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Agência e contingência no acesso à terra e reprodução social camponesa no vale do rio Mearim, estado do Maranhão

Agency and contingency in land access and peasant social reproduction in the Mearim River Valley, Maranhão

Resumo

Neste artigo, examinamos as trajetórias familiares de três lideranças rurais no vale do Mearim, que ilustram as principais formas de acesso e ocupação da terra protagonizadas pelo campesinato maranhense nos últimos 150 anos. A análise dessas trajetórias tomadas como alegorias permite apresentar as contingências vividas por este campesinato que, a despeito das interações desfavoráveis na estrutura social e sob o aparato legal do Estado brasileiro, agencia sua reprodução social, fundada na permanência na terra. Nos três casos estudados, frente a essas contingências, os processos de ação coletiva e a articulação política protagonizados pelos entrevistados representam descontinuidades entre gerações, com consequências distintas para as respectivas trajetórias familiares. Em apenas um dos casos, são mantidos práticas e discursos que expandiram a base agrária do grupo familiar, em contraste com as aparentes estagnação e contração observadas nos demais casos. A análise aponta a relevância da relação da unidade familiar com o mercado formal de terras, assim como das relações sociopolíticas estabelecidas para além do parentesco, para a definição das possibilidades do campesinato no rural contemporâneo.

Palavras-chave
Ação coletiva; Histórias de vida; Relações de parentesco; Trajetórias familiares

Abstract

In this article, we examine the family trajectories of three rural leaders in the Mearim Valley, which illustrate the main forms of land access by Maranhão’s peasantry over the past 150 years. An analysis of these trajectories, captured as allegories, shows how the contingencies experienced by this peasantry, despite unfavorable interactions in the social structure and under the legal apparatus of the Brazilian State, manage different levels of agency to ensure their social reproduction while remaining on the land. In the three cases studied, the collective action processes and political articulation performed by the interviewees in response to these contingencies represent discontinuities between generations, with different consequences for family trajectories. In only one case, the practices and discourses that expanded the family group's agrarian base were maintained, in contrast to apparent stagnation and contraction observed in the other cases. The analysis indicates that the range of possibilities for contemporary rural peasants takes into account relevant interactions of the family unit with the formal land market, as well as socio-political relations established beyond kinship.

Keywords
Collective action; Life histories; Kinship relations; Family trajectories

INTRODUÇÃO

A relação entre contingências da ação humana e a concreta contenção desta por estruturas sociais é crítica para a manifestação da agência por grupos sociais específicos, especialmente aqueles em posição de subordinação. Neste artigo, contribuímos com uma análise sobre a manifestação contingenciada da agência de grupos sociais camponeses que se estabeleceram, na primeira metade do século 20, na porção média do vale do rio Mearim, no estado do Maranhão, um dos territórios com maior expressão do campesinato no Brasil. Como estratégia metodológica, tomamos como alegorias três trajetórias familiares, narradas por protagonistas que têm em comum a experiência do acesso à terra por meio de ações coletivas de resistência. Esses protagonistas evidenciam as descontinuidades entre gerações e os resultados distintos quanto à reprodução social do campesinato, com o qual se identificam.

A agência humana é um processo de engajamento social situado temporalmente, informado pelo passado, mas orientado para o futuro e o presente, por agentes com capacidade “prático-avaliadora” comum para identificar as contingências de dado momento ou situação (Emirbayer & Mische, 1998Emirbayer, M., & Mische, A. (1998). What is agency? American Journal of Sociology, 103(4), 962-1023. doi: https://doi.org/10.1086/231294
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, p. 962). Contingência, portanto, é a concepção qualificada que esses agentes continuamente elaboram, a partir das capacidades individuais socializadas que emergem de suas trajetórias de vida, sobre as contenções que as estruturas sociais lhes impõem. Contenções, nesse sentido, são os condicionantes concretos às decisões e ações, nas distintas e diversas situações da realidade social, que a estrutura institucionalizada da sociedade impõe a seus membros, através de convenções (Oakley, 2002Oakley, A. (2002). Reconstructing economic theory: the problem of human agency. Cheltenham: Edward Elgar.; Courvisanos, 2007Courvisanos, J. (2007). The ontology of innovation: human agency in the pursuit of novelty. History of Economics Review, 45(1), 41-59. doi: https://doi.org/10.1080/18386318.2007.11681236
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).

Destarte, os agentes balizam sua ação através das contingências que elaboram por meio de socialização, tanto modificando quanto sendo modificados pelas contenções e, ultimamente, pelas estruturas, participando, assim, da construção da realidade social.

Na perspectiva de abordagens analíticas orientadas pela prática, a realidade social é construída de forma dinâmica e interativa, a partir de práticas recorrentes em situações específicas, que tanto constroem estruturas sociais quanto, interativamente, são resultado destas mesmas estruturas (Giddens, 1984Giddens, A. (1984). The constitution of society: outline of the theory of structuration. Berkeley: University of California Press.; Rouse, 2007Rouse, J. (2007). Practice theory. In S. P. Turner & M. W. Risjord (Eds.), Philosophy of anthropology and sociology. Amsterdam: Elsevier. doi: https://doi.org/10.1016/B978-0-444-51542-1.X5000-4
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; Feldman & Orlikowski, 2011Feldman, M. S., & Orlikowski, W. J. (2011). Theorizing practice and practicing theory. Organization Science, 22(5), 1240-1253. doi: https://doi.org/10.1287/orsc.1100.0612
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). Estas abordagens, portanto, podem traduzir a noção de agência por meio das práticas que constroem a realidade social. Por sua vez, a noção de contingência seria a leitura que os agentes fazem da realidade social que os contêm, direcionando sua agência, isto é, o seu engajamento social, baseado no saber ou aprendizado compartilhado. Portanto, suas práticas são tanto causa como resultado das estruturas que sustentam a realidade social que os contêm.

Desde o final do século 19, observaram-se, no Médio Mearim, processos distintos de consolidação da posse camponesa, com diferentes estratégias de agência da unidade familiar, inseridas na ação coletiva e articulação política de grupos sociais. Esses processos, por sua vez, estavam contingenciados pelo dinâmico alinhamento de fatores de influência, operando em arenas políticas e econômicas mais amplas da estrutura social (Schmink & Wood, 2012Schmink, M., & Wood, C. H. (2012). Conflitos sociais e a formação da Amazônia. Belém: Editora da UFPA., p. 59). Uma vez que aspectos estruturais estabelecem condições para a ação, mas não a determinam (Blumer, 1962Blumer, H. (1962). Society as symbolic interaction. In A. M. Rose (Org.), Human behavior and social processes (pp. 91-100). Boston: Houghton Mifflin., p. 152), neste estudo, utilizamos a abordagem antropológica orientada pela prática (Rouse, 2007Rouse, J. (2007). Practice theory. In S. P. Turner & M. W. Risjord (Eds.), Philosophy of anthropology and sociology. Amsterdam: Elsevier. doi: https://doi.org/10.1016/B978-0-444-51542-1.X5000-4
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; Ortner, 2011Ortner, S. B. (2011). Teoria na antropologia desde os anos 60. Mana, 17(2), 419-466.) para examinarmos instâncias de acesso à terra nas quais se observa a centralidade das relações entre membros do grupo familiar extenso (Moura, 1978Moura, M. M. (1978). Os herdeiros da terra: parentesco e herança numa área rural. São Paulo: Hucitec.; Heredia, 1979Heredia, B. M. A. (1979). A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra.; Brandão & Ramalho, 1986Brandão, C. R., & Ramalho, J. R. (1986). Campesinato goiano. Goiânia: UFG.; Woortmann, 1990Woortmann, K. (1990). Migração, família e campesinato. Revista Brasileira de Estudos da População, 7(1), 35-53.; Harris, 2000Harris, M. (2000). Life on the Amazon. The Anthropology of a Brazilian peasant village. Oxford: Oxford University Press, The British Academy.). Ao constatar a centralidade dessas relações, identificamos também seu caráter de condicionante essencial para a reprodução social do campesinato no Médio Mearim.

Apesar da reconceituação proposta por Kearney (1996)Kearney, M. (1996). Reconceptualizing the peasantry: anthropology in global perspective. Boulder: Westview Press.1 1 O autor defendeu o desmantelamento de oposições binárias naquele momento histórico transnacional, pós-desenvolvimentista e globalizado, e enfatizou a dissolução de dicotomias entre rural/urbano, desenvolvido/subdesenvolvido e camponês/não camponês (Kearney, 1996, p. 120). ter relativizado conceitos fundados numa intrínseca conexão do camponês com o espaço rural, nosso estudo evidencia que a perspectiva de acessar produtivamente a terra e nela estabelecer sua unidade familiar, inserindo-a num grupo social, permanece estratégica ao campesinato do Médio Mearim. Essa conexão não é fortuita: assim como não se aplica a qualquer espaço rural, mas a uma ‘terra sem dono’, a forma como se dá a apropriação da terra também não depende necessariamente de compra e nem se baseia em qualquer trabalho, mas no ‘trabalho sem patrão’. É para garantir essa autonomia relativa que o campesinato busca a reprodução social2 2 Bourdieu (2007, p. 122) define reprodução social como o conjunto de práticas pelas quais “os indivíduos ou as famílias tendem, inconsciente e conscientemente, a conservar ou aumentar seu patrimônio e a manter ou melhorar sua posição na estrutura da relação de classes”. , por meio da consolidação de um patrimônio fundiário que viabilize a permanência e o projeto de vida de gerações futuras (Wanderley, 1999Wanderley, M. N. B. (1999). Raízes históricas do campesinato brasileiro. In J. C. Tedesco (Ed.), Agricultura familiar: realidades e perspectivas (pp. 21-55). Passo Fundo: EDIUPF., p. 4).

Na atualidade, a intensificação de novas possibilidades de consumo, principalmente no âmbito urbano, tem atraído os jovens camponeses, excluídos de ações de infraestrutura e por políticas públicas que desconsideram o espaço rural (Ferrari et al., 2004Ferrari, D. L., Abramovay, R., Silvestro, M. L., Mello, M. A., & Testa, V. M. (2004). Dilemas e estratégias dos jovens rurais: ficar ou partir? Estudos Sociedade e Agricultura, 12(2), 237-271.). A esta exclusão se soma a crescente influência de novas referências e valores culturais veiculados por tecnologias de informação cada vez mais presentes, mesmo no campo (Redin et al., 2013Redin, E., Silveira, P. R. C., Guimarães, G. M., & Santos, V. F. (2013). Juventude rural e novas formas de sociabilidade mediadas pelas TICS. Signos do Consumo, 5(2), 225-244. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v5i2p225-244
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, p. 228). Contudo, a consciência das barreiras para a efetiva ascensão social no meio urbano, combinada com práticas vivenciadas na relação com a terra, ainda posiciona a alternativa fundiária como mais acessível aos que aspiram consolidar a condição social do grupo via estabilidade na terra (Souza, 2017Souza, A. F. (2017). De geração em geração, famílias na luta por um pedaço de chão: estratégias de reprodução social camponesa no Vale do Juari, TO (Tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.). Além disso, um olhar antropologicamente disciplinado poderia interpretar o deslocamento de número alto (em termos absolutos) de jovens, como uma demonstração empírica do vigor da agência contingenciada do povoado camponês. Dadas as contingências percebidas enquanto grupo de comunicação fundamentalmente ágrafa, socialização interfamiliar estreita e tecnologia produtiva baseada em agricultura de corte-e-queima e pousio, a mobilidade do segmento jovem pode ser interpretada como agência para garantia da densidade demográfica adequada ao grupo social com estabilidade na terra. Uma boa leitura das contenções associadas à estrutura social, econômica e ambiental permitiria eficiente concepção da realidade social possível em um povoado camponês.

Se, por um lado, essa estabilidade representa um lastro para o acesso a direitos fundamentais, por outro lado, a consolidação da posse agrária oportuniza o surgimento de novas formas de inserção social para os camponeses (Neves, 1999Neves, D. P. (1999). Assentamento rural: confluência de formas de inserção social. Estudos Sociedade e Agricultura, 13, 5-28.; Piccin, 2012Piccin, M. B. (2012). Assentamentos rurais e geração de renda: posição social restringida, recursos socioculturais e mercados. Economia e Sociedade, 21(1), 115-141.), inclusive os jovens que permanecem (Castro, 2009Castro, E. G. (2009). Juventude rural no Brasil: processos de exclusão e a construção de um ator político. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 7(1), 179-208.). Tal sinergia expande a noção referida como pluriatividade no campo3 3 Para Schneider (2003, pp. 100-101), pluriatividade é a forma de organização do trabalho em que indivíduos de famílias com mesmo domicílio rural se dedicam a atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas ao cultivo da terra, cada vez menos executadas no estabelecimento rural. , alcançando domínios de atuação cada vez mais frequentes na reconfiguração de um campesinato que busca se revitalizar e fortalecer enquanto categoria social e de ação política (Marques, 2008Marques, M. I. M. (2008). Agricultura e campesinato no mundo e no Brasil: um renovado desafio à reflexão teórica. In E. T. Paulino & J. E. Fabrini (Orgs.), Campesinato e territórios em disputa (pp. 49-78). São Paulo: Expressão Popular.; Souza, 2017Souza, A. F. (2017). De geração em geração, famílias na luta por um pedaço de chão: estratégias de reprodução social camponesa no Vale do Juari, TO (Tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil., p. 18). Entre estes domínios de atuação e formas de inserção social, não devem ser apenas consideradas estratégias produtivas derivadas da reestruturação capitalista (Schneider, 2003Schneider, S. (2003). Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 99-122. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092003000100008
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, p. 105) e que tendem a sinalizar para a desagregação da agricultura camponesa (Wanderley, 1999Wanderley, M. N. B. (1999). Raízes históricas do campesinato brasileiro. In J. C. Tedesco (Ed.), Agricultura familiar: realidades e perspectivas (pp. 21-55). Passo Fundo: EDIUPF., p. 26). Antes, a compreensão de transformações no rural deve ser também pautada por análises das conexões entre sujeitos que agenciam a dinâmica de reprodução social, o que implica incorporar a complexidade de relações que definem e redefinem a família enquanto unidade social (M. J. Carneiro, 2000Carneiro, M. J. (2000). Política de desenvolvimento rural e o novo rural. In C. Campanhola & J. G. Silva (Orgs.), O novo rural brasileiro (Vol. 4, pp. 117-150). Jaguariúna: EMBRAPA Meio Ambiente.).

