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OS NÍVEIS DA LINGUAGEM: A TEORIA LINGUÍSTICA DE EUGENIO COSERIU

RESUMO

Desde seus primeiros escritos de linguística geral, o linguista romeno Eugenio Coseriu, como o seu contemporâneo Noam Chomsky, ou mesmo Ferdinand de Saussure antes deles, delineou o conceito de conhecimento linguístico. Sua busca pelo refinamento desse conceito o levou a elaborar suas famosas distinções dos níveis da linguagem, que figuram entre suas contribuições mais importantes para a teoria linguística. Além de detalhar tais distinções, este artigo discute a visão do autor sobre a natureza, o conteúdo e a estrutura do conhecimento linguístico. Apresenta ainda algumas circunstâncias externas e internas a sua teoria que explicariam o desconhecimento generalizado de suas ideias no âmbito da linguística geral contemporânea, especialmente no mundo anglófono, diante de reivindicações recentes de que as contribuições originais de Coseriu poderiam ter dado um rumo diferente à linguística se meio século atrás o seu trabalho tivesse recebido a devida atenção. Finalmente, discute se Coseriu é um gênio negligenciado da linguística do século XX como frequentemente argumentam ex-alunos e devotos de sua teoria.

Eugênio Coseriu; saber linguístico; competência linguística; níveis da linguagem

ABSTRACT

From his very early writings on general linguistics onwards, the Romanian linguist Eugenio Coseriu, like his own contemporary Noam Chomsky and Ferdinand de Saussure before them, delineated the concept of linguistic knowledge . His pursuit of this concept led him to elaborate his famous distinctions of the levels of language , which came to be one of his most important contributions to linguistic theory. In addition to detailing such distinctions, this article discusses the author’s view of the nature, content and structure of linguistic knowledge. It also presents some external and internal circumstances to his theory that could explain the widespread ignorance of Coseriu’s ideas in the realm of contemporary general linguistics, especially in the English-speaking world, before recent claims that Coseriu’s original contributions could have given linguistics a different direction if half a century ago his work had received proper attention. Finally, this paper addresses the question whether Coseriu is a neglected genius of twentieth century linguistics as it is frequently argued by his former students and devotees.

Eugenio Coseriu; linguistic competence; linguistic knowledge; language levels

Introdução

Trinta anos atrás, foi publicado em espanhol o livro Competencia linguística: elementos de la teoria del hablar (Competência linguística: elementos da teoria do falar [1992]), de Eugenio Coseriu. O livro, publicado pela primeira vez em alemão como Sprachkompetenz. Grundzüge der theorie des sprechens (1988), foi editado por Heinrich Weber a partir das aulas que Coseriu ministrou na Universidade de Tübingen entre 1983 e 1985 e apresenta a formulação do conceito de competência linguística1 1 O termo “competência” tem uma forte associação chomskyana, uma vez que emergiu como o objeto adequado do empreendimento gerativo. No entanto, como este artigo mostra, esse conceito não é uma criação da linguística do século XX, tendo suas raízes estabelecidas no conceito de Wilhelm von Humboldt (1999 [1836]) de “competência subjacente”. Coseriu, como fez Chomsky, estabelece uma análise da teoria de Humboldt, mas retorna a Aristóteles para distinguir a linguagem como atividade, saber e produto. como o conhecimento que o falante tem de sua própria língua. A metodologia utilizada por Weber na edição das aulas de Coseriu ecoa os procedimentos de Charles Bally e Albert Sechehaye com o Curso de Linguística Geral [CLG], de Ferdinand de Saussure, que foi editado a partir das aulas deste na Universidade de Genebra entre 1906 e 1911 (publicação que Saussure não teria apoiado, como se tem frequentemente argumentado).

Diferentemente da metodologia adotada na composição do CLG, editado principalmente por meio de anotações manuscritas dos alunos de Saussure, o texto de Coseriu foi editado a partir de transcrições de gravações em áudio das aulas de Coseriu. O projeto também contou com a anuência e apoio de Coseriu, que revisou cuidadosamente o conteúdo para garantir que suas ideias fossem fielmente reproduzidas antes de serem enviadas para a publicação. Ao contrário de outros livros de Coseriu, que geralmente são compilações de artigos, esse sistematiza de forma unitária os principais temas defendidos por ele durante sua trajetória acadêmica, e como tal pode ser lido como uma introdução fiel a suas ideias linguísticas, ou pelo menos a sua teoria da competência linguística.

A obra de Coseriu tem sido lida e debatida ao longo do tempo. Como autor de dezenas de livros e centenas de artigos sobre a natureza, o conteúdo e a estrutura da linguagem, ao estudante de linguística geral ele não deveria exigir nenhuma apresentação. Sua teoria, no entanto, pode ser considerada uma novidade para quem lê este artigo, principalmente se estiver fora do mundo das línguas românicas, línguas nas quais Coseriu publicou seus escritos mais importantes. Apesar de sua intensa atividade intelectual ao longo de mais de meio século, que resultou em importantes reflexões sobre o que é a linguagem e como ela funciona, suas teorias permanecem pouco estudadas. As razões para isso permanecem obscuras, mas este artigo reúne algumas considerações sobre as razões de sua obscuridade no âmbito da linguística geral. O fato é que Coseriu foi um dos mais brilhantes pensadores da linguística do século XX. Isso já era notório desde o período em que foi professor na Universidad de la Republica no Uruguai (1950-1963), quando formulou pela primeira vez os grandes temas que continuaria a desenvolver pelo resto de sua vida na Universidade de Tübingen, na Alemanha, onde morreu em 20022 2 Com a publicação deste artigo, seu autor homenageia Coseriu e sua trajetória acadêmica na ocasião do centenário do seu nascimento (1921-2021). .

Alguém não familiarizado com a teoria de Coseriu poderá perguntar qual foi sua principal contribuição para a teoria linguística. Coseriu certa vez abordou essa questão e, sem hesitar, resumiu o trabalho de sua admirável vida acadêmica a uma “distinção relativamente simples” (COSERIU, 1985). De fato, é verdade que a distinção a que ele se refere é a pedra angular de sua teoria linguística. Ela foi formulada ainda em 1955 em seu agora famoso texto Determinácion y Entorno: dos problemas de una linguística del hablar (Determinação e entorno: dois problemas de uma linguística do falar), já que Coseriu se sentia desconfortável naquele momento com a distinção langue / parole , de Saussure. A distinção que Coseriu afirma ser sua contribuição mais relevante para a linguística diz respeito aos “níveis da linguagem”, algo que “se aplica em primeiro lugar ao que nas últimas décadas tem sido chamado de ‘competência linguística’” (COSERIU, 1985, p. 1)3 3 As traduções para o português, neste artigo, de textos originalmente escritos em outras línguas, como espanhol, inglês, francês, italiano e latim foram feitas por seu autor. . Embora Coseriu se refira a suas distinções como relativamente simples, elas não são nada simples; como mostra este artigo, elas envolvem um conjunto complexo de terminologias e conceitos usados para fornecer uma descrição da linguagem em diferentes níveis e pontos de vista, algo que ele considera capital para a compreensão do que é a competência linguística ou o saber linguístico.

Esse conceito fundador da linguística moderna, considerado como o conhecimento que o falante possui de sua língua, não é, no entanto, como já mostrou Coseriu, uma criação do século XX, quando a linguística passou por uma mudança radical de perspectiva. Acompanhando as transformações dessa ciência, a linguística histórica do século XIX daria lugar, no século seguinte, ao estruturalismo, seja na orientação de Saussure ou de Leonard Bloomfield. A nova abordagem que dominou a primeira metade do século XX, viu seu declínio gradual nas décadas seguintes, quando a linguística da competência, tributária a Noam Chomsky, emergiu como a principal preocupação na teorização linguística.

As primeiras leituras empreendidas por Chomsky à teoria de Saussure procuram analogias entre os conceitos de langue e gramática gerativa: “A gramática gerativa internalizada por alguém que adquiriu uma língua define o que em termos saussurianos podemos chamar de langue ” ( CHOMSKY, 1964CHOMSKY, N. Current Issues in Linguistic Theory . The Hague: Mouton, 1964. , p. 8). No entanto, insatisfeito com a definição de langue , definida meramente como um “armazém de signos”, Chomsky romperia com o conceito de Saussure e tomaria emprestado de Humboldt (1999HUMBOLDT, W. V. Humboldt on language: on the diversity of human language construction and its influence on the mental development of the human species. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. [1836]) o conceito de competência subjacente: “é preciso rejeitar o conceito de langue [de Saussure] como um mero inventário sistemático de itens e retornar à concepção humboldtiana de competência subjacente como um sistema de processos gerativos” ( CHOMSKY, 1965CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax . Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1965. , p. 4). De igual modo, Coseriu retoma Humboldt para desenvolver sua análise da competência linguística, mas, ao contrário de Chomsky, separa os níveis biológico e cultural da linguagem e empreende sua análise apenas sobre este último.

Este artigo tem o objetivo de investigar as ideias de Coseriu sobre a competência linguística como um produto da cultura e, para isso, colocará em realce seu ponto de vista sobre sua natureza, conteúdo e estrutura. Coseriu aborda essa questão explorando o que ele chama de três níveis de estruturação do saber linguístico: o nível universal (saber elocutivo), o histórico (saber idiomático) e o individual (saber expressivo). Assim, para melhor contextualizar sua teoria, a seção seguinte apresenta o background das principais distinções conceituais da teoria linguística e seus desdobramentos, com foco para as distinções langue / parole , de Saussure, e competência/desempenho, de Chomsky. A seção 2 trata das distinções coserianas sobre os níveis da linguagem, desenvolvidos com a intenção de chegar ao entendimento do que é competência linguística. A seção 2.1 apresenta a visão de Coseriu sobre a natureza da competência linguística e sua defesa de que o saber linguístico é um saber intuitivo, oposto ao saber reflexivo do linguista. A seção 2.2 discute a afirmação de Coseriu de que a competência linguística contém tanto signos quanto operações, visão que concilia os pontos de vista de Saussure e Chomsky. A seção 2.3 mostra a análise de Coseriu de como o saber linguístico é estruturado. Finalmente, em lugar de uma conclusão, este artigo discute o ostracismo que cerca a teorização de Coseriu no âmbito da linguística geral e levanta algumas possíveis razões para isso.

