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O sistema posição-prática como categoria epistemológica: contribuições para análise de discurso crítica1 1 Trabalho realizado com apoio da Fundação Araucária, processo 06102/2012 (2012/2013), e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Brasil, processo 4037872/2012-0 (2013/2014).

Resumos

Estudos críticos do discurso têm se consolidado como instrumento importante no campo da crítica explanatória de práticas sociais. Este artigo propõe uma reflexão epistemológica em torno do diálogo transdisciplinar entre o Realismo Crítico – abordagem filosófica do funcionamento da sociedade proposta por Roy Bhaskar – e a Análise de Discurso Crítica na versão de Norman Fairclough – abordagem teórica do funcionamento social da linguagem e dispositivo metodológico para análise situada de textos, e, mais especificamente, aborda a relação entre estrutura, prática e ação social, tomando o sistema posição-prática como argumento epistemológico. A discussão teórica decorre de dois estudos situados: um que trata de posições híbridas e tensões entre posições objetivas previamente existentes e sua ocupação subjetiva no contexto de um movimento social; outro que trata de posições flutuantes em contexto de formação de professores/as de inglês, conforme texturizadas em subprojetos institucionais. O texto explora implicações da categoria sistema posição-prática no campo teórico, epistemológico e metodológico, e reitera o enquadre teórico de agência situada.

Análise de discurso crítica; Sistema posição-prática; Modelo transformacional da atividade social; Epistemologia


Critical discourse studies are acknowledged as an important scientific movement within the field of explanatory critique of social practices. This essay proposes epistemological considerations by means of a transdisciplinar dialogue between Critical Realism as a philosophical approach to the functioning of society proposed by Roy Bhaskar, and Critical Discourse Analysis – a theoretical approach to the social functioning of language and methodological tool to the situated analysis of texts. More specifically, the text explores the relation between social structures, practices and events, taking the position-practice system as an epistemological argument. The discussion is illustrated with two situated studies: one dealing with hybrid positions and tensions between pre-existent objective positions and their subjective occupations within a social movement; the other dealing with fluctuant positions in ELT education practices, as textured in institutional projects.

Critical discourse analysis; Position-practice system; Transformational model of social activity; Epistemology


Introdução

Neste texto, nosso objetivo é empreender uma reflexão epistemológica em torno do diálogo transdisciplinar entre o Realismo Crítico (RC) – abordagem filosófica do funcionamento da sociedade proposta por Roy Bhaskar – e a Análise de Discurso Crítica (ADC) na versão de Norman Fairclough – abordagem teórica do funcionamento social da linguagem e dispositivo metodológico para análise situada de textos. Nosso escopo, então, não será uma discussão detalhada de uma nem outra abordagem, mas uma reflexão a respeito de como certos conceitos do RC seriam potencializados nos estudos críticos do discurso, se tomados como princípio epistemológico. Antecipando leitores/as potenciais mais familiarizados/as com a ADC, contudo, concentramo-nos no ensaio muito mais especificamente no trânsito de conceitos do RC, entendendo que essa reflexão possa lançar luz sobre possibilidades ainda pouco exploradas.

O texto está organizado com base em alguns princípios básicos, quais sejam, (i) a estratificação da realidade social, como princípio ontológico; (ii) a dialética linguagem e sociedade, incluindo o sistema posição-prática, como princípio epistemológico; (iii) o conjunto desses princípios anteriores como base inicial para o planejamento de pesquisas discursivas alinhadas com esse enfoque. Para construir essa linha de raciocínio, dividimos nosso ensaio em três seções: as duas primeiras mais teóricas, para, na terceira, exemplificarmos nossos argumentos com base em duas pesquisas realizadas. Na primeira seção, focalizamos a perspectiva ontológica crítico-realista da estratificação da realidade social, abordagem que já vem sendo retomada em estudos críticos do discurso, e concentramo-nos nas relações causais entre estruturas, práticas e eventos para, na segunda, chegarmos a nosso principal ponto de interesse no ensaio: o sistema posição-prática como categoria epistemológica. Construído esse percurso, na terceira seção refletimos sobre a utilização dessa categoria epistemológica em dois projetos de pesquisa distintos, ambos em ADC: o primeiro sobre um movimento social, e o segundo sobre formação de professores/as. Com essas narrativas de pesquisa, esperamos possibilitar maior compreensão de nossos argumentos teórico-práticos. Por fim, apresentamos possíveis implicações deste estudo para o campo da ADC.

Perspectiva social crítico-realista: a estratificação como princípio ontológico

A opção por iniciar esta reflexão epistemológica pela estratificação do mundo social como princípio ontológico não é fortuita. Primeiro, encontra motivação no pressuposto de que o protagonismo humano depende não somente dos desejos e intenções dos atores sociais (como prefeririam modelos idealistas), mas se liga organicamente às condições sociais e materiais em que suas ações se realizam. Isto é, a agência se realiza na coincidência de interesses e desejos subjetivos e de possibilidades e oportunidades objetivas (COLLIER, 1994COLLIER, A.Critical Realism: an introduction to Roy Bhaskar’s Philosophy. London: Verso, 1994.). Essa perspectiva corresponde à teoria social crítico-realista adotada no modelo de ADC de Fairclough, que afirma:

O posicionamento que adoto é realista, baseado em uma ontologia realista: tanto eventos sociais concretos quanto estruturas sociais abstratas, bem como as menos abstratas ‘práticas sociais’ […] são parte da realidade. Podemos fazer uma distinção entre o ‘potencial’ e o ‘real’ – aquilo que é possível por conta da natureza (constrangimentos e possibilidades) das estruturas e práticas sociais, em oposição ao que de fato acontece. Ambos precisam ser diferenciados do ‘empírico’, aquilo que sabemos sobre a realidade. (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.14, tradução nossa).[2 2 Todas as citações de obras em língua estrangeira são traduções livres das autoras. ]

A filosofia do RC (BHASKAR, 1998BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257.) reconhece que (i) há um mundo independente do nosso conhecimento sobre ele e, por esta razão, irredutível ao que sabemos sobre ele; (ii) este mundo, assim como preexiste como condição para o ato intencional, é também reproduzido-transformado pela ação humana, e (iii) os poderes causais potencialmente existentes na estrutura social, quando instanciados por contingências contextuais, estabelecem o que é realizado. Desses princípios decorrem os três estratos da realidade: o potencial, o realizado e o empírico.3 3 Correspondentes, respectivamente, aos termos Real,Actual e Empirical, em inglês.

Reconhecer que há coisas no mundo que existem independentemente do nosso conhecimento sobre elas e que há eventos que podem acontecer a despeito de nossa percepção sobre eles significa que as questões sobre o que existe não podem ser reduzidas às questões sobre o que somos capazes de conhecer. À redução do domínio potencial ao empírico, Bhaskar (1978)BHASKAR, R. A Realist Theory of Science. Brighton: Harvester, 1978. chama defalácia epistêmica. Aquilo que existe como potencialidade é mais abrangente do que aquilo que é realizado, que, por sua vez, é mais abrangente do que o empiricamente observado.

O domínio potencial refere-se às estruturas geradoras de poder e aos mecanismos geradores de eventos. Isto é, “[...] o real é tudo aquilo que existe, seja natural ou social, independentemente de ser um objeto empírico para nós e de termos, por acaso, uma compreensão adequada de sua natureza.” (SAYER, 2000SAYER, A. Realism and Social Science.London: Sage Publication, 2000., p.11). Aquilo que existe no plano potencial e o que poderia existir de acordo com os poderes causais podem ou não ser concretizados no plano realizado. Para ilustrar, podemos dizer que as instituições políticas como, por exemplo, as políticas educacionais neoliberais têm um conjunto de poderes e mecanismos capazes de operacionalizar formas de (inter)agir, formas de ser e formas de organizar a educação em determinadas direções, ainda que isso não aconteça em conformidade ou que aconteça sem que as pessoas o percebam empiricamente. Mesmo dependentes dos atores sociais para sua realização, as estruturas preexistem a eles e à sua ação, como retomaremos adiante.