É fato que o ideal camponês de acesso à terra esbarra em estruturas sociopolíticas que buscam definir o espaço rural brasileiro segundo um modelo próprio de desenvolvimento do capital. Tal acesso tem sido crescentemente regulado por relações de poder características de uma economia de mercado, que se expressam sob diversas formas, de acordo com localidade e contexto específicos. No Maranhão, estado com o maior índice de população rural no Brasil, frequentes foram situações de expropriação, violência e expulsão de famílias camponesas de seus territórios (M. S. Carneiro, 2013Carneiro, M. S. (2013). Terra, trabalho e poder: conflitos e lutas sociais no Maranhão contemporâneo. São Paulo: Annablume.), expressando o capitalismo autoritário, cunhado por Velho (1976)Velho, O. G. (1976). Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento. São Paulo: Difel..

A partir das últimas décadas do século 20, no entanto, a mobilização social amplia possibilidades de acesso à terra pela ação política4 4 Contudo, especialmente a partir de 2017, tal tendência apresenta intensa guinada em desfavor a esse campesinato, cuja tradição se funda no uso comum da terra e de outros recursos naturais, concretizada na legislação (Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017). . Se, por um lado, estas possibilidades acirram a polarização, a princípio entre ruralistas e camponeses, essa via também oportuniza o protagonismo do campesinato através de processos de territorialização que expressam novas formas de existência coletiva, contribuindo para fortalecer o modo de vida camponês (A. Almeida, 2004Almeida, A. W. B. (2004). Terras tradicionalmente ocupadas. Processos de territorialização e movimentos sociais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 6(1), 9-32. doi: https://doi.org/10.22296/2317-1529.2004v6n1p9
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).

Assim, neste estudo, questionamos abordagens que, para a compreensão da realidade agrária brasileira nestas últimas décadas, priorizam desproporcionalmente efeitos da estrutura social, em modelos de desenvolvimento rural pautados na modernização da agricultura sob a hegemonia do capital (Silva, 1997Silva, J. F. G. (1997). O novo rural brasileiro. Nova Economia, 7(1), 43-81.; Abramovay, 2012Abramovay, R. (2012). Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Edusp.; Navarro, 2016Navarro, Z. (2016). O mundo rural no novo século (Um ensaio de interpretação). In J. E. R. Vieira Filho, J. G. Gasques & A. X. Y. D. Carvalho (Orgs.), Agricultura, transformação produtiva e sustentabilidade (pp. 25-63). Brasília: IPEA.). Acrescentando ao proposto por Mattei (2007)Mattei, L. (2007). A relevância da família como unidade de análise nos estudos sobre pluriatividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 45(4), 1055-1073. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-20032007000400011
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, argumentamos ser necessário considerar estratégias, via de regra, agenciadas por membros específicos de grupos familiares extensos camponeses5 5 Adotamos o conceito de grupo familiar camponês extenso (Camargo, 1976) para designar a categoria que abarca ascendentes, descendentes e colaterais dos sujeitos da pesquisa, definidos, sobretudo, porém não exclusivamente, por relações de parentesco, e cujo local de residência não necessariamente coincide com o do sujeito. Este conceito, designado cluster por Harris (2000) em seu estudo na várzea amazônica, se aproxima à categoria êmica de família em seu sentido mais largo, muito comum no vale do Mearim. Optamos pela designação para diferenciá-la da família extensa, quando referida a situações em que o grupo doméstico (unidade residencial e de consumo) é formado pela família nuclear acrescida de aparentados. Para uma perspectiva mais ampla sobre os significados de família no meio rural brasileiro, ver M. Almeida (1986). , para compreender decisões sobre acesso e permanência destes na terra, sob as contingências contemporâneas.

Esta análise tem como base empírica a pesquisa sobre as trajetórias de vida de três lideranças rurais6 6 Agentes no processo de politização e engajamento de trabalhadores rurais não assalariados que, sobretudo a partir da década de 1980, atuam na mobilização para resistência à expropriação, pela reforma agrária e políticas em prol da reprodução social camponesa (Favareto, 2006, p. 32; Novaes, 1987). que, a partir da década de 1980, se destacaram pelo protagonismo aglutinador e resultados além do nível local. Por um lado, estes agentes reafirmam, com suas ações, o acesso à terra como fundamental para a reprodução social de seu grupo familiar e comunitário. Por outro lado, a análise da relação de outros membros de seus grupos familiares com a terra indica a conjugação de diversas e múltiplas estratégias de inserção econômica, social e política. Como veremos, essa diversidade de estratégias implica resultados não lineares, derivados da reflexividade social7 7 Conceito apresentado na teoria de estruturação de Giddens (1984), ao se referir a múltiplas fontes de informação e conhecimento, e à necessidade de refletir sobre as condições estruturais da vida para formular e seguir procedimentos de ação. e da contingência de transformações, sobre as quais nem sempre a unidade familiar tem controle, conferindo-lhe agência única.

POSSE E DIREITO CAMPONÊS NA OCUPAÇÃO DO MÉDIO MEARIM

O Médio Mearim tem sido território no qual se expressam dimensões variadas de consolidação do povoamento camponês ao longo dos últimos 150 anos. Trajetórias de acesso à terra, iniciadas seja pela ascendência escrava que trabalhava em fazendas, já bastante desestruturadas na época da chamada abolição, ou por migrantes nordestinos em busca das denominadas ‘terras livres’ (Andrade & M. Santos, 2019Andrade, M. D. P., & Santos, M. (2019). Fronteiras: a expansão camponesa na pré-Amazônia maranhense. São Luís: EDUFMA.), ambos interagindo com a tradição indígena local, servem para verificação e análise de aspectos relevantes do debate teórico nas ciências sociais sobre os institutos da posse e do localmente chamado ‘direito’8 8 Leonarda Musumeci (1988, p. 65) destaca a centralidade deste termo no discurso camponês no vale do Mearim, para designar os domínios familiares de apropriação da terra, incluindo-se a extensão e a antiguidade da posse, e o objeto das transações mercantis a esta relacionadas. , na terminologia do campesinato do Médio Mearim. Perspectivas do debate acadêmico relativizam (Velho, 1972Velho, O. G. (1972). Frentes de expansão e estrutura agrária. Rio de Janeiro: Zahar.; Musumeci, 1988Musumeci, L. (1988). O mito da terra liberta: colonização espontânea, campesinato e patronagem na Amazônia Oriental. São Paulo: Vértice.) ou reafirmam (Martins, 2009Martins, J. S. (2009). Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Contexto.) a existência de um código próprio, na lógica camponesa, para o acesso e a apropriação da terra, em oposição ao sistema dominante que caracteriza a propriedade capitalista. O debate é centrado em diferentes interpretações quanto ao direito gerado pelo trabalho na terra de posse, no âmbito do processo de ocupação ‘espontânea’ de áreas devolutas, que ocorre à margem das normas legais de acesso à propriedade.

Posse e direito camponês são, de fato, conceitos fundamentais em nossa análise. O significado da venda do ‘direito’ é associado tão somente ao trabalho já exercido, no qual o pagamento recebido refere-se ao valor do trabalho dispendido naquela terra, mas não ao valor da terra em si. Já o termo ‘posse’ como ‘um direito que se vende e se compra’ era referido à própria terra e às benfeitorias realizadas, ainda que não legitimado formalmente. Mesmo nas situações em que a terra diferia da mercadoria passível de contrato formal, o ‘amansar’9 9 Verifica-se, portanto, a incorporação, pelo campesinato, de instituto adotado por grandes proprietários que, como apresentado por Bezerra (2018, p. 71), ao analisar a ocupação camponesa no sul do Maranhão, concediam-lhe o cultivo de roças em terras florestadas, sem pagamento de renda, para que estes “amansassem” suas terras. a terra garantiria ao posseiro direitos fundados numa relação em que a terra deixa de ser mero objeto (do trabalho), e passa a ser sujeito. A ‘posse’ implica o tempo necessário para que, a partir de um assentamento permanente, se adquira o conhecimento sobre e naquela terra, ‘sujeitando-a’, por meio de ações consideradas como evidências de um relacionamento mais íntimo, estabelecido pelo trabalho não eventual10 10 Mota (2008) destaca o uso, desde o período de apropriação das terras por colonizadores brancos/cristãos no continente americano, de noções estereotipadas e até preceitos bíblicos, como ‘sujeitar a terra’, atribuindo-lhe visões de paisagens exóticas e, sobretudo, negando a alteridade dos habitantes originários destas terras novas. , quando localidades e árvores passam a ser associadas a histórias e nomes próprios.

Após a abolição do comércio de escravos (1850) e da escravidão oficial (1888), fazendas falidas de algodão e cana-de-açúcar nas áreas de ocupação antiga no Maranhão deram origem a um mosaico de unidades autônomas de produção familiar baseadas na cooperação e no uso comum de recursos. Por meio de doação, venda ou mediação de governos locais, direitos sobre a terra foram transferidos de fazendeiros falidos para ex-escravos ou seus descendentes (como analisado por Soares, 1981Soares, L. E. (1981). Campesinato, ideologia e política. Rio de Janeiro: Zahar.). Em fazendas melhor estruturadas, contratos de parceria substituíram o trabalho escravo. O acúmulo econômico dos detentores das fazendas passou a ser provido pelo arrendamento da terra, utilização da mão de obra de parceiros e, sobretudo, pela comercialização da produção obtida como renda da terra (Musumeci, 1988Musumeci, L. (1988). O mito da terra liberta: colonização espontânea, campesinato e patronagem na Amazônia Oriental. São Paulo: Vértice.). Fazendeiros passaram a ter na atividade mercantil relevante fonte de acumulação de capital, enquanto a diferenciação gradual entre posseiros originou intermediários locais que não permitiam acumulação de excedentes para a maioria dos camponeses, por meio do sistema de aviamento e da modalidade de venda do arroz designada como ‘na palha’, a preços aviltantes.

Simultaneamente, a partir do último quartel do século 19, as já debilitadas fazendas do Nordeste, afetadas por secas periódicas, não conseguiam manter imobilizadas suas reservas de mão de obra, e migrações passaram a ocorrer, tanto para cidades da região, para o Centro-Sul, como para a Amazônia. Na primeira metade do século 20, intensificou-se a migração forçada, sobretudo ao Maranhão, e a chegada da ‘frente nordestina’ introduziu padrões culturais distintos na região (Valverde, 1957Valverde, O. (1957). Geografia econômica e social do babaçu no Meio Norte. Revista Brasileira de Geografia, 19(4), 341-418.).

Tal afluência desmantelou o equilíbrio anterior, aumentando valores do arrendamento e a competitividade sobre terras ocupadas, o que estimulou a saída de parte do campesinato já estabelecido em busca de independência social e econômica (A. Almeida & Mourão, 1976Almeida, A. W. B, & Mourão, L. (1976). Questões agrárias no Maranhão contemporâneo. Pesquisa Antropológica, 9-10, 1-27.). Atraídos por uma fronteira ainda aberta, camponeses instalados em áreas de ocupação antiga negociaram direitos de posse com a elite agrária/comercial e se deslocaram para o oeste (Velho, 1972Velho, O. G. (1972). Frentes de expansão e estrutura agrária. Rio de Janeiro: Zahar.). Instalando-se na terra pelo sistema de ocupação baseado na oposição entre centro e beira11 11 De acordo com Velho (1976, p. 192), “. . . a oposição centro-beira sintetizava outras oposições através da qual a fronteira camponesa definia sua identidade ligada a uma expansão continental em contraste com uma expansão anterior predominantemente fluvial. Enquanto centro referia-se à noção de centro da floresta, próximo à natureza incontrolada, beira era compreendida como sendo o lugar onde se situavam os povoados maiores e mais antigos, o que se poderia referir como civilização [ênfases adicionadas]”. , estes camponeses da frente de expansão não necessariamente cobravam renda pelo uso da terra. A relação mediada pelo trabalho (Garcia Junior, 1983Garcia Junior, A. (1983). Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) tornava-se conveniente tanto para ‘assituantes’ pioneiros que demandavam mão de obra para expandir sua ocupação, quanto aos recém-chegados, que precisavam de apoio dos pioneiros para se estabelecerem.

Constatamos no Médio Mearim menções à prática de compra e venda de ‘direitos’, e investigamos a própria noção local de ‘direito’. Evidenciam-se narrativas, principalmente referidas a partir da segunda metade do século 20, sobre instâncias de equivalência entre a aquisição do direito de posse e a compra da terra. Na interpretação das trajetórias por nós analisadas, procuramos compreender de que maneira formulações camponesas associadas a ‘comprar um direito’ são vinculadas a concepções específicas de direito à terra pelo seu valor de uso. Nos casos estudados, vimos que tais concepções se ajustam e se expressam de forma a não colidir com o direito dominante, aproximando-se da noção de terra-mercadoria, reconhecida pela ordem capitalista. Verificamos os efeitos, por vezes perversos, desses ajustes e aproximações que encontram semelhanças à noção de ‘harmonia coercitiva’, proposta por Laura Nader (1990)Nader, L. (1990). Harmony ideology: justice and control in a Zapotec mountain village. Stanford: Stanford University Press.. Assim como a autora, que conceituou contingências análogas a uma forma de contra-hegemonia, embora a altos custos, ressaltamos a relevância da agência camponesa que, a despeito dessas contingências, garantiu a reprodução social de seu grupo até o presente.

