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Ordem objeto–verbo no português do Brasil: mecanismo de expressão de subjetividade

Resumos

Neste trabalho, pautado na interface teórica entre Linguística Funcional e Linguística Cognitiva, pretendemos demonstrar que a relação entre ordem de palavras e subjetividade, verificada em pesquisas realizadas em diversas línguas, verifica-se também no uso que se faz da ordem objeto-verbo (OV) no português do Brasil (PB). Analisando as ocorrências da ordem OV na fala de 12 participantes da cidade do Rio de Janeiro, constatamos: (i) que a principal função da ordem OV no PB é a de retomar um tópico ou aspecto de um tópico para se predicar sobre ele; (ii) que tal função se subdivide em outras três: a de estabelecer contraste, a de atenuar uma afirmação precedente, e a de reforçar um tópico sob consideração; (iii) que a função principal e suas subfunções constituem mecanismos de expressão de subjetividade no PB.

Subjetividade; Ordem de palavras; Ordem OV; Português brasileiro


In this paper, based on the theoretical interface between Functional Linguistics and Cognitive Linguistics, we intend to demonstrate that the relationship between word order and subjectivity, which can be observed in several languages, also occurs in the use of the object-verb order (OV) in Brazilian Portuguese (BP). By analyzing the occurrences of OV order in the speech of 12 participants from the city of Rio de Janeiro, we noticed that: (i) the principal function of OV order in Brazilian Portuguese is that of resuming a topic, or an aspect of a topic, in order to predicate about it; (ii) this function is composed, in fact, of three subfunctions: to establish contrast, to mitigate a previous statement, and to reinforce a topic that is being discussed; (iii) the principal function, mentioned above, and its subfunctions are mechanisms for expressing subjectivity in BP.

Subjectivity; Word order; OV order; Brazilian Portuguese


Introdução

Neste trabalho, que constitui uma etapa a mais de nossa pesquisa sobre subjetividade e ordem de palavras no português do Brasil1 1 Contribuíram com a realização desta pesquisa os seguintes bolsistas de iniciação científica: Marthina Scardua Ferreira (FAPERJ) e Amanda Dib (PIBIC/UFF). (PB), focalizamos, sob o viés teórico da interface entre Linguística Funcional e Linguística Cognitiva, a ordem objeto-verbo (OV), um dos tipos de variação observados em relação à ordem canônica/neutra do PB, a ordem verbo-objeto (VO). Apoiando-nos nos achados de trabalhos anteriores sobre ordem de palavras no PB (ABRAÇADO, 2001ABRAÇADO, J. O princípio da adjacência e o grau de integração entre verbo e objeto. DELTA, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 323-336, 2001., 2003ABRAÇADO, J. Ordem de palavras: da linguagem infantil ao português coloquial. Niterói: EdUFF, 2003., 2013ABRAÇADO, J. Funções e subfunções da ordem Objeto-Verbo no Português do Brasil. In: LEITE, C. T.; SILVA, J. B. da (Org.). Línguas no Brasil:coleta, análise e descrições de dados. Maceió: Edufal, 2013. p. 117-133.; BRAGA, 1984BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984.; PEZATTI, 1993PEZATTI, E. G. A ordem de palavras e o caráter nominativo/ergativo do português falado. Alfa, São Paulo, v. 37, p. 159-78, 1993.; PONTES, 1987PONTES, E. O tópico no português do Brasil. São Paulo: Pontes, 1987.; VOTRE, 1992VOTRE, S. Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1992., entre outros), propomo-nos a demonstrar que: (i) a principal, ou mais abrangente, função da ordem OV no PB é a de retomar um tópico ou aspecto de um tópico para se predicar sobre ele; (ii) tal função se subdivide em outras três: a de estabelecer contraste, a de atenuar uma afirmação precedente e a de reforçar um tópico sob consideração; (iii) a referida função principal e suas subfunções constituem mecanismos de expressão de subjetividade no PB.

Organizamos este texto da seguinte forma: primeiramente, discorremos sobre as funções discursivas da ordem OV apontadas por estudos anteriores; em seguida, abordamos questões relacionadas à noção de subjetividade e à relação entre subjetividade e ordem de palavras. Realizamos, na sequência, a análise dos dados. Por fim, apresentamos nossas conclusões e considerações pautadas nos resultados encontrados.

Funções discursivas da ordem OV apontadas em estudos anteriores

Uma das principais funções da ordem OV no PB, para Votre (1992)VOTRE, S. Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1992., Braga (1984)BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984. e Pontes (1987)PONTES, E. O tópico no português do Brasil. São Paulo: Pontes, 1987., é a de estabelecer contraste. Comprovadamente, é recorrente no PB o emprego da ordem OV, em geral caracterizada como um processo de topicalização, para estabelecer contrastes, conforme ilustra o exemplo seguinte:

(1) [...] era um é uma menina, não é? Uma moça- é muito bonita a história. Eu, quando comecei assistir, não estava fazendo muita fé, mas meu marido disse: “essa novela vai ficar boa”. É uma menina que o pai era muito rico. Mas era um homem rico em terras, entendeu? Tinha muita terra, tinha muito dinheiro nas propriedades, mas dinheiro mesmo ele não tinha entendeu? (FAL 30).