De fato, nem tudo o que existe no plano potencial e que poderia existir dados os poderes causais torna-se evento no domínio do realizado. No sistema aberto e dinâmico da vida social, a ativação dos poderes causais depende de um conjunto complexo de contingências contextuais que podem tanto potencializar quanto bloquear as possibilidades. Como definem Fairclough, Jessop e Sayer (2002, p.3), “O ‘realizado’ refere-se ao que acontece quando estes poderes e potencialidades são ativados e produzem mudança.” Deste modo, no caso da ilustração anterior, o poder potencial das políticas educacionais neoliberais se torna realizado quando instanciado em eventos de forma consoante. Mas esse poder pode também permanecer como potencial bloqueado, isto é, não realizado devido a contingências presentes no mundo social. De forma relacional, mudanças no nível das práticas podem mudar a natureza da instituição, apesar de sua durabilidade e relativa autonomia.

Se a existência daquilo que se encontra no domínio potencial tem os poderes que tem, dadas as estruturas sociais, e se os poderes causais gerados na estrutura co-determinam os eventos, então é possível investigar as estruturas que geram os poderes por meio dos seus efeitos observáveis em eventos. Assim, o empírico é definido como o domínio da experiência, isto é, refere-se àquilo que se pode experienciar e observar dos efeitos das potencialidades e das realizações. Embora “[...] nossa capacidade de observar efeitos e ações sociais não esgot[e] o que poderia existir ou de fato existe.”, argumenta Resende (2009a, p.21), “[...] a observação po[de] nos ensinar sobre o que se realiza e sobre o que se poderia realizar.”

Dissemos até aqui que os distintos níveis de abstração da realidade social – aquilo que se encontra no domínio do potencial, do realizado e do empírico – implicam que nem tudo o que poderia acontecer no mundo social acontece de fato e que nem tudo aquilo que é realizado em eventos sociais pode ser percebido pela experiência. O critério causal, ou seja, a explicação de um processo por meio da descrição daquilo que o produz, consiste em evidência daquilo que é sua condição-e-impedimento, isto é, constitui evidência dos recursos que o possibilitam e dos constrangimentos que o limitam. Nisso reside a causação como argumento epistemológico no Realismo Crítico: aquilo que a análise empírica de (inter)ações sociais possibilita conhecer permite, ao mesmo tempo, explicar a emergência de eventos em termos de causas não observáveis. Como exemplifica Collier (1994COLLIER, A.Critical Realism: an introduction to Roy Bhaskar’s Philosophy. London: Verso, 1994., p.44):

Quando encontramos o jardim enlameado pela manhã, presumimos uma chuva real, embora estivéssemos dormindo enquanto isso acontecia; um assassinato implica um assassino, ainda que ele possa nunca ser identificado. Temporais e assassinos são objetos passíveis de experiência, mas suas existências estão dadas, nesses casos, com base em critérios causais somente, uma vez que não são ‘experienciadas’ no sentido de terem sido vistas.

O autor assegura ainda que tanto é possível explicar eventos em função dos mecanismos e causas antecedentes (como no caso da tempestade e dos assassinos) quanto é possível explicar um mecanismo em função de outros mecanismos (por exemplo, quando mecanismos econômicos explicam mecanismos políticos e ideológicos). Essa perspectiva opera para o sentido de processo social, entendido na ADC como “[...] a inter-relação entre os três níveis da realidade social: estruturassociais, práticas e eventos.” (FAIRCLOUGH, 2009FAIRCLOUGH, N. A dialectical-relational approach to critical discourse analysis in social research. In: WODAK, R.; MEYER, M. (Ed.).Methods of critical discourse analysis. 2nd. ed. London: Sage, 2009. p.162-186., p.164, grifo do autor).

As estruturas sociais são entidades abstratas que definem o potencial, isto é, o conjunto de recursos e constrangimentos que possibilita a realização de eventos. Cada estrutura (por exemplo, estrutura econômica, classe social, instituição política, sistema semiótico) gera efeitos distintos sobre os eventos, por meio de seus mecanismos próprios. No entanto, os eventos, explica Fairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.23), “[...] não são de nenhuma forma simples ou direta efeitos das estruturas sociais abstratas.” A relação entre estruturas sociais abstratas e (inter)ações sociais concretas é mediada pelas (redes de) práticas sociais.

O conceito de prática social é central na ADC, que parte do pressuposto de que a vida social é feita de práticas definidas como

[...] formas habituais, ligadas a lugares e tempos específicos, nas quais as pessoas empregam recursos (materiais e simbólicos) para agir juntas no mundo. Práticas são constituídas ao longo da vida social – nos domínios especializados da economia e da política, por exemplo, mas também no domínio da cultura, incluindo a vida cotidiana. (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical: discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999., p.21).

As práticas que medeiam as estruturas sociais e as ações individuais, portanto, são processos ativos de produção de eventos, que articulam diversos elementos da vida social, dentre eles, o discurso. Dizer que as práticas articulam diversos elementos e mecanismos implica reconhecer que as práticas são elas próprias articuladas em redes e seus aspectos internos são determinados por estas relações externas. Assim,Chouliaraki e Fairclough (1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical: discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999., p.24) argumentam que “[...] toda prática social está inserida em redes de relações de poder e potencialmente subordina os sujeitos sociais que nela se engajam, mesmo aqueles com poder ‘interno’.”

Por sua vez, os textos como elementos dos eventos sociais concretos são determinados pela relação causal com redes de práticas sociais que definem formas específicas de agir. Assim, “[...] embora os eventos realizados possam mais ou menos divergir destas definições e expectativas (porque eles atravessam diferentes práticas sociais e por conta dos poderes causais de agentes sociais), eles ainda são parcialmente moldados por elas.” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.25). No entanto, o próprio autor deixa claro que textos não são somente resultado de constrangimentos sociais, mas também provocam, potencialmente, mudanças sociais:

Primeiramente, textos podem acarretar mudanças em nosso conhecimento (podemos aprender coisas por meio deles), em nossas crenças, nossas atitudes, valores e assim por diante. Eles também têm efeitos causais em longo prazo – pode-se, por exemplo, argumentar que a exposição prolongada a textos publicitários contribui para formar identidades de pessoas como ‘consumidoras’ ou suas identidades de gênero. Textos podem também iniciar guerras, ou contribuir para mudanças na educação, nas relações industriais, etc. Seus efeitos podem incluir mudanças no mundo material, tais como mudanças no design urbano, ou na arquitetura e design de tipos específicos de prédio. Em síntese, textos têm efeitos causais sobre – e contribuem para mudanças em – pessoas (crenças, atitudes etc.), ações, relações sociais e o mundo material. […] esses efeitos são mediados pela produção de sentidos. (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.8).

Nesse aspecto, textos produzidos como parte dos eventos sociais ganham lugar privilegiado em investigações que, como as nossas, filiam-se a uma abordagem dialético-relacional (i) entre os mecanismos das estruturas e os modos como são instanciados em práticas sociais específicas e (ii) entre linguagem e outros elementos da vida social, no interior de cada evento realizado (FAIRCLOUGH, 2009FAIRCLOUGH, N. A dialectical-relational approach to critical discourse analysis in social research. In: WODAK, R.; MEYER, M. (Ed.).Methods of critical discourse analysis. 2nd. ed. London: Sage, 2009. p.162-186.). A análise de textos específicos como parte de eventos específicos opera para conexão analítica entre o evento social concreto e as práticas sociais mais abstratas. Isto porque “[...] textos não são somente efeitos das estruturas linguísticas e ordens do discurso, eles são também efeitos de outras estruturas sociais e de práticas sociais em todos os seus aspectos.” (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.25). Mais do que isso, como vimos, textos tanto sofrem os efeitos das estruturas e práticas sociais, quanto, também, provocam efeitos sobre a vida social.

