Acessibilidade / Reportar erro

Urgência de não ficção: enfrentamentos políticos e literários do jornalismo narrativo

On the urgency of nonfiction: narrative journalism and its political and literary challenges

Resumo

Neste artigo, investigo a declaração recorrente de escritores e jornalistas latino-americanos sobre a impossibilidade de se fazer ficção em face de contextos opressores. Analiso duas narrativas, Garotas mortas, de Selva Almada, e Os vampiros da realidade só matam pobres, de Eliane Brum, que se apresentam como relatos factuais de intervenção. Minha hipótese é de que se a ficção se apresenta como impossível, ela é também imprescindível, uma vez que esse tipo de narrativa a exige. Para isso, discuto a emergência e as ambiguidades da noção de não ficção e proponho, a partir de Jacques Rancière, o entendimento de ficção como estrutura inteligível erguida por meio do encadeamento de situações e de atores determinados, o que obscurece limites entre literatura e jornalismo. Na análise das obras, evidencio os atravessamentos do documental para o literário e o modo como certa consciência ficcional se manifesta textualmente, mesmo diante da urgência afirmada de não ficção.

Palavras-chave
jornalismo narrativo latino-americano; ficção; testemunho

Abstract

In this paper, I investigate the recurrent statement made by Latin American writers and journalists about the impossibility of writing fiction in oppressive contexts. I analyze two narratives, Dead girls, by Selva Almada, and The vampires of reality only kill the poor, by Eliane Brum. The stories are presented as factual narratives of intervention. My hypothesis is that if fiction is claimed to be impossible, it is also essential since narratives of this kind demand it. I first discuss the emergence and ambiguities of the nonfiction notion and propose, based on Jacques Rancière, the understanding of fiction as an intelligible structure constituted by the enchainment of certain situations and actors. This idea of fiction blurs the boundaries between literature and journalism. In the narrative analysis, I demonstrate the crossings from the documental to the literary and the way in which a certain fictional awareness is textually manifested, even in the face of the alleged urgency of nonfiction.

Keywords
Latin American narrative journalism; fiction; witness

Introdução

A trajetória literária do escritor argentino Rodolfo Walsh é muitas vezes descrita pela passagem do conto policial à reportagem, percurso que é o da busca por uma forma mais abertamente política para narrar realidades opressoras como a de seu país, marcada, no século 20, pela violência de sucessivos golpes militares. No prólogo à primeira edição em livro de Operação massacre, publicada em 1957, Walsh afirma que escreveu a obra para que agissem. “Investiguei e relatei estes fatos assombrosos para levá-los ao conhecimento do público da forma mais ampla possível, para que inspirem espanto, para que nunca mais tornem a se repetir” (WALSH, 2010WALSH, R. Operação massacre. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 206).

Mesmo os que advertem que o caminho de Walsh do “sarau até a trincheira” (MOLINA; GOLDONI, 2010MOLINA, S; GOLDONI, R. P. Apresentação. In: WALSH, R. Essa mulher e outros contos. São Paulo: Ed. 34, 2010. p. 7-14., p. 8) não deve ser entendido de modo linear, reconhecem que a realidade premente da América Latina no final dos anos 1960 fez com que “o ficcionista saísse de cena”. A necessidade de articulação entre literatura e luta política foi objeto de constante reflexão por parte de Walsh, como neste excerto de entrevista concedida a Ricardo Piglia, em que disserta sobre o imperativo do romance — a cobrança para que escritores cultivem o gênero, que ele entende como de concepção burguesa:

Seria preciso ver até que ponto a ficção — o conto e o romance — não é por si só a arte literária correspondente a uma determinada classe social num determinado período de desenvolvimento e, nesse sentido e somente nesse sentido, é provável que a arte da ficção esteja chegando ao seu esplendoroso final, esplendoroso como todos os finais, no sentido provável de que um novo tipo de sociedade e novas formas de produção exijam um novo tipo de arte mais documental, que se atenha muito mais ao que pode ser mostrado.

(WALSH, 2010WALSH, R. Operação massacre. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.a, p. 238).

Para Walsh, a denúncia trazida ao romance torna-se ineficaz, uma vez que se sacraliza como arte e passa a constituir um mundo autônomo. O autor idealiza uma literatura que possa não representar, mas apresentar, por isso a forma da reportagem, do jornalismo narrativo e suas materialidades possíveis — a publicação dos relatos em jornais e depois várias edições em livros (BRIZUELA, 2010BRIZUELA, N. Posfácio. In: WALSH, R. Operação massacre. São Paulo: Companhia das letras, 2010. p. 259-270.) — parece-lhe mais eticamente adequada para responder à violência militar.

Neste século, a escritora argentina Selva Almada (2018)ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., autora de Garotas mortas, sobre o feminicídio em seu país, afirmou a necessidade de que o livro fosse uma não ficção, “gênero”, segundo ela, mais apropriado para o testemunho1 1 Entrevista disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=8kwJJz-7ZvU>. Acesso em: 26 maio 2021. As citações deste parágrafo foram retiradas do vídeo. . Interessava-lhe narrar o particular — nomes e lugares reais, onde os crimes ocorreram, assim como as datas específicas — para que “não haja nenhuma dúvida de que essas mulheres existiram, não eram personagens literárias [...] e que alguém, arbitrariamente, decidiu matá-las”. Para Almada, a obra, entre a reportagem e o testemunho, é uma forma de reparação a essas mulheres, uma vez que não houve reparação por parte da justiça.

Em outro contexto, a jornalista brasileira Eliane Brum também defendeu a não ficção para o registro de uma realidade urgente que impede a passagem para literatura:

Quando fui convidada para contar a tragédia da doença de Chagas na região boliviana de Narciso Campeiro, eu planejava escrever um conto de terror — uma ficção. Mas, ao alcançar os povoados rurais, descobri que a Vinchuca era o primeiro vampiro real que eu conhecia... Tão excessivamente real que não virou mitologia. Ao me contar o percurso de sua vida, cada homem, mulher e criança esperava que eu pudesse levar sua voz ao mundo. Cada um deles esperava que pudesse lhe arrancar a maior de todas as dores, que é a dor de ser invisível. Não pude traí-los. Então escrevi a história como eu a vi — e como me foi contada

(BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 47-48).

