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Naquele estranho mês de março de 2016: excesso e repetição no Jornal Nacional

In that strange March of 2016: excess and repetition in Jornal Nacional

Resumo

Este artigo analisa um material de arquivo audiovisual composto de edições do Jornal Nacional (JN) que foram ao ar em março de 2016, com base em um instrumental crítico do campo dos estudos fílmicos. Consideramos esse corpus “arquivos do presente” (LINS, 2012LINS, C. A arte de desmontar e remontar imagens: apropriação de arquivos no documentário brasileiro contemporâneo. In: HALLAK D’ANGELO, R. & F. (org.). Cinema sem fronteiras. Belo Horizonte: Universo Produções, 2012.), nos quais identificamos um modo dominante de atuação do JN como caixa de ressonância tanto de acusações não confirmadas quanto da divulgação delas em outras mídias. Este texto foca o tratamento do JN dado à delação premiada do então senador do Partido dos Trabalhadores (PT) Delcídio do Amaral e a dinâmica imagética nas edições selecionadas – questões que revelam o excesso e a repetição como procedimentos fundamentais de uma “toxicidade” (ELSAESSER, 2014ELSAESSER, T. The Ethics of appropriation: found footage between archive and internet. Keynote Recycled Cinema Symposium DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2022.
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gradual que atinge o espectador.

Palavras-Chave
Jornal Nacional ; cinema; arquivos do presente; toxicidade

Abstract

This paper proposes an analysis of audiovisual archival material composed of editions of Jornal Nacional (JN) which were broadcast in March 2016, based on critical instruments from film studies. We consider this corpus as “archives of the present” in which we identify a dominant mode of action of JN as a resonance box for both unconfirmed accusations and their dissemination in other media. This text focus the JN’s treatment given to the plea bargain of Delcídio do Amaral, Partido dos Trabalhadores (PT) senator then, and the imagetic dynamics in the selected editions –issues that reveal excess and repetition as fundamental procedures of a gradual “toxicity” (ELSAESSER, 2014ELSAESSER, T. The Ethics of appropriation: found footage between archive and internet. Keynote Recycled Cinema Symposium DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2022.
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) that reaches the spectator.

Keywords
Jornal Nacional ; cinema; archives of the present; toxicity

Campos cruzados: o Jornal Nacional e o analista de filmes

Este artigo se insere em uma pesquisa mais abrangente que analisa uma série de edições do Jornal Nacional (JN) com base em instrumentos críticos do campo dos estudos fílmicos. Trata-se de um experimento analítico, cuja ideia surgiu ao final do visionamento de uma edição do Jornal Nacional que se tornou um marco histórico para os caminhos da política brasileira de lá para cá. A edição foi televisionada em 16 de março de 2016 com trechos de conversas interceptadas entre o ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva e amigos e correligionários, e teve como carro-chefe o áudio entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Foram 38 minutos divididos em três blocos inteiramente dedicados à nomeação de Lula a ministro da Casa Civil pela então presidente e à divulgação dos “grampos” liberados pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, com repercussões nas ruas, na política, no Judiciário. Nem mesmo a inofensiva previsão do tempo teve vez nesse dia. Uma edição enxuta, afinada, direta ao alvo, vinculando Lula e Dilma Rousseff, de modo inédito até ali, como parceiros de uma ação obscura, diante da qual a única saída possível parecia ser a renúncia da presidente Dilma e a prisão de Lula.

Escolhemos inicialmente essa edição como objeto de análise1 1 Analisamos essa edição em uma comunicação apresentada no GT Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual, no Encontro Anual da Compós, em junho de 2022. e ampliamos, em seguida, nosso corpus para a semana em que tal edição está inserida, entre os dias 12 e 19 de março de 2016, com comparações pontuais com quatro outras edições desse mesmo mês (dias 3, 4, 7 e 9). Convocamos também veículos de comunicação citados nessas edições do JN para apoiar nossa análise. Esse material extra compõe uma espécie de fora de campo ou extracampo em relação à semana em questão aqui — conceito que trazemos da teoria do cinema e que “remete ao que, embora perfeitamente presente, não se ouve nem se vê” (DELEUZE, 2018DELEUZE, G. A imagem-movimento. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 35). Trata-se de um vínculo narrativo que liga nosso corpus ao fluxo do JN e ao de outras mídias, permitindo mais profundidade na compreensão do material.