De fato, desde 1850, o regime de posse como forma legítima de acesso à terra havia sido abortado no Brasil, com a promulgação da Lei de Terras, que “. . . proíbe aquisições de áreas devolutas por outro título que não seja a compra, e criminaliza os que se apossarem de terras devolutas ou alheias” (Germani, 2006Germani, G. I. (2006). Condições históricas e sociais que regulam o acesso a terra no espaço agrário brasileiro. GeoTextos, 2(2), 115-147. doi: http://dx.doi.org/10.9771/1984-5537geo.v2i2.3040
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, p. 134). Mais de um século após a promulgação desta lei, o então governador do Maranhão, José Sarney, sancionou, em 1969, a Lei Estadual de Terras, que, combinada a incentivos e subsídios gerados pelo regime militar, transformou as relações sociais de produção no estado (T. Santos & Borba, 2014Santos, T. R. M., & Borba, P. (2014). Leis de terras 1850 (Brasil) e 1969 (Maranhão) e suas consequências para povos e grupos sociais tradicionais: contextualizações, diferenças e semelhanças, uma perspectiva histórica. In Anais do Seminário: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente: Conflitos Ambientais, Mobilizações e Alternativas ao Desenvolvimento, Universidade Federal do Maranhão, São Luiz. Recuperado de http://www.gedmma.ufma.br/wp-content/uploads/2014/02/artigo-Tamires-Rosy-Mota-Santos-e-Poliana-III-SEDMMA.pdf
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). A legalização das propriedades se limitou, contudo, a produtores melhor informados e empreendedores, que, dotados de escrituras, passaram a se beneficiar de crédito e programas governamentais (Musumeci, 1988Musumeci, L. (1988). O mito da terra liberta: colonização espontânea, campesinato e patronagem na Amazônia Oriental. São Paulo: Vértice.).

A maioria das famílias camponesas não tinha nem a informação nem a oportunidade de demonstrar e requerer seus direitos de posse. Corporações, fazendeiros ou, até mesmo, os denominados “grileiros de dentro” (M. Santos, 1981Santos, M. (1981). Bandeiras verdes. In A. W. B. Almeida (Ed.), Transformações econômicas e sociais no campo maranhense (Vol. 4). São Luís: CPT., p. 34) se tornaram proprietários certificados em áreas extensas, frequentemente com povoados tradicionalmente consolidados em seu interior. A extração comercial deixou de ser fonte principal de acumulação para elites rurais, bem-sucedidas no lobby sobre formuladores de políticas. A formação de pastagens, que passou a predominar a partir da Lei de Terras de 1969, acentuou a concentração fundiária e a violência agrária, assim como pressionou as terras agrícolas remanescentes (A. Almeida, 1981Almeida, A. W. B. (1981). Transformações econômicas e sociais no campo maranhense. São Luís: Comissão Pastoral da Terra.). Restrições foram impostas para acesso a babaçuais contidos nas fazendas, e a erradicação de palmeiras de babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.), para evitar o extrativismo, tornou-se instrumento de expropriação, uma vez que parcela substancial dos meios de vida do campesinato maranhense deriva da venda de amêndoas de babaçu coletadas em áreas de pastagem (R. Porro, 2019Porro, R. (2019). A economia invisível do babaçu e sua importância para meios de vida em comunidades agroextrativistas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 169-188. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100011
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). Além do mais, a obtenção de terras a oeste passou a ter limitações, e a muitos camponeses restou migrar para a periferia das cidades ou intensificar deslocamentos sazonais ao garimpo (Hoefle, 2013Hoefle, S. W. (2013). Colonialismo carbônico na Amazônia? Espaço Aberto, 3(2), 109-130. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2013.2118
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).

Iniciativas de colonização dirigida conduzidas nas décadas de 1960 e 1970 pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) nos vales do Pindaré, Turi, alto Mearim e Grajaú (Droulers & Maury, 1981Droulers, M., & Maury, P. (1981). Colonização da Amazônia maranhense. Ciência e Cultura, 33(8), 1033-1049.) depararam-se com múltiplas barreiras, e a execução destes projetos foi marcada por resultados escassos. Fortes pressões de fazendeiros e corporações que adquiriram terras, via de regra ilegalmente, ampliaram a magnitude de conflitos que a colonização deveria supostamente reduzir, trazendo a luta pela terra para o interior da frente de expansão (A. Almeida & Mourão, 1976Almeida, A. W. B, & Mourão, L. (1976). Questões agrárias no Maranhão contemporâneo. Pesquisa Antropológica, 9-10, 1-27., p. 9).

Em paralelo, apesar de representar uma das bases da economia regional, o extrativismo do babaçu foi fortemente impactado por processos tecnológicos nos setores industrial e agrícola, que deslocaram mercados do óleo de babaçu. Se, por um lado, camponeses agroextrativistas sofreram consequências diretas de restrições de mercado (May, 1989May, P. H. (1989). Local product markets for babaçu (Orbignya phalerata Mart) and agroindustrial change in Maranhão, Brazil. Advances in Economic Botany, 5, 92-102.), por outro, avançaram em sua organização social. Ao ter sua sobrevivência ameaçada e deparando-se, de um lado, com as restrições na fronteira demográfica que limitaram a frente de expansão, e de outro, com comerciantes e empreendedores na economia de mercado que passaram a constituir a frente pioneira (Martins, 2009Martins, J. S. (2009). Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Contexto.), setores desse campesinato passaram a se mobilizar para resistir à expropriação. Com a orientação das comunidades eclesiais de base (CEB)12 12 Leonardo Boff (1986) argumenta que as comunidades eclesiais de base representam a prática da libertação popular, e a Teologia da Libertação, a teoria desta prática. Sobretudo na América Latina, a partir do final da década de 1960, a Teologia da Libertação orientou a intervenção social da Igreja, não isenta de uma prática política concreta no que diz respeito à sua responsabilidade para com a defesa dos direitos humanos e que, no universo eclesial, encontrou-se firmada na adoção pela opção preferencial pelos pobres (E. Santos, 2015). e apoio de sindicatos de trabalhadores rurais (STR), diversas conquistas camponesas passaram a ser observadas no Médio Mearim (R. Porro, 2005Porro, R. (2005). Palms, pastures, and swidden fields: the grounded political ecology of “agro-extractive/shifting-cultivator peasants” in Maranhão, Brazil. Human Ecology, 33(1), 17-56. doi: https://doi.org/10.1007/s10745-005-1654-2
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; R. Porro & N. Porro, 2014Porro, R., & Porro, N. S. M. (2014). Social roots of resource use routes in rural Maranhão, Brazil. Journal of Rural Studies, 36, 64-76. doi: 10.1016/j.jrurstud.2014.06.009
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), levando à desapropriação de inúmeras fazendas.

Assentamentos resultantes da política de reforma agrária seriam melhor designados, nesse caso, como áreas de regularização dos direitos dos ocupantes originais. No entanto, instrumentos legais disponíveis não permitiam tal consideração, e milhares de camponeses passaram à condição de ‘assentados’, em terras por eles já ocupadas, por vezes, há gerações.

TRAJETÓRIAS DE ACESSO À TERRA POR TRÊS FAMÍLIAS CAMPONESAS NO MÉDIO MEARIM

A partir do contexto histórico apresentado, a análise empreendida neste estudo foi baseada em narrativas obtidas por meio de entrevistas abertas, não estruturadas, realizadas no âmbito de investigação etnográfica (Jociles Rubio, 1999Jociles Rubio, M. I. (1999). Las técnicas de investigación en antropología. Mirada antropológica y proceso etnográfico. Gazeta de Antropologia, 15(1). Recuperado de http://hdl.handle.net/10481/7524
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), para apreensão da história oral, na perspectiva de três protagonistas. Foram entrevistados José Maria Silva, Manoel Rodrigues de Sousa e José Soares Sobrinho13 13 Os três entrevistados autorizaram a divulgação de seus nomes, não sendo necessário o uso de pseudônimos. , camponeses que, desde meados dos anos 1980, se destacaram na luta pelo acesso à terra em seus respectivos municípios: São Luís Gonzaga do Maranhão, Esperantinópolis e Lago do Junco (Figura 1). Com forte atuação no movimento social e sindical, os três interagiram na construção de um processo organizativo mais amplo, voltado à consolidação dos direitos de camponeses, resultando na criação da organização regional Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA)14 14 Fundada em 1989 e dirigida por agricultores familiares e quebradeiras de coco babaçu. É considerada uma organização de base inovadora na ênfase da estreita articulação entre lideranças para mobilização social e profissionais contratados para assessoria técnica, econômica e política, estimulando sistemas cooperativistas e associativos no Médio Mearim. .

Figura 1
Médio Mearim e principais localidades mencionadas nas narrativas.

Entre 1986 e 1994, enquanto engenheiros agrônomos, compartilhamos como assessores técnicos o processo de fundação e, posteriormente, o trabalho da ASSEMA, do qual os três entrevistados participaram como líderes. A comunicação se manteve durante os estudos de pós-graduação, entre 1994 e 2003, que incluiu diálogos frequentes com os três interlocutores (N. Porro, 2002Porro, N. S. M. (2002). Rupture and resistance: gender relations and life trajectories in the babaçu palm forests of Brazil (Tese de doutorado). Universidade da Florida, Gainesville, Florida, Estados Unidos.; R. Porro, 2002Porro, R. (2002). Palms, pastures, and swidden fields: Political ecological trajectories and socio-natural transformations in peasant communities in Maranhão, Brazil (Tese de doutorado). Universidade da Florida, Gainesville, Florida, Estados Unidos.). A segunda autora manteve contínuas relações de pesquisa-ação com os mesmos entre 2004 e o presente, via projetos elaborados em parceria. O primeiro autor, após lapso de dez anos, reestabeleceu, em 2013, contatos com a ASSEMA e suas lideranças, no âmbito de pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo como objetivo a análise intergeracional de trajetórias de uso dos recursos naturais em comunidades camponesas do Mearim.

Em novembro de 2017, José Maria, Manoel e José Soares, então com idades entre 63 e 75 anos, reuniram-se na residência dos Soares. Há três décadas, José Maria e Manoel haviam sido presidentes de STR. Encontros como esse eram frequentes nos anos 1980 e 1990, durante reuniões e eventos promovidos pelas organizações sindicais e pela ASSEMA, na qual coordenávamos equipe técnica. Há mais de 15 anos, contudo, devido a divergências na condução institucional, iniciou-se um distanciamento de José Maria em relação à linha de atuação da ASSEMA; por diferente motivo, José Soares optara por concentrar-se em atividades em seu município. Ao longo dos dois anos anteriores à reunião realizada em 2017, em diversos momentos foram conduzidas entrevistas individuais em profundidade, com cada um dos protagonistas. A ocasião seria, talvez, a última oportunidade para que debatessem a situação vigente, após três décadas de criação da ASSEMA, pois Manoel estava prestes a mudar de estado, para se juntar aos filhos. Sua viagem ao sul do Pará estava anunciada, embora pendente de acertos financeiros. O encontro prestou-se para concluir a análise ora apresentada, visando o resgate de trajetórias diferenciadas de acesso e consolidação da posse camponesa no Mearim.

José Maria, Manoel e José Soares resgataram histórias de vida e forneceram as bases para um estudo genealógico. Como será observado nas narrativas, os protagonistas mantêm atualmente relações distintas com seus grupos familiares extensos e o patrimônio agrário que constituíram antes de se tornarem sexagenários. Atributos do local de residência atual, acesso e propriedade da terra foram associados a cada indivíduo adulto inserido na genealogia.

As genealogias foram construídas a partir de ascendentes imediatamente anteriores aos entrevistados, e incluíram seus descendentes adultos, o que resulta em até cinco gerações compreendidas no estudo, ilustradas por diagramas de parentesco inseridos ao longo das respectivas trajetórias. A categorização das situações identificadas se integra à análise das histórias de vida e trajetórias familiares obtidas a partir de suas narrativas. Cabe, porém, alertar que o estudo não tem pretensão de generalizar a perspectiva dos três protagonistas, não tendo a intenção, portanto, de extrapolar eventuais confrontações com discursos de outros membros do grupo familiar extenso, aspecto que será discutido na sessão conclusiva.

Consideramos que nossa interpretação das narrativas se coaduna com o exposto por Clifford (1986, p. 100)Clifford, J. (1986). On ethnographic allegory. In J. Clifford & G. E. Marcus (Orgs.), Writing culture: the poetics and politics of ethnography (pp. 98-121). Berkeley: University of California Press., ao situar o trabalho etnográfico como “alegoria”, na qual cada descrição cultural, mais do que representar ou simbolizar algo, consiste em uma narrativa que carrega “a moral da história”. Enquanto antropólogos empenhados em relações de pesquisa em profundidade e a longo prazo, assumimos o método como gerador de noções emanadas de sujeitos pertencentes a um grupo social, que a experiência em pesquisa de longo prazo permite, por contraste e comparação, a entender como particular do entrevistado ou comum ao grupo. Consideramos, ainda, que o relato oral, enquanto discurso sobre si, sujeita-se a coações e censuras específicas relacionadas à apresentação pública de uma representação privada (Bourdieu, 1998Bourdieu, P. (1998). A ilusão biográfica. In M. M. Ferreira & J. Amado (Orgs.), Usos e abusos da História Oral (pp. 183-191). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas., p. 189). As sínteses da trajetória de vida e história oral de José Maria, de Manoel e de José Soares são apresentadas a seguir, tendo como fio condutor as formas diferenciadas de acesso à terra e de condução da reprodução social dos respectivos grupos familiares.

JOSÉ MARIA: “O ÚNICO CUSTO DA TERRA FOI ESSA PARCELA DE ESCRAVIDÃO QUE MINHA MÃE VIVEU COM ELES”

Descendente de negros escravizados que, no século 19, trabalharam em terras atualmente pertencentes ao município de São Luís Gonzaga do Maranhão, José Maria Silva é o mais velho entre os três entrevistados. Conforme o diagrama de parentesco apresentado na Figura 2, José Maria é neto de Claudísio Dias, cujos pais foram escravos em fazendas nas localidades de Piratininga e São Pedro.

De acordo com José Maria, seu avô alcançou condição financeira confortável na chamada pós-abolição, favorecendo a família extensa. Assim, no início do século 20, Claudísio cultivava roçados e comercializava produtos agrícolas, capitalizando-se até adquirir terras na localidade Salobo, atual fazenda Vitória, no interior do município vizinho de Bacabal.