1. O background das distinções coserianas

As distinções linguagem, língua e fala não são uma invenção da linguística moderna; foram objetos de discussões em disciplinas como gramática, retórica e dialética, na antiguidade clássica, cada uma tratando de um aspecto específico do conhecimento linguístico. No entanto, foi apenas no século XIX que tais conceitos foram amplamente debatidos por filósofos da linguagem como Friedrich Hegel (que distingue língua e fala [ Sprache/Rede ], apresentando a língua como o sistema da fala), Wilhelm von Humboldt (que discute os conceitos de energeia e ergon , concluindo que a língua é energeia e não ergon , pois não é um produto, não está acabada, mas está em constante produção), e Georg von der Gabelentz4 4 Coseriu discute detalhadamente as distinções de Gabelentz e os possíveis usos que Saussure faz delas em “ Georg von der Gabelentz et la linguistique synchronique ” ( COSERIU, 1967 ). (que distingue linguagem em geral – Sprache , língua – Einzelsprache , fala – Rede , e faculdade da linguagem – Sprachvermövem ).

Uma das lições que se pode tirar de tais distinções é que fazer distinções é uma operação essencial para o processo de compreensão de um objeto de estudo. Tal operação conceitual visa ao estudo de objetos que não são concebidos de forma separada fora do ponto de vista do linguista. É evidente que o ato de abstração pode deformar objetos quando, por meio de uma operação conceitual, o pesquisador distingue um objeto em diferentes aspectos a fim de estudar suas especificidades de forma independente. Assim, quando um linguista faz afirmações sobre os diferentes aspectos da linguagem, isso não significa necessariamente que ele está fazendo afirmações sobre a realidade das coisas, ou que o objeto deva ser apreendido no mundo empírico como uma entidade cindida, fragmentada. Significa, antes de tudo, que decisões metodológicas a priori são necessárias para que o pesquisador proceda a qualquer análise da natureza de um dado objeto.

Aparentemente, é seguindo essa suposição que linguistas tendem a abstrair a língua da fala ou a estudar esses dois objetos como unidades independentes. Nesse espírito, Coseriu (1985)COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. inicia seu artigo Linguistic competence: what is it really ? fazendo referência ao filósofo italiano Benedetto Croce para quem “ conoscere è distinguere ” [“conhecer é distinguir”], e Coseriu acrescenta que “para alcançar o saber científico significa, antes de tudo, fazer distinções” (COSERIU, 1985, p. xxv).

Nesse sentido é que, buscando alcançar o saber linguístico, a escola de pensamento historicista se ocupou principalmente com a gênese e evolução das palavras, enquanto o estruturalismo saussuriano colocava ênfase sobre sua organização sistemática e inteligibilidade, pois, para Saussure, o conhecimento da história de uma palavra não era suficiente para a compreensão de seu significado corrente. Ele introduziu as distinções langue / parole e embora tenha falado de uma linguística da parole , projeto no qual não se concentrou, estabeleceu a langue como o objeto único de sua teoria, lançando as bases para a ciência linguística moderna. A langue foi conceituada como um sistema de signos constituído por relações de determinação recíproca entre o significado ( signifié ) e o significante ( signifiant ).

É lugar-comum na história da linguística, desde então, atribuir a Ferdinand de Saussure uma espécie de paternidade da linguística devido a uma alegada ruptura epistemológica5 5 A ideia de ruptura epistemológica [rupture épistémologique] foi introduzida na filosofia da ciência por Gaston Bachelard (1884-1962) em seu célebre livro La Formation de l’esprit scientifique. Contribution à une psychanalyse de la connaissance objective (1938). Opondo-se ao positivismo de Augusto Comte e a sua visão da ciência como um desenvolvimento contínuo, Bachelard afirma que a história da ciência é uma história de descontinuidade. Claudine Normand (1970) , uma das principais estudiosas de Saussure, tomou emprestado o termo de Bachelard ao fazer a seguinte pergunta: “estamos com Saussure diante de uma ‘ruptura epistemológica’, constitutiva de uma ciência, comparável ao exemplo geralmente mencionado do trabalho de Galileo?” ( NORMAND, 1970 , p. 35). A conclusão da autora é que essa ruptura emerge essencialmente entre o método dedutivo e o indutivo, uma vez que Saussure parte da análise empírica para delimitar as unidades linguísticas, fazendo com que essa escolha metodológica marcasse uma ruptura com a tradição linguística de seu tempo. representada pela criação da langue e pela escolha metodológica que viabilizaria o seu estudo. De fato, os linguistas da primeira metade do século XX se maravilharam com as discussões em torno da estrutura da langue e posicionaram Saussure entre os linguistas mais prestigiados de todos os tempos.

No entanto, a partir da segunda metade do século XX, os linguistas passaram a se interessar pelo mecanismo que possibilita ao indivíduo falar e compreender seu interlocutor. De fato, as melhores explorações foram de Noam Chomsky, e seu trabalho representou uma revolução nesse campo. Dentro do empreendimento gerativo de Chomsky, a competência linguística é concebida como a capacidade do falante, baseada em princípios inatos, de usar línguas particulares por meio da experiência. Portanto, a tarefa da linguística é descrever esse componente da mente humana, estabelecendo seus princípios inatos e investigando o seu uso.

Coseriu, ao contrário, situando-se principalmente na tradição linguística de Wilhelm von Humboldt, desde os primeiros escritos como Determinácion y Entorno: dos problemas de una linguística del hablar (1955) (Determinação e entorno: dois problemas de uma linguística do falar), que antecede os escritos de Chomsky a respeito da teoria da competência linguística, elabora uma teoria que ele chamou à época de teoria do saber linguístico . O texto é considerado (por alguns de seus devotos e ex-alunos) um marco na mudança de perspectiva no estudo da linguagem (embora esse texto possa ser desconhecido por muitos), pois, invertendo o ponto de vista de Saussure, faz da fala ( parole ) a norma para todas as manifestações da linguagem, o ponto de partida da investigação linguística.

Não obstante a releitura quase sempre proveitosa da obra de Saussure, com menção honrosa para o seu texto escrito originalmente em espanhol sobre os conceitos de sistema, norma e fala ( COSERIU, 1952COSERIU, E. Sistema, norma y habla. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República . Montevideo, n.9, p. 113-181, 1952. ), obrigatório para diluir, no iniciante em linguística, a aparente solidez da dicotomia saussuriana língua e fala, a inversão do ponto de vista de Saussure proposta por Coseriu parece, ao contrário, ter sido desenvolvida a partir de uma visão um tanto limitada do pensamento do linguista genebrino. O Curso de Linguística Geral é citado por Coseriu quando Saussure diz que o estudo da linguagem deve estar enraizado na langue e “desde o início” deve-se “colocar os dois pés no solo da langue e usar a langue como norma de todas as outras manifestações da linguagem” ( SAUSSURE, 1959SAUSSURE, F. Course in general linguistics . Translated by W. Baskin. New York: Philosophical Library, 1959. , p. 9), enquanto Coseriu sustenta que começaria tudo a partir da parole . No entanto, fica claro ao longo do Curso de Saussure que o conhecimento da langue só é possível através da análise da parole , de modo que a diferença entre as posições de Saussure e de Coseriu não são tão aparentes.

No entanto, as distinções de Coseriu dos níveis da linguagem podem ajudá-lo a encontrar singularidade ao expressar sua abordagem à investigação linguística. Para tais distinções, Coseriu delineia as três dimensões que podem ser diferenciadas através da natureza cultural do falar: o nível universal (o falar em geral); o histórico (falar uma língua particular); e o individual (o discurso). O falar, concebido nessas três dimensões, pode ser estudado a partir de diferentes pontos de vista: como atividade, como o saber que possibilita essa atividade e como o produto dessa atividade.

Essas distinções, que possuem raízes no pensamento de Aristóteles (uma atividade pode ser compreendida como energeia , dynamis ou ergon ), são amplamente conhecidas através das teorias de Humboldt sobre a linguagem. Para Coseriu, cada um dos três níveis elencados acima pode ser estudado a partir dos três pontos de vista tributários a Aristóteles, o que alarga a complexidade do estudo da fala para nove campos (ver Quadro 1 na seção 2.3). Coseriu sustenta que o estudo da competência linguística deve começar com o saber linguístico que o falante possui, devendo o linguista, posteriormente, abordar o problema de sua natureza, de seu conteúdo e de sua estruturação. Nas seções seguintes, cada um dos três aspectos do saber linguístico é delineado.

Quadro 1
– Matriz coseriana dos níveis da linguagem

2. O Saber Linguístico

2.1 A natureza da competência linguística: do saber intuitivo ao saber reflexivo

Um dos objetivos da investigação linguística, conforme realça Coseriu, é pôr em destaque o saber que o falante acessa quando usa uma língua. Disso, depreende-se que o objeto da linguística é o saber linguístico do falante. Em busca de substância para o seu ponto de vista, Coseriu empreende uma análise de como Saussure e Chomsky abordam o problema da natureza do saber linguístico, apontando que Chomsky o concebe como um saber intuitivo das regras gramaticais de uma língua, assumindo o próprio conhecimento que o linguista possui de sua língua como o ponto de partida para a descrição desse conhecimento. Para Saussure, trata-se de um saber inconsciente , pois “as pessoas usam sua língua sem reflexão consciente, desconhecendo em grande parte as leis que a regem” ( SAUSSURE, 2013SAUSSURE, F. Course in general linguistics . Translated by Roy Harris. London: New York: Bloomsbury Academic, 2013. , p. 84).

Para Coseriu, a ideia de que a langue é algo cujo poder está além da consciência individual é encontrada em vários momentos na teoria saussuriana. Assim, argumenta que o problema que envolve a concepção de Saussure é que ele confunde conhecimento inconsciente com intuitivo: “O saber linguístico é um saber seguro e, como tal, é plenamente consciente, mas é um saber que não pode ser suficientemente justificado. E isso (...) é justamente o que caracteriza o saber intuitivo” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 218).