Nesse excerto, é possível distinguir traços do projeto jornalístico de Brum, em que o reconhecimento do indivíduo passa pela narrativa. Ser digno de ter a história contada é condição para visibilidade e autoestima. “Ser contadora de histórias reais é acolher a vida para transformá-la em narrativa de vida. É só como história contada que podemos existir”, escreveu em sua autobiografia (BRUM, 2014______. Meus desacontecimentos. São Paulo: Leya, 2014., p. 111). Como repórter, Brum torna-se uma testemunha no sentido alargado proposto por Jeanne Marie Gagnebin (2006, p. 57)GAGNEBIN, J. M. Memória, história, testemunho. In: GAGNEBIN, J. M. Lembrar, escrever, esquecer. 2ª. ed. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 49-57, que abrange, para além da testemunha direta, “aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro [...]”2 2 Ver a excelente discussão de Ana Cláudia Peres (2017) sobre reportagem e testemunho em sua tese de doutorado O que resta dos fatos. . Mantém-se, ainda uma vez, a crença de que a transmissão simbólica pode tanto refundar o presente como impedir que atrocidades do passado se repitam.

Essas reivindicações indicam que há, na percepção de escritores e jornalistas latino-americanos, violências contumazes cuja gravidade prende determinada vertente narrativa ao rés-do-chão da reportagem. Pretendo, neste artigo, por meio da análise da obra Garotas mortas, de Selva Almada, e da reportagem Os vampiros da realidade só matam pobres, de Eliane Brum, investigar as alegadas faculdades da não ficção e seu traço ético que, em contextos de violência, cava-lhe a diferença ou distância em relação à ficção. Dois aspectos norteiam, de início, a análise que objetiva compreender essa retórica da não ficção: que elementos operam nos textos como estratégia para emergência do documental e bloqueio do imaginário? Se, como propõe Wolfgang Iser (2002, p. 970)ISER, W. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. In. LIMA, L. C. (org.). Teoria da literatura em suas fontes. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 955-987., um dos atos de fingir refere-se à marcação do texto como artefato diverso da realidade, que designa um contrato em que o leitor está diante de um “discurso encenado”, a não ficção busca construir discursivamente a convenção contrária. Já o segundo aspecto é contraponto a esse primeiro: que elementos acabam por explicitar a tessitura dessas mesmas narrativas, fazendo delas estruturas inteligíveis ao modo da ficção?

Minha hipótese é que se, como coloca Walsh e outros escritores e jornalistas, a literatura não é possível, ela é também imprescindível. Deslocando a questão trazida por Adorno (2003, p. 55)ADORNO, T. W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. p. 55-63. sobre a posição do narrador no romance de meados do século 20 — “não se pode narrar, embora a forma do romance exija narração” —, proponho que não se pode fazer literatura, embora a não ficção a exija. Isso implica que a intenção de abordar vidas reais e ordinárias para fora do romanesco demanda, ainda assim, enredos e personagens, constituídos não por verossimilhança, mas pela necessidade de a reportagem narrar para fazer circular socialmente sua denúncia.

Para o percurso argumentativo, divido o artigo em quatro segmentos, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte, trato da noção de não ficção que, a despeito de sua precariedade e abrangência, se impôs como gênero no século 20. Proponho, então, a partir da leitura que Jacques Rancière (2009, 2017)RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. faz da poética aristotélica, o entendimento de ficção como racionalidade construída a partir do encadeamento causal, o que permite questionar a clivagem entre ficção e não ficção no jornalismo narrativo. As duas partes que se seguem são análises das obras já referidas de jornalismo narrativo, Garotas Mortas e Os vampiros da realidade só matam pobres. A análise faz uso de categorias da narrativa (o estatuto do narrador, o grau de testemunho, sua relação com a matéria narrada, reflexividades, descrições e efeitos de real), mas considera a função social do gênero, defendida pelas autoras, que objetiva registrar e denunciar. Busco demonstrar a relação paradoxal em que narrativas produzidas para intervir, alegadamente afastadas da ficção, agem pela força do enredo e sua concatenação causal dos fatos, permeadas por artifícios poéticos.

Ascensão da não ficção

A expressão “não ficção” (nonfiction) é relativamente recente, tendo sido usada pela primeira vez por bibliotecários ingleses, no início do século 20, para separar a literatura considerada edificante da do entretenimento (D’AGATA, 2015D’AGATA, J. Não ficção. In: Serrote. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2015. n. 25. p. 160-163,). O rótulo, como demonstra John D’Agata (2015)D’AGATA, J. Não ficção. In: Serrote. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2015. n. 25. p. 160-163,, é termo apofático e, em certo grau, misógino na origem, pois afirmava-se, à época, que a literatura séria — ainda que os atributos desta não fossem definidos — era consumida predominantemente por homens. A literatura de entretenimento que se consolida no século 19 e avança sobre o 20 é o romance, de público predominantemente feminino. A classe leitora do romance, como demonstra Watt (1990)WATT, I. A ascensão do romance. São Paulo: Companhias das Letras, 1990., constituiu-se a partir do século 18, em grande parte por mulheres de classes alta e média, que tinham mais tempo livre e adotaram o romance como objeto principal de lazer.

“Não ficção” é também um termo precário por sua imprecisão e abrangência. Engolfa uma quantidade de formas culturais específicas como a reportagem, a biografia, a narrativa de viagem, ensaios, entre outras. No entanto, D’Agata reconhece que “a ‘não ficção’ eclipsou meia dúzia de outros termos literários para tornar de fato a bandeira que tremula sobre tudo que se estende do jornalismo à memória, impondo as mesmas normas estéticas ao que está à sua sombra” (D’AGATA, 2015D’AGATA, J. Não ficção. In: Serrote. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2015. n. 25. p. 160-163,, p. 163).

Se a expressão surge como hostilização ao romance, parte de sua popularização, a partir da década de 1960, deveu-se à aproximação com o gênero no Novo Jornalismo estadunidense. Truman Capote reivindicou — primeiramente, por meio de The muses are heard e, posteriormente, por A sangue frio — a criação de um novo gênero, o romance de não ficção. Ambicionava escrever um “romance jornalístico, uma obra de grande porte que tivesse a credibilidade do fato, a instantaneidade do cinema, a profundidade e a liberdade da prosa, e a precisão da poesia” (CAPOTE, 2006CAPOTE, T. Prefácio. In: CAPOTE, T. Música para camaleões. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 9-17., p. 13). Pretendia-se efeito contrário ao de um roman à clef. Disfarces e biombos deviam ser removidos e, em contraposição à advertência comum nos livros de ficção, a de que as personagens só possuem realidade naquele mundo inventado, a não ficção afirma e explora essa correspondência como modo de envolver mais fortemente o leitor. Para Tom Wolfe (2005)WOLFE, T. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., há duas dobras de realismo na não ficção: a primeira referente às técnicas do romance de realismo social cujo efeito de transparência e de realidade concreta é como a eletricidade, imprescindível desde sua invenção. A segunda dobra dá à não ficção uma vantagem em relação ao “envolvimento absoluto do leitor” e está no “simples fato de o leitor saber que tudo aquilo aconteceu” (WOLFE, 2005WOLFE, T. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p 57, grifo do autor).