Surpreende o número de eventos cruciais da história recente do Brasil que constam dessas edições, com Lula relacionado a todos eles2 2 No site manchetômetro, março de 2016 é, de lá para cá, o mês em que Lula teve o maior número de matérias negativas nos jornais e telejornais aferidos (Estadão, Estado de Minas, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal Nacional e Valor Econômico). Disponível em: <http://manchetometro.com.br/>. Acesso em: 1 jul. 2022. As pesquisas publicadas no site são feitas pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep), sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). : os efeitos provocados pela delação premiada do então senador do Partido dos Trabalhadores (PT) Delcídio do Amaral, as duas maiores manifestações de rua anteriores ao impeachment (a primeira favorável ao afastamento de Dilma Rousseff e a segunda contrária), a liberação pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, do depoimento do ex-presidente durante o episódio da condução coercitiva no dia 4 de março, a nomeação de Lula e a subsequente guerra de liminares para anular a posse, a liberação dos grampos do ex-presidente e, encerrando a semana, a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender de vez a posse de Lula, fundamentando-a justamente em quatro dos grampos divulgados, dois deles com a presidente Dilma.

É importante lembrar que a televisão aberta é “a principal fonte de informação para a maioria da população brasileira com mais de 13 anos de idade” (BECKER, 2020BECKER, B. Jornal Nacional: Estratégias e desafios no seu cinquentenário. Alceu, v. 20, n. 40, p. 206-225, jan./jul. 2020., p. 207). E que o JN é, ainda, apesar de tudo, o telejornal mais assistido do país, reverberando na cultura digital o que foi noticiado na TV e mantendo, de modos diversos, “cumplicidade com as audiências no território virtual” (idem, ibidem). Como enfatiza Beatriz Becker, “suas enunciações tendem a legitimar certas verdades dos fatos [...] para quase 20 milhões de pessoas no país todos os dias [...]” (idem, p. 218).

Sabemos que entramos em um campo que não é o nosso: há farta produção acadêmica sobre telejornalismo e sobre algumas edições que tomamos como objeto (ROCHA, 2019ROCHA, M. E. M. O Jornal Nacional e o rito de destituição de Dilma Rousseff. Revista de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará (UFC), v. 50, p. 359, 2019.; CARVALHO; BRUCK, 2018CARVALHO, C. A.; BRUCK, M. S. Vazamentos como acontecimento jornalístico: notas sobre performatividade mediática de atores sociais. Revista Famecos, v. 25, n. 3, 2018.; RIBEIRO, 2020RIBEIRO, P. S. C. T. O impeachment de 2016 no Jornal Nacional – Análise dos discursos antagonistas na polarização política. 2020. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2020.). Nosso esforço, contudo, é o de analisar um corpus específico de edições do JN em continuidade, entender de que modo esse conjunto de imagens e sons consolidaram fatos que foram determinantes para os rumos da política brasileira naquele momento, e que continuam reverberando ainda hoje. Não se trata de sugerir um novo modo de analisar a materialidade visual e sonora dos telejornais com base no cinema ou de extrair desse material um modo de funcionamento padrão do telejornalismo brasileiro. Nosso objetivo se restringe a essas edições e não ao telejornalismo de modo geral — embora seja possível estabelecer conexões entre o que identificamos nesse corpus e o modus operandi do JN.

JN como “arquivo do presente”

Talvez o instrumento principal de uma análise fílmica seja a atenção dedicada ao objeto, um filme ou um corpus limitado de filmes: rever a mesma obra dezenas de vezes, em um movimento circular entre escrita e obra, entre pensamento e material audiovisual. Voltar ao filme para confirmar certo caminho reflexivo, ou descartá-lo; revê-lo para reencontrar o entusiasmo do primeiro encontro com a obra. Um filme tem, no seu horizonte, a possibilidade de ser revisto, contrariamente aos produtos do telejornalismo, feitos para serem vistos e esquecidos. Não se trata, obviamente, de um juízo de valor sobre o telejornalismo, mas de um aspecto inerente ao modo de produção dos telejornais, que difere do horizonte de exibição de um filme. É um aspecto que caracteriza igualmente imagens de arquivos esquecidas em instituições públicas ou em acervos privados. O gesto do analista — e de historiadores, cineastas, pesquisadores em geral — é justamente o de retirar esses objetos de seu potencial esquecimento.