Braga (1984)BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984., no entanto, entende que exprimir contrastes constitui apenas uma das funções desempenhadas pela ordem OV. Segundo a autora, a ordem OV é também utilizada no PB “[...] para retornar a um tópico ou aspecto do tópico mencionado imediatamente antes, para reforçar o tópico sob consideração” (BRAGA, 1984BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984., p.216). Em casos como esse, explica Braga, é frequente a presença de um demonstrativo:

A combinação destes aspectos – uso do demonstrativo e desvio da ordem neutra _ sugere que estas topicalizações foram utilizadas para reforçar aquele tópico sob consideração. Observe o exemplo abaixo: Então ali eu acho que devia existir o... o... (inint.) cozinheiro como existe, não é isso? Você vai no exército, você vai lá, é o cozinheiro, né? Nos hotéis tod... A mulher mais é pra ajudar! Cortar batata ou lavar louça, né? Serviço mais leve. Eu acho que esses serviços brutos, assim, a mulher não devia exercer, não. (BRAGA, 1984BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984., p.216, grifo nosso).

Braga (1984)BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984. aponta ainda outra função discursiva da ordem OV no PB: a de atenuar uma afirmação precedente. O emprego da ordem OV, nessa função, tende a ocorrer após uma consideração de caráter geral, servindo para atenuar, quebrar expectativas. Dessa forma, se o enunciado precedente for afirmativo, a ordem OV tenderá a veicular um enunciado negativo e vice-versa. Segue-se um exemplo da autora apresentado para ilustrar a referida função:

Eu sou segundo casamento com esse. Tem essas duas criança, que, aqui ninguém sabe da minha vida. Que eu moro aqui... Se você me perguntar o nome desse vizinho aí do lado eu não sei. Conheço, mas nome não sei. (BRAGA, 1984BRAGA, M. L. Tópico e ordem vocabular. Trabalho apresentado na 36a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, USP, São Paulo, 1984., p.217, grifo nosso).

Para nós, contudo, não estamos diante de três diferentes funções discursivas desempenhadas pela ordem OV. Entendemos haver apenas uma função principal que se subdivide em outras três. Nosso entendimento baseia-se no fato de que, em todos os exemplos apresentados, independentemente da “função” que ilustram, observa-se a retomada de um tópico ou de aspecto do tópico mencionado imediatamente antes, para se predicar sobre ele, seja estabelecendo contraste, seja atenuando uma afirmação precedente, ou ainda reforçando um tópico sob consideração.

A partir de tal constatação, concluímos que a função mais abrangente da ordem OV é a de retomar um tópico, ou aspecto de um tópico, para se predicar sobre ele. Sendo assim, estabelecer contraste, atenuar uma afirmação precedente e reforçar o tópico sob consideração constituem, na verdade, subfunções da primeira.

Chamou-nos também a atenção um outro fato diretamente relacionado à constatação anterior: a ordem OV ocorre em porções do discurso em que se verifica a manifestação de opiniões e de pontos de vista do falante, indicando haver relação entre emprego da ordem OV e expressão de subjetividade. Abordaremos tal relação a seguir.

Subjetividade e ordem de palavras

Embora ocupe lugar de destaque no cenário atual das pesquisas linguísticas, principalmente em estudos pautados teoricamente na Linguística Funcional e na Linguística Cognitiva, as noções que envolvem subjetividade ainda se apresentam muito difusas e com lacunas importantes, o que dificulta o entendimento dos fenômenos propriamente ditos, e de sua importância na linguagem, além de favorecer o surgimento de diversas questões de naturezas distintas. Uma das perguntas que nos fazemos é a seguinte: a subjetividade diz respeito à linguagem humana, é uma característica intrínseca do processo de conceptualização, um tipo de motivação, um mecanismo ou um processo de mudança linguística? Em outras palavras, afinal, o que vem a ser subjetividade? Nas próximas seções, vamos nos posicionar relativamente a possíveis respostas para a questão levantada, a fim de delimitar e respaldar a abordagem do fenômeno em tela.

(Inter)subjetividade: conceituação e delimitação

A subjetividade na linguagem, tema bastante explorado ultimamente na Linguística, já foi apresentada e discutida anteriormente por outros estudiosos, conforme destacaSilva (2011SILVA, A. S. da. (Inter)subjetificação na linguagem e na mente.Revista Portuguesa de Humanidades/Estudos Linguísticos, Braga, v. 15, n. 1, p. 93-110, 2011., p.95):

Para além das reflexões de Bréal, Bühler ou Jakobson, uma das reflexões mais notáveis foi a de Benveniste, com a introdução da noção de “sujeito da enunciação” e o reconhecimento de que a linguagem [...]

[…] est marqué si profondément para l’expression de la subjectivité qu’on se demande si, autrement construit, il pourrait encore fonctionner ET s’appeler langage. (BENVENISTE, 1966BENVENISTE, E. Problèmes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1966., p.261).[2 2 Tradução nossa: “[...] é tão profundamente marcada para expressão da subjetividade que se questiona se, diferentemente construída, poderia ainda funcionar e se chamar de linguagem”. ]

Outro contributo mais recente é o de Lyons, que define subjetividade como

[…] the way in which natural languages, in their structure and their normal manner of operation, provide for the locutionary agent’s expression of himself and of his own attitudes and beliefs. (LYONS, 1982LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124., p.102).[3 3 Tradução nossa: “[...] os meios como as línguas naturais, em sua estrutura e em seu modo normal de operação, proporcionam, ao agente locucionário, a expressão de si mesmo e de suas próprias atitudes e crenças”. ]

Como se pode constatar, enquanto Benveniste (1966)BENVENISTE, E. Problèmes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1966. entende subjetividade como uma característica intrínsica da linguagem, Lyons (1982)LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124. a descreve como um recurso, existente nas línguas naturais, que proporciona ao agente locucionário a expressão de si mesmo, de suas atitudes e crenças.

Em trabalhos mais recentes, considerando as perspectivas funcionalista e cognitivista, abordadas na sequência, divergências na caracterização e investigação da subjetividade também se verificam.

