, de modo que se observa nos textos a competição entre esses diferentes padrões gerados pelas gramáticas do PA e do PB.

Metodologia do trabalho

Como já referido, nossa amostra empírica constitui-se de seis peças de teatro escritas por brasileiros nascidos no litoral de Santa Catarina no curso do século 19 (conforme descrito na nota 6, a seguir). Essas peças, desde 2009, passaram a compor o acervo da agência do projeto Variação Linguística da Região Sul (VARSUL, 2011) da Universidade Federal de Santa Catarina e foram coletadas como parte do Projeto Estudo Diacrônico do Estatuto da Ordem Verbo-Sujeito em duas Variedades do Português (PE e PB),6 6 O acervo de peças de teatro conta com amostras escritas em Santa Catarina e em Lisboa e faz parte, desde agosto de 2009, do Projeto Para a História do Português de Santa Catarina, coordenado também pela Professora Izete Lehmkuhl Coelho. coordenado pela Professora Izete Lehmkuhl Coelho, com a colaboração de Marco Antonio Martins e de Isabel Monguilhott.

Para este trabalho, especificamente, foi controlada a variável dependente "ordem do sujeito", considerando a influência das seguintes variáveis independentes:

1. Tipo de construção sintática (XV ou YXV);

2. Natureza do X que antecede imediatamente o verbo7 7 Não consideramos, neste trabalho, o clítico e a negação (não) que antecedem o verbo como X, por entendermos que são elementos cliticizados ao verbo. (advérbios, argumento topicalizado (DP ou PP)/ deslocamento à esquerda clítica), elementos em CP (complementizador/sintagma QU), elementos em CP (quantificadores), sentença relativa, clivada (é que), vocativos, apostos e elementos discursivos, constituintes focalizados);

3. Forma de representação do sujeito (sujeito nulo e preenchido: pronomes pessoais, pronomes indefinidos; pronomes demonstrativos, nome próprio, SN simples, SN composto (ou SN+ relativa), pronomes relativos (interrogativos indefinidos) e SN indeterminado);

4. Natureza do Adv no contexto AdvV (focalizadores, quantificadores, de localização espacial e temporal dêiticos, de localização espacial e temporal não-dêiticos, de atitude proposicional, orientados para o sujeito agente e modais);

5. Tipo de verbo (verbo intransitivo, verbo inacusativo não-existencial, verbo inacusativo existencial, verbo transitivo direto, verbo transitivo indireto, verbo bitransitivo, cópula, cópula + particípio e verbo + se);

6. Autores das peças: Álvaro de Carvalho (1829-1865), Arthur C. do Livramento (1853-1897), Horácio Nunes (1855-1919), Antero dos Reis Dutra (1855-1911) e Joaquim Antônio de S. Thiago (1856-1916).

Foram feitas várias rodadas estatísticas utilizando-se o pacote Goldvarb2001 (ROBINSON; LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001). Em todas elas, encontramos nos resultados muitos knockouts,8 8 Por knockouts entendem-se contextos categóricos. o que nos impossibilitou de trabalhar com pesos relativos. Para observar com mais detalhamento o que a frequência de uso estava mostrando, preferimos fazer apenas rodadas unidimensionais (até o arquivo de células) e alguns cruzamentos com os resultados percentuais mais significativos (variáveis "tipo de construção sintática", "natureza do X que antecede imediatamente o verbo", "tipo de verbo" e "forma de representação do sujeito"). A seção, a seguir, traz a descrição e análise dos resultados encontrados.

O que revelam os padrões empíricos (ou o que os padrões empíricos revelam)

Do total de 575 dados investigados de construções V2/V3 não dependentes do século 19, encontramos 522 na ordem sujeito-verbo (91%) e 53 na ordem verbo-sujeito (9%). Dessas construções com sujeito posposto, 11% são de XV, como a Tabela 1 mostra.

Os resultados revelam que a ordem SV é de longe a mais frequente no século 19, com uma tendência bem acentuada de construções YXV e XV (93% e 89%, respectivamente), atestando o que disse Morais (1993). Os dados da amostra em (6), a seguir, dão rosto aos números.

(6) Construções sem inversão - XSV/SXV e SV

a. "Decididamente estes criados anthepatisão commigo" - Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).

b. "eu também vou fazer uma saúde" - Raimundo, 1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).

c. "Eu bem lhe disse" - Um cacho de mortes,1881, de Horácio Nunes (1855-1919).

d. "o fidalgo tem as goelas forradas de veludo" - Raimundo, 1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).