Tomar a causalidade como argumento epistemológico significa que, para fazerem sentido as relações entre mecanismos estruturais e suas formas específicas de instanciação nos eventos sociais, é necessário investigar aquilo que potencializa ou que bloqueia a ação concreta e que, deste modo, parcialmente transforma ou parcialmente sustenta as permanências das práticas e das estruturas. De fato, grande parte de nossa experiência no cotidiano é explicada por referência a poderes causais. Como argumenta Sayer (2000SAYER, A. Realism and Social Science.London: Sage Publication, 2000., p.14), explanação crítica depende, portanto, “[...] da identificação dos mecanismos causais e de como eles trabalham, além da descoberta sobre se eles foram ativados e sob que condições.” O autor alerta, ainda, para o fato de que o que explica os efeitos não é a regularidade ou a frequência com que são observadas as causas, mas quais são os mecanismos, como e em que circunstâncias são ativados. Assim, a explicação de certos mecanismos depende da análise da natureza da estrutura que possui um dado poder. Deste modo, exemplifica, “[...] o poder do/a professor/a em dar nota ao trabalho do estudante depende de seu conhecimento e qualificações, além de ser aceito/a pela escola e pelo público como legítimo.” (SAYER, 2000SAYER, A. Realism and Social Science.London: Sage Publication, 2000., p.14).

Essa discussão sobre as relações causais como argumento epistemológico relaciona-se, portanto, ao pressuposto de que discursos têm efeitos reais sobre práticas, instituições e ordem social e que são esses efeitos que precisam ser analisados, compreendidos e criticamente explicados. Neste sentido, a investigação dos modos como esses efeitos são produzidos requer uma análise que parta da identificação daquilo que produz os efeitos que podem ser observados nas (inter)ações concretas para, então, atribuir relações causais em termos de mecanismos que subjazem a eles (FAIRCLOUGH; JESSOP; SAYER, 2002). São as ações concretas com seus efeitos e causas que permitem, em última instância, analisar, compreender e explicar as articulações das práticas sociais e, por assim ser, potencializar a capacidade de desvelar as estruturas, mecanismos e poderes que operam nos eventos. Por isso, dizemos que aquilo que é realizado, em um dado momento, em um dado lugar, por um dado grupo de pessoas, é dependente de que poderes causais são ativados; não de forma mecânica, regular, direta, mas dinâmica e deliberadamente “provocados” pelo mundo social como um sistema aberto.

O modelo transformacional da atividade social: o sistema posição-prática como categoria epistemológica

Tratar a vida social como um sistema aberto significa compreender que os mesmos poderes presentes na estrutura podem produzir diferentes resultados e que diferentes mecanismos podem produzir resultados semelhantes (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical: discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999.). Isso quer dizer que a discussão sobre relações causais não deve levar a supor uma perspectiva mecanicista de causa-efeito. Se o estudo das relações causais parte, por um lado, do reconhecimento de que os atores sociais são socialmente constrangidos, reafirma, por outro, que nem todas as suas ações são socialmente determinadas. Como argumenta Fairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.22), “[...] agentes têm seus próprios ‘poderes causais’ que não são redutíveis aos poderes causais das práticas e estruturas sociais.”

Para a teoria marxista, “[...] as circunstâncias tanto fazem os homens (sic) quanto os homens (sic) fazem as circunstâncias.” (MARX; ENGELS, 1998MARX, K.; ENGELS, F. The German ideology: including theses on Feuerbach and introduction to the Critique of Political Economy. New York: Prometheus Books, 1998., p.165). No entanto, no campo da ADC, como abordagem dialético-relacional seguindo a teoria social crítico-realista, estruturas não são redutíveis aos atores sociais, sendo que, como discutimos, aquelas preexistem a estes. Embora os elementos da prática social (discurso, relações sociais, atividade material, fenômeno mental, de acordo com o enquadre de Chouliaraki e Fairclough) mantenham entre si relação dialética, a relação entre estrutura e ação é de natureza distinta, transformacional.

Como argumentam Ramalho e Resende (2011RAMALHO, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas: Pontes, 2011., p.37), “[...] em um dado corte sincrônico a sociedade não é criação dos seres humanos, mas pré-existe a eles (embora diacronicamente a sociedade seja resultado da ação dos seres humanos).” Assim, aqui é necessário enfatizar a distinção conceitual entre indivíduos agindo e a sociedade que possibilita e constrange sua ação, isto é, as estruturas, embora conformadas nas ações sociais anteriores, são prévias à ação social que constrangem, o que garante a característica transformacional – e não dialética – da relação entre estrutura e ação, ou, nos termos de Bhaskar, entre sociedade e indivíduo. Daí a necessidade da categoria intermediária representada no sistema posição-prática.

Para Bhaskar (1998)BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257., tanto é verdadeiro o princípio humanista de que as sociedades somente existem como resultado da ação humana quanto o princípio estruturalista de que o contexto social determina quais ações são passíveis de serem realizadas. Por isso, o autor afirma que “[...] a sociedade é tanto a condição sempre presente (causa material) quanto resultado continuamente reproduzido da agência humana.” (BHASKAR, 1998BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257., p.215, grifo do autor).

Na perspectiva do Realismo Crítico, a relação entre estrutura e ação não é dialética, mas transformacional, ou seja, sociedade e ação humana “[...] não constituem dois momentos do mesmo processo. Ao contrário, ambas referem-se a tipos radicalmente diferentes de coisas.” (BHASKAR, 1998BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257., p.214). De um lado, a sociedade é meio-e-fim, é condição material e resultado da práxis. De outro, a práxis é tanto reprodução quanto transformação da sociedade. A isto ele chama de Modelo Transformacional da Atividade Social (MTAS). Baskhar (1998)BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257.4 4 Bhaskar (1998) representou o modelo imageticamente como a Figura 1; entretanto, os termos “sociedade” e “indivíduo”, com que esse autor trabalha, foram adaptados para “estrutura” e “ação”, na figura. assim representa, imageticamente, seu modelo:

Ao discutir essa mesma figura, Ramalho e Resende (2011RAMALHO, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas: Pontes, 2011., p.39) explicam que

[...] o movimento descendente da seta representa a ação humana como dependente de regras e recursos (incluindo mecanismos e seus poderes causais) disponíveis na estrutura social. Ao mesmo tempo em que essa estrutura, na qualidade de meio, é facilitadora, por permitir a ação, ela também é constrangedora, pois ‘regula’ condutas.

Por outro lado, o movimento ascendente da seta representa que o acionamento de regras e recursos de estruturas sociais por atores sociais pode resultar em reprodução ou transformação de tal estrutura, como resultado. Assim, ação e estrutura constituem-se transformacional e reciprocamente.

Dizer que sociedade e práxis mantêm entre si relação assimétrica – dado que as estruturas são sempre prévias às ações que, por sua vez, se valem de formas preexistentes de ordens sociais para reproduzi-las e transformá-las – sugere uma concepção de agência em que as ações humanas e as mudanças na estrutura social, embora mutuamente dependentes, são categoricamente distintas. Para Bhaskar (1998BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257., p.215),

[...] pode-se dizer, sem paradoxo ou tensão, que propositividade, intencionalidade e às vezes autoconsciência caracterizam ações humanas mas não transformações na estrutura social. A concepção que proponho é que as pessoas, em suas atividades conscientes, na maior parte das vezes inconscientemente, reproduzem (e ocasionalmente transformam) as estruturas que governam suas atividades reais de produção. Deste modo, as pessoas não se casam para reproduzir o núcleo familiar ou trabalham para sustentar a economia capitalista. Ainda assim, isto é, contudo, a consequência não intencional (e o resultado inexorável) de suas atividades, tanto quanto é também a condição necessária para elas.