O meu avô foi rico na época; um lavrador que ficou rico. Todo mundo admirava ele. Uma época, meu avô tinha necessidade de transportar os produtos dele da roça: arroz, algodão. Meu pai era jovem de 25 anos, contava que foi pro Piauí para comprar uma tropa de 24 burros para transportar a produção, uma tropa completa, duas tangidas de doze burros. O velho foi comprar esses burros lá no Campo Maior. Trouxe esses burros tudo manso, burros arriados, com cabresto, cangalha e tudo, no ponto de colocar a carga em cima. Se fosse hoje, aquele dinheiro que ele comprou a tropa de burros, ele comprava uma carreta. Ele tinha esse dinheiro. Eles compraram mais de uma légua de terras nesse lugar, que hoje é a fazenda Vitória. Não é nada, ele tinha dois mil hectares na fazenda Vitória, que ele comprou com dinheiro de roça. Dois mil hectares de terra sempre teve valor! . . . Ele produzia muito arroz, muito algodão, e ele comprou essa terra lá. O meu avô já tinha morrido, eu acho que bem por 48, e os irmãos concordaram que não podiam demarcar [por si próprios], era coisa de outro mundo. Os ‘nego besta’ não sabiam como fazia, e os caboclos se aproveitaram disso. Ele deu de metade pra esse Leda de Bacabal demarcar, dividiu no meio, separou. E eles ficaram com metade. A terra ficou no nome da minha avó. Aí, quando ela morreu, foi feito o inventário . . . Deu 145 hectares para cada um dos sete filhos. Todos os herdeiros receberam esse tanto, aí venderam todos! Venderam só para gastar o dinheiro. E esses que compraram foram desapropriados. Mas ainda mora gente nossa lá, porque esses mesmos que venderam a terra, foram assentados pelo INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. O INCRA deu o nome de Salobo para essa área da fazenda Vitória

(José Maria, comunicação pessoal, nov. 2015).

Segundo José Maria, seu pai, Osvaldo, não seguiu o ‘empreendedorismo’ do avô, Claudísio. Após se casar com Adelina, na década de 1930, Osvaldo se estabeleceu no interior de São Luís Gonzaga, nos povoados Arvoredo (1933-1953) e Centro do Pedro Calixto (1953-1959), próximos do povoado de São João do Jansen, onde a família de Adelina residia e trabalhava, apesar de não terem propriedade. A união de Osvaldo e Adelina estreitou os laços de reciprocidade de Claudísio com o pai de Adelina, mesmo que, como a narrativa de José Maria explicita, a relação entre ambos ‘não fosse de sangue’.

Figura 2
Diagrama de parentesco ilustrando ascendentes e descendentes diretos de José Maria Silva (a representação não inclui descendentes colaterais).

Meu avô materno tinha ligação muito forte com o Claudísio, o avô paterno. A tia Bela, filha adotiva do Claudísio, era irmã do avô materno. Por isso ele vinha muito pra cá, e arrumou essa relação com a minha mãe. Devem ter se casado em 1930-1932

(José Maria, comunicação pessoal, nov. 2015).

Na leitura de Claudísio sobre a estrutura social em que se inseria sua unidade familiar, a saída do filho Osvaldo das suas terras, subordinando-se à vontade da esposa, oriunda de família sem propriedades, não significou perda, visto que expandiu a base territorial de seu grupo familiar extenso, por meio da constituição da denominada “comunidade de parentesco” (Woortmann, 1988Woortmann, K. (1988). Com parente não se neguceia: o campesinato como ordem moral. Anuário Antropológico, 12(1), 11-73., p. 32). A condição de terra abundante, como era a de sua propriedade, por si só não garantiria a reprodução do grupo; era necessário que a capacidade prática-avaliativa da próxima geração assegurasse o patrimônio agrário. Como Osvaldo não se alinhava com o ritmo de trabalho e negócios de Claudísio, sua saída convinha à agência da unidade familiar, embora isso não o excluísse da herança patrimonial.

Quando meu pai ganhou a herança, ele queria ir para lá. Ele ganhou 145 hectares na fazenda Vitória. Ele foi lá medir a área para a casa, mas ela não quis ir. Sempre era o marido que levava a mulher, mas ela conseguiu conquistar ele. Foi mais pela parte amorosa, ele ficou com ela aqui. Separou dos outros irmãos e ficou aqui. Nós todos nascemos aqui, sem propriedade

(José Maria, comunicação pessoal, nov. 2015).

Ao refletirmos sobre as contingências ao acesso à terra e as estratégias adotadas, a exemplo do casamento na perspectiva do campesinato, observamos que relações entre gerações (Claudísio e Osvaldo) e gêneros (Osvaldo e Adelina) delinearam inicialmente a uxorilocalidade15 15 Costume, regra ou padrão de casamento que determina a morada de um novo casal no local de residência da mulher ou junto da sua comunidade de origem. , que resultou na restrição do acesso à terra, a despeito de Osvaldo ser herdeiro de proprietário. No entanto, novas estratégias definiram o posterior acesso de José Maria à terra. Como narrado por ele, “deu certo porque teve essa reviravolta na frente. Valeu a pena nesse sentido, mas se ele tivesse ficado lá, não tivesse vendido, ele tinha a terra lá” (José Maria, comunicação pessoal, nov. 2015). Em toda sua narrativa, José Maria deixa claro que seu pai não garantiu a terra através do trabalho camponês.

De fato, o acesso da família de José Maria a terras ainda hoje por ela ocupadas se deveu à relação subordinada do trabalho de Adelina com os senhores da família Jansen, iniciada na escravidão e mantida por duas gerações, com elementos semelhantes à situação descrita por Soares (1981)Soares, L. E. (1981). Campesinato, ideologia e política. Rio de Janeiro: Zahar. no caso de Bom Jesus, no vizinho município de Lima Campos. Balbina, bisavó materna de José Maria, servira a essa família enquanto escrava. José Maria detalha como, no final dos anos 1950, uma área de 305 hectares na localidade Bonsucesso foi transferida a seus pais:

Minha bisavó materna era essa negra que minha avó dizia que veio da África. Veio pro Maranhão e de lá levaram para Viana. Os Jansen tinham outra fazenda de escravos em Viana, e dali veio pro São João [do Jansen], onde nasceu minha mãe . . . A terra aqui era dos descendentes dos Jansen. Minha avó, como filha de escrava, era muito ligada neles. E minha mãe também. A minha avó era muito prática na cozinha. Minha mãe casou com o meu pai, mas aqui e acolá ia passar a Semana Santa com eles lá em Pedreiras, São Luís, [para] ajudar eles. Quando foi em julho de 58, uma neta do antigo senhor de escravos, a Déia Jansen, convidou a minha mãe, por uma carta, propondo ao meu pai que deixasse a minha mãe ficar com ela por seis meses. Meu pai aceitou e ela foi com a minha irmã, a Deja, e a Maria, que era moça de uns 20 anos. Foram em julho e quando chegou em dezembro, ela vai e diz pra minha mãe: “eu queria conversar contigo, eu tenho uma sobra de terra, que chama de quinhão, em São Luís Gonzaga, que ficou abandonada. Tá na mão dos outros. Se você concordar, eu quero te dar esse presente de Natal”. Ela comunicou o meu pai. Ele ficou alegre, animado, logo aqui tinha muito mato. Ele já tinha se desfeito da herança de lá da fazenda Vitória. Ela foi no cartório, fez a coisa toda certinha, mas aí encontrou outras pessoas. No documento não tinha a quantidade de terra, só dizia que era um quinhão. Quando mediu, deu 1.200 hectares. Só que meu pai não conseguiu registrar no nome de minha mãe. O cara que era posseiro tinha força política, o Raimundo Pereira. Conseguiu ficar na justiça com 930 hectares. Meu pai ficou só com 305. Em 1960, nós mudamos pra cá. Como a terra era doada, meu pai se contentou com os 305, que já era muita coisa. A forma de ‘adquirimento’ foi essa. Não houve pagamento, mas os cartórios naquela época não aceitavam doação. Então foi registrado como venda para minha mãe, por mil cruzeiros. Meu pai passou um ano organizando a mudança, cuidando de uma roça no São João

(José Maria, comunicação pessoal, jun. 2016).

Em seu depoimento, José Maria articula motivações e implicações envolvidas no recebimento dessa terra. Associa a doação a um incomum ato de reciprocidade, movido pelo remorso e pela gratidão tardia de Déia Jansen aos que, por gerações, serviram sua família. Doações como esta, que foram frequentes após a desagregação do sistema escravagista, caracterizam o estabelecimento das denominadas ‘terras de preto’, onde comunidades negras rurais se formam a partir da transferência de domínios, seja por doação, entrega ou aquisição, com ou sem formalização jurídica, a famílias de ex-escravos, particularmente em terras consideradas improdutivas pelos proprietários ou às quais não mais teriam condições de explorar (A. Almeida, 1989Almeida, A. W. B. (1989). Terras de preto, terras de santo, terra de índio – uso comum e conflito. Cadernos do NAEA, 10, 173-196.; O’Dwyer, 2002O’Dwyer, E. C. (2002). (Org.). Quilombos-identidade e territorialidade. Rio de Janeiro: FGV/ABA.), por vezes ocupadas por posseiros que não conseguiriam deslocar.

A partir da aprovação do Artigo 68 da Constituição de 1988, variantes desta situação passaram a ser tratadas no âmbito das reivindicações de permanência ou acesso diferenciado à terra pela categoria quilombola. Tal desenlace da agência contingenciada sucedia particularmente se o acesso não era seguido da formalização jurídica e titulação da terra ou quando, mesmo tendo havido tal formalização, pressões e conflitos territoriais resultaram em ameaça ou mesmo em efetiva expropriação dos remanescentes.

A formalização do direito oriundo da doação em Bonsucesso ocorre de forma restrita a uma única família, que consolida esse direito por meio de uma unidade de produção autônoma, circunscrita a uma área tangível, porém sob contenção na origem por membro da elite local que se apropriara, através de posse, da maior parte das terras. Este caso, portanto, difere de trajetórias coletivamente assumidas, por exemplo, pelo conjunto das famílias do mencionado Bom Jesus (Rodrigues, 2013Rodrigues, L. P. (2013). Quilombo Bom Jesus dos Pretos: reminiscências e alterações nas práticas de geração de renda e de consumo (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.). Em Bonsucesso, não obstante elementos histórico-políticos associados ao conceito de quilombo tenham sido agenciados pelo grupo familiar, o mesmo não adotou a designação quilombola como identidade coletiva no espaço público.

Aparentemente a terra foi doada, parece doada, mas ela foi comprada, e comprada caro. Ela custou vida, uma vida de minha bisavó, trabalhando para essa família. De uma forma interessante, essa mulher que doou para minha mãe, ela chamou a neta da escrava original, e simulou um presente de Natal para minha mãe. Mas acho que ela sentiu um pouco de remorso, que os outros deveriam ter feito a mesma coisa, os outros senhores de escravos que não fizeram isso, até hoje. Então isso não foi uma doação. Foi simulada uma doação, mas foi um processo caro. Então eu dou muito valor a isso, reconhecendo o sofrimento que a minha bisavó teve. O único custo da terra foi essa parcela de escravidão que minha mãe viveu com eles. Era uma escravidão moderna, mas ela continuou vivendo com eles. Mas teve recompensa. Não ficou perdido mais de 100 anos de escravidão desse jeito da minha avó e minha mãe, e os anos de escrava mesmo de minha bisavó. Eu por isso tenho o maior apreço por essa terra. Nunca passei mais de 30 dias fora dessa terra. Tenho uma ligação muito forte

(José Maria, comunicação pessoal, jun. 2016).

Embora quem doou e mesmo quem recebeu entendessem a doação da terra como uma dádiva (Mauss, 2003Mauss, M. (2003). Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In M. Mauss (Org.), Sociologia e antropologia (pp. 183-314). São Paulo: Cosac Naify.), nesta narrativa, José Maria interpreta a doação como uma compensação pelas décadas de trabalho servil, vinculando a expressão de reciprocidade a uma operação de mercado (Polanyi, 1976Polanyi, K. (1976). La economía como actividad institucionalizada. In K. Polanyi, C. M. Arensberg & H. W. Pearson (Orgs.), Comercio y Mercado en los Imperios Antiguos (pp. 289-316). Barcelona: Labor Universitaria.). Ou seja, a herança das relações de escravidão que molda a identidade do grupo familiar passa a ser, à primeira vista, objeto de ato de reciprocidade, porém é expressa e justificada pelo descendente beneficiado (José Maria) por meio de uma lógica mercantil. De acordo com esta lógica, o trabalho servil da família, e mesmo a continuidade deste, em liberdade, é compensado por transação comercial, que fortalece a integridade do grupo familiar e o vínculo da descendência com um território assim adquirido. Assim, como trataremos posteriormente, José Maria constituiu-se agente capaz de avaliar contingências, posicionando sua agência tanto no sistema de direito camponês, como no sistema que mercantiliza a terra.

José Maria narra, na sequência, como a doação foi também avaliada pelos camponeses então já residentes de Bonsucesso, ilustrando situações de constrangimento face à repentina alteração da condição social de Osvaldo e Adelina, agora proprietários. Os moradores de Bonsucesso, de fato, não aceitaram que uma família que, há gerações, embora em povoados vizinhos, compartilhava o status dos demais como descendentes de escravos e moradores submissos ao patrão, passasse à condição de proprietária de terras. Na perspectiva destes residentes, a chegada de um novo ‘dono’, com os respectivos direitos derivados da transferência e titulação da terra, obstruiria a possibilidade de os mesmos usufruírem dos benefícios advindos do sistema camponês, uma vez que ali haviam investido seu trabalho. De fato, não fosse a doação seletiva a apenas uma família, e se estes residentes tivessem ali permanecido e continuado a trabalhar na terra, tal situação poderia, inclusive, resultar em trajetória de constituição da territorialidade quilombola por apropriação comunal.