Subjetividade sob a perspectiva da Linguística Funcional

Traugott (2010)TRAUGOTT, E. C. Revisiting Subjectification and Intersubjectification. In: CUYCKENS, H.; DAVIDSE, K.; VANDELANOTTE, L. (Ed.).Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: Mouton de Gruyte, 2010. p. 1-23. (Topics in English Linguistics)., baseando-se na definição já mencionada de subjetividade proposta por Lyons (1982)LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124. – segundo a qual a subjetividade refere-se aos meios como as línguas naturais, em sua estrutura e em seu modo normal de operação, proporcionam ao agente locucionário a expressão de si mesmo e de suas próprias atitudes e crenças –, associa intersubjetividade à maneira como as línguas naturais, em sua estrutura e em seu modo normal de operação, proporcionam ao agente locucionário a expressão de sua consciência acerca de atitudes, crenças e, mais especialmente, da “face” ou “autoimagem” do destinatário.

Adicionalmente, fazendo referência a um ramo de seu trabalho voltado, nos últimos 25 anos, para o estudo da semanticização da subjetividade ao longo do tempo, Traugott (2010)TRAUGOTT, E. C. Revisiting Subjectification and Intersubjectification. In: CUYCKENS, H.; DAVIDSE, K.; VANDELANOTTE, L. (Ed.).Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: Mouton de Gruyte, 2010. p. 1-23. (Topics in English Linguistics). rotula de (inter)subjetificação o processo diacrônico de semanticização da (inter)subjetividade, assinalando haver uma distinção (embora não rígida) a ser feita entre o estado sincrônico ((inter)subjetividade) e o processo diacrônico ((inter)subjetificação). Com base em evidências encontradas em textos históricos, a autora assume que a mudança linguística é uma mudança no uso.

Assume também a autora haver distinção entre semântica e pragmática e, com base em tal distinção, defende a hipótese de que a subjetificação e a intersubjetificação envolvem a reanálise e a convencionalização de significados pragmáticos que surgem em contextos em que falante e ouvinte negociam significados. Nesses termos, subjetificação é o desenvolvimento de significados que expressam a atitude ou o ponto de vista do falante, enquanto intersubjetificação é o desenvolvimento de significados referentes à atenção do falante para a autoimagem do destinatário.

De acordo com Traugott (2010)TRAUGOTT, E. C. Revisiting Subjectification and Intersubjectification. In: CUYCKENS, H.; DAVIDSE, K.; VANDELANOTTE, L. (Ed.).Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: Mouton de Gruyte, 2010. p. 1-23. (Topics in English Linguistics)., subjetificação e intersubjetificação são os mecanismos pelos quais:

  1. sentidos são recrutados para codificar e regular as atitudes e crenças do falante (subjetificação);

  2. uma vez subjetivados, tais sentidos podem ser recrutados para codificar significados centrados no destinatário (intersubjetificação).

Traugott e Dasher (2005)TRAUGOTT, E. C.; DASHER, R. Regularity in Semantic Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., por sua vez, demonstram em que medida a subjetividade, que explicitamente imprime o ponto de vista do falante, é capaz de, no uso linguístico, codificar novos sentidos. Segundo os autores, as expressões mais subjetivas estão envolvidas em contextos em que predominam: dêixis temporal e espacial clara; marcadores explícitos de atitude do falante para o que é dito, incluindo atitude epistêmica para a proposição; marcadores explícitos de atitude do falante para o relacionamento entre as partes do texto; princípio da relevância.

Acrescentam os autores que a subjetividade repousa em princípios cognitivos, mas toma lugar no contexto de comunicação e nas estratégias retóricas, estando relacionada a motivações de competição entre falantes (para serem informativos) e ouvintes (para construírem as inferências sugeridas), ou seja, a subjetividade, inevitavelmente, envolve, em alguma medida, a intersubjetividade. É um processo de base metonímica, por meio do qual o falante recruta sentidos para transmitir a informação a ser trabalhada na comunicação.

Tal ênfase no contexto de comunicação, isto é, em todas as pistas linguísticas que aparecem no entorno, levou Traugott (2010)TRAUGOTT, E. C. Revisiting Subjectification and Intersubjectification. In: CUYCKENS, H.; DAVIDSE, K.; VANDELANOTTE, L. (Ed.).Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: Mouton de Gruyte, 2010. p. 1-23. (Topics in English Linguistics). a considerar a subjetificação como um subtipo de reanálise semântica (relacionada a processos metonímicos).

Diferentemente, conforme veremos a seguir, na abordagem cognitivista, a ênfase não recai no contexto e sim no sujeito da conceptualização.

Subjetividade sob a perspectiva da Linguística Cognitiva

Sob a perspectiva da Linguística Cognitiva, subjetividade é caracterizada em conformidade com um princípio fundamental dessa abordagem, como bem explica Verhagen (2007VERHAGEN, A. Construal and Perspectivization. In: GEERAERTS, D.; CUYCKENS, H. (Ed.). The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 48-81., p.48):

A fundamental principle in Cognitive Linguistics is that semantics is, indeed, primarily cognitive and not a matter of relationships between language and the world (or truth conditions with respect to a model). This principle becomes especially manifest in the research into facets of meaning and grammatical organization which crucially makes use of notions such as ‘perspective’, ‘subjectivity’, or ‘point of view’. What these notions have in common is that they capture aspects of conceptualization that cannot be sufficiently analyzed in terms of properties of the object of conceptualization, but, in one way or another, necessarily involve a subject of conceptualization. [ 4 4 Tradução nossa: “Um princípio fundamental na Linguística Cognitiva é o de que a semântica é, de fato, primariamente cognitiva e não uma questão de relações entre a linguagem e o mundo (ou condições de verdade em relação a um modelo). Este princípio torna-se especialmente evidente na investigação sobre as facetas do significado e da organização gramatical que fundamentalmente faz uso de noções como “perspectiva”, “subjetividade”, ou “ponto de vista”. O que essas noções têm em comum é que elas capturam aspectos da conceptualização que não podem ser suficientemente analisados em termos de propriedades do objeto de conceptualização, mas, de uma forma ou de outra, envolvem necessariamente o sujeito da conceptualização”. ]