Existem aqui, entre outros, dois aspectos que destacamos para a discussão neste texto. O primeiro diz respeito à historicidade da mudança social; e o segundo, à relação entre (dis)posições sociais e possibilidades existentes para ação.

Considerando-se que as estruturas sempre prefiguram as ações, aquilo com o que atores sociais lidam no momento da práxis está conformado pelas ações de outros atores que os antecederam e que, por sua vez, também foram constrangidos pelas estruturas existentes em suas ações de reprodução e de transformação social. Com base nessa caracterização, Resende (2009a, p.28), na Figura 2, propõe “[...] uma relação temporal (em termos de sincronia/diacronia) entre os dois elementos da recursividade estrutura/agência”:

Figura 2
– Relação sincrônica/ diacrônica entre estrutura e ação

Isso significa dizer que existimos como seres humanos em sociedades prenhes de mecanismos que condicionam e que possibilitam nossas ações potencialmente transformadoras. A atividade humana objetivada por aqueles/as que nos antecederam torna-se objeto de nossa apropriação, que gera em nós necessidades, desejos e razões que não existiam do mesmo modo anteriormente e que, por sua vez, nos levarão a novas objetivações e a novas apropriações em um processo sem fim (DUARTE, 2001DUARTE, N. Vigotski e o aprender a aprender: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2001.).

Nesse quadro, qualquer que seja o momento histórico, este revela sempre as condições sócio-históricas nas quais os indivíduos se movimentam, bem como as circunstâncias situacionais por eles criadas com base nos recursos e constrangimentos estruturais, ou seja, o quadro de seu movimento em relação às possibilidades e aos limites constituídos também socialmente, mas anteriormente a sua ação concreta individual. Assim, as estruturas materiais ou simbólicas reproduzidas e transformadas pela práxis das gerações precedentes e apropriadas pelos indivíduos em seu processo de inserção na vida social circunscrevem as possibilidades e limitações das gerações futuras. Por esse motivo, os movimentos de reprodução e de transformação mantêm o sentido de totalidade da história do desenvolvimento humano e social, que se realiza num processo de ruptura ao mesmo tempo que de continuidade. Nas palavras de Marx e Engels (1998MARX, K.; ENGELS, F. The German ideology: including theses on Feuerbach and introduction to the Critique of Political Economy. New York: Prometheus Books, 1998., p.172),

História não é outra coisa senão a sucessão das diferentes gerações, cada uma das quais explora os materiais, os capitais e as forças produtivas que lhe são transmitidos por todas as gerações precedentes; e assim, por um lado, cada geração continua o modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformadas e, por outro lado, modifica antigas circunstâncias ao se entregar a uma atividade radicalmente diferente.

Assim, a relação entre prática objetivada – isto é, aquela que se apresenta para os indivíduos e grupos como mecanismos estruturais que possibilitam-constrangem suas ações – e prática objetivante – ou seja, ação humana que reproduz e transforma a sociedade – não é linear. De fato, a historicidade se realiza em movimentos cíclicos que, no entanto, nunca retornam ao mesmo ponto e tampouco da mesma forma. Também nunca são inteiramente diferentes do anterior, mantendo traços da prática objetivada, ainda que em circunstâncias radicalmente transformadas. Nesse sentido, a Figura 3 representa uma nova síntese dos movimentos históricos da recursividade estrutura/agência:

Figura 3
– Movimentos históricos de reprodução e transformação social

Na figura que propomos como refinamento para a ilustração da assimetria temporal entre estrutura e ação, o movimento espiral representa o tear das malhas do tecido social em suas relações e redes de práticas. Os fios se entrecruzam na conformação de práticas objetivadas que constituem redes de possibilidades e constrangimentos para a ação humana que, por sua vez, reconfigura o tecido social numa perspectiva de transformação-permanência das circunstâncias preexistentes. Posicionamos as estruturas, nos diferentes tempos (E1, E2, ...), acima para sinalizar seu caráter abstrato de potencialidade que pode ser alçada sincronicamente ao nível realizado (por meio da ação), representado abaixo, no plano do evento concreto. As linhas descendentes indicam que, em sincronia, as estruturas proveem recursos e constrangimentos para a ação situada; assim é que essas linhas ligam estrutura e ação sempre em um mesmo tempo (E1-A1, E2-A2, ...). As linhas ascendentes pontilhadas indicam, por outro lado, a relação diacrônica, isto é, as possibilidades de transformação-reprodução de estruturas pela ação situada, mas sempre em tempos diferentes: a ação em A1 resulta na estrutura em E2, e assim sucessivamente. O modelo é transformacional por compreender essa assimetria entre as estruturas que governam a ação, sempre prévias e conformadas em ações anteriores, e a própria ação que governam. Por isso temos que a ação em A1 é estruturada por E1, mas carrega o potencial de transformar E1em E2. Por fim, destacamos que nossa linha tracejada não tem um início definido, o que ilustra nossa incapacidade de localizar, como num mito de Eva, um ‘ponto zero’.

Consideramos a figura que propomos mais adequada para ilustrar o MTAS porque: (1) em comparação com a figura de Bhaskar (Figura 1), a que apresentamos acrescenta mais claramente a assimetria entre estrutura e ação e a relação transformacional que estabelecem; (2) em comparação com a figura de Resende (Figura 2), nossa Figura 3 ilustra mais claramente a dinâmica de historicidade da mudança social.

Figura 1
– Modelo Transformacional da Atividade Social

Se as estruturas sociais existem em relação de dependência (i) com as atividades que elas governam e (ii) com os sentidos que os atores sociais atribuem àquilo que fazem nas atividades, é necessário, então

[...] um sistema de conceitos designando o ‘ponto de contato’ entre agência humana e estruturas sociais. Tal ponto, ligando ação e estrutura deve sersimultaneamente durável e ocupado por indivíduos. Está claro que o sistema de mediação de que precisamos é aquele das posições(lugares, funções, regras, tarefas, deveres, direitos etc.) ocupadas (preenchidas, assumidas, desempenhadas etc.) por indivíduos e aquele daspráticas (atividades etc.) nas quais eles se engajam, em virtude de ocuparem estas posições (e vice-versa). (BHASKAR, 1998BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257., p.220-221, grifo do autor).

A esse sistema mediador Bhaskar chama sistema posição-prática.Como princípio epistemológico, o sistema posição-prática torna possível entrelaçar os fios que tecem explanações para os eventos empiricamente capturados a partir das condições preexistentes e, com isso, gerar conhecimento sobre as realidades sociais investigadas, na medida em que favorece escolhas que permitem analisar momentos de práticas posicionadas em suas relações de causalidade na reprodução e transformação da sociedade. Em outras palavras, favorece a atenção analítica que devemos ter nas relações sociais como base para as explanações. Assim, o sistema posição-prática pode ser entendido como princípio epistemológico capaz de estabelecer pontes entre o MTAS (perspectiva ontológica do Realismo Crítico retomada em ADC) e o método de análise discursiva proposto na ADC.

Uma decorrência desse princípio epistemológico associado aos princípios ontológicos propostos no MTAS, portanto, é que opera para a superação tanto do voluntarismo, que toma as estruturas sociais como produto direto da ação humana, quanto do estruturalismo, que trata a ação humana como completamente decorrente da configuração das estruturas. Abordar a sociedade como uma rede de práticas posicionadas e posições objetivas subjetivamente ocupadas permite o estudo da historicidade a partir das categorias de poder e agência.