O saber intuitivo é aquele que o falante tem de sua língua, que o torna competente para falar e entender. A esse respeito, Coseriu (1979COSERIU, E. Sincronia, diacronia e história: o problema da mudança linguística. Tradução de Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença, 1979. , p. 52) afirma que “uma atividade não patológica da consciência desperta não é e não pode ser inconsciente”. Assim, contra as declarações de Saussure de que o mecanismo linguístico “só pode ser apreendido através da reflexão6 6 Saussure aqui, como em muitos outros aspectos de sua teoria da langue , parece seguir as declarações de William Dwight Whitney sobre o mecanismo linguístico. Embora, diferentemente de Saussure, Whitney dê destaque para o indivíduo como um agente atuante “no grande trabalho de perpetuar e de compartilhar a língua em geral”, ele argumenta que “o trabalho de cada indivíduo é feito de forma não premeditada, ou, por assim dizer, inconscientemente” (WHITNEY, 1971, p. 18). ” e que “os falantes que o utilizam diariamente o ignoram” ( SAUSSURE, 2013SAUSSURE, F. Course in general linguistics . Translated by Roy Harris. London: New York: Bloomsbury Academic, 2013. , p. 85), Coseriu protesta dizendo que os falantes têm plena consciência do sistema linguístico, pois sabem o que dizem, sabem como dizer algo, o que não podem dizer, o que é gramaticalmente correto ou aceitável, “caso contrário não poderiam falar” (COSERIU, 1979, p. 54). No entanto, para Coseriu, o falante raramente reflete sobre o funcionamento do instrumento linguístico (essa é uma tarefa para os linguistas e seu saber reflexivo).

Chomsky, ao contrário de Saussure, afirma que o conhecimento linguístico é um conhecimento intuitivo7 7 Para Coseriu (1992) , a ideia de que o conhecimento linguístico é um conhecimento intuitivo remonta a Benedetto Croce (1902), em sua obra “ Estetica come scienza dell’espressione e linguistica generale ”, na qual concebe a linguagem em geral como uma forma de conhecimento intuitivo. Essa ideia teria passado para Sapir (1921) , que tinha grande estima por Croce, e de Sapir para Chomsky. das regras gramaticais de uma língua, fazendo do conhecimento intuitivo a base para a descrição da competência linguística. Para ele, o ponto de partida para a descrição desse conhecimento intuitivo é o próprio conhecimento que o linguista tem de sua língua, devendo o linguista perguntar a outros falantes naif se certas frases são consideradas “corretas” ou não. Essa ideia converge com a posição de Coseriu sobre o saber linguístico. Por outro lado, Coseriu se opõe à metodologia da gramática gerativa por não diferenciar o conhecimento intuitivo do reflexivo. Com efeito, esta é, para Coseriu, uma distinção fundamental ao abordar a natureza do saber linguístico:

[…] a gramática gerativa muitas vezes alude às opiniões expressas dos falantes. Supõe que correspondem ao seu saber intuitivo, mas não é assim. As opiniões expressas dos falantes não são mais meramente saberes intuitivos, mas tentativas ou inícios na direção do saber reflexivo. ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 221).

Assim, alinhado com a ideia de conhecimento como algo criativo e produtivo tributária a Humboldt e Hegel, Coseriu sustenta que no uso da linguagem, no processo de criação verbal, o falante sempre vai além de sua experiência prévia e cria algo novo. Desse modo, queixa-se da gramática gerativa que embora reconheça a criatividade como uma propriedade universal das línguas não a vincula à capacidade do falante de criar cultura, mas tenta relacioná-la a “um saber linguístico que é inato” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 225).

A busca de Coseriu por reforçar a distinção entre o saber intuitivo e o saber reflexivo encontra sustentação teórica na distinção de Friedrich Hegel (1770-1831) entre o que ele chama de saber conhecido e saber reconhecido , ou entre saber não justificado e saber justificado . Em suma, o saber justificado é o saber que emerge do processo de reflexão sobre o saber não justificado ou intuitivo. De forma análoga, Coseriu dirá que o saber reflexivo, o saber do linguista, toma como ponto de partida o saber intuitivo dos falantes: “A tarefa dos linguistas é justamente transformar o saber não justificado, não científico dos falantes em saber científico, reflexivo” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 229).

No entanto, mais apropriada do que a distinção de Hegel para a determinação da natureza do saber linguístico, Coseriu afirma ser as distinções que G. W. Leibniz (1646-1716) estabelece em seu tratado Meditationes de cognitione, veritate et ideis (1978 [1684]). Em suma, Leibniz primeiramente distingue entre conhecimento (cognitio) obscuro (obscura) e claro (clara). O conhecimento claro é, então, distinguido entre confuso (confusa) e distinto (distincta), e o conhecimento distinto é, finalmente, distinguido entre inadequado (inadaequata) e adequado (adaequata). A tabela abaixo resume os graus do conhecimento de Leibniz:

Imagem 1
– Graus do conhecimento de Leibniz

As distinções de Leibniz foram desenvolvidas com a intenção de chegar ao conhecimento claro-distinto-adequado, ou de revelar a natureza do conhecimento científico e filosófico. Diante disso, Coseriu argumenta que o saber linguístico é um ‘saber-fazer’, em outras palavras, saber falar uma língua é um saber que só se justifica de modo imediato, pois embora o falante saiba com precisão as palavras e estruturas que deve escolher para o propósito de um evento comunicativo ele raramente conhece as regras que regulam o funcionamento de uma língua ou porque funciona da forma que funciona, pois o falante não compreende uma língua como um sistema estruturado de signos com suas relações internas. Desse modo, Coseriu sustenta que a competência linguística, em vez de ser um saber reflexivo, é um saber intuitivo. A linguística, ao contrário, é um saber claro-distinto-adequado, que tem como objeto de reflexão o saber linguístico do falante. Conclui, portanto, que essa diferença fundamental entre o saber intuitivo do falante e o saber reflexivo do linguista autoriza a linguística a explicitar o saber linguístico do falante e formulá-lo em um grau mais profundo de reflexão.

2.2 O conteúdo da competência linguística: signos e operações

Após delinear a natureza da competência linguística e conceituá-la como um saber intuitivo que deve ser tornado reflexivo pelo linguista, Coseriu busca realçar o conteúdo desse saber, posicionando a questão sobre o que constitui uma língua. Mais uma vez, para abordar o problema do conteúdo da competência linguística, Coseriu estabelece um diálogo com Saussure e Chomsky, mostrando que o ponto de vista de Saussure destaca o saber linguístico como sendo, essencialmente, uma capacidade de relacionar uma determinada forma linguística ao seu significado, visto que ele concebe a langue como um sistema estático de formas e conteúdos com suas estruturas e paradigmas correspondentes. Chomsky, por outro lado, concebe a competência como um sistema de regras que opera dinamicamente para construir formas e estruturas linguísticas corretamente.

Em relação a esses pontos de vista distintos, Coseriu assume uma posição conciliadora que amplia o conteúdo da competência linguística, atestando que ela envolve tanto signos quanto operações. Essa postura permite que se aborde a análise linguística colocando o foco em formas e conteúdos ou em um sistema de regras. Com esse posicionamento teórico, Coseriu se coloca entre as posições de Saussure e Chomsky: “temos que sustentar que o conteúdo da competência linguística não pode ser reduzido simplesmente a signos ou operações, mas que existem ambas” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 279). Esse ponto de vista permite à investigação linguística abordar o conteúdo da competência linguística privilegiando o estudo de signos com suas formas e conteúdos ou como um sistema de regras que cria sentenças. Contudo, é preciso dar realce ao fato de que a dicotomia signos versus operações que Coseriu estabelece entre Saussure e Chomsky é bastante simplista e não parece refletir com precisão a verdadeira posição de nenhum dos dois linguistas.

Como será mostrado a seguir (Seção 2.3.3), Coseriu estabelece os três pontos de vista segundo os quais a linguagem pode ser considerada: como atividade, como saber e como produto. No entanto, a discussão que ele coloca a respeito da natureza, do conteúdo e da estrutura da competência linguística leva em consideração somente o ponto de vista da linguagem como saber . Trata-se, para Coseriu, de um saber tripartite, que ele distingue em três níveis: elocucional (universal), idiomático (histórico) e expressivo (individual).

Em suma, o conteúdo do saber elocucional “compreende tudo o que se aplica, em princípio, a todas as línguas, independentemente de sua respectiva estruturação linguística, ou seja, trata-se de uma série de princípios do pensamento e do conhecimento geral do mundo” ( COSERIU, 1985COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. , p. xxix). Desse modo, usando expressões como Os cinco continentes são quatro: Europa, Ásia e África ; ou The apostles were twelve ; Peter was an apostle, therefore Peter was twelve , Coseriu argumenta que elas não podem ser consideradas linguisticamente incorretas do ponto de vista de uma língua particular, pois não expressam desvios de “qualquer regra sintática ou semântica de uma determinada língua”, mas representam violação de “certos princípios de pensamento” ( COSERIU, 1985COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. , p. xxix). De igual modo, Coseriu afirma que enunciados como Esta árvore canta e Eu fervi o piano não devem ser analisados como desvios do ponto de vista de uma determinada língua, mas como construções condicionadas “exclusivamente por nosso conhecimento das coisas: em nosso mundo empírico, as árvores não cantam, nem fervemos pianos” ( COSERIU, 1985COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. , p. xxx). Desse modo, o falante ao ouvir tais enunciados buscará interpretá-los como coerentes antes de julgá-los como incoerentes, e esse julgamento que ele faz diante de tais sentenças revelam o saber elocucional que ele possui.