No entanto, os padrões empíricos revelam, ainda, resquício (significativo) de XVS (11%), conforme dados em (7), que pode não estar associado à gramática do PB, o que se apresenta como um resultado relevante para esta discussão, tendo em vista que buscamos nos textos evidências empíricas para a hipótese de competição de gramáticas.

(7) Construções com inversão - (Y)XVS

a. "mas nisto mesmo venceu-me o diabo do Chico Hyppolito" - Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).

b. "Grosseirão, grosseirão; ora a quem o dizes tu" - Raimundo, 1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).

c. "Atrás dela ando eu" - Um cacho de mortes, 1881, de Horácio Nunes (1855-1919).

d. Desta vez não te fará elle companhia! - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

É como se de fato esse século apresentasse um período de transição em que as construções (Y)XVS e (X)SV convivessem lado a lado e se refletissem, portanto, na escrita, uma diglossia literária com padrões gerados por uma variedade inovadora e uma conservadora. Cabe lembrar, no entanto, que o padrão XVS com verbos inacusativos é ainda atestado na gramática no PB, assim como na história do português. Vejamos, pois, nos resultados apresentados na Tabela 2, a relação entre XVS e tipo de verbo.

Os resultados ficam ainda mais interessantes. Na tabela 2, percebemos uma espécie de distribuição complementar entre os resultados de XV, considerando a ordem do sujeito. Na ordem SV, a frequência de uso de verbos vai na seguinte direção: verbo intransitivo (95%)>verbo TD (94%)>verbo TI (94%)> verbo cópula (93%)> verbo bitransitivo (92%)>)>verbo inacusativo (70%)>verbo+se+SN (33%). Já na ordem XVS, a direção é oposta: construções verbo+se+SN (67%)>verbo inacusativo (30%)> verbo bitransitivo (8%)>verbo cópula (7%)> verbo TI (6%)>verbo TD (6%)>verbo intransitivo (5%).

Esses resultados atestam parte de nossa segunda hipótese, uma vez que a recorrência de VS com inacusativos é bastante alta (31%) na escrita de brasileiros nascidos no século 19, conforme dados em (8), e, nesse caso, a ordem VS pode ser resultado de propriedades específicas do verbo. Mas atestam-se, ainda, ocorrências de VS com verbos não inacusativos, conforme dados já apresentados em (7).

(8) VS com inacusativos

a. "desde então principiou a fortuna a ajudar-me" - Raimundo, 1868, de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865).

b. "Pois morro eu de uma apoplexia fulminante" - Um cacho de mortes, 1881, de Horácio Nunes (1855-1919).

c. "Só faltava o Snr. nesta casa. (vai fechar as portas)" - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).

d. "Ahi vêm D. Clarinda e sua filha"- Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).

Os exemplos em (7) e (8) ilustram que a construção XVS na escrita brasileira do século 19 pode revelar inversão inacusativa, mas também (e ainda), inversão germânica (XVS). É importante notar que aos dados com inversão não inacusativa, que dão rosto aos 5%, 7%, 8% e 8% de ordem VS apresentados na tabela 2, não está associada uma estrutura disponível na gramática do PB (RIBEIRO, 2001). Conforme apontamos na seção anterior, muitas análises defendem que o padrão de inversão do sujeito com verbos não inacusativos não pertence a essa gramática em termos de Língua-I. Considerando a realidade sociolinguística em que os textos analisados foram escritos (no tumultuado século 19, por intelectuais da sociedade catarinense), assumimos que há, nos textos, o reflexo de um padrão sociolinguisticamente marcado. Um padrão associado, nesse sentido, a resquícios de uma outra gramática, em que a inversão com verbos não inacusativos era ainda licenciada. Se tal padrão é aquele associado à gramática do PA ou à gramática do PE, não temos condições de responder agora. Mas o que fica claro, desde já, é que tais construções não estão associadas à gramática do PB.9 9 Somado a isso, considere-se que os textos apresentam construções que estão necessariamente associadas à gramática do PB, tal como, por exemplo, a sintaxe de colocação dos pronomes clíticos. Sobre esse aspecto, Martins (2009), em uma análise das peças que compõem o corpus em análise neste artigo, encontra padrões empíricos associados apenas à gramática do PB, tais como a próclise em primeira posição absoluta e próclise ao verbo temático em estruturas verbais complexas, conforme dados em (i) e (ii) no que segue. Tal resultado evidencia que, na escrita dos brasileiros nascidos na Santa Catarina do século 19, autores dos textos analisados, a gramática do PB, para retomar Tarallo (1993), já escorria sua tinta. (i) Próclise a V1 a. "ME chamaste, meo coração?"- Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897). b. “Ai! Que eu estou sufocado! ME largue!” - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897). c. “TE recordas se Valentim era ruivo?” - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897). (ii) Próclise ao verbo temático em complexos verbais a. “Silvério - Diz-ME uma cousa, Turibia; como é que este menino sahio assim ruivo, sendo eu tão moreno? Turibia - Não posso TE explicar! Caprichos da natureza!” - Os ciúmes do capitão,1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897). b. “Pois bem, minha boa Clarinda. Estamos pobres. Não tenho TE dito para poupar te desgostos. Perdoa-me se é erro occultar a desgraça a quem amamos.”- Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911). c. “Mas toma cuidado. Em vez de ires para o bilhar, não vás TE meter por aí...” - Um cacho de mortes, 1881, de Horácio Nunes (1855-1919).