Enquanto estudiosos de cinema — e especialmente de cinema de arquivo —, entendemos essas edições do JN como “arquivos do presente” (LINS, 2012LINS, C.; BLANK, T. Filmes de família, cinema amador e a memória do mundo. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, 39(37), p. 52-74, 2012.), noção que abarca materiais provenientes da televisão e da produção audiovisual amadora, doméstica, familiar que não param de crescer. Assim como filmes de família podem ser vistos como documentos históricos de formas cotidianas de vida de outras épocas (LINS; BLANK, 2012LINS, C.; BLANK, T. Filmes de família, cinema amador e a memória do mundo. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, 39(37), p. 52-74, 2012.), os telejornais que compõem nosso corpus são tomados como documentos de nossa história recente, no sentido dado a essa noção por Michel Foucault e Jacques Le Goff (LINS, FRANÇA; REZENDE, 2011LINS, C.; FRANÇA, A.; REZENDE, L. A noção de documento e a apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo. Revista Galáxia, São Paulo, n. 21, p. 54-67, jun. 2011.). Para esses pensadores, o documento não é, em absoluto, algo objetivo e inocente que “expressa uma verdade” sobre determinada época, mas “resultado de uma montagem” que exprime, consciente ou inconscientemente, “o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro” (LE GOFF, 1990LE GOFF, J. Documento/Monumento. In: História e memória. Campinas: Unicamp, 1990., p. 6). A “tarefa primordial” do historiador não é interpretar o documento, mas desmontá-lo, “trabalhá-lo no interior” (FOUCAULT, 2004FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004., p. 7), por meio de uma crítica interna, explicitando intencionalidades muitas vezes inconscientes.

As edições do JN em análise aqui impõem ao futuro certas imagens e não outras, revelam e escondem a um só tempo. Contrariamente à raridade dos arquivos audiovisuais, guardados em acervos públicos e em cinematecas, usados em documentários que costumamos analisar, deparamo-nos nesse corpus com um excesso de materiais para o qual não estamos propriamente preparados e que desafiam nossa capacidade de análise. Contudo, inspirados em Le Goff e Foucault, utilizamos os mesmos procedimentos a que estamos habituados: ver e rever, desmontar e remontar, decompor e descrever o material, estabelecer séries, indicar relações, identificar a lógica interna do que foi construído naqueles dias, e organizar, em um texto, a trajetória e os resultados da análise. Nossa aposta é a de que, no processo, possamos inscrever no presente dimensões de um passado recente que foram varridas da nossa memória, para que vejamos com mais clareza os modos como se solidificaram certas narrativas sobre o ex-presidente Lula, a então presidente Dilma e o Partido dos Trabalhadores.

***

Neste artigo, aventamos diferentes entradas para um olhar no contrafluxo dos movimentos deste dispositivo produtor de ressonâncias que é, como veremos mais à frente, o Jornal Nacional. Nosso trabalho analítico se atém a duas questões interligadas, centrais nas edições que compõem o nosso corpus. A primeira é a delação premiada do então senador do PT Delcídio do Amaral, cujos vazamentos seletivos foram divulgados com estardalhaço a partir do dia 3 de março, e em longas matérias no sábado, 12, início da nossa série, e no sábado, 19.

A segunda compreende o modo de funcionamento de elementos da imagética do JN, com particular atenção para a arquitetura das imagens de cobertura e ilustrações no noticiário envolvendo o ex-presidente Lula, de modo a identificar possíveis procedimentos de produção de sentido que, dissimulados na fragmentação da passagem dos dias, parecem extrair, do acúmulo progressivo e acentuado de cargas de suspeitas e acusações, uma duração com eficientes graus de toxicidade destinada ao espectador. A noção de espectador é pensada aqui como uma entidade que molda a experiência audiovisual e é por ela moldada por meio de marcas internas ao próprio material (procedimentos formais, indicações de leitura). Não se trata de um espectador real pré-constituído e estático, mas “em um processo dialógico infinito” (STAM, 2003STAM, R. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003., p. 256) que se produz durante o visionamento do material.

A noção de toxicidade nos é cara em ambas as análises. Em um ensaio em que discute a ética da apropriação de imagens encontradas (found footage), o historiador do cinema Thomas Elsaesser utiliza o termo historically toxic material (ELSAESSER, 2014ELSAESSER, T. The Ethics of appropriation: found footage between archive and internet. Keynote Recycled Cinema Symposium DOKU.ARTS, 2014. Disponível em: <http://2014.doku-arts.de/content/sidebar_fachtagung/Ethics-of-Appropriation.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2022.
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) para se referir a imagens cuja produção teria ocorrido em circunstâncias relacionadas a eventos traumáticos — circunstâncias que deveriam ser explicitadas em documentários que retomassem esse material, sob o risco de provocar apagamentos tácitos ou declarados. Dentro dessa lógica, pode-se compreender que toda imagem tem uma história, seja ela proveniente de instituições públicas, bancos de imagens comerciais ou mesmo de arquivos televisivos com categorias simplistas — como é o caso da seção dedicada ao JN que consultamos na plataforma da Globoplay. Uma ética da reapropriação na pós-produção envolveria, portanto, evitar tomar quaisquer materiais imagéticos como objetos fechados (neutros, neutralizados) e unívocos, para levar necessariamente em conta as múltiplas relações convocadas pela sua produção. Propomos aqui um deslocamento de perspectiva. Seria possível pensar em um processo de intoxicação de imagens ordinárias dirigido ao espectador produzida pelo próprio processo de pós- produção ou montagem? Como uma circunstância histórica problemática na qual é operada a montagem poderia ser vazada para determinadas imagens, fazendo delas, também, a partir daí, material historicamente tóxico?