Quanto ao conteúdo do saber idiomático , Coseriu afirma que em todos os aspectos de uma determinada língua histórica (fonologia, sintaxe, léxico, semântica) o conteúdo do saber linguístico é representado por operações explicitados como regras e elementos que se combinam entre si. Para ilustrar isso no nível fonético, o falante de alemão conhece os procedimentos para a pronúncia aspirada dos sons /p/, /t/, /k/; o falante de francês sabe como realizar a pronúncia aspirada de /r/; e o falante de inglês conhece os procedimentos para a realização interdental vozeada e desvozeada de (th). Isso revela o conteúdo do saber idiomático no nível fonético, que é representado pelas formas de expressão e pelos procedimentos de articulação envolvidos na produção sonora. Pode-se perceber assim que “no nível fonético há as duas coisas, ou seja, formas de expressão que os falantes querem realizar e procedimentos para a sua realização” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 277).

Similarmente, pode-se perceber os procedimentos presentes no nível morfológico. Em relação aos procedimentos de formação de palavras, pode ser útil os exemplos que envolvem a sequência do inglês impact - impacting – ?impactful? – ??impactfully?? , que será discutida na próxima seção. Uma vez que o falante de inglês conhece tanto os signos linguísticos (unidades linguísticas) quanto os procedimentos de formação de palavras, embora a construção ??impactfully?? possa não existir na língua inglesa, o sufixo - fully será reconhecido como um procedimento para formar advérbios nessa língua. Esse procedimento revela um tipo de conhecimento que o falante tem sobre o mecanismo linguístico envolvido na formação das palavras.

Por fim, Coseriu considera a sintaxe como o setor de combinações por excelência. Assim, “se partirmos da sintaxe, ou seja, das combinações na frase, verificar-se-ão principalmente procedimentos. Se, por outro lado, o léxico for tomado como ponto de partida, serão verificadas mais combinações de unidades” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 279). No entanto, é importante destacar que o conhecimento que o falante tem das operações envolvidas na articulação sonora, na formação de palavras e na combinação de frases põe em destaque o seu saber intuitivo, o que significa que o ele, embora use a linguagem de forma consciente, raramente reflete sobre o funcionamento de tais procedimentos enquanto fala.

Em relação ao conteúdo do saber expressivo , terceiro nível do saber tripartite, que permite ao falante construir textos orais ou escritos de acordo com o contexto de uso da língua, ele diz respeito ao “saber dos procedimentos [de formação do texto] com suas normas inerentes” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 282) e opera com signos linguísticos de uma determinada tradição linguística histórica. Pode-se perceber como esse saber se manifesta através da forma como o falante distingue diferentes tipos de textos dentro dos diferentes procedimentos de formação de texto. Para Coseriu, o saber expressivo possibilita ao falante escolher os procedimentos adequados para iniciar ou continuar o discurso: “Se um determinado texto começa com um procedimento para a continuação do discurso, o falante o reconhecerá como um desvio e possivelmente reconstruirá para si o início ideal do texto. Assim, o desvio revela a norma do início do texto” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 282).

As conjunções e conectivos, segundo Coseriu, se destacam nesse processo como signos que operam no nível do discurso e revelam o saber expressivo do falante. De igual modo, formas fixas e cristalizadas como era uma vez ou equivalentes em outras línguas permitem ao falante acessar o conhecimento que possui de determinado tipo de texto e interpretá-lo como uma fábula ou outro tipo. De modo semelhante, algumas normas de produção de textos como as usadas em cumprimentos podem ser consideradas desvios se o falante não conhecer a forma historicamente adotada em uma comunidade de fala. Assim, se um falante não nativo profere o cumprimento francês Bon matin , tomando-o como um equivalente de Good morning do inglês, ele ignora a “fórmula de cumprimento na tradição linguística francesa” ( COSERIU, 1985COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. , p. xxx), embora Bon matin não seja um desvio ou agramatical em francês, mas exclusivamente neste contexto de produção de texto.

Exemplos como esses realçam os procedimentos e normas inerentes à produção de texto no nível individual do discurso, evidenciando o saber expressivo do falante. Como argumenta Coseriu (1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 284), o conhecimento que o falante possui sobre esses procedimentos é importante porque “as fórmulas e as unidades linguísticas são apenas indicativas das operações de referência”. Tal argumento reforça a posição do autor de que o conteúdo da competência linguística envolve necessariamente signos e operações.

2.3 A configuração da competência linguística: os níveis da linguagem

A distinção de Coseriu dos níveis da linguagem é central para sua teoria linguística e para a compreensão de como a competência linguística se estrutura. Apoiando-se no dictum de Humboldt de que a linguagem não é um “produto ( ergon ), mas uma atividade ( energeia )” ( HUMBOLDT, 1999HUMBOLDT, W. V. Humboldt on language: on the diversity of human language construction and its influence on the mental development of the human species. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. [1836], p. 49), Coseriu reformula e restabelece esse argumento afirmando que a linguagem não é essencialmente um produto (embora possa ser abstraída e estudada como tal), mas uma atividade criativa (uma atividade livre que cria signos e operações), que vai além de sua potência ou de sua historicidade (já que o aspecto criativo da linguagem possibilita a criação de novos signos que mantêm a língua em constante processo de criação). Coseriu considera essa distinção indispensável para a compreensão do que é a linguagem e como ela funciona: “não podemos entender a linguagem se a considerarmos apenas como atividade, apenas como saber, ou apenas como produto, ou se considerarmos esses pontos de vista como equivalentes” ( COSERIU, 1985COSERIU, E. Linguistic competence: what is it really? Modern Language Review , Cambridge, n.80, v.4, p.xxv-xxxv, 1985. , p. xxix). Logo, “a linguagem é uma atividade universal que é realizada por indivíduos particulares, como membros de comunidades históricas” ( COSERIU, 1979COSERIU, E. Sincronia, diacronia e história: o problema da mudança linguística. Tradução de Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença, 1979. , p. 43). Para Coseriu, a descrição completa de uma língua só será possível se esses três aspectos da mesma realidade que é a linguagem forem levados em consideração.

Em suma, no nível universal, a linguagem é vista como uma atividade criadora, o falar em geral, que envolve o saber falar uma língua (saber elocutivo) e tem como produto a totalidade dos enunciados. No nível individual, a linguagem como atividade é representada pelo discurso, o ato linguístico que um indivíduo enuncia em uma dada situação, envolvendo um saber expressivo (saber orientado para o discurso) e tendo o texto (falado ou escrito) como produto. No nível histórico, a linguagem como atividade é representada pela língua historicamente concreta (português, francês, inglês etc.), que envolve o saber tradicional de uma comunidade (saber idiomático). Nesse nível, a linguagem considerada como produto “só pode ser a língua abstrata, ou seja, a língua extraída da fala e objetivada em uma gramática ou em um dicionário” ( COSERIU, 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. , p. 93). O quadro a seguir, resume as posições de Coseriu sobre a estruturação geral da linguagem.

A matriz coseriana dos níveis da linguagem é amplamente conhecida na linguística e reconhecida por muitos como um produto da genialidade de Coseriu de teorizar sobre a linguagem. No entanto, o leitor habituado com a leitura de Saussure ao analisar o Quadro 1 acima poderá encontrar relações análogas entre as noções, respectivamente, de langage , langue e parole, tributárias ao linguista genebrino, e os níveis universal (falar em geral), histórico8 8 Como corretamente argumenta Jordan Zlatev (2011 , p. 129), a noção de língua histórica de Coseriu não é idêntica à concepção de langue de Saussure, uma vez que “não é um sistema unitário e monolítico” como era para Saussure. Como este artigo mostra a seguir, Coseriu opõe a língua histórica à língua funcional. A primeira nunca é um sistema linguístico único, mas um “diassistema”. O conceito de língua funcional talvez coincida com a concepção de langue de Saussure. (língua concreta particular) e individual (discurso), propostos por Coseriu. O fato a se observar é que o cerne dessas distinções antecede Saussure e pode ser encontrado em autores do século XIX como Gabelentz, Hegel e Humboldt, ou ainda, em algum aspecto, pode ser rastreado até Aristóteles. No entanto, nenhum desses eminentes estudiosos concebeu de forma tão complexa tais distinções como o fez Coseriu, de forma que em sua concepção a linguagem pode ser efetivamente considerada em três níveis e através de nove pontos de vista, todos eles oferecendo possibilidades reais de abordagem à linguagem, mas cuja autonomia dos níveis e dos pontos de vista é reconhecida pelo próprio Coseriu como teórica apenas, sendo inseparáveis na atividade do falar.