Ao discutirem essas implicações ontológicas e epistemológicas em ADC, Chouliaraki e Fairclough (1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical: discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999., p.62) afirmam que a crítica explanatória de um problema social em seu aspecto semiótico “levanta, inevitavelmente, questões sobre poder”. Isso se dá, em parte, pelo fato de que as análises de práticas específicas tratam do discurso em sua dupla função – como parte da atividade ou como representação da prática, ou ambas – em relação aos demais elementos, tais como atividade material, relações sociais e (dis)posições pessoais. Em virtude dessas relações específicas, os papéis e identidades das pessoas são internamente relacionados, sendo que aquilo que é possível para um ator social realizar, isto é, seu poder para agir, depende tanto das relações existentes e sedimentadas quanto daquelas que se transformam no devir da práxis. Nas palavras deFairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., p.41),

Poder, no sentido mais amplo da ‘capacidade transformativa da ação humana’, da capacidade de ‘intervir em uma série de eventos a fim de mudar seus cursos’, depende dos ‘recursos ou facilidades’ que estão diferentemente disponíveis aos atores sociais; e o poder no sentido ‘relacional’ da ‘capacidade de assegurar resultados cuja realização depende da agência de outros’ é também diferentemente disponível para diferentes atores sociais.

As relações de poder são, portanto, relações de tensão entre aqueles/as que ocupam posições de exercer o poder numa dada prática e aqueles/as que ocupam posições de reproduzir ou resistir a essas estruturas de poder. Mudanças nas posições ocupadas influenciam e geram potencial de mudanças nas práticas. No entanto, como mostra o estudo de Resende (2009b, p.9), “[...] a mudança de posição dentro de uma instituição estruturada não é um processo livre de conflitos – as posições anteriores continuam exercendo pressões para a continuidade de práticas internas às relações prévias.”

Neste sentido, a agência, ao mesmo tempo em que constrangida pelas estruturas a ela pré-existentes, tem potencial transformador na medida em que (dis)posições são também transformadas. Como retomaremos nas narrativas de possibilidades metodológicas que discutiremos a seguir, as posições flutuantes instituídas no âmbito de subprojetos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) para alunos/as das licenciaturas, professores/as da educação básica e da educação superior, e a posição híbrida de menina-educadora, instituída no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua no Distrito Federal (MNMMR/DF), projetam e representam, respectivamente, configurações próprias para (inter)ação dos/as envolvidos/as nessas práticas sociais. As tensões e disputas resultantes de novas posições, entretanto, somente podem ser analisadas e compreendidas no interior de práticas sociais específicas, o que nos leva a caminhos metodológicos próprios, que devem ser coerentes com as posturas ontológicas e epistemológicas adotadas em cada estudo.

O que precisa ser destacado nesse momento é que, no sistema posição-prática, a agência deixa de ser concebida numa perspectiva voluntarista, que coloca sobre os atores sociais a exclusiva responsabilidade pelas permanências nas estruturas, apesar de seus desejos, de suas (boas) intenções e de suas motivações. Para Thorne (2005THORNE, S. L. Epistemology, politics, and ethics in sociocultural theory. The Modern Language Journal, Madison, v.89, n.3, p.393-409, 2005., p. 400), “[...] agência […] não é um valor pré-existente; […] com seus componentes concomitantes de intencionalidade e desejo, agência é um atributo culturalmente (in)formado, cujo desenvolvimento é moldado pela participação em práticas sociais específicas.”

Assim, o estudo do sistema posição-prática em um contexto particular é o estudo dos modos como historicamente vão sendo reproduzidas e transformadas as (dis)posições dos atores sociais em contextos que incluem hierarquias já existentes, em que os potenciais para agir estão, do mesmo modo, previamente distribuídos entre os sujeitos, as instituições e os grupos. Por isso, abordar o sistema posição-prática como princípio epistemológico significa reconhecer que mudanças no interior das práticas sociais, bem como entre elas na rede de práticas, relacionam-se a mudanças nas dinâmicas de poder que sustentam estas mesmas práticas. A natureza epistemológica desse princípio – foco central de nossa discussão neste ensaio – sustenta-se porque a abordagem desse sistema, em casos particulares situados em práticas específicas, permite conhecer os constrangimentos e possibilidades previstos em uma determinada posição objetiva e analisar, em eventos situados, as tensões resultantes da criação de novas posições ou da ocupação subjetiva de posições preexistentes por grupos ou indivíduos historicamente localizados.

No caso de estudos que concentrem maior atenção ao discurso, ao aspecto discursivo das práticas em foco, a Análise de Discurso Crítica apresenta-se – além de teoria sobre o funcionamento social da linguagem – como métodos capazes de mapear conexões entre práticas sociais específicas e produtos discursivos de eventos associados às práticas em foco – textos, entendidos como materialização discursiva de eventos sociais (alguns desses métodos podem ser consultados em FAIRCLOUGH, 2012FAIRCLOUGH, N. Análise crítica do discurso como método em pesquisa social científica. Linha D’Água, São Paulo, v.2, n.25, p.307-329, 2012.; PARDO, 2011PARDO, M. L. Teoría y metodología de la investigación linguística: método sincrónico-diacrónico de análisis lingüístico de textos. Buenos Aires: Tersites, 2011.; PARDO-ABRIL, 1996PARDO-ABRIL, N. G. Principios del análisis crítico del discurso.Forma y Función, Bogotá, n.9, p.111-116, 1996., 2007PARDO-ABRIL, N. G. Como hacer análisis crítico del discurso: una perspectiva latinoamericana. Santiago: Frasis, 2007.; VAN LEEUWEN, 2008VAN LEEUWEN, T. Discourse and practice: new tools for critical discourse analysis. Oxford: Oxford University Press, 2008.). Para tanto, oferece em seu referencial metodológico uma série de categorias analíticas associadas ao discurso como ação (gêneros), ao discurso como representação (discursos) e ao discurso como identificação (estilos) que podem ser utilmente aplicadas a corpos de texto que sejam tomados como objetos analíticos, isto é, como chaves para a explanação crítica de problemas sociodiscursivos (FAIRCLOUGH, 2010FAIRCLOUGH, N. Critical discourse analysis: the critical study of language. Harlow: Longman, 2010.; RAMALHO; RESENDE, 2011RAMALHO, V.; RESENDE, V. de M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto como material de pesquisa. Campinas: Pontes, 2011.). Há exemplos de pesquisas anteriores que se valeram dos princípios do Realismo Crítico em associação àqueles da Análise de Discurso Crítica, pondo em funcionamento o referencial metodológico da ADC como meio para a crítica explanatória. Destacamos os trabalhos de Ramalho (2007RAMALHO, V. Diálogos teórico-metodológicos: análise de discurso crítica e realismo crítico. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, v. 8, p.78-104, 2007., 2008RAMALHO, V. Discurso e ideologia na propaganda de medicamentos: um estudo crítico sobre mudanças sociais e discursivas. 2008. 294f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2008., 2010RAMALHO, V. Construindo uma pesquisa em Análise de Discurso Crítica: da ontologia à metodologia. In: RESENDE, V. de M.; PEREIRA, F. H. (Org.).Práticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares. Covilhã: LabCom Books, 2010. p.223-255.) e de Papa (2008)PAPA, S. M. B. I. Prática pedagógica emancipatória: o professor reflexivo em processo de mudança – um exercício em análise crítica do discurso. São Carlos, SP: Pedro e João Ed., 2008., além daqueles de Resende (2009b, 2009c, 2010).