Delação premiada

Comecemos pela análise da primeira questão. Delcídio do Amaral ficou preso por 87 dias na Operação Lava Jato e foi solto em 19 de fevereiro de 2016, depois de assinar o acordo de delação com os procuradores de Curitiba. Seus depoimentos aconteceram em sigilo ainda em fevereiro de 2016. As acusações do senador envolveram desvio de dinheiro, irregularidades de contratos da Petrobras e favorecimento, atingindo políticos (Dilma Rousseff, Michel Temer, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, entre outros), ex-presidentes (José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula), ex-diretores da Petrobras (Nestor Cerveró, especialmente), empresários (José Carlos Bumlai, o “amigo de Lula”) e o banqueiro André Esteves. A delação foi crucial para associar Lula às investigações de corrupção na Petrobras: sem essa associação, os procuradores da Lava Jato não poderiam investigar o ex-presidente. Na delação, Delcídio acusa Lula de ter tentado comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, de modo que ele não assinasse um acordo de delação premiada com a Operação Lava Jato. O ex-presidente teria pedido ao próprio senador para intermediar a negociação.

A delação atingiu também outros políticos, mas no primeiro vazamento à revista semanal IstoÉ (nº 2413), no dia 3 de março, uma quinta-feira, apenas Lula e Dilma Rousseff foram assunto, acusados de tentar interferir nas investigações da Lava Jato e de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras. O JN dessa quinta-feira repercutiu o vazamento seletivo da IstoÉ, e os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos afirmaram que a delação provocou um terremoto na política brasileira. A edição é quase inteiramente dedicada à delação, com duas longas matérias focadas no que disse o senador, uma terceira matéria sobre a reação do governo Dilma, repetindo as acusações, e outras reportagens com repercussões da delação. O teor do que disse Delcídio do Amaral volta ao JN do dia 7 de março, uma segunda-feira, em duas matérias que esmiúçam as relações entre Bumlai e Lula, e, de modo mais direto, no JN, na quarta-feira 9 de março: “Delcídio citou ao menos cinco senadores em delação”, diz a reportagem.

Figura 1
Capa da revista semanal IstoÉ. Semana do dia 3 de março de 2016.
Figura 2
Capa da revista semanal IstoÉ. Semana do dia 10 de março de 2016.

A edição de sábado 12 de março, início da nossa série, traz uma longa reportagem de Vladimir Netto sobre vazamentos inéditos da delação, publicados em um novo número da IstoÉ. Embora menos seletivos do que os da semana anterior, a ênfase recai sobre as acusações de desvio de dinheiro das obras da Usina de Belo Monte, no Pará, para as campanhas do PT e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de 2010 e 2014. Erenice Guerra, Antonio Palocci e Silas Rondeau, todos ligados ao PT, formavam um triunvirato — termo de Delcídio, repetido várias vezes nas edições desse período — e desviaram R$ 45 milhões dos cofres públicos para as campanhas eleitorais. A matéria cita também acusações de Delcídio a senadores do PMDB – Renan Calheiros e Romero Jucá, entre eles — de pressionarem fortemente o governo de Dilma para indicarem nomes às estatais ligadas ao Ministério das Minas e Energia e às agências de Saúde. Os então vice-presidente Michel Temer e senador Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), são citados rapidamente, ao final da reportagem, por envolvimento com esquemas de propinas, o primeiro em negócios da Petrobras, e o segundo, com o Banco Rural e com Furnas.