Meu pai fez uma casa e começou uma vida diferente. Mas foram muito criticados. O povo não admitia esses negros serem donos dessa terra. Diziam, “eles tão tomando a terra do seu Mundico Pereira!”. Eles achavam impossível que isso acontecesse. Os moradores, a grande maioria não aceitava meus pais como donos. Isso foi a maior confusão. Meu pai com esse horror de terra, que surgiu assim, de um dia pro outro. Como é que podia comprar 300 hectares de terra? A dele lá [herança de Claudísio] ele já tinha vendido. Muita gente, quando mediu a terra, mudou pro outro lado. O outro [embora posseiro] era considerado rico, branco, descendente dos Pereira, do São João do Jansen

(José Maria, comunicação pessoal, nov. 2015).

De toda maneira, Osvaldo e Adelina lograram se estabelecer em seus 305 ha, constituindo família extensa. A Tabela 1 mostra que, em 2017, ano da entrevista, a descendência de Osvaldo e Adelina constituía 32 famílias nucleares, com 76 pessoas (31 cônjuges), das quais permaneciam vivos 71 indivíduos, em 30 unidades familiares. A geração mais velha era constituída pela família nuclear de José Maria e a de seus dois irmãos mais novos. Nove unidades familiares compunham a geração seguinte, enquanto eram 18 as famílias nucleares da geração dos netos de José Maria.

Tabela 1
Família Silva: composição, local de residência e acesso à terra em 2017.

No grupo familiar extenso dos Silva, há equilíbrio entre o rural e o urbano enquanto local de residência. São 15 as famílias nucleares residindo no campo, mesmo número das que residem em cidades (Tabela 1). José Maria é o único dos irmãos que reside em Bonsucesso. Seu irmão mais novo, João, trabalha na terra que ainda lhe cabe, mas reside na cidade. Dejanira, irmã caçula, há décadas migrou para São Paulo, embora recentemente tenha manifestado a intenção de retornar. Tanto João quanto Dejanira não tiveram filhos, o que restringe o número de aparentados. Filhos da irmã mais velha, Maria de Jesus, já falecida, vivem na vizinha comunidade de Montevideo, enquanto outros residem nos municípios de Santa Inês e Santa Luzia do Tide, no vale do Pindaré maranhense.

Após o falecimento de Osvaldo, em 1983, cada filho recebeu 76 hectares na partilha da terra. A forma como os descendentes conduziram sua relação com o patrimônio herdado demonstra não ter havido consenso entre os mesmos quanto ao sentimento de apego à terra expresso por José Maria. Negociações individualizadas passaram a ocorrer, e os filhos de Maria de Jesus venderam a parcela que lhes cabia, sendo que 5 ha foram comprados por José Maria. João vendeu 24 dos 76 ha, e o próprio José Maria negociou 8 ha. A Tabela 1 mostra que, em 2017, as terras ocupadas pela descendência de Osvaldo e Adelina limitavam-se a uma parte dos 305 ha recebidos 60 anos antes, pois a área sob domínio da família reduziu-se a 210 ha.

A partir do final dos anos 1970, José Maria empreende trajetória representativa das lideranças rurais do Mearim. Inicialmente, participa de comunidades eclesiais de base e chega à militância sindical, sendo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Luís Gonzaga por dois mandatos (1988-1992). Sob sua liderança, o sindicato é reconhecido pela atuação que resulta na desapropriação de fazendas em terras que atualmente abrangem assentamentos e territórios quilombolas. A partir de visitas realizadas no Sul e Sudeste do país, promovidas pela ASSEMA, José Maria se identifica com propostas de modernização agrícola observadas em áreas desapropriadas nessas regiões, e se dedica a articulações na busca de projetos econômicos para beneficiar os assentamentos no Mearim. Ele faz parte da diretoria da ASSEMA de 1989 a 1992, e também passa a atuar na política partidária, sendo eleito para a Câmara de Vereadores de São Luís Gonzaga por dois mandatos (1993-2000), mas sempre mantendo vínculo com sua terra. Eventualmente, se separa da esposa com quem vivia há mais de três décadas (e que após a separação permaneceu residindo nas terras da família Silva), e sofre com a morte do filho mais novo, em acidente com motocicleta. Não se reelegendo vereador, torna a se dedicar exclusivamente à propriedade, em plantios mecanizados de arroz, na criação de gado (e arrendamento de pastos para vizinhos) ou plantio irrigado de melancia, atualmente sua atividade preferida.

MANOEL: “58 FOI SECO NO NORDESTE E, COM A NOTÍCIA QUE ELES COMPRARAM ESSE LOCAL NOVO E GRANDE, VIERAM MUITAS FAMÍLIAS DO PIAUÍ”

Os outros dois grupos familiares que focalizamos neste estudo ilustram trajetórias de migração do semiárido nordestino ao Maranhão, seguindo deslocamentos anteriores de parentes que se tornaram ocupantes pioneiros de terras consideradas ‘libertas’. Nascido em 1926, Raimundo Pedro Rodrigues, pai de Manoel, deixou o município de Pedro II, no Piauí, seguindo o engajamento de seus familiares na migração, no início da década de 1950. Seu destino foi Chapadinha, no nordeste do Maranhão, onde permaneceu alguns anos. Em 1957, partiu em direção ao Mearim, onde parentes já haviam se instalado, em Lago da Pedra, próximo aos limites de Poção de Pedras e Esperantinópolis.

Quando nasci, meu pai já estava no Maranhão, no interior de Chapadinha, um local que chamavam de Paiol Velho. Em 57, eles resolveram vir embora de lá. Ele já tinha uma tia morando no Sempre Verde, município de Poção, e uma irmã morando no Cruzeiro . . . Criaram a ideia de vir embora para essa região aqui. Eu não sei que informações eles já tinham daquele lugar chamado de Cajazeiras, no Lago da Pedra . . . Então eles vieram, essas cinco famílias. Eles vieram de animais, jumento, e de pé. Os que vieram com os animais, vieram tangendo até chegar na Cajazeiras. Os que vieram com a família, vieram de pé até o Coroatá, e ao chegar eles encontraram um carro que vinha para Pedreiras, e aí jogaram essa multidão de gente, os filhos e mulher, e tudo, em cima do caminhão . . . Isso em 57, e o meu pai ficou no Cruzeiro, encostado na irmã dele, e as outras famílias já foram para a Cajazeiras . . . Quando foi em 58, meu pai juntou mais cinco pessoas, aí eles compraram, já passaram a ser donos da Cajazeiras. Acontece que 58 foi seco no Nordeste, e com a notícia de que eles tinham comprado esse local novo e grande, vieram muitos parentes, parentes mais próximos, e outros mais encostados, vieram muitas famílias do Piauí para a Cajazeiras, já formou um povoado quase

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

Na narrativa ora apresentada, Manoel indica a importância das redes familiares na definição da migração enquanto estratégia da agência camponesa, servindo, inclusive, a moradia do parente já instalado como espaço de recepção de novos migrantes que chegam de seus locais de origem em busca de terra, estabelecendo a relação, que via de regra se caracteriza por ser provisória, denominada de ‘encostado’ (Lima Júnior, 1988Lima Júnior, A. V. C. (1988). Dos pressupostos da ação política do campesinato: o caso da “invasão” da Fazenda Annoni (Dissertação de mestrado). Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., p. 49; Oliveira, 2011Oliveira, M. L. R. (2011). Migrações e assentamentos rurais na região da capital brasileira. Tiempo y Espacio, 26, 7-30., p. 20). Manoel atesta que, embora não documentadas, as terras às quais seus familiares chegaram no final da década de 1950; eram já consideradas direitos consolidados dos camponeses que as ocupavam, sendo sua transferência comumente efetivada por meio de transação mercantil sobre áreas por estes delimitadas.

Ao longo de cinco décadas, Raimundo Pedro gerou 16 filhos, com quatro esposas diferentes, conforme ilustrado pelo diagrama de parentesco da Figura 3. Manoel é o quarto filho da primeira esposa, Josefa, cujo falecimento em 1964, após complicações do oitavo parto, desestabilizou as finanças da família por alguns anos. Nova oportunidade de acesso à terra pelo grupo familiar se deu pela compra dos direitos de posse dos primeiros ocupantes e, mais uma vez, associada a relações de parentesco, nesse caso com o futuro sogro de Manoel.

Figura 3
Diagrama de parentesco ilustrando ascendentes e descendentes diretos de Manoel Rodrigues (a representação não inclui descendentes colaterais)

Meu pai começou com uns problemas, a mulher adoeceu, acabou morrendo de parto . . . Certo é que nesse tempo, ele vendeu até a casa que nós morava, tinha quintal grande, muita fruta, e ele vendeu pra amenizar um pouco das contas. Isso entre 64 e 65. Nós ficamos oito irmãos . . . Ele era um pouco vaidoso, aqui acolá participava de brincadeira, de festa. Aí nós ficamos morando em casa alheia. Já em 67 foi que ele comprou outra casa . . . Quando foi em 68, o meu sogro, que nesse tempo não era sogro ainda, que é primo do papai, ficou sabendo que uma pessoa estava vendendo um direito, uma ‘possezinha’ perto da Grã-Bretanha, e ele foi lá, e fez negócio. Um outro estava vendendo um direito apegado ao dele, só uma metragem no baixão. Ele perguntou se papai não queria comprar essa outra . . . Nesse tempo, tudo barato demais, ele fez umas coisas, juntou e comprou essa posse . . . Nós fizemos a primeira roça de 68 pra 69. E no fim de 69, nós mudamos pra lá . . . A gente se espalhava de acordo com os vizinhos que iam delimitando. Papai ficou com uns 50 ha, e o meu sogro, a parte dele pegou maior, talvez 100 ha

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

Manoel critica o caráter de certa forma ‘perdulário’ do pai, e logo o contrasta com o seu, indicando que a forma como Raimundo Pedro conduzia seu cotidiano, ao não priorizar investimentos para a consolidação da condição familiar, rompia o contrato social fundado na reciprocidade intrafamiliar. Essa reação corrobora o exposto por Woortmann (1990, p. 12)Woortmann, K. (1990). Migração, família e campesinato. Revista Brasileira de Estudos da População, 7(1), 35-53., utilizando conceitos de Sahlins (1978)Sahlins, M. (1978). Stone age economics. Londres: Tavistock., para quem é a constituição do patrimônio que possibilita a execução do trabalho a partir do qual se constrói a família enquanto valor. A narrativa de Manoel indica, portanto, a articulação de formas variadas de produção de prestígio, e sua relação com família, terra e trabalho enquanto valores éticos.

Avaliando os condicionantes sociais estabelecidos no frágil suporte do pai para construir sua trajetória, mesmo sendo o primeiro filho homem, Manoel logo assumiu maior protagonismo para assegurar seu futuro, independente dos bens da família.

Eu tinha 14 anos quando fomos morar lá, e saí de lá já tinha os meus filhos tudinho. No ano que casei, comprei uma posse também. Eu não era pessoa que trabalhava por minha conta . . . Eu trabalhava pra ele, e quando eu casei, não tinha nada mesmo. Foi obrigado eu ficar com parte da roça. Papai, tudo o que a gente fazia acabava.

Mudei pra um barraco abandonado, de um rapaz, ficava a uns 400 metros de nós . . . Ele chegou, uns três a quatro meses depois, e propôs me vender a terra, no mesmo centro, encostado na posse de meu pai. Comprei essa posse, que talvez desse 30 hectares . . . Casei em 30 de março de 77, e no mês de julho comprei essa posse. Eu tinha completado 22 anos em dezembro. Fiquei de 77 até 87

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

Devido ao isolamento da localidade, mesmo que já transcorresse o final dos anos 1970, passadas duas décadas desde que seu pai adquirira direitos sobre a terra inicialmente ocupada pela família, ainda foi possível a Manoel acessar a terra por meio da compra de direitos de posse sobre uma área relativamente extensa, sem que nessa localidade estivesse constituído um mercado formal de terras tituladas. E foi nesse local, o Centro do Andrezinho, que Manoel iniciou sua trajetória de militância política e sindical, fortemente influenciada pelo regime de exceção vivido pelo país, com destaque para a ação de setores da Igreja Católica e organizações forçadas à clandestinidade.

Logo que casei, comecei a me interessar pela Igreja Católica, e comecei a ajudar na celebração. O que é meu cunhado hoje, era dirigente [religioso], e a gente dirigia junto . . . Aí tinha um velho comunista, que naquele tempo vivia escondido, exilado, nos interior aí, com medo da revolução, acolá do Araguaia, e ele vivia no Centro do Andrezinho. Se deu de parente com uma família que tinha aqui. O velho também era meio militante, apoiou ele. Ele se identificou pro povo que tinha feito o primário, mas todo jeito dele era de quem era formado. Aí, ele começou a me cooptar, acho que ele me viu com uma aparência de militante político. Nós começamos a desenvolver trabalho junto, fizemos peças da Paixão de Cristo, fomos representar fora, e ele começou a me tocar algumas coisas da política. Ele começou a me dar coisas pra ler, e eu comecei a me interessar pelas leituras, e a participar de reuniões, e aqui tinha pessoas que já tinham uma certa influência tanto na Igreja como no sindicato, que eram militante comunista

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

Durante os anos em que residiu no Centro, Manoel gradualmente passou a interagir com militantes políticos e foi exposto a propostas que enfatizavam a reforma agrária. Em 1987, iniciou sua atividade enquanto dirigente sindical e transferiu-se para a cidade de Esperantinópolis, assumindo em seguida a presidência do STR e a coordenação geral da ASSEMA. Seu vínculo com a terra se transformou. O lote foi repassado ao cunhado, que, a exemplo de milhares de maranhenses, viabilizou a continuidade na terra e a aquisição de patrimônio fundiário a partir da inserção periódica no garimpo. Na década de 1980, os garimpos novamente se constituíam numa das poucas fontes confiáveis de renda que permitiram a manutenção da condição camponesa e evitaram a migração e marginalização nas cidades (Cleary, 1990Cleary, D. (1990). Anatomy of the Amazon gold rush. Iowa City: University of Iowa Press., p. 216). Alguns anos depois, outra oportunidade surgiu, e Manoel recebeu terra titulada pelo INCRA nas proximidades da anterior, no local agora denominado Centro do Geraldo. Porém, devido ao engajamento no sindicato, ele pouco utilizou esse lote.