Frequentemente em seus escritos, Coseriu critica a linguística tradicional e moderna por ter se concentrado essencialmente no nível histórico da linguagem, o que faz dela uma linguística das línguas. Ao expressar essa crítica, ele advoga a favor de uma linguística do falar, uma teoria que concentraria seus esforços no estudo do falar, ou no que Coseriu chama de “técnica universal do falar”, estudo que, para ele, vai além dos fatos linguísticos, pois envolve conhecimento não linguístico, como o conhecimento de contextos e situações – conhecimento do mundo em geral9 9 A abordagem de Coseriu à linguagem é conhecida como linguística integracional. Percedendo a dificuldade dessa teoria de se integrar com outras teorias atuais, Jordan Zlatev (2011) critica a linguística integracional por, paradoxalmente, demorar a tentar integrá-la, o que pode ser uma das explicações para o desconhecimento generalizado da teoria de Coseriu na linguística contemporânea. . Consequentemente, Coseriu (1966)COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. introduz a distinção entre língua histórica e língua funcional . Para ele, uma língua histórica contém não apenas conhecimento linguístico, mas também extralinguístico (conhecimento do mundo exterior, sobre as coisas). Portanto, a língua histórica representaria um diassistema , que contém variedades diatópicas10 10 O prefixo grego ‘diá’ (através, entre) é usado na terminologia linguística para denotar a ideia de variedade ou heterogeneidade. Os termos diatópico (variedades geográficas) e diastrático (variedades sociais) foram introduzidos pelo linguista norueguês Leiv Flydal (1951) . Coseriu cunhou o termo diafásico para se referir a modalidades expressivas e variedades de estilos de fala ( COSERIU, 1966 , 1980 ). Para opor-se a esses três conceitos, Coseriu introduziu as terminologias sintópico , sintrástico e sinfásico para se referir ao objeto ideal da descrição linguística, ou seja, uma língua funcional com relativa homogeneidade. , diastráticas e diafásicas. Coseriu não indica de quem toma emprestado o termo diassistema. No entanto, é notório que esse termo foi cunhado em 1954 por Uriel Weinreich em seu agora famoso artigo “ Is a structural dialectology possible ?” para se referir a um “sistema de sistemas”. Como argumentou Weinreich (1954WEINREICH, U. Is a structural dialectology possible? Word , Philadelphia, v. 2, n.10, p.388-400, 1954. , p. 390), um “diassistema11 11 Weinreich, com esse trabalho, pretendia introduzir uma dialetologia que fosse capaz de lidar com a descrição estrutural dos dialetos. Diferentemente da prática dos linguistas de sua época, cuja posição era de que um sistema linguístico deveria ser estudado de forma independente, sem comparação com outros sistemas, Weinreich afirmava que a comparação entre dialetos buscando suas semelhanças e diferenças “poderia ser não apenas significativa, mas também reveladora” ( CHAMBERS; TRUDGILL, 1998 , p. 35). Apesar de alguns linguistas tentarem aplicar as reivindicações de Weinreich ao estudo de dialetos diferentes, logo argumentariam que essa noção não era satisfatoriamente adequada (para uma discussão mais aprofundada, ver CHAMBERS; TRUDGILL, 1998 ; TRUDGILL, 1974 ; PULGRAM, 1964 ; MOULTON, 1960 ) e, portanto, precisava de refinamentos. Como argumentam outros linguistas, a noção de regra variável de Labov fornece uma estrutura mais adequada para explicar as diferenças dialetais (a esse respeito, ver MORENO FERNÁNDEZ, 2016; CHAMBERS; TRUDGILL, 1998 ) e, portanto, substituiria a noção de diassistema de Weinreich nos estudos sociolinguísticos. Como Weinreich orientou as pesquisas de mestrado (1963) e doutorado (1966) de Labov, não é especulativo encontrar a influência de Weinreich ou mesmo uma criação conjunta do conceito de regra variável, que aparece posteriormente em Weinreich, Labov e Herzog (1968). pode ser construído pelo linguista a partir de quaisquer dois sistemas que tenham semelhanças parciais”.

Sobre os usos que Coseriu faz dos conceitos de diassistema, de Weinreich, e diatópico e diastrático, de Flydal, Völker (2009)VÖLKER, H. La linguistique variationnelle et laa perspective intralinguistique. Revue de linguistique romane , Nancy, n.289, p.27-76, 2009. argumenta que “Coseriu os retomou, unificou, modificou e, principalmente, promoveu os instrumentos terminológicos propostos por Flydal e Weinreich” ( VÖLKER, 2009VÖLKER, H. La linguistique variationnelle et laa perspective intralinguistique. Revue de linguistique romane , Nancy, n.289, p.27-76, 2009. , p. 32). No entanto, é importante destacar que embora Coseriu pudesse estar dialogando com o conceito de diassistema introduzido por Weinreich, ele não fez qualquer referência a esse autor ao discuti-lo. Pelo menos, não o fez em Coseriu (1966)COSERIU, E. La geografía lingüística. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República. Montevideo, n.14, p. 29-69, 1955. , o artigo a que Völker se refere, nem em outros trabalhos em que continua a teorizar sobre esse conceito, como Coseriu (1980)COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. . Por outro lado, Flydal é citado nesses dois textos e em outros.

De todo modo, Coseriu conceitua língua histórica como um diassistema e o abandona logo depois, ou utiliza-se desse conceito para contrastá-lo com o de língua funcional, conceito no qual concentraria sua teorização. Assim, para ele, ao contrário da língua histórica que não tem uma realização concreta, a língua funcional o tem, e por estar relacionada ao evento comunicativo, deve ser abordada como sendo de natureza sintópica , sintrástica e sinfásica . No entanto, o uso dessas terminologias para referir-se à natureza da língua funcional não traz consigo o pressuposto de que em um discurso o falante usará apenas uma língua funcional. Ao contrário, diferentes línguas funcionais podem intervir em um ato discursivo, mas o analista perceberá que em qualquer discurso haverá a predominância de uma determinada língua funcional: “é sempre uma língua funcional que está presente em todos os pontos do discurso” ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , p. 202).

Logo, para Coseriu, a língua funcional é o objeto próprio da descrição estrutural (ver COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. ), pois sua relativa homogeneidade facilita a investigação sobre a estrutura do saber linguístico . Essa posição teórica ecoa a afirmação de Chomsky (1965CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax . Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1965. , p. 3) sobre a necessidade científica de homogeneidade linguística do objeto da descrição linguística, o que o levou a introduzir o conceito de falante-ouvinte ideal . Coseriu discorda de Chomsky em um aspecto crucial, pois, para ele, Chomsky buscou identificar essa língua homogênea simplesmente como língua histórica. Por ser composta por várias línguas funcionais, uma língua histórica não poderia ser descrita como um “sistema linguístico com estrutura unitária e homogênea” ( COSERIU, 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. , p. 113).

Coseriu não ignora o fato de que cada falante conhece mais de uma língua funcional (ou variedades de uma mesma língua histórica) e pode se comunicar em diferentes dialetos, níveis e estilos. Reconhecia, assim, que “a língua funcional tem a desvantagem de nunca corresponder à totalidade do falar de um determinado sujeito falante” ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , p. 202). No entanto, se recusava a tomar a língua histórica como objeto da descrição linguística porque ela excede o saber linguístico que o falante possui, já que nenhum falante dispõe de todo o conhecimento que a língua histórica comporta: “uma língua histórica – e.g. ‘o francês’ – não pode ser realizada como tal no discurso: é sempre na forma de uma ou outra das muitas línguas funcionais que ela contém” ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , p. 202). Esse obstáculo no caminho do estudo do saber linguístico força Coseriu a propor uma abordagem conciliadora e complexa, que consiste no fato de que uma descrição linguística funcional-integral deverá “conciliar a exigência de homogeneidade da descrição estrutural com a exigência de corresponder ao conhecimento real de uma língua” ( COSERIU, 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. , p. 117).

A questão de como o saber linguístico está estruturado é o terceiro problema que Coseriu procura demonstrar em sua descrição da competência linguística. Novamente, ele argumenta que tal compreensão pode ser encontrada em sua distinção dos três níveis de estruturação da linguagem. Assim, o linguista deverá buscar a estrutura em sentido estrito, ou seja, as relações internas que organizam o saber linguístico, no nível do saber idiomático 12 12 Como explica Jordan Zlatev (2011 , p. 130), o que Coseriu chama de saber idiomático diz respeito à capacidade de o indivíduo ‘falar idiomaticamente’, isto é, de acordo com as regras estruturais da língua. , por meio da análise de uma língua funcional: “uma língua que idealiter é homogênea e corresponde a um único dialeto, um único nível e único estilo” ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 291). Por outro lado, Coseriu assinala que o pesquisador deve olhar para fora da estrutura da língua funcional para que perceba como o saber elocucional e o expressivo se condicionam externamente. O primeiro depende das leis do pensamento e do conhecimento das coisas; o segundo está relacionado com o propósito e às circunstâncias do ato comunicativo em um determinado momento.

A ideia de investigar uma língua funcional em busca de sua estrutura não pressupõe uma redução do saber linguístico a um corpo de conhecimento unitário e homogêneo. Como argumenta Coseriu, “a descrição estrutural não significa qualquer redução da língua histórica a um sistema único”, mas significa “que todas as oposições devem ser estabelecidas e descritas na língua funcional a que pertencem” ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , p. 202). Assim, a suposição de homogeneidade13COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. pode ser vista como um artifício de que o linguista lança mão em sua investigação da estrutura da língua, ou seja, das formas estáveis de suas relações internas.

Ainda considerando a linguagem como saber ( Quadro 1 ), um ponto de vista que a define como um saber intuitivo, composto de signos e operações e que se estrutura interna e externamente, Coseriu passa então a distinguir três estratos funcionais , ou três níveis de gramaticalidade , segundo os quais se poderia perceber como a língua funcional se estrutura: norma 14 14 Certamente, o conceito de norma é uma das contribuições mais celebradas e originais de Coseriu, e certamente figura muito central em sua reconfiguração da dicotomia langue e parole de Saussure. Em seu ensaio Sistema, norma y habla , Coseriu (1952) estabelece a norma como um elo entre a distinção saussuriana. Ao fazer isso, dizia mostrar sua insatisfação com a dicotomia de Saussure, mas certamente sua motivação para sua elaboração foram as distinções de Hjelmslev (1942) , schéma ( langue forme pure ), norme ( langue forme matérielle ) e usage ( l’ensemble des habitudes ). , sistema e tipo linguístico . A norma é uma dimensão hierarquicamente inferior de estruturação do saber idiomático, um corpo de realizações linguísticas compartilhado pela comunidade linguística. O sistema é hierarquicamente superior à norma, pois além de incluir o que se realiza linguisticamente também estabelece as condições para as possibilidades de realização linguística. Por último, o tipo linguístico é conceituado como a mais alta dimensão da estruturação da linguagem, visto como possibilidade para o sistema.

Para ilustrar a diferença entre norma e sistema, pode-se encontrar na palavra da língua inglesa impact 15 15 Este exemplo surgiu de uma conversa informal com minha amiga Dra. Marie Quinn, da University of Techonoly Sydney , enquanto falávamos sobre esses conceitos. Por isso, e por sua leitura antecipada da primeira versão deste artigo, originalmente escrito em inglês, sou-lhe grato. , e suas possíveis formas derivadas, um relato de como esses dois conceitos se relacionam. Por exemplo, questiona-se se a sequência impact - impacting – ?impactful? – ??impactfully?? – são formas da língua inglesa. As duas primeiras estão de fato bem estabelecidas na norma da língua inglesa. A forma ?impactful? , embora atestada no uso do inglês desde meados da década de 1960, tem sido rejeitada pela norma dessa língua e retratada como sendo de mau uso ou mesmo como palavra sem sentido. Por último, a forma ??impactfully?? certamente não pertence à norma da língua inglesa, ainda não foi estabelecida histórica ou socialmente, ou, pelo menos, não se encontra registrada em dicionários. No entanto, ambas as formas ?impactful? e ??impactfully?? existem no sistema da língua inglesa, pois são formas funcionalmente possíveis: – ful e – fully são sufixos reconhecidos nessa língua. Eles podem ser reconhecidos como pertencentes ao inglês e não a outro idioma, pois são construídos de acordo com as estruturas funcionais dessa língua.