A delação do senador é homologada pelo Supremo Tribunal Federal na terça- feira, dia 15 de março, o que leva o JN a retomar as acusações de Delcídio do Amaral em mais uma longa reportagem de Vladimir Netto, citando muitos dos acusados, mas chamando a atenção, em uma passagem do repórter, para o fato de

[...] os procuradores da Lava Jato afirmarem que o presidente Lula pode se tornar alvo da maior investigação da Lava Jato no Supremo, a que apura se foi montada uma organização criminosa com a ajuda de políticos na Petrobrás. A PGR também vai analisar se a presidente Dilma poderá ou não ser investigada, assim como o senador Aécio Neves.

(JORNAL NACIONAL, 15 mar. 2016.)

Aécio Neves, quando é citado, é sempre rapidamente e no final das reportagens. A edição que encerra nossa série, a de sábado, 19 de março, retoma essa mesma delação, mais uma vez de modo seletivo, com base em uma matéria produzida pela revista Veja e de uma entrevista feita pelo JN com Delcídio do Amaral. Na chamada para a entrevista, os apresentadores do JN afirmam que Delcídio confirmou as acusações contra Dilma, Lula e a políticos do PT, referindo-se aos outros acusados de modo genérico, sem citar nomes nem partidos. Na entrevista com a repórter do JN, embora Delcídio chame a atenção para o fato de que “não é de agora que os diretores da Petrobras são indicados politicamente, em outros governos, também diretores da Petrobras foram indicados politicamente”, não há continuidade na conversa para esse comentário. Pelo contrário, há um corte nesse momento, seguido de uma nova pergunta da repórter: “As campanhas de 2010 e 2014 da presidente Dilma também receberam dinheiro de propina?” A mera sugestão de que não é uma prática exclusiva dos governos do PT ganha um corte grosseiro na montagem, para marcar mais uma vez, e exclusivamente, a associação do PT com a corrupção, em um processo de intoxicação progressiva do espectador diante dos acontecimentos da política.

Queremos enfatizar aqui um procedimento do telejornal que não é exclusivo da série analisada, mas que é particularmente notável nesse período: a reverberação entre mídias de um evento específico que ainda carece de investigação e comprovação, mas que se consolida como fato no processo de repetição por diferentes veículos de comunicação. Não há investigação por parte de repórteres desses veículos para dar consistência a denúncias não comprovadas ou expandir o quadro dos acusados. O trabalho jornalístico é colocar em circulação as mesmas acusações às mesmas autoridades, fixando certas versões em detrimento de outras possibilidades.

A informação de que uma delação não é suficiente para acusar um indivíduo pode até estar incluída na reportagem, mas a ela não é dada nenhuma atenção, nenhuma continuidade narrativa. Essa é uma estratégia de informação sobre a qual queremos chamar a atenção por ser bastante comum em práticas midiáticas e em práticas negacionistas, como lembra o filósofo Jacques Rancière: “Para se negar o que aconteceu, como os negacionistas nos mostram na prática, não há a necessidade de negar muitos fatos; é suficiente omitir a relação que há entre eles e que lhes oferece consistência histórica” (RANCIÈRE, 2013RANCIÈRE, J. A ficção documentária: Marker e a ficção da memória. In: RANCIÈRE, J. A fábula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2013. p. 179-189., p. 180). As informações estão lá, em excesso muitas vezes, mas o excesso é produto da repetição seletiva dos mesmos nomes e eventos que preenchem o espaço discursivo, fortemente reverberados conforme a partitura editorial3 3 Maria Eduarda da Rocha Mota (2019, p. 371) analisa a cobertura do JN do processo de impeachment de Dilma Rousseff e identifica uma estratégia semelhante do telejornal ao reproduzir “argumentos contrários ao golpe”, apresentados como pouco convincentes e associados a um “polo particularista”. . O que ganha solidez no corpus da nossa série é a atmosfera de criminalização de Lula, de Dilma e do PT. O que não ganha consistência no caso de Delcídio do Amaral? O instituto da delação premiada no Brasil, suas origens e controvérsias; a problematização para o espectador do status desses depoimentos e dos motivos que teriam levado Delcídio do Amaral a fazer a delação; ou seja, informar de fato.

A delação de Delcídio rendeu capas de revistas semanais (Veja e IstoÉ), inúmeras chamadas, escaladas e cabeças de telejornais, muitas manchetes de jornais (“Delação de Delcídio põe Dilma no centro da Lava Jato”, em O Globo, 4 de março de 2016) e longas reportagens no JN citando não só Lula, mas também a família do ex-presidente. Nenhuma das acusações foi comprovada. Por falta de provas, Lula foi absolvido em 12 de julho de 2018 da acusação de obstrução de justiça4 4 Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/07/lula-e-mais-seis-sao-absolvidos-da-acusacao-de-obstrucao-de-justica.html> Acesso em: 19 abr. 2022. — mas a essa altura já estava preso desde 4 de abril por outra conexão com a Petrobras que a Lava Jato havia estabelecido: a de ser o dono oculto do tríplex de Guarujá, recebido como pagamento de propina pela empreiteira OAS em troca do favorecimento da empresa em contratos na Petrobras. A então presidente Dilma Rousseff teve as acusações arquivadas pelo STF a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) já em maio de 2016.