Nosso foco aqui, entretanto, não é o método analítico ou categorias específicas de análise. Na próxima seção, vamos nos dedicar a exemplificar como o sistema posição-prática foi utilizado como categoria epistemológica em dois estudos: um sobre o MNMMR/DF e outro sobre o Pibid. Para tanto, traçaremos o esboço metodológico básico de ambas as pesquisas, procurando mostrar como os dados dessas pesquisas possibilitaram, por meio do foco no sistema posição-prática, o vislumbre de tensões discursivas associadas a (dis)posições particulares.

Possibilidades epistemológicas e metodológicas: o sistema posição prática em dois estudos situados

Nosso objetivo com a referência a dois estudos situados, como seção final deste ensaio, é ilustrar como o sistema posição-prática nos serviu de categoria epistemológica, isto é, como o foco nas posições objetivas previamente existentes em instituições específicas e sua enunciação ou ocupação subjetiva em práticas e eventos situados nos possibilitou a crítica explanatória. Nossos exemplos lidam com posições híbridas e posições flutuantes, o que nos permitiu entrever as já mencionadas tensões. Então, vejamos cada caso.

A pesquisa de Resende (2008)RESENDE, V. de M. Análise de discurso crítica e etnografia: o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, sua crise e o protagonismo juvenil. 2008. 332f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3617>. Acesso em: 04 ago. 2013.
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focalizou a crise (de militância, pedagógica, financeira, política) do MNMMR/DF. Esse movimento social, fundado em 1985, teve papel decisivo na criação do Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), em 1988, e na conquista do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Entretanto, por uma série de razões, discutidas em pormenor por Resende (2008)RESENDE, V. de M. Análise de discurso crítica e etnografia: o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, sua crise e o protagonismo juvenil. 2008. 332f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3617>. Acesso em: 04 ago. 2013.
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, enfrentou severa crise a partir dos anos de 2000. Aqui, vamos nos ater aos aspectos diretamente associados ao sistema posição-prática identificados na pesquisa, metodologicamente realizada por uma composição multidimensional de estratégias para geração e coleta de dados: observação participante, entrevistas individuais, grupos focais e gravações de reuniões, com os dados analisados sob as lupas da ADC.

A ilustração de como o sistema posição-prática foi epistemologicamente explorado no estudo exige alguma contextualização. Os principais projetos do Movimento desde sua criação, registrados em seu estatuto, são a conquista e a defesa de direitos, a formação de educadores/as e a organização de meninos e meninas. A conquista de direitos foi um aspecto fundamental da atuação do Movimento no período imediato a sua criação, com as pressões realizadas junto a parlamentares à época da formulação da Constituição de 1988, e com as atividades vinculadas à elaboração e à aprovação do ECA e à formação dos conselhos de direitos. A defesa de direitos continua sendo um foco central, uma vez que “[...] as dezenas de comissões do MNMMR funcionam como virtuais centros de defesa da criança, sendo um canal para expressão da voz de meninos e meninas cujos direitos são violados.” (SANTOS, B., 1994, p.40).

A formação de educadores/as para atuação na educação social de rua baseou-se na criação do Centro de Formação e Apoio a Educadores, que chegou a ter três polos: o primeiro deles foi criado em 1989 em São Paulo, o segundo foi fundado em 1990 em Belém, e o terceiro em 1992 em Recife. O centro de formação atuava promovendo cursos de capacitação para educadores/as, atividade fundamental para a profissionalização do trabalho e a manutenção das equipes. Entretanto, os polos do Centro de Formação já não funcionam, segundo foi informado à pesquisadora por educadoras e jovens em entrevistas individuais.

A organização e a formação de meninos e meninas são consideradas as atividades essenciais do Movimento, uma vez que seu “[...] princípio básico é a promoção da criança e do adolescente como sujeitos de sua história e cidadania.” (MNMMR, 1997). Esse projeto é perseguido nos núcleos de base, “[...] espaços co-geridos pelas próprias crianças, onde elas podem debater sua condição social de excluídos, adquirir conhecimento e consciência de seus direitos (e dos serviços disponíveis) e elaborar soluções alternativas para suas vidas.” (SANTOS, B., 1994, p.31). O centro da proposta, pautada no conceito de ‘protagonismo juvenil’, é que por meio da participação ativa o/a adolescente possa envolver-se na solução de problemas na comunidade e na sociedade.

Entretanto, no início dos anos 2000, as atividades de nucleação passaram a enfrentar severa crise pela falta de recursos para a manutenção de educadores/as na coordenação desse trabalho. Como resultado, um grupo de jovens protagonistas (‘ex-meninas’, no léxico no próprio Movimento, o que significa dizer que se trata de jovens que haviam sido ‘meninas’ nucleadas no corpo desse movimento social e que permaneciam a ele vinculadas como parceiras) assumiram as tarefas de coordenação de núcleos de base do Movimento, e assim foi criada a posição ‘menina-educadora’. É aí que chegamos ao ponto da história que nos é de particular interesse. A discussão dos dados da pesquisa, em Resende (2008)RESENDE, V. de M. Análise de discurso crítica e etnografia: o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, sua crise e o protagonismo juvenil. 2008. 332f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3617>. Acesso em: 04 ago. 2013.
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, focalizou, entre outros aspectos da crise do Movimento, as tensões resultantes da criação dessa nova posição, híbrida em sua essência por articular tanto elementos da posição ‘menina’ quanto elementos da posição ‘educadora’, e as diferenças de hierarquia institucional entre uma e outra posição tornavam, muitas vezes, a nova posição difícil de conciliar.

As análises, textualmente orientadas, de entrevistas com duas meninas-educadoras demonstram sua insegurança ao se identificarem na posição de educadoras. Talvez a causa desse conflito seja que embora o Movimento tenha, em decorrência de sua crise financeira, pedagógica e de militância, necessitado sua ‘atuação como’ educadoras, não lhes permitiu uma plena identificação como educadoras – foco do conflito em torno da nova posição criada nas práticas desse movimento. Como as estruturas são anteriores à agência, existe uma transformação tensa em novos modos de agência que emergem de novas posições. A posição ‘menina-educadora’ era uma nova posição criada no âmbito do Movimento – como vimos, criada em decorrência da situação de crise financeira que acarretou uma carência de recursos humanos na instituição –, mas que é parcialmente condicionada pela posição anteriormente ocupada pelos mesmos membros do grupo que passaram a ocupar essa nova posição criada, isto é, pela posição de ‘menina’. Não se trata de ocupar as mesmas posições das educadoras, mas de uma nova posição criada, e embora essa posição articulasse características de ambas as posições anteriores (menina/educadora), pelo menos inicialmente a posição de menina, com as características que lhe são internas, prevalece devido às relações hierárquicas já estabelecidas. Soma-se a isso que o período de crise é um período em que há indefinição de papéis e identidades, e isso é fonte de conflitos.

As hierarquias e a nova posição criada geram uma tensão entre a anterioridade das estruturas dadas e a posterioridade das ações implícitas na nova posição. Nesse sentido, as hierarquias previamente estruturadas funcionam como mecanismos que bloqueiam a agência imaginada nas práticas dessa nova posição, restringindo-a e limitando-a. Isso pôde ser notado, nas análises de dados, na contradição entre a representação do Movimento como um espaço em que meninos e meninas têm voz, presente em todos os dados gerados, e o silenciamento da voz das jovens quando assumem papel de educadoras, denunciado por uma das jovens quando reclama a insatisfação do desejo de ser ouvida, de ser valorizada em seu papel de educadora. Nesse sentido, Madalena Pinto dos Santos (2002SANTOS, M. P. Um olhar sobre o conceito de comunidades de práticas. 2002. Disponível em: <https://www.academia.edu/1483472/Um_olhar_sobre_o_conceito_de_Comunidades_de_pr%C3%A1tica>. Acesso em: 04 ago. 2013.
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, p.8) sugere que “[...] é necessário garantir a possibilidade de um espaço de participação em que a resistência e/ou transformação do que existe seja possível, em que o contributo de outros, para lá dos que já se instituíram como poder, seja não só permitido mas pertinente.” Isso é fundamental para que os diversos membros reconheçam a valorização de seu empenho.