Janet Malcolm (2011)MALCOLM, J. O jornalista e o assassino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., que considera o trabalho do escritor de não ficção mais fácil do que o do ficcionista, pois o jornalista já encontra a trama e as personagens disponíveis na realidade imediata, identifica nessas narrativas a correspondência com o desejo do público. O leitor é mais condescendente com a narrativa de não ficção porque reconhece no gênero um aspecto instrutivo: “uma obra sobre algo que é verdadeiro, sobre coisas que realmente aconteceram e pessoas que de fato viveram ou vivem, tem o seu valor por ser apenas isso” (MALCOLM, 2011MALCOLM, J. O jornalista e o assassino. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 149).

O argumento de que o leitor de não ficção é atraído pelo factual diverge, à primeira vista, segundo Phyllis Frus (1994)FRUS, P. The politics and poetics of journalistic narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., do entendimento acerca do engajamento criado pela ficção. Na poética aristotélica, nosso prazer com a literatura vem da consciência de que estamos lidando com o imitado, não com a realidade imediata. Somente assim podemos contemplar e ao mesmo tempo nos envolver emotivamente com cenas e acontecimentos que seriam repulsivos na vida real. Como explica Samuel Johnson em “Prefácio a Shakespeare”, “o deleite da tragédia vem de nossa consciência da ficção; se achássemos que os assassinatos e traições são reais, eles não nos dariam mais prazer” (JOHNSON apud FRUS, 1994FRUS, P. The politics and poetics of journalistic narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 158, tradução nossa).

Para Frus (1994)FRUS, P. The politics and poetics of journalistic narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., contudo, a diferença entre o engajamento do leitor na não ficção e na ficção é apenas aparente, pois ambas as formas operam por meio da representação da realidade na mente do leitor. Frus discorda de Wolfe quando este considera que a narrativa do novo jornalismo é tomada pelo leitor como a própria realidade. “Lemos da mesma maneira uma história verdadeira ou inventada, cedendo à realidade criada e negligenciando o medium da narração, a não ser que ele se torne não transparente” (FRUS, 1994FRUS, P. The politics and poetics of journalistic narrative. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 160, tradução nossa). A distinção entre nossa resposta à ficção e à não ficção não está no nível do texto, mas em aspectos exteriores a ele, como o enquadramento em determinada série discursiva e em convenções como as jornalísticas, que atuam sobre a produção textual e nossa resposta a ela. O jornalismo narrativo é um “gênero contratual”, como na expressão de Philippe Lejeune (2008)LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. utilizada para a biografia, que possui balizas de objetividade norteadoras da escrita e limitadoras da imaginação. Esse contrato propõe uma função social e um modo de leitura, que pressupõe que o leitor se torne, em algum grau, uma testemunha — e nessa condição ele pode carregar algum peso ou responsabilidade — acerca de um evento do mundo histórico.

Essa não é, evidentemente, uma forma de prazer, ainda que o jornalismo narrativo possa entreter o leitor por meio do enredo. Não se deve, ainda, afastar por completo o prazer estético do jornalismo narrativo, que pode emergir, por exemplo, quando o estilo de um escritor como Walsh se impõe — ainda que, no caso específico, o autor enfatize a transitividade de seus relatos. No entanto, a recompensa ofertada ao leitor pelo jornalismo narrativo é, proeminentemente, de acordo com a função social do gênero, da ordem do informativo e do interpretativo. A face jornalística de sua natureza promete reduzir nossa ignorância acerca do mundo, com alguma instrução para a vida social. Todavia, seu modo de conhecimento é narrativo, se dá por meio de histórias, o que permite ao leitor acessar e compreender realidades humanas que escapam ao jornalismo cotidiano.

Estruturas inteligíveis

A partir do último quarto do século 20, outro entendimento de ficção, estabelecido por meio da recuperação da poética aristotélica e de sua ênfase na totalidade orgânica, obscurece as fronteiras entre as séries discursivas. Para Rancière, ficção não equivale a mundos imaginários, mas a uma estrutura de racionalidade:

[...] um modo de apresentação que torna as coisas, as situações ou os acontecimentos perceptíveis e inteligíveis; um modo de ligação que constrói formas de coexistência de sucessão e de encadeamento causal entre os acontecimentos e confere a essas formas as características do possível, do real ou do necessário. Ora, essa dupla operação é exigida em toda parte onde se trata de construir um certo sentido de realidade e de formular a inteligibilidade

(RANCIÈRE, 2017______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., p. 12).

Logo, ficção não se opõe a ciência, pois esta se utiliza daquela para encadear causas e efeitos e propor esquemas explicativos e de ação política. A condição de que o real precisa ser posto em ficção para ser pensado não implica, no entanto, de acordo com Rancière (2009, p. 58)RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009., que tudo seja ficção, mas que “modelos de conexão entre apresentação dos fatos e formas de inteligibilidade”, utilizados por historiadores, jornalistas e cientistas sociais, tornaram indiscerníveis as razões do fato e da ficção. Como propusera antes Hayden White (1998)WHITE, H. The historical text as literary artefact. In: FAY, B; POMPER, P; VANN, R. T. History and theory. Oxford: Blackwell, 1998. p. 15-33., historiadores constroem enredos para tornar inteligíveis a singularidade dos eventos que narram, sendo que essa urdidura é feita a partir de uma trama cultural pré-genérica, compartilhada com a literatura e pelos leitores. Assim como os ficcionistas, historiadores dotam o que “originalmente aparenta ser problemático e misterioso de aspectos reconhecíveis” por meio de uma forma familiar (WHITE, 1998WHITE, H. The historical text as literary artefact. In: FAY, B; POMPER, P; VANN, R. T. History and theory. Oxford: Blackwell, 1998. p. 15-33., p. 31, tradução nossa). A despeito de a historiografia tratar do mundo real, seus artifícios para propor modelos de compreensão são, de acordo com White, os mesmos da ficção literária.