Defendemos aqui, portanto, que a escrita de brasileiros nascidos no século 19 revela padrões associados a diferentes gramáticas do português: ao PB e ao PE e/ou PA. Na linha de argumentação defendida por Anthony Kroch (1989, 2011), entendemos que formas variáveis observadas em textos históricos podem ser o reflexo de diferentes gramáticas: uma forma conservadora e uma forma inovadora. A gradação empírica observada nos textos no curso do tempo, nessa perspectiva, seria o reflexo da competição entre diferentes estruturas geradas por diferentes gramáticas. É essa a interpretação que damos para a variação atestada em relação aos padrões de inversão encontrados nos textos analisados neste artigo.

Nossos resultados mostram, ainda, que a preferência é de que X que antecede imediatamente o verbo, na construção (Y)XV, seja realizado como sujeito (71%), como a Tabela 3 mostra. Mas a escrita de brasileiros nascidos no século 19 apresenta, ainda, uma significativa frequência (29%) de (Y)XV, em que o X que antecede imediatamente o verbo é um não sujeito.

Com o intuito de verificar que material é esse antes de V, fizemos mais um cruzamento, agora excluindo da rodada o X realizado como sujeito. Os resultados podem ser observados na Tabela 4, a seguir.

Os resultados mostram que o material imediatamente antes de V (XV), nas construções XV, diferentemente do sujeito, também está em distribuição complementar nas ordens SV e VS. Na ordem SV, o material encontrado com mais frequência foi a clivada (100%), seguido de SP não argumental (29%)>SN/SP argumental (15%)>Advérbio (5%). Enquanto que, na ordem VS, a escolha é oposta: o material mais usado antes de V foi o advérbio (95%), seguido de SN/SP argumental (85%)>SP não argumental (71%)>clivada (0%). Atente-se para o fato de que os percentuais de material antes de V (na ordem VS) só não são altos para a clivada.

Observem-se agora os resultados relacionados às construções YXV. Sobre a ordem SV (em contextos SXV), X é prioritariamente uma clivada (92%) ou um advérbio (92%), seguido de SP não argumental (86%) > SP/SN argumental (71%). Na ordem VS, construções YXV são pouco frequentes. O X antes do verbo é um SP/SN argumental em 29% dos casos, um SP não argumental em 14%, e um advérbio ou um expletivo em 8% dos dados. Tudo indica que as construções YXV e XV se comportam diferentemente. Com relação às construções YXV (em que X não é o sujeito), SXV é a ordem preferencial e, nas construções XV, a ordem VS é a preferencial.

Os resultados da Tabela 4 atestam a nossa primeira hipótese de que, na ausência de sujeito na posição imediatamente antes do verbo (em XV), a presença de um X do tipo advérbio ou complemento preposicionado permitirá (ou talvez condicionará) a ocorrência de sujeitos pós-verbais. E quanto à frequência significativa de construções em que X é a clivada é que, predominantemente em SXV (92%), parece já apontar para um aumento das construções V3, na ordem SV; estrutura que, provavelmente, está na base da gramática do PB.