Em seu trabalho sindical, Manoel teve atuação destacada em processo que levou à desapropriação de uma fazenda no município. O reconhecimento por esse apoio lhe rendeu convite para integrar a relação de beneficiários deste assentamento.

A área do Potó era de um fazendeiro que morava em Teresina . . . Ele começou a vender pro pessoal que tinha um maior poder aquisitivo. E aí o povo que trabalhava nessa terra, eles se apavoraram. Vieram no sindicato contar essa história. Eu fiz logo um sermão pra eles, colocando os perigos que aconteciam. Digo, olha, eu não quero que vocês culpem o sindicato ou culpem a mim quando acontecer alguma coisa, mas conflito de terras, se dá todas essas coisas. O gado pode comer a roça de vocês, o gerente pode botar fogo na roça verde, vocês podem pegar tiro, podem matar alguém, pode morrer, deixar a mulher viúva, ter que ir embora porque atirou em alguém. Isso está dentro dos conflitos. Vocês não se enganem com isso. Agora eu digo: gente pobre não pode comprar terra. Então, se a pessoa não arrumar terra com luta, com coragem, com ocupação, se tiver coragem! Porque comprar, pobre não compra terra. E no final eu falei: a decisão que vocês tomarem, vocês contam aqui com o sindicato, mas primeiro tem que ser a decisão de vocês. Se vocês quiserem começar a criar causa, a primeira coisa que vocês vão fazer é não botar roça no local que o gerente determinar. Vocês vão escolher o local onde vocês vão fazer as roças, independente se o gerente aceitar. Aí eles tomaram essa decisão e começaram por aí. E foi fácil. Eu sei que logo em 93 as coisas estavam resolvidas. Eles me convidaram, se eu não queria ir trabalhar mais eles lá.

Eu coloquei essa questão lá do Centro. Eu digo: rapaz, eu tenho um lote acolá, só que está em confusão, e eu tô deixando lá parado. Aí, eu fiquei trabalhando mais eles

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

Devido aos 16 filhos, a descendência de Raimundo Pedro constituiu 59 famílias nucleares, totalizando 194 pessoas (53 cônjuges). Em 2017, pelo falecimento de nove pessoas, eram 57 as unidades familiares. A geração de Manoel constituía 15 unidades, enquanto a de seus filhos totalizava 38, e duas famílias nucleares representavam a geração dos netos. Somam-se, ainda, duas unidades representadas pelas últimas companheiras de Raimundo Pedro (Tabela 2).

Tabela 2
Família Rodrigues: composição, residência e acesso à terra em 2017.

Destas 57 unidades familiares, apenas seis permaneciam em Centro do Andrezinho, ou em comunidades próximas do município e de municípios vizinhos (Tabela 2). As outras 51 famílias nucleares encontravam-se em outros estados (32), outras cidades no Maranhão (10) e na cidade de Esperantinópolis (9). Nenhuma das três irmãs mais velhas de Manoel se estabeleceu na zona rural. Enquanto Maria de Fátima reside em Esperantinópolis, Joana mudou-se para o Amapá, e Antônia para Timon, cidade maranhense na zona metropolitana de Teresina, Piauí. Dos 20 filhos destas três irmãs, nenhum se fixou na zona rural, o mesmo ocorrendo com os seis filhos de Manoel.

A Tabela 2 mostra que descendentes de Raimundo Pedro atualmente detêm cerca de 350 ha, embora por meio de apenas quatro das 57 famílias nucleares. Em 1958, o pai de Manoel havia adquirido direitos sobre 50 ha no povoado Cajazeiras, em Lago da Pedra. Devido à morte da primeira esposa, foi obrigado a se desfazer dessa terra em 1964, e em 1968 adquiriu outro lote, de 49 ha, já no local que passou a receber seu nome, Centro do Raimundo Pedro. Em 1979, o pai de Manoel obteve um terceiro lote, de 40 ha, vinculado ao Projeto Integrado de Colonização (PIC) de Barra do Corda, nas proximidades do anterior, em local que hoje é denominado Centro do Geraldo (o cunhado de Manoel). Este último é titulado pelo INCRA, enquanto o lote de 49 ha é posse. Após a morte de Raimundo Pedro (2005) e a conclusão do inventário (2015), seus herdeiros dividiram as terras, sendo a maior parte vendida a terceiros.

Em 1977, Manoel também adquirira 30 ha no Centro do Raimundo Pedro, desfazendo-se desse lote em 1987. Acessou outra terra no Centro do Geraldo (os 42 ha que atualmente possui), e os 30 ha no assentamento Potó. Suas duas irmãs mais novas (por parte de mãe) também se fixaram no campo. Luzia vive no Centro do Geraldo (local com o nome de seu marido), em terras totalizando 74 ha. Já Raimunda possui 50 ha em Sempre Verde, o mesmo povoado de Poção de Pedras no qual residia a tia de Raimundo Pedro na época da migração. Mas a maior área sob domínio da família está no Amapá. Joana, irmã de Manoel, reside com o marido na cidade de Oiapoque, e possuem 150 hectares, onde criam gado e vendem queijo.

Manoel finalizava preparativos de sua mudança para a cidade de Parauapebas, no Pará, onde a maioria de seus filhos reside. A mudança ocorreria ainda em 2018 e, para tanto, ele tentava negociar sua terra no Centro do Geraldo. Quanto ao lote no assentamento Potó, ele tem clareza de que, ao optar por sair, seus direitos se restringem a benfeitorias por ele instaladas na parcela. Mesmo sendo politicamente atuante, Manoel não deixou de seguir a trajetória de abandono da terra por ele apontada no depoimento que finalizou sua entrevista:

Eu acho que corre risco de serem vendidos alguns lotes. Porque tem pessoas que estão velhas, e os filhos vão embora pro Mato Grosso, não aparecem mais de jeito nenhum. Tem uns filhos dando continuidade, mas tem outros que não têm nenhum interesse. Vão, passam um tempo fora, no Mato Grosso. Outros estão ficando velhos, já morreram um bocado. O desinteresse pela agricultura, na nossa região, lá também no Potó, o desinteresse é muito grande

(Manoel, comunicação pessoal, jun. 2017).

ANTONINO: “TU TIRA ESSA TERRA NO TEU NOME, PORQUE TU SABE LER, FICA MAIS FÁCIL PRA TU, TIRA A ESCRITURA, AÍ DEPOIS PASSA PRA MIM!”

José Soares Sobrinho, conhecido por Antonino, reside em São Manoel, Lago do Junco, sendo pai de três filhos e três filhas, conforme ilustra o diagrama da Figura 4.

Figura 4
Diagrama de parentesco ilustrando ascendentes e descendentes diretos de José Soares Sobrinho (a representação não inclui descendentes colaterais).

Antonino é uma das mais influentes lideranças rurais do município desde o conflito pela terra em São Manoel, nos anos 1980. Essa influência abrange a formação da associação na comunidade, da Assema, e da cooperativa agroextrativista de Lago do Junco, alcançando até o presente. Antonino não ocupou posições de liderança formal em organizações de escopo mais amplo, nem adquiriu visibilidade externa no engajamento partidário. Mas suas opiniões sempre são consideradas em momentos decisivos de decisões na comunidade e no município.

A trajetória da família de Antonino em São Manoel iniciou com a migração de seu avô, João Soares, que deixou o Ceará em 1932, com onze filhos, chegando em Centro do Meio, na época pertencente ao município de Pedreiras. Por cerca de 20 anos, a partir do final dos anos 1940, a família de Antônio Soares, pai de Antonino, transitou por diversas localidades próximas de São Manoel (Primavera, Morada Nova), tendo, inclusive, fundado o local denominado Centro do Tonhero, seu apelido. Nessa época, as terras ainda eram devolutas, vigorando o direito de posse pelo trabalho, mas os condicionantes alteram essa agência na década de 1960, conforme narrado por Antonino:

O pessoal começou a requerer terra. Nos anos 60, chegaram duas pessoas oferecendo terra. Vicente Bezerra e Antônio Bahia, de Pedreiras. Nós morava no Centro. Aí papai tinha comprado os direitos de um homem, o “Claro”, uma capoeira. E nós fomos pra lá . . . Aí chamou o primo dele, o Zé Nogueira, que morava no Centro do Aguiar. Chamou ele para requerer uma área de terra no São Luís. Eles foram lá, no Departamento de Terras. Com pouco tempo veio os agrimensor medindo terra . . . Eles iam tirar um pedaço de terra. Aí tiraram o variante que topou com outras terras que já eram demarcadas. Pra ali era do Adelino, pra acolá Raimundo Tiago, e pra ali o finado Cícero Olendrino. Aí, deu 197 [ha], o pedaço de terra . . . Quando foi mesmo pra tirar a escritura da terra, papai disse assim: Zé Nogueira, tu tira essa terra no teu nome, porque tu sabe ler. Fica mais fácil pra tu, tira a escritura, aí depois passa pra mim. Tá certo! Aí, fizeram a despesa eles dois, dos gastos que precisava. Tiraram uma escritura no nome de José Nogueira dos Santos. Aí, com certo tempo, nos rumos de 70, papai chamou ele e disse: Zé Nogueira, vamos separar essa terra, eu tenho minha família. Aí, chamaram o agrimensor, que fez o variante do meio. Aí, pra passar a transferência lá no cartório, foi aí que o Nogueira começou mancando. Era hoje, amanhã não ia, depois não dava certo, e já estava com um bocado de tempo. E papai começou a ficar desgostoso, falava de ir embora. Aí, o irmão dele, o Manoel Soares, que é mais velho, falou: “Zé Nogueira, me diz uma coisa, tu vais passar o documento da terra do Tonhero ou não vai? Mas, rapaz, tu pareces que quer enrolar o outro! Tu tomou conta de tudo, enricando, fez projeto de pecuária, tá com curral cheio de gado, fazenda grande, e o outro sem fazer nada, e tu ainda tá enrolando”. O resultado é que ele sentiu pressão. Chamou ele e foram lá. Nessa época, as coisas era tudo diferente, era 97 ha de terra ao todo. Não passava documento com menos de 100! Foram pra lá e ele passou o documento de 100 ha pro papai, mas a medição da terra só era as 97. Aí, desmembraram. A gente cuidando da nossa e ele cuidando da dele. Ele já tinha comprado mais terra, chegou a 237 ha de terra, o Zé Nogueira. E nós ficamos com essas 100 no documento, e 97 na terra. O que ele estava amarrado era pra passar o documento, acho que esperando uma compra no futuro, dele arrumar condição

(Antonino, comunicação pessoal, nov. 2016).

A disputa entre os primos Soares e Nogueira ilustra as controvérsias internas ao grupo social com mesmo engajamento, contingenciados pelas consequências da Lei de Terras do Maranhão, quando, mesmo entre migrantes, aqueles com maior acesso à informação se beneficiam de registro e titulação. Mostra como até relações de compadrio foram relevadas durante processos de introdução do instituto da propriedade nas relações camponesas, porém também evidencia como estatutos camponeses de honra e vergonha foram acionados para reparar a apropriação indevida. As contenções que levaram o analfabeto a se fiar no compadre alfabetizado foram tratadas, no caso dos Soares, com uma combinação de regras e práticas inerentes ao sistema camponês e ao mercado formal, com o desfecho relativamente favorável à consolidação de seus direitos.

A forma como Antônio Soares obteve suas terras em Lago do Junco, assim como Raimundo Pedro em Esperantinópolis, indica que, à época da migração, ainda era possível acessar terras livres por meio da compra entre iguais, a ‘compra do direito’. A partir do final da década de 1960, contudo, não haviam mais terras sem ‘dono’, a não ser em áreas de colonização dirigida, como aquelas recebidas por Raimundo Pedro e Manoel, no PIC Barra do Corda, já na década seguinte.

De fato, em meados dos anos 1980, a maioria dos camponeses de Lago do Junco havia perdido os seus direitos de posse nas terras que ocupava há décadas, contando com poucos recursos para garantir o sustento. A formação de pastagens resultara na expulsão de várias comunidades, ao limitar seus meios de vida. Em São Manoel, um intenso conflito foi deflagrado em 1986, quando Adelino Barbosa, também migrante do Ceará, avançou seu domínio sobre terras devolutas ocupadas pela comunidade.

Como filho mais velho, Antonino foi influente em direcionar recursos oriundos da propriedade do pai, em apoio aos que buscavam recuperar o acesso à terra, validando a noção apresentada por Wolf (1969)Wolf, E. R. (1969). Peasant wars of the twentieth century. New York: Harper & Row., de que a figura mais crítica em revoltas camponesas é o chamado ‘camponês médio’. Antônio Soares contestou o papel ativo do filho durante o conflito e, desgostoso, até deixou a comunidade durante o pico do confronto, quando se hospedou nas terras do irmão, na vizinha Primavera. Apesar da reação do pai, os irmãos apoiaram Antonino. Durante momentos agudos do confronto com Adelino, que obteve apoio policial, casas foram destruídas e homens, forçados a se esconder na mata, enquanto planejavam como recuperar seus direitos, com apoio da Igreja Católica. Após confronto, que se estendeu por três anos, em 1989 passou a ser implementado em São Manoel um projeto de assentamento estadual, beneficiando 31 famílias que ali já residiam há décadas, numa área de 470 hectares.

Antonino e um de seus irmãos estão entre os assentados de São Manoel, que, em 1990, constituíram uma associação que receberia do Estado a concessão de uso da terra. Antônio, filho de Antonino, é incluído na ‘sociedade’ após a saída de um dos beneficiários originais. Durante mais de dez anos, a terra foi mantida com posse coletiva, exceto 10 ha destinados para uma Escola Família Agrícola e o patrimônio do povoado, onde se localizam lotes de moradia, cada um com 3.000 m2. No ano 2000, como fruto de acirradas divergências internas, inclusive de opção partidária, 13 membros optaram por lotes individuais e criaram outra associação. Passaram-se mais dez anos e, em 2010, os demais sócios, incluindo Antonino e seu irmão, decidiram repartir a terra, ilustrando o dinamismo das contingências, como fruto da capacidade avaliadora dos agentes. Cada um recebeu cerca de 13 hectares, e 28 hectares de pasto foram mantidos com uso comum. As terras foram delimitadas para uso de cada família assentada, mas a individualização da área de uso não foi formalizada juridicamente, pois todos optaram pela titulação coletiva.