Com efeito, segundo o arcabouço conceitual de Coseriu ( COSERIU, 1979COSERIU, E. Sincronia, diacronia e história: o problema da mudança linguística. Tradução de Carlos Alberto da Fonseca e Mário Ferreira. Rio de Janeiro: Presença, 1979. , p. 50), o sistema significa “sistema de possibilidades”, pois indica o que é possível e o que não é possível em conformidade com o aspecto criativo de uma língua. A norma, ao contrário, é um “sistema de realizações obrigatórias”, pois não tem a ver com “o que pode ser dito” em uma comunidade de fala, mas sim com “o que já foi dito” e tradicionalmente “se diz” na mesma comunidade de fala. Portanto, o sistema representa a dinamicidade de uma determinada língua e suas possibilidades de criação de novas palavras; a norma, inversamente, corresponde à fixação dos itens recém-criados na tradição de uma comunidade de fala.

O sistema se apresenta a nós como um sistema de possibilidades... admite infinitas realizações e exige apenas que as condições funcionais do instrumento linguístico não sejam afetadas; ao invés de imperativa, sua natureza é consultiva. O que, na realidade, se impõe ao indivíduo, limitando sua liberdade expressiva e comprimindo as possibilidades oferecidas pelo sistema dentro do quadro estabelecido pelas realizações tradicionais, é a norma: a norma é, com efeito, um sistema de realizações obrigatórias, de imposições culturais, e varia de acordo com a comunidade. ( COSERIU, 1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 294).

Em uma atualização de suas distinções sistema, norma e fala ( COSERIU, 1968COSERIU, E. Sincronía, diacronía y tipología. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA ROMÁNICAS, 11., 1965, Madrid. Actas […], Madrid: Facultad de Filosofía y Letras, 1968. p. 269-281. ), e a partir do conceito introduzido por Humboldt (1999HUMBOLDT, W. V. Humboldt on language: on the diversity of human language construction and its influence on the mental development of the human species. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. [1836]) de “forma característica”, um princípio estruturante de uma língua, e da ideia análoga de “tipo linguístico” desenvolvida a partir de Humboldt por Gabelentz, Coseriu posicionaria o conceito de tipo linguístico como a mais alta dimensão da estruturação da linguagem, que possibilita não apenas funções e oposições já existentes no sistema, mas tantas outras que poderão ou não formadas. Como ele já havia defendido ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. ), nessa dimensão se podem encontrar as classes de oposições e distinções lexicais próprias de uma língua. Exemplifica esse argumento afirmando que alguns tipos de línguas são mais “nome-estruturantes” da realidade, com relativamente poucos verbos, como é o caso do persa. Por outro lado, outras línguas são mais “verbo-estruturantes”, com muitos derivados baseados em verbos, como é o caso do grego antigo e do alemão.

Além disso, Coseriu (1968)COSERIU, E. Sincronía, diacronía y tipología. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA ROMÁNICAS, 11., 1965, Madrid. Actas […], Madrid: Facultad de Filosofía y Letras, 1968. p. 269-281. argumenta que diferentes partes do sistema das línguas românicas se configuram segundo os mesmos princípios e podem ser analisadas como pertencentes ao mesmo tipo linguístico. Por fim, afirma que “em princípio, o que é possível na norma já está dado no sistema; o que é possível no sistema já está dado no tipo linguístico” ( COSERIU, 1968COSERIU, E. Sincronía, diacronía y tipología. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA ROMÁNICAS, 11., 1965, Madrid. Actas […], Madrid: Facultad de Filosofía y Letras, 1968. p. 269-281. , p. 280). Norma, sistema e tipo de linguístico são, então, para Coseriu, três dimensões funcionais da linguagem, que operam conjuntamente no processo de estruturação de uma língua, configurando o saber linguístico do falante e possibilitando o exercício da linguagem. Jordan Zlatev (2011)ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. , um linguista cognitivo contemporâneo e que recentemente entrou em contato com a teoria de Coseriu, faz a seguinte declaração a respeito da matriz coseriana de estruturação da linguagem:

[…] essa concepção dos três níveis de significado (linguístico) é ampla o suficiente para incluir as múltiplas perspectivas e níveis do fenômeno, enquanto a maioria dos teóricos normalmente se concentra em um em detrimento de outros … Tais observações mostram que o quadro teórico de Coseriu não representa apenas uma taxonomia de perspectivas/níveis de linguagem, mas pode ser usado para explicar como estas se inter-relacionam . ( ZLATEV, 2011ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. , p. 131).

Em suma, pode-se dizer que o conhecimento que o falante tem de sua língua, definido como competência linguística, é um tipo de conhecimento altamente complexo. É ao mesmo tempo uma atividade criativa que opera constantemente e um produto da capacidade do ser humano de criar cultura. As distinções coserianas têm o mérito de separar o que nesse conhecimento pode ser considerado como universal, histórico ou individual: isto é, o que significa saber falar uma língua, o que é uma língua e o que é uma circunstância ou ato linguístico. Com efeito, no uso da linguagem, o falante dispõe intuitivamente da natureza complexa desse conhecimento, que envolve signos e operações e se estruturam interna e externamente. Esse conhecimento possibilita ao falante não apenas falar e compreender, mas exercitar sua criatividade, para que possa ir além dos usos já previstos e formular outros, mantendo o mecanismo linguístico em constante desenvolvimento. Como afirma Coseriu (1992COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , p. 305), “toda língua é uma técnica aberta ou dinâmica”.

Em lugar de uma conclusão: o ostracismo das teorias de Coseriu no âmbito da linguística geral

Este artigo delineou brevemente um capítulo particular da teoria linguística do século XX em que o linguista romeno Eugenio Coseriu desempenhou um papel importante na conceituação do objeto da linguística como o saber linguístico do falante. Em lugar de uma conclusão, trata da obscuridade das teorias de Coseriu no âmbito da linguística geral e discute se esse ostracismo se deve a uma espécie de boicote acadêmico-ideológico, barreiras linguísticas, erros estratégicos ou alguma combinação destes.

Como mostrado acima, desde seus primeiros escritos ( COSERIU, 1955COSERIU, E. La geografía lingüística. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República. Montevideo, n.14, p. 29-69, 1955. ), Coseriu, ainda um jovem estudioso romeno com robusta formação linguística e filosófica, tinha uma posição firme sobre o que ele considerava ser o objeto da linguística e como se deveria proceder a sua investigação. Em vez de apoiar o postulado saussuriano de que se deve tomar a langue “como norma de todas as outras manifestações da linguagem” ( SAUSSURE, 1959SAUSSURE, F. Course in general linguistics . Translated by W. Baskin. New York: Philosophical Library, 1959. , p. 9), Coseriu propôs uma mudança de perspectiva que consistiu em inverter o ponto de vista de Saussure ao estabelecer o falar “como norma de todas as outras manifestações da linguagem” ( COSERIU, 1955COSERIU, E. La geografía lingüística. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República. Montevideo, n.14, p. 29-69, 1955. , p. 32).

Com efeito, fica claro, desde o início, que Coseriu tinha uma evidente intenção de se destacar como autor de modelos teórico-linguísticos. Kabatek (2017)KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. refere-se ao “tempo glorioso em Montevidéu” como um período em que Coseriu trouxe à luz textos marcantes como Sistema, norma y habla (1952), Forma y sustancia en los sonidos del lenguaje (1954), Determinación y entorno (1955-1956), La geografía lingüística (1955) e Sincronía, diacronía y historia (1958). Destes, principalmente Coseriu (1952)COSERIU, E. Sistema, norma y habla. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República . Montevideo, n.9, p. 113-181, 1952. , (1955-1956) e (1958) foram os responsáveis por tornar o nome de Coseriu conhecido nos círculos linguísticos de todo o mundo e por delinear o que se pode chamar de concepção coseriana de linguagem. Todos esses textos foram originalmente escritos em espanhol, o que pode, apesar da relevância de suas reflexões sobre a linguagem, ter causado uma recepção desigual na linguística geral.

Alguns colaboradores de Coseriu ( LOUREDA-LAMAS, 2007LOUREDA LAMAS, O. Entrevista con Óscar Loureda Lamas, por Eugenia Bojoga. Revista electrónica de estudios filológicos , Murcia, n.14, dez. 2007. Disponível em: http://www.um.es/tonosdigital/znum14/secciones/entrevistas-%20loureda.htm. Acesso em: 18 jun. 2019.
http://www.um.es/tonosdigital/znum14/sec...
; KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. ) sugerem que o impacto desigual de sua teorização na linguística contemporânea se deveu ao fato de Coseriu ter eleito o espanhol para a difusão de suas teorias. Em seu produtivo período no Uruguai (1950-1963), durante o qual formulou as bases de seu empreendimento teórico – temas que continuaria desenvolvendo durante sua longa trajetória acadêmica na Alemanha – seus principais textos foram publicados em espanhol.

O próprio Coseriu, ao apresentar um artigo em inglês (UCLA Conference on Causality and Linguistic Change , Los Angeles, maio de 1982) queixa-se do fato de que sua teoria sobre a mudança linguística delineada em seu artigo Sincronía, diacronía e historia (1958) “nem sempre foi compreendida, por causa do ‘ Hispanicum est, non legitur (É espanhol, não será lido)’” ( COSERIU, 1988COSERIU, E. Linguistic change does not exist. In: ALBRECHT, J.; LUDKE, J.; THUN, H. (ed.). Energeia und Ergon: sprachliche variation, sprachgeschichte, sprachtypologie. Studia in honorem Eugenio Coseriu. Tubingen: Gunter Narr, 1988. p. 147-157. , p. 147). Coseriu acrescenta que a ignorância que cerca sua teoria também pode ter a ver com “a estranheza” com que sua formação era vista “no espírito da época, especialmente no mundo de língua inglesa”. Provavelmente, esta última queixa diga respeito à sua formação humboldtiana em um contexto de efervescência das ideias de Saussure, pois argumenta no início de sua fala que “hoje, graças também a algumas noções de gramática gerativa e a um melhor conhecimento Humboldt, os tempos são muito melhores, então espero não os surpreender com uma concepção completamente heterodoxa” (COSERIU, 1982, p. 147).