Investigamos agora, com mais vagar, as construções de inversão do sujeito. Na sequência, apresentamos uma tabela com resultados do cruzamento feito entre tipo de verbo e forma de realização do sujeito, com o propósito de verificar, em especial, as inversões não inacusativas em que o sujeito seja um pronome.

A Tabela 5 mostra que a escrita de brasileiros nascidos no século 19 apresenta uma frequência significativa de sujeito pronominal em XVS não inacusativa, como em (1a/c), (2) e (7b/c/d). Esse tipo de construção ilustra uma inversão germânica prototípica, em que o verbo e um elemento sintático não sujeito (diferentemente do expletivo) devem ter se movido para uma posição mais alta deixando o sujeito pronominal na posição de especificador de IP. Essas construções não são frequentes na escrita de brasileiros, como os resultados de Berlinck (1988, 1995), Coelho (2000, 2006) e Coelho e Martins (2009) atestam, corroborando a hipótese de Ribeiro (2001). Se aparecem em determinado contexto no final do século 20 são em geral cristalizadas, vistas como fósseis linguísticos.

Como já dito, assumimos que a análise de materiais históricos, num determinado período de tempo, pode evidenciar que a gradação entre formas variantes que se vê refletida nos textos reflete a tensão entre uma gramática inovadora e uma gramática conservadora. Essa tensão é captada pela observação empírica de alterações na frequência de uso de formas que instanciam, por sua vez, diferentes estruturas gramaticais. Essas alterações significativas atestadas nos textos são reflexos de uma alteração na fixação de um parâmetro gramatical, resultando no que Kroch (1989, 2001) define como Hipótese da Taxa Constante (HTC). Segundo essa hipótese, o que aparece refletido nas amostras de Língua-E é apenas o efeito da mudança sintática na Língua-I chomyskiana; ou seja o que é observável na mudança relacionada à alteração na fixação de um parâmetro gramatical é o reflexo que essa alteração traz ao uso das formas/gramáticas em competição.

Ressaltamos, no entanto, que, para que a HTC seja validada em nossos dados, necessário se faz observar um maior número de dados, considerando um período de tempo também maior. Analisamos aqui textos de um século apenas. Necessário também se faz observar a variação atestada em demais fenômenos sintáticos para além daquele associado à inversão do sujeito.

Voltando às hipóteses; sistematizando resultados

Nesta análise, tendo em vista a escrita de brasileiros nascidos no curso do século 19 atestam-se: (i) construções com inversão inacusativa, que são encontradas tanto nas gramáticas do PA, quanto na do PB (e do PE); (ii) construções XVS, com inversão do sujeito (pronominal) em construções com verbos não inacusativos - inversão germânica -, que parecem superficializar estruturas geradas pela gramática do PA; e, ainda, (iii) construções YXV, em que o sujeito ocupa sempre a posição pré-verbal (XSV ou SXV), associadas a estruturas geradas pela gramática do PB (ou mesmo do PE). Interpretamos esses padrões como o reflexo nos textos de padrões gerados pelas gramáticas do PA e do PB (PE), de modo que, a escrita de brasileiros nascidos no século 19 evidencia um processo de mudança sintática que pode ser entendido com o reflexo de diferentes gramáticas do português.

O esquema a seguir sistematiza a análise:

PA (PE)11 11 Não nos voltamos à análise do PE neste artigo. Para uma análise sobre essa variedade do português ver Morais (1995). e PB: construções XVS (com inversão inacusativa)

PA (e PE): construções XVS (com inversão germânica)

PB (e PE): construções YXV (XSV e/ou SXV)

Recebido em março de 2011

Aprovado em setembro de 2011

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  • Padrões de inversão do sujeito na escrita brasileira do século 19: evidências empíricas para a hipótese de competição de gramáticas