Antes de 85, quem tinha suas pequenas propriedades aqui cuidava, e quem não tinha se virava, pedia um pedaço de terra, arrendava. Quebrava coco aonde pudesse quebrar, mas nós não tínhamos pensamento coletivo. No final de 85, começamos com um grupo coletivo, buscando babaçu livre para todos, e no início de 86 ingressamos nessa luta pela posse da terra com um pensamento coletivo, onde nós podíamos ter um patrimônio para ter onde morar, uma área de reserva, nossa área de trabalho, uma área para um pequeno criatório, e o resto da terra ficando pra trabalhar toda a vida com nossos filhos, com esse objetivo de juntos buscarmos nosso direito como área de assentamento no governo

(Antonino, comunicação pessoal, nov. 2016).

Resgatando a descendência de Antônio Soares, foram constituídas 17 famílias nucleares, totalizando 62 pessoas (17 cônjuges). Em 2017, pelo falecimento de duas pessoas, as unidades domésticas totalizavam 16. A geração de Antonino constituía seis destas unidades, a de seus filhos somava nove e a dos netos era representada por uma unidade familiar (Tabela 3). Considerando estas famílias nucleares, observa-se que a maior parte (13) residia em São Manoel (Tabela 3). Próximo de 90% das unidades domésticas se estabeleceu na zona rural de Lago do Junco, seja na comunidade ou em comunidades vizinhas, e boa parte destas gradualmente incorporou patrimônio agrário adicional. Somente duas famílias, recém-constituídas, residiam fora do estado, trabalhando no Mato Grosso.

Tabela 3
Família Soares: composição, local de residência e acesso à terra em 2017.

Antonio Soares, ao se instalar nos anos 1950 em São Manoel, obteve o domínio de jure sobre 100 ha (de facto, apenas 97 ha). Em 2017, seus descendentes possuíam 257 ha (Tabela 3). A esposa do pioneiro mantém sua terra, embora reduzida a 84 ha, devido a desmembramento de fração para transferência a uma das filhas, e a área segue sendo explorada coletivamente pelos herdeiros homens. Considerando as 14 famílias nucleares que residiam na zona rural de Lago do Junco, quatro possuíam terra no assentamento, totalizando 48 ha. À época da entrevista, três destas haviam adquirido terras adicionais próximas ao povoado, num total de 67 ha. Outras quatro adquiriram 58 ha fora do assentamento. As demais seis unidades familiares consistiam de jovens casais: cinco filhos de assentados trabalhando nas terras dos pais, e outro na terra da família do cônjuge, em povoado vizinho.

Antonino conclui sua narrativa descrevendo a forma como seu grupo familiar lidou com a partilha da terra do pai, adotando práticas que, embora diferenciadas de acordo com o gênero, demonstram o reconhecimento ao direito de todos os herdeiros, com variações ao que foi exposto por autores em outros contextos do campesinato brasileiro (M. J. Carneiro, 2001Carneiro, M. J. (2001). Herança e gênero entre agricultores familiares. Estudos Feministas, 9(1), 22-55. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000100003
https://doi.org/10.1590/S0104-026X200100...
; Woortmann, 1990Woortmann, K. (1990). Migração, família e campesinato. Revista Brasileira de Estudos da População, 7(1), 35-53., pp. 46-47). A narrativa também expressa a agência contingenciada na estratégia de gradualmente aumentar o patrimônio agrário familiar, por meio de compra no mercado local de terras e de acordos informais, demonstrando protagonismo e ação coletiva que se refletem na convivência e no fortalecimento da comunidade como um todo.

Nós temos um cunhado que sempre tinha uns probleminhas com nós. Aí, um dia, chamamos nossos irmãos, fomos conversar, se não era bom tirar um pedaço de terra pra Nena [irmã casada com este cunhado], pra ver se melhorava a convivência. Aí, eu procurei eles, se nós ia fazer o inventário, porque se fosse, a gente ia gastar com advogado, juiz, mas se fosse acordo verbal, isso podia ficar feito. Nós tirava pra Nena, e surgiu uma venda de terra pra ali que era herança também, de um sobrinho do Adelino. Nós podia comprar uma área pra Dora [outra irmã]. Pra tirar esse pedaço pra Nena naquela nossa acolá, e comprar essa área pra ela [Dora]. E assim nós negociamos . . . A terra dela ia dar 8 hectares, porque só era o papai que tinha falecido, aí nós fizemos um acordo, tiramos logo toda. Tu cuida da tua vida, de teus filhos, vamos trabalhar . . . Aí compramos 18 ha pra Dora. Com a Dora não tinha acontecido briga, mas a gente não pode negar que a parte mulher depende mais do marido, a opinião mais é do marido. E ela entrou em acordo e nós fizemos isso, porque nós achava que nós quatro era melhor de levar . . . Ela ficou com uma área de 24 hectares, documentada no nome dela. E essa outra nossa, só tá no mapa. Lá ainda consta no nome do papai, mamãe tá em casa. E tamo trabalhando. Depois, conseguimos comprar mais uns pedacinhos de terra, pros meninos. Aí o Mundero hoje tem 26 ha de terra, e tem o assentamento. Eu tenho 6,5 e o assentamento. E tamo trabalhando nessa terra da mamãe, nós quatro. Cria pra ela, cria pro meu irmão, cria pra todo mundo, pros meus filhos, nós zela ela, nós faz açude, nós faz cerca, e tamos levando

(Antonino, comunicação pessoal, nov. 2016).

À GUISA DE CONCLUSÃO: AGÊNCIA E CONTINGÊNCIA NO ACESSO À TERRA E REPRODUÇÃO SOCIAL CAMPONESA NO VALE DO MEARIM

Os coordenadores da coleção “História social do campesinato no Brasil” afirmam que o acesso à terra e aos demais recursos produtivos necessários para a construção do patrimônio agrário se expressa como a dimensão mais visível das lutas camponesas, embora reconheçam outras estratégias de resistência para assegurar a reprodução da família camponesa (Godoi et al., 2009Godoi, E. P., Menezes, M. A., & Marin, R. A. (2009). Diversidade do campesinato: expressões e categorias. Construções identitárias e sociabilidades (Vol. 1). São Paulo: Editora UNESP., pp. 15-16). M. Almeida (1986, p. 68)Almeida, M. W. B. (1986). Redescobrindo a família rural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1(1), 66-83. já argumentava que, nessa resistência, camponeses adotam variadas estratégias face a pressões políticas e macroeconômicas, visando à reprodução da família para si, no modo conceituado como próprio do campesinato, mas sempre articuladas com sua inserção na sociedade capitalista. Nos casos estudados, verificamos que transações que articulam formas de acesso próprias do campesinato com o mercado local de terras expressam também parte dessa agência contingenciada.

A análise contextualizada das trajetórias dos três grupos familiares focalizados neste estudo permite-nos constatar as múltiplas alternativas adotadas e os desafios enfrentados pelo campesinato maranhense no vale do rio Mearim, desde o final do século 19, para, por meio da permanência na terra, viabilizar sua reprodução social. Em particular, as trajetórias estudadas possibilitam identificar não só as contingências às diversas formas de acesso à terra, como também a agência camponesa na articulação dessas formas, visando à constituição do patrimônio agrário. As contenções identificadas e avaliadas pelos agentes foram enfrentadas por meio de práticas exercitadas em relações de parentesco, compadrio e vizinhança, com suas variantes, pelos engajamentos em movimentos sociais e também por uma peculiar participação em transações no mercado local de terras.

Portanto, esta análise nos indica que, ao longo do período estudado, o campesinato do Médio Mearim tem evidenciado uma capacidade ‘prática-avaliadora’ destes grupos interfamiliares em conciliar modos de vida característicos ao sistema camponês que considera a terra pelo seu valor de uso, com pressupostos da terra pelo seu valor de troca em mercados locais, enquanto contingência de uma economia capitalista que a mercantiliza.

Essa capacidade de conciliação tem, porém, seu pedágio. Observamos, no caso de José Maria, o acesso à terra a partir da desintegração de antigas fazendas, que a reverteram a famílias de ex-escravos, ‘em troca dos mais de cem anos de escravidão’. O pedágio dessa assumida liberalidade dos patrões ocorreu por meio de práticas irregulares adotadas por cartórios, associadas à regularização desta terra: mais de 75% de uma área que atingia 1.200 ha foram apropriados por elites locais que, por décadas, exerceram influência em cartórios para benefício próprio. Portanto, vemos os limites de uma visão idealizada da agência camponesa em seu contingenciamento.

Outro exemplo da agência do camponês, face a essas contingências, mostra o caráter temporal na leitura das contenções situacionais, ilustrado pelo que ocorreu com as terras adquiridas pelo avô de José Maria ao longo das gerações. O próprio Claudísio perdera metade da área comprada, já no processo de demarcação, enquanto seus descendentes venderam integralmente para fazendeiros as parcelas herdadas. Neste exemplo do caráter situacional alertado por Oakley (2002)Oakley, A. (2002). Reconstructing economic theory: the problem of human agency. Cheltenham: Edward Elgar., meio século depois, com as mobilizações sociais pela reforma agrária, estas terras foram desapropriadas e destinadas a assentados, entre os quais representantes da geração mais jovem da própria família.

Na década de 1980, o trabalho sindical entrelaçou as trajetórias de José Maria e de Manoel a conflitos fundiários e resultantes desapropriações, que viabilizaram o acesso à terra para centenas de camponeses e, no caso de Manoel, sua própria inclusão como beneficiário de um projeto de assentamento. Já o ocorrido em Lago do Junco ilustra a situação de conflito fundiário causado por estratificação social interna ao campesinato, opressão e violência, seguido de ação coletiva, que resultou na intervenção estatal, já durante a vigência do Programa Nacional de Reforma Agrária. O acesso camponês à terra passou a ser ratificado por uma política fundiária baseada em assentamentos de reforma agrária, embora, neste caso, se tratasse de famílias que há gerações viviam nas terras recuperadas.

Sintetizando a agência de camponeses que resistem a pressões e crises, Theodor Shanin (2008, p. 25)Shanin, T. (2008). Lições camponesas. In E. T. Paulino & J. E. Fabrini (Orgs.), Campesinato e territórios em disputa (pp. 23-48). São Paulo: Expressão Popular. cita “a flexibilidade de adaptação, o objetivo de reproduzir o seu modo de vida e não o de acumulação, o apoio e a ajuda mútua . . . bem como a multiplicidade de soluções encontradas para o problema de como ganhar a vida”. Em nosso estudo, percebe-se que o papel da terra como esteio para a reprodução social, por meio da consolidação do grupo camponês, varia ao longo das trajetórias de famílias nucleares, grupos familiares extensos e mesmo de conjuntos de famílias, aparentadas ou não. Nessa variação, o processo de patrimonialização da terra, pela peculiar conjugação de formas próprias do campesinato e de participação no mercado, se torna evidente no Médio Mearim.

Examinando as narrativas em conjunto com os dados apresentados nas Tabelas 1 a 3, constatamos que a principal distinção entre os três casos é identificada por critérios delineados pelo estatuto camponês: ausência de lucro e assalariamento nas relações de trabalho, concepção da terra de trabalho diversa de mercadoria no mercado, primazia da unidade familiar na aproximação entre consumo e produção e no controle da força de trabalho, entre outros.

Atualmente, tais critérios só podem ser observados na consolidação e fortalecimento do grupo familiar dos Soares, que em unidade social coesa permaneceu nas terras de São Manoel e proximidades, com significativa expansão por processos de territorialização. Tal situação contrasta com os outros dois casos: tanto a venda do lote de assentamento e migração urbana, no caso dos Rodrigues, quanto a dispersão dos familiares e a redução de área ao longo das gerações, agora ocupada apenas por uma família nuclear com significativa redução de relações de trabalho camponês, no caso dos Carneiro.

Finalizaremos este artigo com nossa interpretação sobre as contingências e diferentes respostas por parte desses sujeitos, tomados como alegorias nesta análise, levando a resultados tão heterogêneos.

Para Antonino, os processos de territorialização combinaram a coesão intrafamiliar com a forte mobilização interfamiliar durante o conflito pelas terras de São Manoel. Essa combinação permitiu a constituição do patrimônio agrário não apenas para sua família, mas para toda a comunidade camponesa. Seu caso ilustra processos compreendidos pelos estudiosos como a realização do campesinato em sua forma mais clássica. Para Manoel, a terra foi diretamente vital somente até uma década após seu casamento. Com as contingências a lhe direcionar a trajetória, assumiu o trabalho sindical e associativo que consumiu o tempo e a energia necessários para a lida com a terra. Embora não fosse mais a base do sustento material de sua própria unidade familiar, a terra permaneceu como força motriz para seu discurso e atuação sindical. No entanto, sem uma coincidência entre discurso e prática, seu caso poderia ilustrar o fim do projeto camponês. Já José Maria, mesmo tendo vivenciado oportunidades semelhantes, não só permaneceu na terra, como interrompeu seu discurso e sua atuação pública no sindicato e movimento social. Para manter os investimentos numa terra na qual o vínculo afetivo é forte devido ao histórico familiar, entende necessário agenciá-la sem os estatutos camponeses, que interpreta restritivos à sua viabilização na economia capitalista.