Langacker (1999LANGACKER, R. W. Losing Control: Grammaticization, Subjectification, and Transparency. In: BLANK, A.; KOCH, P. (Ed.). Historical Semantics and Cognition. Berlin: Mouton de Gruyter, 1999. p. 147-175., 2003LANGACKER, R. W. Extreme Subjectification: English Tense and Modals. In: CUYCKENS, H. et al. (Ed.). Motivation in Language: Studies in Honor of Günter Radden. Amsterdam: John Benjamins, 2003. p. 3-26., 2006LANGACKER, R. W. Subjectification, Grammaticization, and Conceptual Archetypes. In: ATHANASIADOU, A.; CANAKIS, C.; CORNILLIE, B. (Ed.).Subjectification: Various Paths to Subjectivity. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. p. 17-40.), tomando como base o processo de conceptualização, explica subjetividade e subjetificação em termos de perspectivas ou pontos de vista que se verificam na relação assimétrica entre o sujeito observador/conceptualizador e o objeto observado/conceptualizado:

Uma entidade ou situação é objetivamente construída na medida em que é colocada “dentro de cena” e vista do exterior, como foco específico de atenção, como objeto de per/concepção; é subjetivamenteconstruída na medida em que permanece “fora de cena”, como sujeito não consciente de si mesmo e implícito de per/concepção (Langacker 2006LANGACKER, R. W. Subjectification, Grammaticization, and Conceptual Archetypes. In: ATHANASIADOU, A.; CANAKIS, C.; CORNILLIE, B. (Ed.).Subjectification: Various Paths to Subjectivity. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. p. 17-40.: 18; 2008: 77). Subjetividadeé pois uma propriedade de conceitos fora de cena ou ímplicitos, ao passo que objetividade é uma propriedade de conceitos dentro de cena ou explícitos. A subjetificação é, então, o processo pelo qual uma entidade passa de ‘objeto’ a ‘sujeito’ de per/concepção e, consequentemente, o conceptualizador/locutor (ou um outro elemento do ato de fala) deixa de ser um observador/elemento externo e passa a fazer parte do conteúdo de conceptualização. (SILVA, 2011SILVA, A. S. da. (Inter)subjetificação na linguagem e na mente.Revista Portuguesa de Humanidades/Estudos Linguísticos, Braga, v. 15, n. 1, p. 93-110, 2011., p.98, grifo do autor).

Em outras palavras, para Langacker, subjetividade não se refere a expressões linguísticas, propriamente ditas, mas à maneira como um elemento de uma conceptualização é perspectivamente construído, ou seja, se objetiva ou subjetivamente:

For example, the difference between ‘Vanessa is sitting across the table from me’ and ‘Vanessa is sitting across the table’ according to Langacker is that the same content (here: the speaker as the landmark of the ‘across’-relation) is ‘objectively construed’ in the former because it is put on stage by the expression ‘me’ (similarly to another nominal expression[…], whereas it ‘subjectively construed’ in the latter because it remains offstage as the implicit locus of conception.(VERHAGEN, 2007VERHAGEN, A. Construal and Perspectivization. In: GEERAERTS, D.; CUYCKENS, H. (Ed.). The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 48-81., p.74).[5 5 Tradução nossa: “Por exemplo, a diferença entre Vanessa is sitting across the table fromme e Vanessa is sitting across the table, de acordo com Langacker, é que o mesmo conteúdo (o falante como ponto de referência da relação de transversalidade) é “objetivamente construído” na primeira porque é colocado em cena pela expressãome [...], ao passo que é “subjetivamente construído” na última porque permanece nos bastidores como locus implícito da concepção”. ]

Nesse viés, Langacker usa o termo subjetificação para se referir a um aumento na subjetividade, ou seja, um aumento na perspectivização conceptual de alguma noção, o que corresponde a um “realinhamento de uma dada relação do eixo objetivo para o eixo subjetivo” (LANGACKER, 1990LANGACKER, R. W. Subjectification.Cognitive Linguistics, Berlin, v. 1, n. 1, p. 5-38, 1990., p.17). Nesses termos, a subjetificação ocorre atrelada a um processo de desbotamento semântico (semantic bleaching) ou de atenuação da concepção objetiva, o que se dá em virtude de o componente subjetivo (a perspectiva do conceptualizador) ser imanente à concepção objetiva, por fazer parte do próprio processo de conceptualização.

Langacker (2006)LANGACKER, R. W. Subjectification, Grammaticization, and Conceptual Archetypes. In: ATHANASIADOU, A.; CANAKIS, C.; CORNILLIE, B. (Ed.).Subjectification: Various Paths to Subjectivity. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. p. 17-40. ainda discorre sobre a relação entre subjetificação e gramaticalização, demonstrando-a através de relatos de diversos casos como, por exemplo, a evolução, no inglês, do sentido de futuro do verbo to go. A subjetificação, segundo Langacker (1999)LANGACKER, R. W. Losing Control: Grammaticization, Subjectification, and Transparency. In: BLANK, A.; KOCH, P. (Ed.). Historical Semantics and Cognition. Berlin: Mouton de Gruyter, 1999. p. 147-175., é um fenômeno gradual e multifacetado que se relaciona aos seguintes parâmetros de mudança: (i) mudança de estatuto (atual > potencial; específico > genérico); (ii) mudança de foco de atenção (perfilado > não perfilado); (iii) mudança de domínio (interação física > interação experiencial ou social); (iv) mudança de fonte de atividade (entidade “em cena” > entidade “fora de cena”).