A dificuldade de lograr satisfatoriamente a mudança de papel no Movimento também parece estar relacionada ao corte entre participação e ação, em que a participação configura a natureza do protagonismo juvenil, e da posição de menina, enquanto o campo da ação é reservado à posição de educadora. Assim, embora a posição de ‘menina-educadora’ tenha sido criada, permanece circunscrita ao domínio da participação. O rompimento dessa barreira simbólica entre participar e agir parece ser um dos aspectos problemáticos do protagonismo juvenil, que prende a atuação das jovens ao espaço do Movimento. Talvez a criação de espaços de ação efetiva para protagonistas no Movimento favorecesse a organização para ação também fora da instituição. Em termos do sistema posição-prática, o conflito decorre de que, na nova posição híbrida ‘menina-educadora’, ao mesmo tempo em que se impõe a participação como ‘menina’, as jovens engajam-se em algumas práticas próprias da posição de ‘educadora’ – referentes à coordenação de um núcleo de base. Há uma indefinição de lugares, funções, tarefas, deveres e direitos, ligados à nova posição criada, de ‘menina-educadora’, cuja percepção, no escopo da pesquisa, foi possível graças ao foco no sistema posição-prática como categoria epistemológica central ao estudo, articulado a uma abordagem multimetodológica para a geração e coleta de dados e a uma lente textualmente orientada para a análise desses dados.

O estudo de Mateus e Resende (2014)MATEUS, E.; RESENDE, V. M. (Dis)posicionamentos em práticas sociais recontextualizadas: uma análise discursiva crítica do Pibid. In: VIEIRA, V. V.; RESENDE, V de M. (Org.). Práticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares em novas reflexões. Covilhã: LabCom Books, 2014. p.75-94. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/125>. Acesso em: 04 jan. 2015.
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analisou a problemática de políticas nacionais para adaptação de práticas educacionais locais ao mercado globalizado e suas implicações para formação de professores e professoras. Mais especificamente, focalizou o Pibid, lançado no conjunto das medidas do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) – um componente educacional do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) – proposto no início do segundo mandato do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2007.

O Pibid surge em cenário nacional como Programa presencial que tem o propósito de “[...] alterar o quadro atual da formação de professores estabelecendo a relação permanente entre educação superior e educação básica.” (BRASIL, 2008, p.16). Constrói-se, portanto, com base em pressupostos de que há um quadro atual na formação de professores/as que deve ser alterado, indicando que aquilo que existe não corresponde ao que se deseja, e que a alteração do quadro se daria por meio da relação permanente entre universidades e escolas. Com base em uma macroestrutura textual do tipo problema-solução – em que o problema está “na qualidade da formação inicial de professores” e na “qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura”, e a solução está na “integração entre educação superior e educação básica” (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto n. 7.219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jun. 2010. Seção 1, p.4.) – os textos normativos que tratam do Pibid estabelecem um conjunto de regras e procedimentos para o trabalho da formação de professores/as, discutidas mais longamente em Mateus (2014)MATEUS, E. Um esboço crítico sobre “parceria” na formação de professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.30, n.3, p.355-384, jun./set. 2014., e projetam discursivamente reformulações no sistema posição-prática associado à formação docente. Com isso, “[...] criam graus próprios de estabilidade e durabilidade para articulações específicas, bem como potenciais próprios para articular práticas de formas novas.” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical: discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999., p.13). No entanto, considerando o propósito deste ensaio, vamos retomar especificamente aspectos que tratam de processos de recontextualização ligados a atores sociais, seus papéis e (dis)posições nessas práticas de formação de professores/as, no contexto discursivo específico de sete subprojetos de Letras-Inglês, desenvolvidos em cinco Instituições de Ensino Superior (IES), em resposta aos editais Pibid publicados pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 2009 e 2012.

Esses subprojetos foram tratados tanto como ações – que informam, definem e projetam práticas de socialização em consonância que é permitido e proibido pelas regras estabelecidas – quanto como formas de representações – que avaliam, justificam e posicionam práticas e atores sociais de modos específicos, com base em valores e crenças legitimados por grupos específicos. Todos seguem a mesma macroestrutura dos documentos do governo, mas em lógica invertida – o problema aparece representado na escola de educação básica e na incapacidade dos/as professores/as em incorporar os resultados de pesquisas acadêmicas, e a solução é representada na universidade e no trabalho de formação que desenvolve junto a professores/as da educação básica.

As análises desses documentos, orientadas pela categoria analítica representação de atores sociais (VAN LEEUWEN, 2008VAN LEEUWEN, T. Discourse and practice: new tools for critical discourse analysis. Oxford: Oxford University Press, 2008.), permitiram, por meio do levantamento das categorizações por funcionalização, traçar um mapeamento da representação dos diferentes tipos de atores sociais envolvidos – denominados, no estudo, por termos-âncora, de alunos/as das licenciaturas, professores/as da educação básica e professores/as da educação superior. O que se revelou foi que tanto os editais do MEC/Capes quanto os subprojetos criaram um repertório de posicionamentos que nos permitiu a proposição do conceito deposições flutuantes como categoria de análise para a crítica explanatória por nós empreendida.

Por posições flutuantes entendemos “[...] aquelas densamente recontextualizadas por diversas classificações, que posicionam atores sociais de modo inconstante, ora com significados próximos àqueles consolidados, ora com significados distintos.” (MATEUS; RESENDE, 2014MATEUS, E.; RESENDE, V. M. (Dis)posicionamentos em práticas sociais recontextualizadas: uma análise discursiva crítica do Pibid. In: VIEIRA, V. V.; RESENDE, V de M. (Org.). Práticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares em novas reflexões. Covilhã: LabCom Books, 2014. p.75-94. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/125>. Acesso em: 04 jan. 2015.
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, p.88). No caso de alunos/as de licenciatura, a análise dos dados revelou 10 diferentes nomeações presentes nos editais e 19 posições enunciadas nos subprojetos. Dentre elas, encontramos algumas que se aproximam de posições consolidadas, tais como ‘estudantes’, ‘licenciandos’, ‘acadêmicos’, outras ligadas a essa posição anteriormente ocupada, mas já sinalizando movimento/transitoriedade, tais como ‘alunos-professores’, e outras inteiramente novas, como a de ‘professores aprendizes’, ‘professores novatos’, ‘novos docentes’. Para professores/as da educação básica, foram identificadas, nos editais e subprojetos, respectivamente, 7 e 13 diferentes classificações. Aqui também, são posições que se revelam numcontinuum entre aquelas historicamente objetivadas e preenchidas, como a de ‘professores em serviço’, ‘professores em formação continuada’, e aquelas criadas pelos documentos do MEC/Capes e recontextualizadas nos subprojetos, como ‘professores-supervisores’, ‘co-formadores’. Do mesmo modo, professores/as da educação superior são (re)nomeados/as de cinco modos nos editais e oito nos subprojetos, tendo seus (dis)posicionamentos discursivamente recontextualizados também num continuum de posições preexistentes e historicamente consolidadas, como as de ‘formadores’ e ‘pesquisadores’, para outras novas, como as de ‘coordenadores de área’ e ‘bolsistas’.