A ficção constitui-se por meio de um fio narrativo em que as partes se submetem ao todo, no desenvolvimento harmonioso da intriga. Rancière se utiliza de uma imagem forjada por um crítico de Joseph Conrad para descrever aquilo que fundamenta a ficção: “uma coluna vertebral que faz dela um corpo que se mantém de pé por si mesmo” (RANCIÈRE, 2017______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., p. 10). Nessa organização das ações, a ficção, conforme a poética clássica, realiza uma distribuição hierárquica do visível, pois somente homens ativos e extraordinários, superior aos comuns, “vivem ao nível da totalidade” (RANCIÈRE, 2017______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., p. 21) e podem desafiar vontades e o acaso para tentar realizar grandes feitos. Aos homens comuns era reservado um gênero mimético baixo. “Certamente, a plebe sempre teve lugar na ficção. Mas era, justamente, o lugar subalterno ou o gênero inferior no qual lhes era permitido divertir a plateia agindo e gesticulando como convém a esse tipo de pessoa” (RANCIÈRE, 2017______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., p. 24).

Essa estrutura hierárquica da relação entre gêneros e a dignidade dos temas é rompida pelo regime a que Rancière (2009, p. 32)RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. denomina estético, em que o sensível da arte passa a ser “habitado por uma potência heterogênea” que faz do anônimo tema artístico. Ali, inaugura-se, com o realismo, a nova ficção, em que o fio da narrativa se enfraquece e a descrição do pormenor predomina sobre a ação. Isso faz com que o relato se dê por uma sucessão de quadros, que um crítico progressista como György Lukács (2010)LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In: LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura. 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 149-185. apreende como a equalização entre as coisas e os indivíduos. “A descrição rebaixa os homens ao nível das coisas inanimadas” (LUKÁCS, 2010LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In: LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura. 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 149-185., p. 171). Para Lukács (2010)LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In: LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura. 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 149-185., o naturalismo, ao nivelar o homem com as naturezas mortas, registra, no imobilismo, a reificação capitalista. Rancière afirma, contudo, que esses quadros inclusivos, como uma cadeia de percepções e afetos, não são imóveis, mas compõem uma nova textura que multiplica os acontecimentos sensíveis e democratiza a população ficcional. Essa democratização realizada pela escola realista faz com que, por exemplo, em Gustave Flaubert, “a filha do fazendeiro e a mulher do banqueiro sejam capturadas pela mesma potência de estilo” (RANCIÈRE, 2009RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009., p. 47) e uma gama de personagens antes excluída passe a ter os sentimentos apreendidos na narrativa. Na travessia para o século 20, de acordo com Rancière (2017)______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., o núcleo candente da ficção passa a atuar para iluminar a névoa constituída de microacontecimentos sensíveis que o rodeia.

A reportagem dedicada ao universo dos anônimos é devedora dessa nova ficção, embora permaneça presa à intriga, não propriamente por verossimilhança — porque pretende tratar do que aconteceu —, mas por necessidade midiática de tornar aquelas vidas legíveis para construir a denúncia social. O jornalismo narrativo, juntamente com narrativas e teorias sociais modernas, é a democratização do mundo trágico. Se, na ficção clássica, somente os seres da ação pertencentes à aristocracia eram heróis de trajetória racionalizada pelo encadeamento das causas, o jornalismo preponderantemente narrativo fez das vidas das pessoas sem importância assunto de peripécias. “Um ser humano, qualquer um, é infinitamente mais complexo e fascinante do que o mais celebrado herói”, sustenta Eliane Brum (2006, p. 195)BRUM, E. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2006. em A vida que ninguém vê, conjunto de relatos sobre vidas anônimas publicados originalmente em coluna de jornal.

Rancière (2017)______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017. encerra a primeira parte de O fio perdido com comentário a Elogiamos os homens ilustres do repórter James Agee e do fotógrafo Walker Evans — cujos retratos frontais de anônimos já haviam sido citados em A partilha do sensível (RANCIÈRE, 2009RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.) como expressão da dignificação do ordinário como tema. A obra de Agee e Evans (2009)AGEE, J; EVANS, W. Elogiemos os homens ilustres. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. foi feita a partir de reportagem encomendada pela revista Fortune para registrar a vida de meeiros no Alabama durante a Grande Depressão estadunidense. Rancière (2017)______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017. vê em Agee um herdeiro da ficção moderna que, ao expandir a sensibilidade e tornar poéticos elementos insignificantes da vida daqueles meeiros, busca sabotar a máquina do jornalismo. Mas esse é outro paradoxo dessa não ficção: ao buscar arrancar as vidas anônimas do lugar social a que foram consensualmente colocadas, ela as inscreve na distribuição hierárquica do sistema de informação, em que essas vidas são narradas e raramente narram (RANCIÈRE, 2010______. O espectador emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.).

A mulher dos ossos

Garotas mortas, livro publicado originalmente na Argentina, em 2014, narra os crimes contra três mulheres na década de 1980, em cidades do interior daquele país: Andrea Danne, de 19 anos; María Luisa Quevedo, de 15 anos, e Sarita Mundín, de 20 anos. Andrea e María Luisa foram assassinadas e Sarita Mundín é considerada desaparecida — os casos não foram solucionados. Em espectro amplo, a obra funde jornalismo e testemunho. O relato não se restringe aos três casos, mas os traz à frente, conduzidos pela primeira pessoa da autora-narradora, para denunciar assassinatos e outras formas de violência que configuram a situação-limite do feminicídio na Argentina, “em que uma mulher pode ser morta pelo simples fato de ser mulher” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 13).

Márcio Seligmann-Silva (2005)SELIGMANN-SILVA, M. O local da diferença. São Paulo: Editora 34, 2005. considera que a narrativa de testemunho se formou na América Latina com características próprias que a diferem do testemunho europeu, ancorado na Shoah e numa poética da fragmentação e dos limites da linguagem. O testemunho latino-americano, segundo o autor, tende à reportagem que busca reparação por meio da apresentação de fatos e documentos. Procura conquistar uma voz para o subalternizado, por isso, muitas vezes, pretende-se uma mediação transparente, em que o escritor (jornalista, antropólogo, sociólogo, entre outros) possa se tornar porta-voz de populações violentadas, por vezes analfabetas. As mulheres da narrativa de Almada não podem falar porque, em sua maioria, estão mortas, mas a escritora não é uma mediadora que se apaga; ao contrário, como dito, narra também a própria história atravessada pelas das garotas e por outros testemunhos, como o de María Fabiana, irmã de Andrea. Sabemos com Beatriz Sarlo (2007) que a primeira pessoa do testemunho é fonte de autoridade e demanda confiança. Seu relato torna-se blindado e repele, até certo ponto, a análise. “O texto em primeira pessoa oferece um conhecimento que, de certo modo, tem caráter indiscutível, tanto pelo imediatismo da experiência como pelos princípios morais que foram violados” (SARLO, 2007, p. 86-87).