    Patterns of subject inversion in Brazilian writing during the 19th century: empirical evidence for the hypothesis of competing grammars
  • 1
    Trabalho apresentado no
    VII Congresso Internacional da ABRALIN , Curitiba/PR, de 09 a 12 de fevereiro de 2011. Agradecemos comentários e sugestões feitos pela querida amiga Edair Maria Görski, pelos colegas da sessão de comunicação do evento e pelos pareceristas da Revista ALFA.
  • 2
    Os exemplos que seguem foram retirados de peças de teatro de Santa Catarina, disponíveis para empréstimo na agência do Projeto VARSUL da UFSC. Informações sobre o Projeto VARSUL podem ser obtidas no
    site: <
    http://www.varsul.org.br/>. Os exemplos doravante citados, retirados da amostra, serão seguidos do título da peça de teatro, do ano de publicação, do autor seguido das datas de nascimento e morte.
  • 3
    Segundo Kato et al. (2006), a inversão românica é aquela em que o sujeito posposto não vem contíguo a um verbo transitivo, intransitivo, cópula ou inacusativo, como no exemplo em (i), retirado do nosso
    corpus: (i) "Em toda a parte são
    innumeros os batalhadores magicos Chicos Hypollitos"-
    Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911). Neste trabalho, não trataremos desse tipo de inversão.
  • 4
    Os três períodos investigados por Coelho e Martins (2009) foram: tempo 1 (peças de autores nascidos entre 1800 a 1899); tempo 2 (peças de autores nascidos entre 1900 a 1949); e tempo 3 (peças de autores nascidos entre 1950 a 1969).
  • 5
    No trabalho de 2009, analisamos dados extraídos das seguintes peças de teatro escritas por catarinenses nascidos no século 19:
    Raimundo(1868) de Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865);
    Um cacho de mortes(1881), de Horácio Nunes (1855- 1919);
    Brinquedos de cupido(1898) de Antero Reis Dutra (1855-1911). Para o presente trabalho, além das três peças lá consideradas, incluímos mais três peças:
    O Idiota(1890), de Horácio Nunes (1855-1919);
    A engeitada (1895), de Joaquim Antônio de S. Thiago (1856-1916) e
    Os ciúmes do capitão (1880), de Arthur Cavalcanti do Livramento (1853-1897). Nas referências, as informações sobre as obras estão completas, vide: Carvalho (1994), Dutra (1898), Livramento (1882), Nunes (1999) e Thiago (1930).
  • 6
    O acervo de peças de teatro conta com amostras escritas em Santa Catarina e em Lisboa e faz parte, desde agosto de 2009, do Projeto
    Para a História do Português de Santa Catarina, coordenado também pela Professora Izete Lehmkuhl Coelho.
  • 7
    Não consideramos, neste trabalho, o clítico e a negação (não) que antecedem o verbo como X, por entendermos que são elementos cliticizados ao verbo.
  • 8
    Por
    knockouts entendem-se contextos categóricos.
  • 9
    Somado a isso, considere-se que os textos apresentam construções que estão necessariamente associadas à gramática do PB, tal como, por exemplo, a sintaxe de colocação dos pronomes clíticos. Sobre esse aspecto, Martins (2009), em uma análise das peças que compõem o
    corpus em análise neste artigo, encontra padrões empíricos associados apenas à gramática do PB, tais como a próclise em primeira posição absoluta e próclise ao verbo temático em estruturas verbais complexas, conforme dados em (i) e (ii) no que segue. Tal resultado evidencia que, na escrita dos brasileiros nascidos na Santa Catarina do século 19, autores dos textos analisados, a gramática do PB, para retomar Tarallo (1993), já escorria sua tinta.
    (i) Próclise a V1
    a. "ME chamaste, meo coração?"-
    Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).
    b. “Ai! Que eu estou sufocado! ME largue!” - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).
    c. “TE recordas se Valentim era ruivo?” - Os ciúmes do capitão, 1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).
    (ii) Próclise ao verbo temático em complexos verbais
    a. “Silvério - Diz-ME uma cousa, Turibia; como é que este menino sahio assim ruivo, sendo eu tão moreno?
    Turibia - Não posso TE explicar! Caprichos da natureza!” - Os ciúmes do capitão,1880, de Arthur C. do Livramento (1853-1897).
    b. “Pois bem, minha boa Clarinda. Estamos pobres. Não tenho TE dito para poupar te desgostos. Perdoa-me se é erro occultar a desgraça a quem amamos.”- Brinquedos de cupido, 1898, de Antero Reis Dutra (1855-1911).
    c. “Mas toma cuidado. Em vez de ires para o bilhar, não vás TE meter por aí...” - Um cacho de mortes, 1881, de Horácio Nunes (1855-1919).
  • 10
    Para esta discussão, consideramos apenas os constituintes imediatamente à esquerda do verbo mais significativos (SN/SP argumental, SP não argumental, Advérbio e clivada).
  • 11
    Não nos voltamos à análise do PE neste artigo. Para uma análise sobre essa variedade do português ver Morais (1995).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2011
    • Aceito
      Set 2011
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