Assim como no caso dos grampos e de muitas outras denúncias, as enunciações em torno desse evento tiveram a característica de serem performativas: produziram efeitos reais “pelo fato de enunciarem” (CARVALHO; BRUCK, 2018CARVALHO, C. A.; BRUCK, M. S. Vazamentos como acontecimento jornalístico: notas sobre performatividade mediática de atores sociais. Revista Famecos, v. 25, n. 3, 2018., p. 8), sem jamais terem sido comprovadas. Potencializaram a atmosfera de criminalização de Lula, Dilma e do PT, contribuindo decisivamente para o afastamento inicial da presidente em 12 de maio de 2016 e para o impeachment em 31 de agosto. Contudo, a reversão dessas acusações na Justiça não suscitou nenhuma manifestação ou reflexão crítica por parte dos veículos que transformaram a delação em um efetivo terremoto. Não houve, por parte do Jornal Nacional, nenhum esforço de articulação entre o que aconteceu naquele momento com o que veio antes ou depois5 5 O JN reconheceu como erro o apoio ao golpe civil-militar de 1964, em 2013, quase 50 anos depois. Contudo, como lembra Beatriz Becker, “esse fato não gerou uma atuação mais progressista deste noticiário nos governos Lula e Dilma. Ao contrário, foi possível identificar em estudo anterior como o JN promoveu o impeachment de Dilma Rousseff, apagando e sufocando esse acontecimento tão importante na história política do país entre as inúmeras reportagens sobre os Jogos Olímpicos 2016”. (BECKER, 2020, p. 209). . A Folha de São Paulo foi o único jornal que fez uma breve e tímida autocrítica do procedimento de divulgar delações antes de qualquer comprovação ou investigação. A jornalista Flávia Lima, ombudsman do jornal, narra em sua coluna de 6 de outubro de 2019 um encontro de ex-ombudsman da Folha, em que o diretor de redação Sergio D’Ávila aquiesceu que dar tamanha visibilidade “às denúncias vazadas pela procuradoria é merecedor de críticas”. A jornalista argumenta, com razão, que muito do que foi dito nessas manchetes “terminou revisto ou invalidado pelos tribunais, sem que uma nova manchete viesse fazer a reparação” (LIMA, 2019LIMA, F. A Folha faz autocrítica. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 6 out. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/flavia-lima-ombudsman/2019/10/a-folha-faz-autocritica.shtml>. Acesso em: 7 mar. 2022.
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).

Uma análise do propinoduto: fundos gráficos intoxicantes

Determinado construto imagético nos interpela de forma constante e insistente ao longo de boa parte de nosso recorte temporal. Trata-se de uma ilustração, ora fixa, ora animada, produzida por computação gráfica, que serve de pano de fundo para a apresentação de diversos documentos (transcrições, fotografias, áudios), em geral relacionados ao ex-presidente Lula: um cenário cinzento com construções que remetem vagamente tanto a refinarias de petróleo quanto a edifícios prisionais, onde tubulações enferrujadas contendo a logo da Petrobras, sob um céu pesadamente nublado, deixam escapar dinheiro por toda parte. Seria essa a forma imagética antecipada e exaustivamente repetida de uma pergunta que abriria a entrevista citada acima, da repórter do JN com o então senador Delcídio do Amaral no último dia de nossa série, sábado, dia 19 — “O Presidente Lula também sabia, conhecia o ‘propinoduto’?” —, completando o arco narrativo semanal acompanhado pelo espectador?

Figura 3
Versões do propinoduto do JN (veiculadas na terça-feira, 15/3/2016, e no sábado, 19/3/2016, respectivamente).