Considerando os grupos familiares extensos, observamos que o acesso aos recursos fundiários na década de 1980 não necessariamente implica que lograrão a constituição de um patrimônio agrário que atenda suas necessidades ou fortaleça relações entre componentes do grupo social no presente. Isso se evidencia, principalmente, quando não há continuidade nos processos de territorialização pelas gerações seguintes, reforçadas por conexões intra e interfamiliares. No caso dos Rodrigues, a migração dos jovens às distantes terras no Amapá representou a desconexão com o grupo familiar, o mesmo tendo ocorrido com os Carneiro, que buscaram terras no Pindaré. Além disso, outros membros da família não aderiram à ação mais politizada dos protagonistas, assumindo posturas e atitudes que, quando não divergentes, resultaram fragmentações e reforçaram a desterritorialização de parte da família.

Em suas narrativas, tanto José Maria como Manoel transmitem o sentimento de ressignificação da terra e do trabalho na agricultura familiar para suas famílias. Para José Maria, a terra não se basta, precisa ser trabalhada com tecnologia para viabilizar-se numa economia de mercado, mesmo em detrimento à reprodução social camponesa. Manoel responsabiliza o desinteresse pela agricultura entre os mais jovens e o impedimento físico dos mais velhos, o que é visto como determinante para um futuro incerto para o campesinato contemporâneo. Estes dois casos ilustram que relações de parentesco, compadrio e vizinhança em si se mostram insuficientes para este campesinato suportar as contingências das últimas décadas.

A situação em São Manoel indica, contudo, que relações estabelecidas e normas consensuadas entre os vários grupos familiares que compõem uma determinada unidade social camponesa, localmente designada comunidade (R. Porro & N. Porro, 2014Porro, R., & Porro, N. S. M. (2014). Social roots of resource use routes in rural Maranhão, Brazil. Journal of Rural Studies, 36, 64-76. doi: 10.1016/j.jrurstud.2014.06.009
https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2014....
), são necessárias para gerar a perspectiva política para transformações na esfera pública (Comerford, 2003Comerford, J. C. (2003). Como uma família: sociabilidade, territórios de parentesco e sindicalismo rural. Rio de Janeiro: Relume Dumará.), essencial à sua reprodução social. Com efeito, a trajetória da família Soares e da comunidade São Manoel traz fortes evidências de que a reprodução social camponesa encontra respaldo quando redes de interação para além do parentesco são efetivamente consolidadas pela coesão interna pautada no enfrentamento comum de problemas do cotidiano.

As trajetórias narradas por Antonino, Manoel e José Maria são em si registro histórico relevante, ainda que particular de suas famílias. No entanto, são também alegorias que permitem substantivar dados gerais do numeroso campesinato maranhense. Assim como Manoel vende seu lote e se dirige para cidade, o número de estabelecimentos agropecuários no Maranhão, em 2017, resulta ser menos da metade dos 531 mil que existiam em 1985. Conforme dados do IBGE (2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2017). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado de https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017
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, 1985)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (1985). Censos Econômicos de 1985: Maranhão (Censo Agropecuário, n. 9). Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística., em 23 municípios do Médio Mearim, o número de estabelecimentos rurais reduz-se de 47 mil a 20 mil. Tal redução é observada nos extratos de maior vulnerabilidade. Nesse mesmo período, podemos observar que o sucesso de José Maria em manter sua pequena propriedade privada ilustra a situação de cerca de 8 mil proprietários no Médio Mearim que permanecem em áreas de 10 a 100 ha, indicando redução substancial em relação aos 19 mil reportados em 1985. Empiricamente, é possível verificar que, entre esse total de proprietários, poucos são camponeses que em 1985 já não possuíam o título da terra.

A narrativa de Antonino, na qual a saga de sua família extensa é combinada com a de toda sua comunidade camponesa, ilustra a inserção dessa combinação na esfera pública, em uma perspectiva política, materializada pelas ações da reforma agrária. A agência contingenciada expressa nessa narrativa ilustra experiências vividas em assentamentos de reforma agrária. Como resultado das lutas pela reforma agrária a partir de 1985, em todo o Maranhão, 132.301 famílias são assentadas em 1.028 áreas, compreendendo um total de 4,7 milhões de hectares, dos quais 221 mil no Médio Mearim, distribuídos em 15 municípios, nos quais estão assentadas 8.800 famílias em 87 projetos de assentamento (INCRA, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2017). Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado de https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017
https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo...
).

Nos sistemas sociais camponeses, a consonância entre contingência e agência na abordagem e no enfrentamento de contenções críticas na trajetória do grupo social é tanto causa quanto resultado da estrutura social, seja local, seja nacional, que lhes condiciona o acesso à terra. Com efeito, a resistência em São Manoel em muito se deveu à manutenção de uma estrutura local mais igualitária desde o período de ocupação inicial da terra, quando uma clivagem social mais pronunciada foi reiteradamente evitada, permitindo a constituição de um campesinato não subordinado a patrões, que, mesmo no momento atual, encontra estratégias para fortalecer sua territorialidade.

Os três casos estudados indicam, embora de formas distintas, a ocorrência de descontinuidades geracionais na conduta adotada frente às contingências, com consequências relevantes para as respectivas trajetórias familiares. Nos três casos, descontinuidades entre a postura dos sujeitos das narrativas e seus ascendentes diretos foram observadas. Por seu turno, a descendência dos três entrevistados, tendo compartilhado o engajamento político e social dos pais na esfera pública, também vivencia diferentemente as contingências vigentes a seu tempo. Em apenas um dos casos são mantidos práticas e discursos que tendem a expandir a base agrária do grupo familiar camponês extenso, ao passo que aparentes estagnação e contração são observadas nos outros dois casos, no recorte temporal analisado.

Em conclusão, cabe parafrasear Schmink e Wood (2012, p. 58)Schmink, M., & Wood, C. H. (2012). Conflitos sociais e a formação da Amazônia. Belém: Editora da UFPA., para novamente destacar as múltiplas dimensões em concorrência, simultâneas e sobrepostas, tanto palpáveis como abstratas que, ao lado do acesso direto à terra, estão em jogo no confronto entre direitos contraditórios. Nos casos estudados, em período recente, o recurso ao mercado formal de terras, quando combinado às formas específicas de apropriação do campesinato, se mostrou efetivo para atender aos anseios dos grupos familiares camponeses. Podemos, portanto, inferir que, sob os auspícios de uma forte mobilização social que já completou três décadas, formas renovadas de expressão da agência camponesa poderão ser expressas por protagonistas das novas gerações que, mesmo contingenciados por determinantes reajustados, tomarão decisões visando assegurar o patrimônio agrário e a reprodução social do campesinato no Médio Mearim maranhense.

  • 1
    O autor defendeu o desmantelamento de oposições binárias naquele momento histórico transnacional, pós-desenvolvimentista e globalizado, e enfatizou a dissolução de dicotomias entre rural/urbano, desenvolvido/subdesenvolvido e camponês/não camponês (Kearney, 1996Kearney, M. (1996). Reconceptualizing the peasantry: anthropology in global perspective. Boulder: Westview Press., p. 120).
  • 2
    Bourdieu (2007, p. 122)Bourdieu, P. (2007). A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo, Porto Alegre: EDUSP, Zouk. define reprodução social como o conjunto de práticas pelas quais “os indivíduos ou as famílias tendem, inconsciente e conscientemente, a conservar ou aumentar seu patrimônio e a manter ou melhorar sua posição na estrutura da relação de classes”.
  • 3
    Para Schneider (2003, pp. 100-101)Schneider, S. (2003). Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 99-122. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092003000100008
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909200300...
    , pluriatividade é a forma de organização do trabalho em que indivíduos de famílias com mesmo domicílio rural se dedicam a atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas ao cultivo da terra, cada vez menos executadas no estabelecimento rural.
  • 4
    Contudo, especialmente a partir de 2017, tal tendência apresenta intensa guinada em desfavor a esse campesinato, cuja tradição se funda no uso comum da terra e de outros recursos naturais, concretizada na legislação (Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal... Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20disp%C3%B5e%20sobre,da%20Uni%C3%A3o%3B%20e%20d%C3%A1%20outras
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 5
    Adotamos o conceito de grupo familiar camponês extenso (Camargo, 1976Camargo, C. P. F. (1976). Família e religião na sociedade rural em mudança. In T. Szmrecsányi & O. Queda (Orgs.), Vida rural e mudança social (pp. 177-190). São Paulo: Companhia Editora Nacional.) para designar a categoria que abarca ascendentes, descendentes e colaterais dos sujeitos da pesquisa, definidos, sobretudo, porém não exclusivamente, por relações de parentesco, e cujo local de residência não necessariamente coincide com o do sujeito. Este conceito, designado cluster por Harris (2000)Harris, M. (2000). Life on the Amazon. The Anthropology of a Brazilian peasant village. Oxford: Oxford University Press, The British Academy. em seu estudo na várzea amazônica, se aproxima à categoria êmica de família em seu sentido mais largo, muito comum no vale do Mearim. Optamos pela designação para diferenciá-la da família extensa, quando referida a situações em que o grupo doméstico (unidade residencial e de consumo) é formado pela família nuclear acrescida de aparentados. Para uma perspectiva mais ampla sobre os significados de família no meio rural brasileiro, ver M. Almeida (1986)Almeida, M. W. B. (1986). Redescobrindo a família rural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1(1), 66-83..
  • 6
    Agentes no processo de politização e engajamento de trabalhadores rurais não assalariados que, sobretudo a partir da década de 1980, atuam na mobilização para resistência à expropriação, pela reforma agrária e políticas em prol da reprodução social camponesa (Favareto, 2006Favareto, A. (2006). Agricultores, trabalhadores. Os trinta anos de novo sindicalismo rural no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21(62), 27-44. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000300002
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909200600...
    , p. 32; Novaes, 1987Novaes, R. R. (1987). De corpo e alma: catolicismo, classes sociais e conflitos no campo (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).
  • 7
    Conceito apresentado na teoria de estruturação de Giddens (1984)Giddens, A. (1984). The constitution of society: outline of the theory of structuration. Berkeley: University of California Press., ao se referir a múltiplas fontes de informação e conhecimento, e à necessidade de refletir sobre as condições estruturais da vida para formular e seguir procedimentos de ação.
  • 8
    Leonarda Musumeci (1988, p. 65)Musumeci, L. (1988). O mito da terra liberta: colonização espontânea, campesinato e patronagem na Amazônia Oriental. São Paulo: Vértice. destaca a centralidade deste termo no discurso camponês no vale do Mearim, para designar os domínios familiares de apropriação da terra, incluindo-se a extensão e a antiguidade da posse, e o objeto das transações mercantis a esta relacionadas.
  • 9
    Verifica-se, portanto, a incorporação, pelo campesinato, de instituto adotado por grandes proprietários que, como apresentado por Bezerra (2018, p. 71)Bezerra, E. R. (2018). A territorialidade camponesa: os centros agrícolas como um lugar de integração ao capital. Gleba Boca da Mata/Barreirão no município de João Lisboa-MA (1950-1987) (Tese de doutorado). Estudos Históricos Latino-Americanos, Universidade Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil., ao analisar a ocupação camponesa no sul do Maranhão, concediam-lhe o cultivo de roças em terras florestadas, sem pagamento de renda, para que estes “amansassem” suas terras.
  • 10
    Mota (2008)Mota, M. S. (2008). Posse e propriedade da terra no Brasil: das cerimônias de posse à propriedade privada da terra. Trajetos - Revista de História da UFC, 6(11), 139-159. destaca o uso, desde o período de apropriação das terras por colonizadores brancos/cristãos no continente americano, de noções estereotipadas e até preceitos bíblicos, como ‘sujeitar a terra’, atribuindo-lhe visões de paisagens exóticas e, sobretudo, negando a alteridade dos habitantes originários destas terras novas.
  • 11
    De acordo com Velho (1976, p. 192)Velho, O. G. (1976). Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento. São Paulo: Difel., “. . . a oposição centro-beira sintetizava outras oposições através da qual a fronteira camponesa definia sua identidade ligada a uma expansão continental em contraste com uma expansão anterior predominantemente fluvial. Enquanto centro referia-se à noção de centro da floresta, próximo à natureza incontrolada, beira era compreendida como sendo o lugar onde se situavam os povoados maiores e mais antigos, o que se poderia referir como civilização [ênfases adicionadas]”.
  • 12
    Leonardo Boff (1986)Boff, L. (1986). E a igreja se fez povo. São Paulo: Círculo do Livro. argumenta que as comunidades eclesiais de base representam a prática da libertação popular, e a Teologia da Libertação, a teoria desta prática. Sobretudo na América Latina, a partir do final da década de 1960, a Teologia da Libertação orientou a intervenção social da Igreja, não isenta de uma prática política concreta no que diz respeito à sua responsabilidade para com a defesa dos direitos humanos e que, no universo eclesial, encontrou-se firmada na adoção pela opção preferencial pelos pobres (E. Santos, 2015Santos, E. D. (2015). Teologia da Libertação: identidade sociorreligiosa das comunidades eclesiais de base. In Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR, Juiz de Fora. Recuperado de https://pdfs.semanticscholar.org/aff8/e8f955d2ea9d58a33b8c000afcf1a9e6bcad.pdf.
    https://pdfs.semanticscholar.org/aff8/e8...
    ).
  • 13
    Os três entrevistados autorizaram a divulgação de seus nomes, não sendo necessário o uso de pseudônimos.
  • 14
    Fundada em 1989 e dirigida por agricultores familiares e quebradeiras de coco babaçu. É considerada uma organização de base inovadora na ênfase da estreita articulação entre lideranças para mobilização social e profissionais contratados para assessoria técnica, econômica e política, estimulando sistemas cooperativistas e associativos no Médio Mearim.
  • 15
    Costume, regra ou padrão de casamento que determina a morada de um novo casal no local de residência da mulher ou junto da sua comunidade de origem.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa recebeu financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processo 473938/2013-8). Os autores agradecem os dois revisores anônimos pelas sugestões que em muito enriqueceram o conteúdo final. A José Maria, Manoel e Antonino, nossa gratidão e admiração.

  • Porro, R., & Porro, N. S. M. (2020). Agência e contingência no acesso à terra e reprodução social camponesa no vale do rio Mearim, estado do Maranhão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 15(3), e20190144. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2019-0144

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2019
  • Aceito
    25 Maio 2020
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