Ainda que de forma implícita, em seu modelo, Langacker também prevê a dimensão intersubjetiva:

[...] a dimensão intersubjetiva está inerente no modelo de Langacker. A própria noção de perspetivação, como processo de atenção conjunta de locutor e interlocutor para o objeto de conceptualização, convoca as duas dimensões: não só a dimensão da estruturação do ‘objeto’ de conceptualização, mas também a dimensão da coordenação intersubjetiva entre os ‘sujeitos’ de conceptualização, isto é, locutor e interlocutor. (SILVA, 2011SILVA, A. S. da. (Inter)subjetificação na linguagem e na mente.Revista Portuguesa de Humanidades/Estudos Linguísticos, Braga, v. 15, n. 1, p. 93-110, 2011., p.99, grifo do autor).

Subjetividade: perspectiva adotada neste trabalho

Apesar das distinções observáveis nas abordagens de subjetividade apresentadas, não estamos em desacordo com nenhuma delas, por entendermos que as divergências se devem a diferenças nas perspectivas adotadas. Benveniste (1966)BENVENISTE, E. Problèmes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1966. analisa a subjetividade como uma característica intrínseca da linguagem humana, pois seu foco principal é justamente a linguagem. Para Lyons (1982)LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124., e também para Traugott e Dasher (2005)TRAUGOTT, E. C.; DASHER, R. Regularity in Semantic Change. Cambridge: Cambridge University Press, 2005., a subjetividade, encarada sob o viés fenomenológico, corresponde a mecanismos existentes nas línguas naturais, por meio dos quais o falante expressa suas crenças e atitudes. Paralelamente, Traugott e Dasher consideram a intersubjetividade também um mecanismo, sendo este voltado, no entanto, para a expressão da consciência do falante acerca de atitudes, crenças e, mais especialmente, da “face” ou “autoimagem” do destinatário. Indo além, Traugott (2010)LANGACKER, R. W. Subjectification, Grammaticization, and Conceptual Archetypes. In: ATHANASIADOU, A.; CANAKIS, C.; CORNILLIE, B. (Ed.).Subjectification: Various Paths to Subjectivity. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. p. 17-40., chamando a atenção para a distinção entre (inter)subjetividade (estado sincrônico) e (inter)subjetificação (processo diacrônico), associa subjetificação e intersubjetificação a processos de mudança. Langacker (2006)LANGACKER, R. W. Subjectification, Grammaticization, and Conceptual Archetypes. In: ATHANASIADOU, A.; CANAKIS, C.; CORNILLIE, B. (Ed.).Subjectification: Various Paths to Subjectivity. Berlin: Mouton de Gruyter, 2006. p. 17-40., por sua vez, priorizando o processo de conceptualização e, por decorrência, o sujeito conceptualizador, explica a subjetividade em termos de perspectivização conceptual: a maneira como o elemento de uma conceptualização é perspectivamente construído, ou seja, se objetiva ou subjetivamente.

Diante do exposto, compreendemos ser necessário definir, prioritariamente, sob que perspectiva a subjetividade é abordada neste trabalho. E, para tanto, cumpre-nos explicitar que temos como objeto de estudo um tipo de mecanismo de manifestação de subjetividade, observado em uma língua particular, ou mais especificamente, no PB. Assim sendo, diante das especificidades próprias deste estudo, tomamos como base a definição de Lyons (1982)LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124.. Para nós, então, a subjetividade refere-se a meios existentes nas línguas naturais que permitem a seus usuários a expressão de si mesmos, de suas atitudes e crenças.

Ainda para efeitos de delimitação, outro esclarecimento se faz necessário. Embora, entendendo estarem a subjetividade e a intersubjetividade inerentemente entrelaçadas – e que, portanto, somente no nível fenomenológico, em exame calcado em pistas linguísticas, seja possível abordá-las separadamente –, devido ao recorte que fazemos neste estudo, vamos nos ater e nos referir aqui apenas à subjetividade.

Tendo definida a perspectiva de subjetividade adotada, passamos então a discorrer sobre a relação entre subjetividade e a ordem OV no PB.

Subjetividade e a ordem OV no PB

A relação entre subjetividade e a ordem OV no PB (que também pode ser observada nos exemplos anteriores) é ilustrada no exemplo que se segue:

(2) Quer dizer que ele (riso i) sofreu o diabo, entende? Sofreu! Mas agora <aga-> felizmente já está- se <recuperou> se recuperou quase, não é? E ele é muito assim, ele é <muito> ele é assim muito bom <amigo>. É até parecido comigo, sabe? [Ele é muito]- ele é muito de mim. Eu acho que isso eu transmiti para ele. (FAL 30).

Conforme se pode constatar, neste e nos exemplos apresentados anteriormente, as ocorrências da ordem OV acontecem em momentos em que o participante fala de si mesmo, de seus sentimentos ou tece comentários sobre alguém ou sobre algum acontecimento.