Apesar de materializar visualmente a ideia do propinoduto (propina + duto), o JN não foi o primeiro responsável por esse neologismo, que já era usado à época para se referir ao escândalo na Petrobras por outros veículos de mídia, de forma generalizada e sinérgica. Na verdade, o histórico da palavra é bem mais antigo: uma rápida busca no Google a traz no contexto de um escândalo de corrupção ocorrido no Rio de Janeiro, o escândalo do propinoduto, em 2003 — um evento sem nenhuma ligação com o governo Dilma. Mas é interessante observar como tal representação gráfica no JN traz novos contornos para a expressão, que passa aqui a figurar como uma espécie de centro gravitacional simbólico para insinuações mais genéricas de corrupção ligadas aos governos do PT. É uma espécie de cartografia dos caminhos (dutos) percorridos por supostos malfeitos, pois a cada edição mais tubos rotos e enferrujados mostram o seu interior, de onde emergem, além de notas de dinheiro sujo, outros materiais enquadrados como tóxicos pela ilustração. Os tubos fazem ilusão figurativa aos dutos petrolíferos da Petrobras, mas também podem lembrar tubos de esgoto — na superfície estabelecida pelo telejornal, traz à tona elementos sujos e tóxicos que até então corriam no subterrâneo da sociedade, invisíveis.

Esse fundo, com algumas variações, já vinha sendo usado antes da semana aqui abordada no contexto da Operação Lava Jato, e continuou sendo usado depois, com todo o peso simbólico que isso pode conferir ao modo de produção jornalística. A título de exemplo, no dia 14 de setembro de 2016, por ocasião da divulgação do PowerPoint utilizado pelo então procurador-chefe da Força-Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, para atribuir suspeitas a Lula, o JN chegou a transpor por conta própria o diagrama para o fundo gráfico do propinoduto, em um movimento abertamente estético-editorial — inclusive corrigindo erros de digitação presentes no original do então procurador da Lava Jato. A palavra Lula, sobreposta ao plano mais geral do propinoduto, parece mesmo abarcar todo o horizonte de possibilidades, como se fosse finalmente possível enxergar um arranjo completo. Apesar de pertencer ao mesmo universo de significados, esse propinoduto apresenta sutis diferenças na comparação com os demais, indicando uma produção específica para o evento em questão: há particular ênfase no céu carregado de nuvens de tempestade; os tubos não parecem enferrujados; eles estão localizados em uma área externa, sem edifícios, uma espécie de planície, extensa e estéril; dos muitos tubos visíveis, o único aberto é aquele com o nome de Lula — com interior vermelho direcionado ao espectador —, de onde fluem as mesmas suspeitas descritas pelo PowerPoint de Dallagnol.

Figura 4
Representação do JN em 14/09/2016 com base do PowerPoint de Deltan Dallagnol.
Figura 5
Imagens do propinoduto para ilustrar a matéria do JN sobre a delação de Delcídio do Amaral na terça-feira, 15/03/2016.

Quando a delação de Delcídio do Amaral é homologada pelo STF e mais uma vez se impõe ostensivamente ao noticiário do JN, o que o fundo do propinoduto faz é adiantar o juízo de valor sobre o que está sendo dito, afixando sumariamente o conteúdo na categoria corrupção exposta. Silva (2019)SILVA, T. R. O uso ideológico de metáforas multimodais pelo Jornal Nacional em matérias sobre a Petrobrás. Signo, v. 44, n. 79, p. 54-64, 2019. analisa os significados dessas ilustrações específicas que aparecem em diversas edições do JN em 2016, ao longo da cobertura sobre a Operação Lava Jato, atentando para o excesso com que são utilizadas:

Essas imagens não são apenas apresentadas no início das matérias, elas permanecem na tela como imagens de fundo enquanto a reportagem prossegue acrescentando informações ao telespectador. Há casos em que tais imagens permanecem na tela por pelo menos metade do tempo de exibição da matéria: dos 5 minutos e 2 segundos da edição de 23 de janeiro de 2016, as imagens foram exibidas por 2 minutos e 31 segundos; a edição do dia 20 de setembro durou 7 minutos e 28 segundos, quando as imagens permaneceram na tela por 4 minutos e vinte 20 segundos

(SILVA, 2019SILVA, T. R. O uso ideológico de metáforas multimodais pelo Jornal Nacional em matérias sobre a Petrobrás. Signo, v. 44, n. 79, p. 54-64, 2019., p. 58.)

No telejornalismo, a ilustração recorrente que identifica determinado tema abordado pelo noticiário, e que surge ao lado dos apresentadores, ao fundo, é denominada “selo” (KOSMINSKY, 2003KOSMINSKY, D. C. A imagem da notícia: a história gráfica do telejornal brasileiro: uma introdução à análise dos selos do Jornal Nacional. 2003. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, 2003., p. 41). Se o selo do propinoduto já apontava um funcionamento característico da cobertura do JN sobre a Lava Jato, produzindo um vazamento semântico no interior das matérias, para além das cabeças dos apresentadores, é interessante verificar possibilidades de intoxicação progressiva de materiais nessa semana específica.