Além disso, Kabatek (2017)KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. aponta outras circunstâncias que poderiam explicar o ostracismo que envolve a teoria de Coseriu. Uma delas é que Coseriu se recusou deliberadamente a fazer parte de alguns círculos como, por exemplo, o do campo emergente da pragmática, pois acreditava que “o que a pragmática descreve já havia sido delineado de forma mais coerente e mais clara em Determinación y entorno ” ( KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , p. 29). Por isso, Coseriu se queixaria de que os pesquisadores envolvidos com a pragmática ignoravam seus trabalhos sobre o assunto. Ademais, as críticas de Coseriu “à gramática gerativa e, posteriormente, à linguística cognitiva” revelam sua estratégia, que consistia em insistir “em suas próprias ideias para a criação de uma poderosa escola de pensamento ante as demais” ( KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , p. 29). Assim, conforme Kabatek, fora do círculo coseriano estritamente romanista suas ideias circulariam com certas restrições.

Outra circunstância que pode explicar o ostracismo de Coseriu envolve uma espécie de boicote ideológico a sua obra, pelo menos no âmbito da pragmática, campo de estudo historicamente datado do final da década de 1960 e início da década de 1970, período marcado pelos protestos estudantis de 1968 em diversas partes do mundo. Segundo Kabatek (2017)KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , Coseriu se opôs abertamente a esses protestos devido a sua reputação conservadora ou de direita, fato que “levou a uma rejeição de sua obra por amplos setores dos germanistas que defendiam as ideias de 1968” ( KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , p. 30). Desse modo, conforme realça Kabatek, coube a Brigitte Schlieben-Lange [1943-2000], uma das alunas mais independentes de Coseriu, “filha progressista de 1968 [...] o mérito de abrir as portas às ideias coserianas também nos meios onde ele foi rejeitado” ( KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , p. 30).

Para além de circunstâncias externas, como as barreiras linguísticas e o boicote que afetaram o trabalho de Coseriu, há também uma reivindicação de que parte de suas teorias foram mal compreendidas. O próprio Coseriu reconhece que a complexidade envolvida, por exemplo, em uma de suas obras mais importantes ( Determinación y entorno , 1955) pode ser responsável por sua baixa receptividade pela comunidade linguística: “É um tratado completo condensado em um estudo. Tudo está tão comprimido que dificilmente pode ser compreendido” ( KABATEK, 2017KABATEK, J. Determinación y entorno: 60 años después. In: HASSLER, G.; STEHL, T. Kompetenz, Funktion, Variation / Competencia, Función, Variación . Frankfurt am Mein: Peter Lang, 2017. p.19-37. , p 23). Outro testemunho importante é dado por Esa Itkonen (1944-), linguista finlandês que participou de um curso de Coseriu sobre a história das línguas românicas em 1965 e por quem Coseriu tinha grande estima. Itkonen descreve um episódio ocorrido durante o 14º Congresso Internacional de Linguistas, em Berlim Oriental, em agosto de 1987. Durante o congresso, Coseriu o teria apresentado a sua comitiva dizendo que Itkonen era “uma das raras pessoas” que realmente compreendiam suas ideias (ITKONEN, 2011, p. 25). Essa afirmação é muito significativa, pois revela as queixas de Coseriu sobre a dificuldade de interpretação de suas teorias ou sobre sua interpretação equivocada.

À parte disso, mas ainda em relação à coerência interna da teoria de Coseriu, é evidente que, principalmente no que diz respeito a um dos temas principais deste artigo, a teoria da competência linguística, não se pode encontrá-la sistematicamente desenvolvida através dos artigos aleatórios que Coseriu publicou por mais de meio século. Não foi até 1988 que suas ideias foram consistentemente expostas como um todo com a publicação de Coseriu (1988COSERIU, E. Linguistic change does not exist. In: ALBRECHT, J.; LUDKE, J.; THUN, H. (ed.). Energeia und Ergon: sprachliche variation, sprachgeschichte, sprachtypologie. Studia in honorem Eugenio Coseriu. Tubingen: Gunter Narr, 1988. p. 147-157. [1992]). Enquanto Chomsky16 16 Jordan Zlatev (2011 , p. 132), um pesquisador de renomada reputação em linguística cognitiva e semiótica, e que recentemente “descobriu” a linguística integral de Coseriu, teoria que parte da matriz coseriana exposta no Quadro 1 acima, argumenta: “Mesmo que eu não tenha o privilégio de ler o tratamento mais abrangente que Coseriu deu a esses temas em seus livros (devido à barreira linguística), … é possível supor que a linguística não estaria em seu atual estado de fragmentação se, meio século atrás, tivesse seguido a liderança de pensadores como Coseriu em vez de outros como Chomsky”. Um ponto de vista divergente pode ser encontrado em Nick Riemer (2009) , que estabelece um importante debate com López-Serena (2009) , uma estudiosa de Coseriu. Nesse debate, Riemer (2009 , p. 657) argumenta que “as distinções entre ‘(1) linguagem em geral; (2) línguas particulares; e (3) língua como discurso individual’... ou aquela entre ‘o nível universal, o nível histórico, isto é, o nível das línguas de comunidades historicamente constituídas, e o nível individual: este ou aquele fragmento de língua’... estão também disponíveis no gerativismo, que simplesmente optou por fazer um conjunto diferente, embora sobreposto, de distinções”. , que tinha uma teoria sistemática e desde o início estava cercado por um grupo que tinha uma estratégia para o desenvolvimento da gramática gerativa (que incluía financiamento para pesquisas e divulgação através de congressos por toda parte do planeta), Coseriu estava confinado na Universidad de la Republica , com uma biblioteca que carecia de livros sobre linguística e onde foi o primeiro a criar um círculo linguístico buscando conectar linguistas sul-americanos do entorno.

À luz do exposto, pode-se argumentar que embora a obra de Coseriu tenha sido lida e debatida ao longo do tempo, ele não é reconhecido como um teórico de um novo modelo linguístico. Ao contrário, seu trabalho tem sido frequentemente lido como uma crítica ao estruturalismo clássico (sendo ele mesmo considerado um estruturalista devido a sua incursão pela semântica estrutural) e como uma introdução a teóricos como Humboldt, Saussure, Hjelmslev e Chomsky, e não como um teórico específico da linguagem ( ITKONEN, 2011ITKONEN, E. On Coseriu’s legacy. Energeia, Zürich, n. 3, p.1-29, 2011. ; ALTMAN, 2017ALTMAN, C. Eugenio Coseriu entre a Filologia e a Linguística Brasileira (1950-1963). Revista de la Academia Nacional de Letras , Montevideo, n. 13, p. 97-117, 2017. ). No entanto, nos últimos anos, após sua morte em 2002, tem havido um esforço crescente pela difusão de sua obra. Anualmente, tem ocorrido conferências em vários países como Peru, Alemanha, Itália, Espanha, Romênia, França e Uruguai para debater suas teorias e, eventualmente, posicioná-lo corretamente na história e filosofia da linguística.

Finalmente, convém citar a declaração solene do próprio Coseriu sobre a glossemática de Hjelmslev por ocasião da morte do linguista dinamarquês em 1965. Para Coseriu, os méritos da glossemática são muito superiores aos seus equívocos ( ITKONEN, 2011ITKONEN, E. On Coseriu’s legacy. Energeia, Zürich, n. 3, p.1-29, 2011. ). De igual modo, o leitor de Coseriu indubitavelmente dirá que apesar dos contratempos que sua teoria enfrentou ou das deficiências de que possa sofrer seu mérito é vastamente superior.

Agradecimentos

Sou grato ao Dr. Nick Riemer por sua considerável contribuição com este artigo (escrito originalmente em inglês) durante o período em que fui Professor Visitante na University of Sydney , Austrália, sob sua supervisão. Suas revisões detalhadas foram fundamentais para dar a este texto a forma e o conteúdo que ele apresenta. Os erros de interpretação que permanecem são meus. Também estou em dívida com a Dra. Marie Quinn ( The University of Technology Sydney ) pela leitura e discussão inicial deste estudo.