Thompson e Hopper (2001THOMPSON, S. A.; HOPPER, P. Transitivity, Clause Structure, and Argument Structure: Evidence from Conversation. In: BYBEE, J. L.; HOPPER, P. (Ed.). Frequency and the Emergence of Linguistic Structure. Amsterdam: John Benjamins, 2001. p. 27-60. (Typological Studies in Language, 45)., p.53) já haviam constatado que a baixa transitividade observada em análise de dados provenientes de conversações deve-se ao fato de nossas conversas serem principalmente sobre “como as coisas são sob nossa perspectiva”, isto é, serem reflexos da subjetividade em nosso uso diário da língua. Reforçando a constatação dos autores, a maior parte dos casos da ordem OV que contabilizamos ocorreram em contextos de diálogo. Para além disso, é importante também ressaltar que a relação entre ordem de palavras e subjetividade que observamos no PB também se verifica em outras línguas, como relata Traugott (2010TRAUGOTT, E. C. Revisiting Subjectification and Intersubjectification. In: CUYCKENS, H.; DAVIDSE, K.; VANDELANOTTE, L. (Ed.).Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: Mouton de Gruyte, 2010. p. 1-23. (Topics in English Linguistics)., p.21, grifo do autor):

A growing number of studies have suggested that as they are subjectified linguistic elements are used in increasingly peripheral positions. Typically the shift is leftward in VO languages, and rightward in OV languages. In English many discourse markers are associated with left (sometime right) periphery, and their use in this position can be correlated with subjectification of their meaning (see e.g. Traugott and Dasher 2002 on indeed , in fact , actually , Brinton Forthcoming on I mean ). It has further been suggested that subjectified meanings of adjectives are to be found in the left periphery of the NP, see e.g. Adamson (2000)ADAMSON, S. A Lovely Little Example: Word Order Options and Category Shift in the Premodifyng String. In: FISCHER, O.; ROSENBACH, A.; STEIN, D. (Ed.). Pathways of Change: Grammaticalization in English. Amsterdam: Benjamins, 2000. p. 39-66. (Studies in Language Companion Series, 53). on the development from descriptive to affective meanings of lovely as in a lovely little example , and Breban (2006)BREBAN, T. The Grammaticalization and Subjectification of English Adjectives Expressing Difference into Plurality/Distributivity Markers and Quantifiers. Preprints of the Department of Linguistics 251, Department of Linguistics, University of Leuven, Leuven, 2006. on the word order correlations of subjectification and grammaticalization in the development of adjectives like different , distinct . Likewise, in Japanese many items that are subjectified or intersubjectified come be used on the periphery of the clause. [ 6 6 Tradução nossa: “Um número crescente de estudos tem sugerido que elementos linguísticos subjetivados são usados em posições cada vez mais periféricas. Normalmente, a mudança é para a esquerda nas línguas VO, e para a direita nas línguas OV. Em inglês, muitos marcadores discursivos estão associados com a periferia esquerda (algumas vezes com a direita), e seu uso nessa posição pode ser correlacionado com a subjetificação do seu significado (ver, por exemplo, Traugott e Dasher (2002), sobre indeed, in fact, actually, Brinton (a ser publicado em breve), sobre I mean). Foi ainda sugerido que os adjetivos com significados subjetivados podem ser encontrados na periferia esquerda do SN, ver, por exemplo, Adamson (2000), sobre o desenvolvimento de significados descritivos para afetivos de lovely como em a lovely little example, e Breban (2006), sobre as correlações da ordem de palavras, subjetificação e gramaticalização no desenvolvimento de adjetivos como different, distinct. Da mesma forma, em japonês, muitos itens que são subjetivados ou intersubjetivados vêm sendo usados na periferia da oração”. ]

Salientamos, ainda, que, no que diz respeito ao PB (cuja ordem neutra é (S)VO), a ordem OV se enquadra perfeitamente no padrão descrito acima por Traugott. Entendemos que a ocorrência de elementos linguísticos subjetivados em posições periféricas (com mudança para esquerda em línguas VO e para a direita em línguas OV) está relacionada à explicação de Givón (1985)GIVÓN, T. Function, Structure, and Language Acquisition. In: SLOBIN, D. I. (Ed.). The Crosslinguistic Study of Language Acquisition. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 1985. p. 1005-1027. (Theoretical issues, 2)., segundo a qual, cabe à cláusula canônica/neutra comunicar a ideia básica dos eventos/ações/estados, e, ainda, contar quem fez o quê para quem, quando, onde, como ou por quê e para quê. Em virtude disso, o desempenho de outras importantes funções comunicativas ficaria ao encargo dos tipos de variação comumente observados, em relação à cláusula canônica/neutra.

Nessa linha de pensamento, concluímos que a ordem OV se presta à estratégia discursiva de veicular enunciados subjetivos, destacando-os das demais ideias básicas normalmente veiculadas pela cláusula canônica/neutra.

Adicionalmente, entendendo que o emprego da ordem OV refere-se a um mecanismo principal que proporciona três diferentes maneiras de expressão da subjetividade, postulamos: (i) que a função principal da ordem OV é a de retomar um tópico, ou o aspecto de um tópico, para se predicar sobre ele; (ii) que a função principal se subdivide em três subfunções: a de estabelecer contraste, a de atenuar uma afirmação precedente e a de reforçar um tópico sob consideração.

Cada uma das subfunções constitui, portanto, um meio distinto de expressão da subjetividade. A retomada de um tópico ou aspecto de um tópico (função principal) deve, então, ocorrer em situações discursivas em que o falante: procura destacar ou privilegiar alguma(s) entidade(s), através do estabelecimento de contraste com outra(s); reconsiderar ou atenuar uma afirmação que fez anteriormente; ou ainda, reforçar seu ponto de vista ou opinião, em relação a algum tópico que está sob consideração.