Para além da relevância própria dos sistemas de classificação, nossos dados mostraram que há tensões que emergem da instanciação discursiva desses posicionamentos flutuantes e que se revelam pela densidade das classificações presentes nos textos. No caso de alunos/as das licenciaturas, o estudo mostra que não somente são mais diversamente representados/as e classificados/as, como são mais representados/as (do que os/as professores/as da educação básica e educação superior) em novas posições e em posicionamentos híbridos ou intermediários. Se, por um lado, isso expressa as tensões próprias de quem transita entre dois mundos – o da universidade, como aluno/a, e o da escola, como quase-professor/a, por outro, indica ser a posição em que os papéis estão menos consolidados e em que as dinâmicas das relações de poder têm maior peso. Posições flutuantes operam, em geral, para a indeterminação dos papéis sociais, e indicam dinâmicas de poder não consolidadas. Nesse caso, quanto maior a flutuação, ou seja, quanto maior a diversidade na classificação e seu hibridismo, menor a consolidação do poder daquele grupo na prática recontextualizada.

Há outras tensões que a análise tomando o sistema posição-prática como categoria epistemológica permite compreender e criticamente explicar e que passam pelos (dis)posicionamentos dos/as professores/as da educação superior, texturizados nos diferentes conjuntos de textos. De um lado, os editais e documentos oficiais do governo representam menos os/as professores/as do ensino superior por suas posições preexistentes e historicamente consolidadas, e mais por suas novas posições, especialmente pelas posições de coordenadores/as de área e bolsistas. De outro, os subprojetos das IES, produzidos por professores/as do ensino superior, recontextualizam esse mesmo papel mais por suas posições de formadores/as e de pesquisadores/as e mitigam as novas posições criadas, em especial a de bolsistas. Essas resistências nas mudanças de papéis reveladas nos subprojetos do Pibid podem ser compreendidas à luz dos constrangimentos presentes na estrutura que tende a deslocar as IES para o papel de prestadoras de serviço, segundo interesses de políticas e práticas neoliberais (FAIRCLOUGH, 2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse:textual analysis for social research. London: Routledge, 2003.).

A criação discursiva de novas posições permite supor que as relações de poder são, de alguma forma, discursivamente deslocadas. Isso, por sua vez, tanto pode operar como possibilidade de abertura para diferença, quanto como forma de marcar a ‘permanência’ em adesão a um projeto que se pretende ‘transformador’. O reconhecimento de que as estruturas antecedem as ações leva a compreender que tensões presentes nos processos de recontextualização são próprias de práticas em processo de transformação, nas quais os novos papéis e posições sociais, embora texturizados, não foram (ainda) subjetivamente preenchidos; o que só se dá nos eventos sociais, com as configurações próprias das práticas que materializam nas formas de negociar sentidos, agir, interagir, representar, identificar(-se). Tusting (2005TUSTING, K. Language and power in communities of practice. In: BARTON, D.; TUSTING, K. (Ed.). Beyond communities of practice: language, power and social context. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p.36-54., p.39), numa releitura de Wenger (1998)WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1998., afirma que “[...] mesmo onde reificações são impostas de cima, elas ‘devem ser re-apropriadas nos processos locais a fim de se tornarem significativas’.”. Assim, somente estudos etnográficos dessas práticas e dos textos nelas instanciados podem ampliar a compreensão dos modos como elementos dessas “velhas” e “novas” posições e disposições se articulam em contextos hierarquicamente preexistentes.

Considerações

Neste ensaio, procuramos discutir o sistema posição-prática como categoria epistemológica que permite compreender e criticamente explicar os modos como historicamente vão se reproduzindo e transformando as redes de práticas sociais, a partir de (re)configurações próprias, em contextos de tensão entre as estruturas preexistentes e as ações implícitas em novas posições situadas. Argumentamos que a abordagem desse sistema em casos particulares, situados em práticas específicas, permite conhecer os constrangimentos e possibilidades previstos em uma determinada posição objetiva e analisar, em eventos situados, as tensões resultantes da criação de novas posições ou da ocupação subjetiva de posições preexistentes por grupos ou indivíduos historicamente localizados. Essa é uma inovação que traz algumas implicações para a ADC.

No campo teórico, o estudo delimita vínculos específicos e claros com a filosofia do funcionamento da sociedade, proposta por Roy Bhaskar, e opera a favor da clareza do tipo de análise discursiva que empreendemos. Não com o propósito de restringir outras tantas possibilidades de diálogo interdisciplinar, mas para reafirmar a importância da coerência necessária ao campo, como já apontado anteriormente. A estratificação da realidade social como versão ontológica define contornos importantes para tratar das questões de agência e de poder numa perspectiva transformacional.

No campo epistemológico, o ensaio apresenta o sistema posição-prática como elemento que permite o vislumbre de tensões discursivas associadas a (dis)posicionamentos particulares em relação às dinâmicas de poder que sustentam práticas específicas e argumenta que o sistema posição-prática como categoria epistemológica torna possíveis explanações críticas para eventos empiricamente capturados a partir das condições preexistentes e, com isso, permite gerar conhecimento sobre as realidades sociais investigadas, na medida em que favorece escolhas que operam para análise de momentos de práticas posicionadas em suas relações de causalidade, na reprodução e na transformação da sociedade.

Assim reconfigurado, o sistema posição-prática reitera o enquadre teórico de agência situada, numa perspectiva realista que articula as relações entre as posições ocupadas nas práticas situadas e aquilo que essas mesmas práticas permitem realizar. O poder para agir e as potencialidades para participar das práticas sociais, uma vez desigualmente distribuídos entre atores sociais, instituições e comunidades de prática, mantêm relação com os modos de participação e de reprodução-transformação social. As formas como os atores posicionam-se e são posicionados, assim como os efeitos de suas (dis)posições nas práticas que investigamos são importantes para compreender agência como uma ação relacional, constantemente em processo de figurar-se por meio da participação em práticas situadas. Nesse sentido, não é um atributo individual preexistente, mas uma potencialidade. As narrativas de pesquisas que ilustram este texto sugerem aquilo que é possível para os atores sociais realizarem tanto em relação às práticas existentes e consolidadas quanto em relação àquelas que se reorganizam no devir da práxis.

No campo metodológico, o ensaio trata das análises como processos em que elementos das práticas sociais investigadas, e aqui apresentadas como ilustração, são tomados em sua situacionalidade, sem perder de vista aspectos das estruturas que os orientam. As práticas sociais situadas foram por nós investigadas tanto em relação às estruturas socioculturais mais abstratas quanto em relação aos eventos e experiências de atores e grupos específicos envolvidos em práticas sociais particulares (para acessar essas análises, ver Resende (2008)RESENDE, V. de M. Análise de discurso crítica e etnografia: o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, sua crise e o protagonismo juvenil. 2008. 332f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3617>. Acesso em: 04 ago. 2013.
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/...
e Mateus (2014)MATEUS, E. Um esboço crítico sobre “parceria” na formação de professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.30, n.3, p.355-384, jun./set. 2014.).

Nesse sentido, nossas contribuições encontram-se no potencial da fusão teoria-epistemologia-metodologia, explicitamente dada pela indissolubilidade entre a estratificação da realidade social como visada ontológica, o sistema posição-prática como opção epistemológica e a crítica explanatória por meio de análises discursivas como pré-requisito das escolhas metodológicas, ao mesmo tempo que resultado dos estudos.

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  • 2
    Todas as citações de obras em língua estrangeira são traduções livres das autoras.
  • 3
    Correspondentes, respectivamente, aos termos Real,Actual e Empirical, em inglês.
  • 4
    Bhaskar (1998)BHASKAR, R. Societies. In: ACHER, M. et al. (Org.). Critical Realism: essential readings. London: Routledge, 1998. p.206-257. representou o modelo imageticamente como a Figura 1; entretanto, os termos “sociedade” e “indivíduo”, com que esse autor trabalha, foram adaptados para “estrutura” e “ação”, na figura.
  • 1
    Trabalho realizado com apoio da Fundação Araucária, processo 06102/2012 (2012/2013), e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Brasil, processo 4037872/2012-0 (2013/2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Maio 2014
  • Aceito
    Set 2014
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