A morte de Andrea, assassinada em seu quarto com uma faca cravada no peito, é a primeira abordada no livro, por meio de notícia de rádio em cena cotidiana da narradora: “Eu tinha treze anos e, naquela manhã, a notícia da garota me chegou como uma revelação. Minha casa, a casa de qualquer adolescente, não era o lugar mais seguro do mundo” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 12). A primeira pessoa de Almada é um modo autenticado de expor as agressões sofridas por ela no cotidiano — formas menores de violência, se comparadas à morte das mulheres, mas, como a autora reconhece, são registros de micromachismos que compõem a cultura do feminicídio.

O biográfico em Almada expande-se nas histórias de violência da vizinhança, de sua cidade interiorana e nos vilarejos vizinhos. Os casos de feminicídio se multiplicam pela Argentina por meio das notícias de jornais que são citadas na narrativa na condição de documento. Outro recurso documental é a transcrição de trechos dos processos das mulheres assassinadas. O corpo que se acreditava ser de Sarita Mundín é assim descrito em peça criminal: “Os restos se encontravam em posição transversal em relação ao leito do rio, em decúbito dorsal, com a porção inferior voltada para a margem, a porção direita contra a correnteza e o flanco esquerdo a favor da mesma” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 84). Excertos como esse atestam os crimes sob a luz fria da linguagem de perícia criminal, que serve à investigação. Deslocados dessa função, as passagens assumem outro papel na narrativa, para além da natureza factual: a de, mais uma vez, representar a desumanização do corpo feminino, já social e culturalmente obliterado. O recurso evoca-nos o capítulo “La vida inconclusa”, que encerra a obra de Sergio González Rodríguez (2002)RODRÍGUEZ, S. G. Huesos en el desierto. Barcelona: Anagrama, 2002., Huesos en el desierto. O capítulo inicia-se com reticências e uma data, seguida da descrição de características de uma mulher desparecida e informação sobre seu local de domicílio. As descrições sumárias de mulheres mortas, ou desaparecidas se acumulam no capítulo, como um memorial feito de páginas a denunciar o feminicídio no México.3 3 Esse conjunto de reportagens irá informar o romance 2666, de Roberto Bolãno (2010), notadamente “A parte dos crimes”, o que demonstra como técnicas presentes na não ficção podem ser apropriadas pelo romance, em caminho inverso do que usualmente se investiga no jornalismo literário.

A narrativa realista com ênfase no detalhe, recurso comum no jornalismo narrativo, contribui para a visualidade de personagens e cenas em Garotas mortas. Sabemos, por exemplo, a que filme a mãe de Andrea assistia na televisão na noite do assassinato da filha (Humo de marihuana, dirigido por Lucas Demare) ou que Maria Luísa, de seu guarda-roupa de menina pobre, “escolheu uma regata e uma saia de crepe, enfeitada com um cintinho de couro ajustado em volta da cintura” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 15) para sair de casa pela última vez. Essa é uma técnica emprestada do romance realista. Seu uso nos testemunhos tem, segundo Sarlo (2007), efeito de completude e consistência, pois contribui para o fechamento ilusório das lacunas da intriga. Na face testemunhal de Garotas mortas, o detalhe cumpre função semelhante. Na parte em que o livro relata a vida das mulheres, o detalhe, além de preencher as fendas e permitir a narração, produz efeito de precisão, na condição de um signo da apuração. A escritora pode reconstituir e narrar com detalhes porque investigou e escreve a partir de depoimentos, de fotos e outros documentos, num trabalho que a autora, em nota introdutória à edição inglesa (ALMADA, 2020______. Dead girls. Edinburgh: Charco Press, 2020.), enfatiza ter durado três anos. Em grande parte do livro, o leitor acompanha o trabalho de apuração que resultou na reportagem.

A narrativa é, portanto, fluxo romanesco, mas com travas, uma vez que a onisciência, na reconstituição dos crimes, apresenta-se limitada no texto. Em momentos em que não é possível penetrar no pensamento das vítimas ou preencher, por meio da apuração, algumas lacunas, a narradora só pode avançar por meio de conjecturas, como na cena sobre a morte de Andrea: “Deitou-se na cama de regata e calcinha e pegou uns textos, xerox grampeados e sublinhados, com anotações dela nas margens. Mas logo deve ter adormecido” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 24, grifo nosso). Ou em outra passagem sobre a morte de María Luisa: “Se naquele dia ela pensou em dar uma esticada ali pelo centro, aproveitando o feriado, não comentou nada com a mãe [...]” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 16, grifo nosso). E ainda: “Pode ser que María Luisa e Sarita tenham chegado a se sentir perdidas, momentos antes de morrer” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 22, grifo nosso).

As conjecturas da narradora assinalam que a imaginação utilizada no relato é de caráter apriorístico, do tipo que historiadores se utilizam para ligar pontos e narrar. No conhecido ensaio “The historical imagination”, Collingwood (1946)COLLINGWOOD, R. G. The historical imagination. In: COLLINGWOOD, R. G. The ideia of history. London: Oxford at the Clarendon Press, 1946. p. 231-249. identifica na narrativa histórica o ato de interpolação, que preenche hiatos entre as informações extraídas das fontes e dá continuidade à história. Por ser dedutiva, essa imaginação apresenta-se limitada; por ser histórica, possui a função de imaginar o passado e de torná-lo objeto de nosso pensamento, por meio de uma teia cuja figura pode ser validada pelas evidências e que permanece rente à realidade que pretende representar. Como nas reportagens de Rodolfo Walsh, Garotas mortas constitui essa teia a ser validada factualmente e um modo de fazer isso é a recusa a uma imaginação sem lastro, a não ser no campo expressamente declarado da possibilidade.

Vimos até aqui aspectos da narrativa que afirmam seu caráter documental e apontam para a equivalência com o mundo histórico que representa e que deve ser tomado como tal. No entanto, a narrativa não pode prescindir da ficção no sentido proposto por Rancière (2009______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017., 2017)______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017.. A consciência ficcional revela-se na obra por uma metáfora relacionada à Senhora, taróloga consultada pela narradora para comunicação com as mulheres mortas. A Senhora é um medium entre essas mulheres e a narradora, como o livro que está sendo escrito dentro da narrativa será também uma mediação entre as histórias das vítimas e o leitor.