O fenômeno em análise

Os exemplos apresentados até então ilustram as ocorrências da ordem OV que encontramos nos dados analisados. Em todos eles, pode-se constatar o emprego da ordem OV veiculando enunciados subjetivos, tal como ocorre também no exemplo a seguir:

(3) O presidente- está aí, eu gosto desse presidente nosso. Eu gosto muito dele, eu gosto. Porque eu acho que [ele]- [ele]- ele tem [muita]- muita vontade de fazer muita coisa, mas a- o pessoal todo tem que ajudar, não é? Que se não ajudar, ele sozinho não pode fazer grande coisa. Vontade ele tem. (FAL 30).

Como se pode verificar em qualquer um dos exemplos apresentados, no entorno das ocorrências da ordem OV, há pistas linguísticas, como a presença da primeira pessoa do singular, de verbos como gostar, querer,saber, achar (este empregado como verbo de cognição), que confirmam estarmos diante de porções do discurso em que, nos termos de Lyons (1982)LYONS J. Deixis and Subjectivity: Loquor, Ergo Sum?In: JARVELLA, R. J.; KLEIN, W. (Ed.). Speech, Place, and Action: Studies in Deixis and Related Topics. New York: Wiley, 1982. p. 101-124., o falante expressa a si mesmo, suas atitudes e crença. Cremos, portanto, ser inconteste a conclusão de que a ordem OV se presta a uma estratégia discursiva de veiculação de enunciados subjetivos.

Tais exemplos e os dados que analisamos foram extraídos da fala de 12 participantes da cidade do Rio de Janeiro cujas entrevistas integram a Amostra Censo,banco de dados constituído pelo Projeto Censo da Variação Linguística no Rio de Janeiro (PEUL/ Universidade Federal do Rio de Janeiro).7 7 Todos os participantes têm até ١١ anos de escolaridade. No quadro que se segue, encontram-se o código, o gênero e a idade referentes a cada um dos participantes.

Como demonstra o Quadro 1, em nossa pesquisa coletamos dados da fala de participantes em faixas etárias que variam de 7 a 62 anos. Na fala desses, registramos um total de 79 ocorrências da ordem OV, num total de 415 dados8 8 Considerando-se também as ocorrências da ordem neutra temos: VO = 336 (80,9%); OV = 79 (19,1%). Feito o teste estatístico do Qui Quadrado, constatamos a significância da distribuição dos dados analisados. O valor do X2 encontrado é igual a 159,14; bem maior, portanto, do que o valor crítico de 3,841, para o grau de liberdade igual a 1 (sabe-se que, quanto maior for o valor do X2, mais significante é a relação entre a variável dependente e a variável independente). , sendo que 100% dos casos, ou seja, todas as ocorrências da ordem OV detectadas, correspondem a enunciados subjetivos.

Quadro 1
– Participantes

Julgamos também interessante destacar que, na fala de todos os participantes, independentemente da idade, o emprego da ordem OV foi observado. Apenas para ilustrar o que acabamos de dizer, segue a Tabela 1, com percentual de ocorrências da ordem OV por faixas etárias.

Tabela 1
– Ocorrências da ordem OV por faixa etária

Voltando ao nosso foco de interesse, para calcular o percentual relativo a cada uma das subfunções desempenhadas pela ordem OV, separamos as ocorrências contabilizadas em três categorias: I – estabelecimento de contrastes; II – atenuação de uma afirmação precedente; III – reforço a um tópico sob consideração. Seguem-se os exemplos relativos às referidas categorias:

(4) I – estabelecimento de contrastes:

Eu não fiz todas as séries. Tem primeira, não é? (est) CA, jardim, não? (est) até CA não tem, não é? só assim primeira- e primeira- (hes) é. [Primeira], não é?primeira, CA, (est) eu não fiz, não. Só fiz a segunda, porque eu estudei num outro colégio, Abeu Filgueiras, lá em Nilópolis. (FAL 50).

(5) II – atenuação de uma afirmação precedente:

Ela é chatinha também. [ela]- Ela não gosta muito de- ela não come nada, é chata mesmo. Uma coisinha como nunca vi. Gosta mais um pouquinho de sopa. (voz da filha) Sopa ela gosta. (FAL 30).

(6) III – reforço a um tópico em consideração:

Então, com treze anos, eu comecei a trabalhar na obra com meu pai. Meu pai era construtor- (latido longe) eu ia para a obra com meu pai, <papa...>, comecei ajudar meu pai, pintava uma parede, pintava isso, pintava aquilo. Eu sei até assentar tijolo, botar cerâmica, essas coisa assim, dentro duma casa, eu sei fazer. Trocar um cano d” água, (est) ver um fio, fazer uma instalação, colocar uma bucha numa parede, isso tudo, eu sei fazer. (FAL 7).

A seguir, apresentamos a Tabela 2, com os resultados encontrados.9 9 A significância da distribuição dos dados foi atestada por meio da aplicação do teste estatístico do Qui Quadrado; X2 = 17,18, maior do que 5,991, que corresponde ao valor crítico para o grau de liberdade igual a 2.

Tabela 2
– Subfunções da ordem OV

Como se pode observar na Tabela 2, os percentuais referentes às três subfunções demonstram que a ordem OV é mais empregada na subfunção de reforçar um tópico sob consideração. Em seguida, em termos decrescentes, a ordem OV ocorre na subfunção de atenuar uma afirmação precedente e depois na subfunção de estabelecer contrastes. Pelo menos em nossos dados, a subfunção de estabelecer contrastes, considerada em alguns estudos como a função principal da ordem OV, aparece como a menos frequente.