REFERÊNCIAS

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  • ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011.
  • 1
    O termo “competência” tem uma forte associação chomskyana, uma vez que emergiu como o objeto adequado do empreendimento gerativo. No entanto, como este artigo mostra, esse conceito não é uma criação da linguística do século XX, tendo suas raízes estabelecidas no conceito de Wilhelm von Humboldt (1999HUMBOLDT, W. V. Humboldt on language: on the diversity of human language construction and its influence on the mental development of the human species. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. [1836]) de “competência subjacente”. Coseriu, como fez Chomsky, estabelece uma análise da teoria de Humboldt, mas retorna a Aristóteles para distinguir a linguagem como atividade, saber e produto.
  • 2
    Com a publicação deste artigo, seu autor homenageia Coseriu e sua trajetória acadêmica na ocasião do centenário do seu nascimento (1921-2021).
  • 3
    As traduções para o português, neste artigo, de textos originalmente escritos em outras línguas, como espanhol, inglês, francês, italiano e latim foram feitas por seu autor.
  • 4
    Coseriu discute detalhadamente as distinções de Gabelentz e os possíveis usos que Saussure faz delas em “ Georg von der Gabelentz et la linguistique synchronique ” ( COSERIU, 1967COSERIU, E. Georg von der Gabelentz et la linguistique synchronique, Word , Philadelphia, v.23, n.1-3, p.74-100, 1967. ).
  • 5
    A ideia de ruptura epistemológica [rupture épistémologique] foi introduzida na filosofia da ciência por Gaston Bachelard (1884-1962) em seu célebre livro La Formation de l’esprit scientifique. Contribution à une psychanalyse de la connaissance objective (1938). Opondo-se ao positivismo de Augusto Comte e a sua visão da ciência como um desenvolvimento contínuo, Bachelard afirma que a história da ciência é uma história de descontinuidade. Claudine Normand (1970)NORMAND, C. Propositions et notes en vue d’une lecture de F. de Saussure. La Pensée, Paris, n. 154, p. 34-51, 1970. , uma das principais estudiosas de Saussure, tomou emprestado o termo de Bachelard ao fazer a seguinte pergunta: “estamos com Saussure diante de uma ‘ruptura epistemológica’, constitutiva de uma ciência, comparável ao exemplo geralmente mencionado do trabalho de Galileo?” ( NORMAND, 1970NORMAND, C. Propositions et notes en vue d’une lecture de F. de Saussure. La Pensée, Paris, n. 154, p. 34-51, 1970. , p. 35). A conclusão da autora é que essa ruptura emerge essencialmente entre o método dedutivo e o indutivo, uma vez que Saussure parte da análise empírica para delimitar as unidades linguísticas, fazendo com que essa escolha metodológica marcasse uma ruptura com a tradição linguística de seu tempo.
  • 6
    Saussure aqui, como em muitos outros aspectos de sua teoria da langue , parece seguir as declarações de William Dwight Whitney sobre o mecanismo linguístico. Embora, diferentemente de Saussure, Whitney dê destaque para o indivíduo como um agente atuante “no grande trabalho de perpetuar e de compartilhar a língua em geral”, ele argumenta que “o trabalho de cada indivíduo é feito de forma não premeditada, ou, por assim dizer, inconscientemente” (WHITNEY, 1971, p. 18).
  • 7
    Para Coseriu (1992)COSERIU, E. Competencia lingüística: elementos de la teoría del hablar. Tradução espanhola por Francisco Meno Blanco. Madrid: Editorial Gredos, 1992. , a ideia de que o conhecimento linguístico é um conhecimento intuitivo remonta a Benedetto Croce (1902), em sua obra “ Estetica come scienza dell’espressione e linguistica generale ”, na qual concebe a linguagem em geral como uma forma de conhecimento intuitivo. Essa ideia teria passado para Sapir (1921)SAPIR, E. Language: an introduction to the study of speech. Harcourt: Brace, 1921. , que tinha grande estima por Croce, e de Sapir para Chomsky.
  • 8
    Como corretamente argumenta Jordan Zlatev (2011ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. , p. 129), a noção de língua histórica de Coseriu não é idêntica à concepção de langue de Saussure, uma vez que “não é um sistema unitário e monolítico” como era para Saussure. Como este artigo mostra a seguir, Coseriu opõe a língua histórica à língua funcional. A primeira nunca é um sistema linguístico único, mas um “diassistema”. O conceito de língua funcional talvez coincida com a concepção de langue de Saussure.
  • 9
    A abordagem de Coseriu à linguagem é conhecida como linguística integracional. Percedendo a dificuldade dessa teoria de se integrar com outras teorias atuais, Jordan Zlatev (2011)ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. critica a linguística integracional por, paradoxalmente, demorar a tentar integrá-la, o que pode ser uma das explicações para o desconhecimento generalizado da teoria de Coseriu na linguística contemporânea.
  • 10
    O prefixo grego ‘diá’ (através, entre) é usado na terminologia linguística para denotar a ideia de variedade ou heterogeneidade. Os termos diatópico (variedades geográficas) e diastrático (variedades sociais) foram introduzidos pelo linguista norueguês Leiv Flydal (1951)FLYDAL, L. Remarques sur certains rapports entre le style et l’état de langue . Oslo: Norsk tidsskrift for sprogvidenskap, 1951. . Coseriu cunhou o termo diafásico para se referir a modalidades expressivas e variedades de estilos de fala ( COSERIU, 1966COSERIU, E. Structure lexicale et enseignement du vocabulaire. In: PREMIER COLLOQUE INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE APPLIQUÉE, 1966, Nancy. Actes […], Nancy: Faculté des lettres et des sciences humaines de l’Université de Nancy, 1966. p. 175-252. , 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral . Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. ). Para opor-se a esses três conceitos, Coseriu introduziu as terminologias sintópico , sintrástico e sinfásico para se referir ao objeto ideal da descrição linguística, ou seja, uma língua funcional com relativa homogeneidade.
  • 11
    Weinreich, com esse trabalho, pretendia introduzir uma dialetologia que fosse capaz de lidar com a descrição estrutural dos dialetos. Diferentemente da prática dos linguistas de sua época, cuja posição era de que um sistema linguístico deveria ser estudado de forma independente, sem comparação com outros sistemas, Weinreich afirmava que a comparação entre dialetos buscando suas semelhanças e diferenças “poderia ser não apenas significativa, mas também reveladora” ( CHAMBERS; TRUDGILL, 1998CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, P. Dialectology . Cambridge: Cambridge University Press, 1998. , p. 35). Apesar de alguns linguistas tentarem aplicar as reivindicações de Weinreich ao estudo de dialetos diferentes, logo argumentariam que essa noção não era satisfatoriamente adequada (para uma discussão mais aprofundada, ver CHAMBERS; TRUDGILL, 1998CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, P. Dialectology . Cambridge: Cambridge University Press, 1998. ; TRUDGILL, 1974TRUDGILL, P. The social differentiation of English in Norwich . Cambridge: Cambridge University Press, 1974. ; PULGRAM, 1964PULGRAM, E. Structural comparison, diasystems, and dialectology. Linguistics , Berlin, v. 2, n.4, p. 66-82, 1964. ; MOULTON, 1960MOULTON, W. G. The short vowel systems of Northern Switzerland: a study in structural dialectology. Word , Philadelphia, v. 16, n.2, p. 155-182, 1960. ) e, portanto, precisava de refinamentos. Como argumentam outros linguistas, a noção de regra variável de Labov fornece uma estrutura mais adequada para explicar as diferenças dialetais (a esse respeito, ver MORENO FERNÁNDEZ, 2016; CHAMBERS; TRUDGILL, 1998CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, P. Dialectology . Cambridge: Cambridge University Press, 1998. ) e, portanto, substituiria a noção de diassistema de Weinreich nos estudos sociolinguísticos. Como Weinreich orientou as pesquisas de mestrado (1963) e doutorado (1966) de Labov, não é especulativo encontrar a influência de Weinreich ou mesmo uma criação conjunta do conceito de regra variável, que aparece posteriormente em Weinreich, Labov e Herzog (1968).
  • 12
    Como explica Jordan Zlatev (2011ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. , p. 130), o que Coseriu chama de saber idiomático diz respeito à capacidade de o indivíduo ‘falar idiomaticamente’, isto é, de acordo com as regras estruturais da língua.
  • 13
    O conceito de langue de Saussure invoca uma ideia semelhante ao conceito de língua funcional de Coseriu, algo que se abstrai do saber elocucional e expressivo. Além disso, ao assumir a homogeneidade, a langue descarta as variedades que constituem uma língua histórica. Uma afirmação semelhante pode ser dita sobre a noção de competência de Chomsky, abstraída dos atos do desempenho.
  • 14
    Certamente, o conceito de norma é uma das contribuições mais celebradas e originais de Coseriu, e certamente figura muito central em sua reconfiguração da dicotomia langue e parole de Saussure. Em seu ensaio Sistema, norma y habla , Coseriu (1952)COSERIU, E. Sistema, norma y habla. Revista de la Facultad de Humanidades y Ciencias/Universidad de la República . Montevideo, n.9, p. 113-181, 1952. estabelece a norma como um elo entre a distinção saussuriana. Ao fazer isso, dizia mostrar sua insatisfação com a dicotomia de Saussure, mas certamente sua motivação para sua elaboração foram as distinções de Hjelmslev (1942)HJELMSLEV, L. Langue et parole. Cahiers Ferdinand de Saussure , Berne, n.2, p.29-44, 1942. , schéma ( langue forme pure ), norme ( langue forme matérielle ) e usage ( l’ensemble des habitudes ).
  • 15
    Este exemplo surgiu de uma conversa informal com minha amiga Dra. Marie Quinn, da University of Techonoly Sydney , enquanto falávamos sobre esses conceitos. Por isso, e por sua leitura antecipada da primeira versão deste artigo, originalmente escrito em inglês, sou-lhe grato.
  • 16
    Jordan Zlatev (2011ZLATEV, J. From Gognitive to Integral Linguistics and Back Again. Intellectica , Compiègne, v.2, n.56, p.125-147, 2011. , p. 132), um pesquisador de renomada reputação em linguística cognitiva e semiótica, e que recentemente “descobriu” a linguística integral de Coseriu, teoria que parte da matriz coseriana exposta no Quadro 1 acima, argumenta: “Mesmo que eu não tenha o privilégio de ler o tratamento mais abrangente que Coseriu deu a esses temas em seus livros (devido à barreira linguística), … é possível supor que a linguística não estaria em seu atual estado de fragmentação se, meio século atrás, tivesse seguido a liderança de pensadores como Coseriu em vez de outros como Chomsky”. Um ponto de vista divergente pode ser encontrado em Nick Riemer (2009)RIEMER, N. On not having read Itkonen: empiricism and intuitions in the generative data debate. Language Sciences , Oxford, v. 5, n. 31, p. 649-662, 2009. , que estabelece um importante debate com López-Serena (2009)LÓPEZ-SERENA, A. Intuition, acceptability and grammaticality: a reply to Riemer. Language Sciences , Oxford, v.5, n.31, p.634-648, 2009. , uma estudiosa de Coseriu. Nesse debate, Riemer (2009RIEMER, N. On not having read Itkonen: empiricism and intuitions in the generative data debate. Language Sciences , Oxford, v. 5, n. 31, p. 649-662, 2009. , p. 657) argumenta que “as distinções entre ‘(1) linguagem em geral; (2) línguas particulares; e (3) língua como discurso individual’... ou aquela entre ‘o nível universal, o nível histórico, isto é, o nível das línguas de comunidades historicamente constituídas, e o nível individual: este ou aquele fragmento de língua’... estão também disponíveis no gerativismo, que simplesmente optou por fazer um conjunto diferente, embora sobreposto, de distinções”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2022
  • Aceito
    7 Nov 2022
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