Antes de introduzir a Senhora no livro, a narradora conta que pessoas próximas às mulheres assassinadas consultaram videntes com a esperança de conseguirem alguma informação. Sabemos, ainda, que a própria Almada, em sua infância, era levada a um curandeiro que tinha segredos contra doenças que acometiam as crianças. A Senhora é apresentada nessa cultura atravessada pelo sobrenatural inquestionável e assimilado ao cotidiano da Argentina profunda.

A taróloga é peça narrativa fundamental, não apenas pela mediação sensitiva, mas pelas histórias que conta à narradora, que compartilha, nesses momentos, a condição de ouvinte com o leitor da obra. Entre as histórias, está a de La Huesera, a Mulher dos Ossos, velha cuja tarefa era recolher ossadas, principalmente de lobos, e montar esqueletos que ganham carne e pelos e saem correndo com vida da choupana. Os lobos transformam-se em mulheres que correm livres rumo ao horizonte. A Senhora encerra a história dirigindo-se à narradora: “Talvez seja esta a sua missão: recolher os ossos das garotas, armá-las, dar-lhes voz e depois deixá-las correr livremente para onde tiverem que ir” (ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 34). O ato de catar os ossos e montá-los, dando organicidade às histórias dos personagens, pode ser lido como uma metáfora do gesto ficcional.

Outra passagem do livro aproxima o documental e a arte quando a foto do corpo de María Luisa boiando no rio, anexada ao processo criminal, é comparada a um quadro. Almada realiza uma écfrase — descrição literária de uma obra pictórica — no cotejo entre as imagens:

Me lembra o quadro de John Millais, aquele da Ofélia Morta. Assim como o personagem de Hamlet, María Luisa jaz de barriga para cima. Assim como no quadro, as folhas planas dos juncos se inclinam sobre a lagoa, a superfície está coberta de pequenas plantas aquáticas. Não são aquelas flores lilás que a rainha Gertrudes chama dedos de morto, que Ofélia entrelaçava em suas grinaldas, mas aquelas conhecidas como lentilhas-d’água. Uma árvore, que não é o salgueiro de onde caiu a pequena Ofélia, mas uma copa atarracada, lança sua sombra sobre o corpo de María Luisa. A morte, para as duas, cheia de angústia.

(ALMADA, 2018ALMADA, S. Garotas mortas. São Paulo: Todavia, 2018., p. 72).

O documental e a criação artística não são concorrentes ou opostos nesse excerto, mas iluminam-se reciprocamente. O conhecido quadro de Millais, que pode ser acessado pelo leitor, proporciona um substituto poético para a fotografia criminal ausente, que possui suas diferenças pontuadas na descrição. O parágrafo se encerra, contudo, enfatizando a semelhança: “A morte, para as duas, cheia de angústia”.

Pesadelo compartilhado

A reportagem Os vampiros da realidade só matam pobres, de Eliane Brum (2012)______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., foi publicada como capítulo da coletânea Dignidade, sobre a vida precária em regiões que possuem postos avançados da organização independente Médicos Sem Fronteira (MSF). Entre os escritores colaboradores de diversos continentes (Américas do Norte e do Sul, Ásia, África e Europa), estão o peruano Mario Vargas Llosa e o italiano Paolo Giordano. Como dito, a reportagem aborda a doença de Chagas na Bolívia, país em que povoados rurais chegam a possuir 70% da população contaminada. A natureza jornalística do texto pode ser identificada no didatismo do relato ao descrever as formas de transmissão da doença, os sintomas e a evolução do mal de Chagas e nas informações sobre os medicamentos disponíveis, a ausência de vacina e a população acometida.

A narrativa desenvolve-se por meio de dois núcleos de personagens que vivem na província de Narciso Campero, no departamento de Cochabamba, parte central do país: o da família da menina Sonia Veizaga, de 11 anos, primeira personagem apresentada e única a ter o retrato publicado junto ao texto. A fotografia em preto e branco feita por Vania Alves enquadra Sonia em uma janela de uma casa inacabada — o leitor saberá, pela reportagem, que a precariedade da moradia é uma das condições que permitem a entrada e disseminação do barbeiro (o vinchuca, “deixar-se cair”, em quéchua) vetor a doença. Sonia está no canto inferior esquerdo da fotografia e nos olha, com os olhos que Brum (2012, p. 26)______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50. descreverá nas páginas seguintes como “de criança velha”. O segundo núcleo é o das personagens María Rodriguez Barrios e Cristina Salazar Lopes, que se conhecem no ônibus para Cochabamba, cidade onde dividirão quarto de hotel enquanto aguardam exames para colocação de marcapasso.

As narrativas dos dois núcleos avançam intercaladamente, com as histórias sendo suspensas para serem continuadas em outro segmento. Essa montagem evidencia o modelo de narração em que histórias interrompidas e retomadas correm em paralelo e assim conduzem o leitor ao fim da reportagem. A narrativa utiliza-se de diálogos como os da ficção e metáforas literárias que se referem ao mundo camponês, principalmente no núcleo referente à família de Sonia. O trabalho pesado e precário no campo, sem muitos recursos, desumaniza o pai e o irmão de Sonia, comparados a bestas de carga. Os olhos do pai, don Fanor, “têm aquela mesma tristeza funda que habita os olhos dos bois que puxam seu arado” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 34). Quando se refere ao irmão de Sonia, Agustín, que tem Chagas, Brum alude à expressão popular “coração de boi”, utilizada para denominar as lesões causadas pela doença no órgão humano: “Descobriu depois que não era apenas o destino que era semelhante ao do boi. Também o seu coração tinha se tornado do tamanho daquele que bate no peito da besta” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 40).

O relato de Brum parte de uma tópica de sua reportagem: a afirmação de que há, para o público leitor urbano, espaços e pessoas ignotos cuja vida o jornalismo hegemônico não alcança. Na abertura da reportagem, a menina Sonia implora à repórter que não a deixe morrer. “Estamos no povoado boliviano de Novillero, onde ela vive com a família. Estou lá para contar uma história que a arranque da zona de invisibilidade” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 25).

A crença em um relato descobridor, como demonstra o estudo de Candice Vidal e Souza (2010)VIDAL E SOUSA, C. Repórteres e reportagens no jornalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010., move projetos da grande reportagem brasileira desde a modernidade. Vidal e Souza compara o repórter ao etnógrafo, sendo a reportagem o equivalente à descrição densa. No entanto, segundo a autora, o repórter constrói seu relato a partir de um “olhar de perto”, enquanto o etnógrafo, por meio de um olhar “de dentro”, o que demanda imersão e conhecimento cultural mais profundo que o jornalístico.