Considerações finais

Adotando a noção de que subjetividade refere-se a meios existentes nas línguas naturais que permitem a seus usuários a expressão de si mesmos, de suas atitudes e crenças, abordamos a relação entre a ordem OV e a expressão de subjetividade no PB. Apresentamos evidências de que a função de retomar um tópico, ou aspecto de um tópico, para se predicar sobre ele, é a função principal e mais abrangente da ordem OV no PB e que, como tal, subdivide-se em outras três subfunções: a de estabelecer contraste, a de atenuar uma afirmação precedente e a de reforçar um tópico sob consideração.

Em análise quantitativa, em termos percentuais, constatamos: (i) que 100% das ocorrências da ordem OV correspondem a enunciados subjetivos; (ii) que a subfunção de reforçar um tópico sob consideração é a mais recorrente; (iii) que a segunda subfunção mais utilizada é a de atenuar uma afirmação precedente, sendo seguida, em termos de frequência, pela subfunção de estabelecer contraste; (iv) que a função principal e as subfunções da ordem OV constituem mecanismos de expressão de subjetividade no PB.

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  • 1
    Contribuíram com a realização desta pesquisa os seguintes bolsistas de iniciação científica: Marthina Scardua Ferreira (FAPERJ) e Amanda Dib (PIBIC/UFF).
  • 2
    Tradução nossa: “[...] é tão profundamente marcada para expressão da subjetividade que se questiona se, diferentemente construída, poderia ainda funcionar e se chamar de linguagem”.
  • 3
    Tradução nossa: “[...] os meios como as línguas naturais, em sua estrutura e em seu modo normal de operação, proporcionam, ao agente locucionário, a expressão de si mesmo e de suas próprias atitudes e crenças”.
  • 4
    Tradução nossa: “Um princípio fundamental na Linguística Cognitiva é o de que a semântica é, de fato, primariamente cognitiva e não uma questão de relações entre a linguagem e o mundo (ou condições de verdade em relação a um modelo). Este princípio torna-se especialmente evidente na investigação sobre as facetas do significado e da organização gramatical que fundamentalmente faz uso de noções como “perspectiva”, “subjetividade”, ou “ponto de vista”. O que essas noções têm em comum é que elas capturam aspectos da conceptualização que não podem ser suficientemente analisados em termos de propriedades do objeto de conceptualização, mas, de uma forma ou de outra, envolvem necessariamente o sujeito da conceptualização”.
  • 5
    Tradução nossa: “Por exemplo, a diferença entre Vanessa is sitting across the table fromme e Vanessa is sitting across the table, de acordo com Langacker, é que o mesmo conteúdo (o falante como ponto de referência da relação de transversalidade) é “objetivamente construído” na primeira porque é colocado em cena pela expressãome [...], ao passo que é “subjetivamente construído” na última porque permanece nos bastidores como locus implícito da concepção”.
  • 6
    Tradução nossa: “Um número crescente de estudos tem sugerido que elementos linguísticos subjetivados são usados em posições cada vez mais periféricas. Normalmente, a mudança é para a esquerda nas línguas VO, e para a direita nas línguas OV. Em inglês, muitos marcadores discursivos estão associados com a periferia esquerda (algumas vezes com a direita), e seu uso nessa posição pode ser correlacionado com a subjetificação do seu significado (ver, por exemplo, Traugott e Dasher (2002), sobre indeed, in fact, actually, Brinton (a ser publicado em breve), sobre I mean). Foi ainda sugerido que os adjetivos com significados subjetivados podem ser encontrados na periferia esquerda do SN, ver, por exemplo, Adamson (2000)ADAMSON, S. A Lovely Little Example: Word Order Options and Category Shift in the Premodifyng String. In: FISCHER, O.; ROSENBACH, A.; STEIN, D. (Ed.). Pathways of Change: Grammaticalization in English. Amsterdam: Benjamins, 2000. p. 39-66. (Studies in Language Companion Series, 53)., sobre o desenvolvimento de significados descritivos para afetivos de lovely como em a lovely little example, e Breban (2006)BREBAN, T. The Grammaticalization and Subjectification of English Adjectives Expressing Difference into Plurality/Distributivity Markers and Quantifiers. Preprints of the Department of Linguistics 251, Department of Linguistics, University of Leuven, Leuven, 2006., sobre as correlações da ordem de palavras, subjetificação e gramaticalização no desenvolvimento de adjetivos como different, distinct. Da mesma forma, em japonês, muitos itens que são subjetivados ou intersubjetivados vêm sendo usados na periferia da oração”.
  • 7
    Todos os participantes têm até ١١ anos de escolaridade.
  • 8
    Considerando-se também as ocorrências da ordem neutra temos: VO = 336 (80,9%); OV = 79 (19,1%). Feito o teste estatístico do Qui Quadrado, constatamos a significância da distribuição dos dados analisados. O valor do X2 2 Tradução nossa: “[...] é tão profundamente marcada para expressão da subjetividade que se questiona se, diferentemente construída, poderia ainda funcionar e se chamar de linguagem”. encontrado é igual a 159,14; bem maior, portanto, do que o valor crítico de 3,841, para o grau de liberdade igual a 1 (sabe-se que, quanto maior for o valor do X2 2 Tradução nossa: “[...] é tão profundamente marcada para expressão da subjetividade que se questiona se, diferentemente construída, poderia ainda funcionar e se chamar de linguagem”. , mais significante é a relação entre a variável dependente e a variável independente).
  • 9
    A significância da distribuição dos dados foi atestada por meio da aplicação do teste estatístico do Qui Quadrado; X2 2 Tradução nossa: “[...] é tão profundamente marcada para expressão da subjetividade que se questiona se, diferentemente construída, poderia ainda funcionar e se chamar de linguagem”. = 17,18, maior do que 5,991, que corresponde ao valor crítico para o grau de liberdade igual a 2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Jun 2014
  • Aceito
    Out 2014
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