Como vimos, Brum reivindica um olhar jornalístico insubordinado que torne o ordinário em extraordinário e as pessoas comuns, protagonistas. Isso nos permite compreender por que apesar de compor uma coletânea sobre o “comovente trabalho da organização MSF”, como anuncia o subtítulo da obra, a reportagem traz as vítimas como protagonistas, não os médicos. Embora o texto seja dedicado à boliviana Nilce Mendoza Claure, agente do MSF, que atuou como tradutora para Brum, as personagens principais são as pessoas pobres e camponesas da região de Narciso Campero. Sua “realidade tão excessiva”, como descreve Brum (2012, p. 32)______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., impede que ela seja ficcionalizada. Somente a reportagem, em sua ancoragem na realidade, pode assumir uma relação ética com aquelas personagens e realizar seus objetivos: o primeiro, como citado, o de “arrancar a maior de todas as dores, que é a dor de ser invisível” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 48). Ao trabalhar com nomes, espaços e tempos identificados, Brum pretende fazer o registro factual daqueles indivíduos e dar a eles um tipo de permanência por meio da narrativa. Mas aqui opera mais um atravessamento para o literário, pois o texto evoca o uso da narrativa para vencer a morte, como na passagem em que as personagens Cristina e Maria, ao modo de Scherazade, de As mil e uma noites, contam histórias para afastar o medo e a ansiedade na noite em que passam em Cochabamba. “Então era preciso falar. Emendar uma história na outra para ter certeza de que havia uma vida. E, se acontecesse o pior, a existência estava lá, presa nas palavras, guardada naquela que sobrevivesse” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 36).

A reportagem de Brum que emoldura essas narrativas deve ser, também, um registro cuja força resida na convenção da não ficção, em que o leitor toma o narrado como o que de fato aconteceu. A repórter diz-se perseguida pelo olhar da menina Sonia e deseja que o leitor, após ingressar na narrativa, torne-se também responsável pelas personagens. “Este é meu pesadelo. E agora, espero, também será o seu” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 28). O texto expressa a intenção de que, no compartilhamento narrativo do pesadelo, algo se torne incontornável para o leitor e se mova na realidade imediata. Estamos, no entanto, diante de uma condição paradoxal já expressa na introdução da reportagem, quando Sonia pede à repórter que a salve. “A vida dela não espera. Sonia precisa que eu a veja, a ela, e a salve. E por isso me agarra pelos braços e me obriga a olhar para além da personagem” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 25). Embora seja necessário olhar para além da personagem da reportagem, no sentido em que a pessoa que a referencie possui uma urgência na vida para além do relato, a narrativa de denúncia só se constitui nessa transição da pessoa para o ser de papel. Como narrar a vida do outro sem fazer dele uma personagem, por meio de uma prosopopeia essencial — uma colocação de máscara, um esfacelamento como propõe De Man (1979)DE MAN, P. Autobiography as de-facement. Comparative Literature, MLN. Johns Hopkins University Press. v. 94, n. 5, p. 919-930, dez. 1979. —, que sempre reduzirá a complexidade de um indivíduo? Essa aporia está presente no paratexto à reportagem “A casa de velhos”, publicado em O olho da rua (BRUM, 2008______. O olho da rua. São Paulo: Globo, 2008.). Brum considera essa reportagem ao mesmo tempo uma de suas preferidas e a que mais lhe causa pesar, uma vez que avalia ter errado ao tratar os entrevistados no asilo como personagens de ficção (sem existência histórica) e divulgar inconfidências que os constrangeram após a publicação da reportagem. Ao mesmo tempo, ela percebe a dimensão positivamente sensível que a reportagem alcançou justamente pelo desenvolvimento das personagens.

O jornalismo narrativo de Brum é marcado por um movimento autorreflexivo cada vez mais presente, que se inicia em instâncias prefaciais, como nos paratextos de A vida que ninguém vê (BRUM, 2006BRUM, E. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2006.), torna-se comentário que se segue a cada reportagem publicada em O olho da rua (BRUM, 2008______. O olho da rua. São Paulo: Globo, 2008.), e, na reportagem aqui analisada, é incorporado ao próprio texto, em trechos em itálico, que abrem e fecham a narrativa. No encerramento de Os vampiros da realidade só matam pobres, Brum revela ao leitor tanto os bastidores da reportagem como os destinos até então das personagens. A passagem em que Brum fala sobre o processo de escrita é importante para esta discussão: “No caso de Cristina e Maria, entrevistei-as longamente, juntas e separadas. E busquei reproduzir, a partir de sua narrativa, os dias que essas duas mulheres passaram em Cochabamba, à espera do relógio para o coração” (BRUM, 2012______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al. Dignidade. São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50., p. 48). Essa é uma declaração que pretende afastar aspectos fantasiosos da narrativa ao afirmar que a composição da cena em que a repórter não presenciou foi feita por meio de apuração e cotejo das versões das entrevistadas. De todo modo, o trecho aponta para o uso, como em Garotas mortas, de uma imaginação dedutiva e organizadora necessária à narrativa, ainda que com mais balizas empíricas do que uma ficção confessa teria. O mais relevante, contudo, talvez seja o modo como o recurso leva o leitor analítico à composição, não somente a que faz uso da imaginação dedutiva, mas à composição da narrativa como um todo. A reportagem é aberta e encerrada por módulos reflexivos e possui, no seu corpo, núcleos narrativos que vão sendo intercalados na estruturação inteligível de um todo, com enredos paralelos de personagens anônimas que se equilibram e se harmonizam em uma forma que viabiliza a denúncia jornalística da vida precarizada.

Considerações finais

A reivindicação pela não ficção nas obras das duas escritoras latino-americanas analisadas, Selva Almada e Eliane Brum, parte da noção de que o relato factual é a forma mais ética para a abordagem de situações-limite e para atingir objetivos de reparação e denúncia, função social da reportagem. A não ficção constrói, na expectativa das autoras, um lugar para o leitor que faz dele uma testemunha solidária à história que passa também a portar. Mais ainda: torna a vida daquelas personagens um fato incontornável que demanda do público intervenção na realidade imediata. Lembremos o desejo expresso da repórter Brum de que o desespero nos olhos da menina Sonia passe também a perseguir o leitor como um pesadelo à luz do dia. Para isso, deve-se evitar a ficção, pois ela é entendida, nesses casos, como uma realidade desviada e autônoma sobre a qual não temos que agir.

A noção de ficção proposta em Rancière (2009RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009., 2017)______. O fio perdido. São Paulo: Martins Fontes, 2017. a partir da poética aristotélica demonstrou-se particularmente iluminadora para análise desses textos. Para Rancière, o que caracteriza a ficção não é a distância da realidade, mas a construção, por meio de texto, de formas perceptíveis de mundo em que determinados atores e eventos são, conforme verossimilhança ou necessidade, encadeados para obtenção de determinada racionalidade. Essa noção fez-nos perceber, mais claramente, os atravessamentos do documental para a ficcional, naquilo que nos revela um impasse: quanto mais as escritoras possuem a crença na narrativa (como forma de justiça, visibilidade e permanência), mais se evidencia o esforço ficcional, pois é através dos enlaces propostos que se tem o todo inteligível e pungente.

A não ficção se estabelece por um tipo de convenção extratextual, mas é possível identificar, nos relatos analisados, ostentações do documental a afirmar a verdade do que se narra. Em Garotas mortas, além do recurso testemunhal, Almada marca os limites da imaginação dedutiva e estabelece que lacunas textuais, assim como as da realidade, permanecerão abertas e só podem ser fechadas por conjecturas. A obra transcreve ainda relatórios dos processos criminais, com manutenção da linguagem pericial. Já Brum apresenta-nos cenas em sua narrativa, notadamente aquelas de convivência entre as personagens Maria e Cristina, a que não esteve presente. No fechamento da reportagem, descreve o método da apuração para que não fique dúvidas acerca do lastro da reconstituição que realizou. Ainda assim, as duas narrativas não obliteram sua passagem à instância composicional, inclusive da ordem do poético, de que são exemplos as metáforas manejadas por Brum (desde o título, na referência aos vampiros) e o cotejo entre o documento fotográfico e o quadro de Millais feito por Almada.

Por fim, embora afirmem a necessidade da não ficção, ambas as narrativas demonstram racionalidades próprias do ficcional. Em Garotas mortas, a história da mulher dos ossos, contada pela Senhora, pode ser lida como uma metáfora do artefato narrativo que, por meio da ligação entre as peças, constrói a coluna vertebral que reanima personagens e eventos. Em Os vampiros da realidade só matam pobres, o caráter modular da narrativa, com sua camada reflexiva enredada a núcleos alternantes de personagens, revela-nos o domínio de uma escrita cuja denúncia se efetiva no compartilhamento de um mundo urgente construído em comum.

  • 1
    Entrevista disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=8kwJJz-7ZvU>. Acesso em: 26 maio 2021. As citações deste parágrafo foram retiradas do vídeo.
  • 2
    Ver a excelente discussão de Ana Cláudia Peres (2017)PERES, A. C. O que resta dos fatos. Tese (Doutorado em Comunicação). Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ. 2017. sobre reportagem e testemunho em sua tese de doutorado O que resta dos fatos.
  • 3
    Esse conjunto de reportagens irá informar o romance 2666, de Roberto Bolãno (2010)BOLAÑO, R. 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., notadamente “A parte dos crimes”, o que demonstra como técnicas presentes na não ficção podem ser apropriadas pelo romance, em caminho inverso do que usualmente se investiga no jornalismo literário.

Referências

  • ADORNO, T. W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura I São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. p. 55-63.
  • AGEE, J; EVANS, W. Elogiemos os homens ilustres São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  • ALMADA, S. Garotas mortas São Paulo: Todavia, 2018.
  • ______. Dead girls Edinburgh: Charco Press, 2020.
  • BOLAÑO, R. 2666 São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
  • BRIZUELA, N. Posfácio. In: WALSH, R. Operação massacre São Paulo: Companhia das letras, 2010. p. 259-270.
  • BRUM, E. A vida que ninguém vê Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2006.
  • ______. O olho da rua São Paulo: Globo, 2008.
  • ______. Os vampiros da realidade só matam pobres. In: LLOSA, M. V. et al Dignidade São Paulo: Leya, 2012. p. 25-50.
  • ______. Meus desacontecimentos São Paulo: Leya, 2014.
  • CAPOTE, T. Prefácio. In: CAPOTE, T. Música para camaleões São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 9-17.
  • COLLINGWOOD, R. G. The historical imagination. In: COLLINGWOOD, R. G. The ideia of history London: Oxford at the Clarendon Press, 1946. p. 231-249.
  • D’AGATA, J. Não ficção. In: Serrote São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2015. n. 25. p. 160-163,
  • DE MAN, P. Autobiography as de-facement. Comparative Literature, MLN. Johns Hopkins University Press. v. 94, n. 5, p. 919-930, dez. 1979.
  • FRUS, P. The politics and poetics of journalistic narrative Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • GAGNEBIN, J. M. Memória, história, testemunho. In: GAGNEBIN, J. M. Lembrar, escrever, esquecer 2ª. ed. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 49-57
  • ISER, W. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. In LIMA, L. C. (org.). Teoria da literatura em suas fontes v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 955-987.
  • LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
  • LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In: LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 149-185.
  • MALCOLM, J. O jornalista e o assassino São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • MOLINA, S; GOLDONI, R. P. Apresentação. In: WALSH, R. Essa mulher e outros contos São Paulo: Ed. 34, 2010. p. 7-14.
  • PERES, A. C. O que resta dos fatos Tese (Doutorado em Comunicação). Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ. 2017.
  • RANCIÈRE, J. A partilha do sensível 2ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
  • ______. O espectador emancipado Lisboa: Orfeu Negro, 2010.
  • ______. O fio perdido São Paulo: Martins Fontes, 2017.
  • RODRÍGUEZ, S. G. Huesos en el desierto Barcelona: Anagrama, 2002.
  • SELIGMANN-SILVA, M. O local da diferença São Paulo: Editora 34, 2005.
  • VIDAL E SOUSA, C. Repórteres e reportagens no jornalismo brasileiro Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
  • WALSH, R. Operação massacre São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
  • ______. Entrevista a Ricardo Piglia. In: WALSH, R. Essa mulher São Paulo: Editora 34, 2010a. p. 233-247.
  • WATT, I. A ascensão do romance São Paulo: Companhias das Letras, 1990.
  • WHITE, H. The historical text as literary artefact. In: FAY, B; POMPER, P; VANN, R. T. History and theory Oxford: Blackwell, 1998. p. 15-33.
  • WOLFE, T. Radical chique e o novo jornalismo São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2021
  • Aceito
    27 Set 2021
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, sala 4A8, 05015-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3670 8146 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: aidarprado@gmail.com