No dia 12 de março de 2016, o fundo utilizado para exibir documentos nas reportagens é uma representação gráfica da mesa de apuração do repórter (agenda, papel e caneta completam as ilustrações). O construto imagético do propinoduto é convocado apenas a partir de terça-feira, 15, o que demonstra que, se a velocidade das informações trazidas pelo JN demanda uma operação pela repetição, tal operação é feita, a cada dia, ligeiramente mais sintonizada com um ponto de vista editorial.

Figura 6
Documentos apresentados pelo JN no sábado, 12/03/2016 (à direita, o reconhecimento da reverberação da reportagem da IstoÉ).
Figura 7
Outros documentos apresentados pelo JN na terça-feira, 15/03/2016.

Talvez o exemplo mais espantoso desse movimento — que pode ser visto como de intoxicação gradual de materiais com o uso da imagem do propinoduto — se verifique na comparação da edição de quarta-feira, 16, com a de quinta-feira, 17. É a partir de quarta que o JN começa a divulgar os grampos ligados a Lula com autorização do então juiz Sergio Moro, mas, nesse primeiro dia, quase todo o material ganha forma na voz dos apresentadores, que leem os conteúdos da bancada, sem imagens de cobertura. Somente um grampo é apresentado no formato original em áudio, e ele é o carro-chefe da narrativa: o telefonema entre Lula e a presidente Dilma Rousseff, em que os dois falam sobre a nomeação ministerial do ex-presidente. Repetido com alarde em diversos momentos da edição para indicar uma suposta intenção de Lula de escapar da Justiça pelo direito ao chamado foro privilegiado, o áudio é apresentado, nessa quarta-feira, em um fundo neutro com a identidade visual em tons de azul do JN. A transcrição em texto do áudio é acompanhada pelas fotografias dos dois interlocutores. No dia seguinte, o mesmo áudio, já tendo repercutido por todo o mundo político e a sociedade em geral, será novamente repetido, mas com uma diferença importante: o tratamento gráfico que ilustra o grampo da conversa telefônica agora conta com o fundo do propinoduto, não deixando margem para dúvidas sobre a categoria simbólica na qual a conversa interceptada deve ser percebida.

Figura 8
Divulgação do grampo da conversa entre Lula e Dilma no JN, quarta-feira, 16/03/2016, e quinta-feira, 17, já com o propinoduto como pano de fundo.

A produção “quase em tempo real” do JN nessa quarta-feira, nas palavras de Bonner, faz emergir uma onda de discursos cujos efeitos se apoiam no excesso, que mina possibilidades de posicionamento crítico por parte do espectador. Mas é no dia a dia da repetição, com ajustes quase imperceptíveis na velocidade do fluxo, que a fixação de significados na história das imagens parece extrair seu maior potencial de toxicidade.

Iconização e mise-en-scène do personagem Lula

Agora que já lançamos um olhar para uma toxicidade imposta pelos fundos gráficos, podemos nos deter em uma contaminação de outro tipo, produzida pelas imagens de cobertura. Na segunda-feira, dia 14 de março de 2016, o destaque principal do noticiário é dado à possibilidade de denúncias que envolvem Lula, investigadas pelos procuradores estaduais em São Paulo, serem transferidas para a Vara Federal de Curitiba, no âmbito da Operação Lava Jato, e, mais especificamente, para o campo de ação do juiz Sergio Moro. Além disso, trechos do depoimento de Lula no episódio da condução coercitiva têm o sigilo retirado pela Justiça, e serão, a partir de então, lidos na íntegra e esmiuçados pelos repórteres. Ainda na escalada, as imagens amadoras da condução coercitiva gravadas, ao que parece, por um aparelho celular não identificado, ressurgem quando Lula é mencionado — elas já haviam sido veiculadas pelo JN no dia 4 de março de 2016. Trazem assim uma perspectiva que se pretende externa ao próprio jornal, validada por uma autoridade discursiva calcada na experiência “daquele que esteve lá, em primeira mão”. São feitas em zoom, com pouca resolução, típicas da mise-en-scène de um flagrante.

Figura 9
Condução coercitiva de Lula.

O JN não identifica a origem dessa tomada e faz uma intervenção na imagem para facilitar a identificação de Lula. O ex-presidente é circunscrito em amarelo no lado esquerdo da tela, com policiais e advogados ao seu redor e o carro da Polícia Federal em quadro, em uma composição que associa o personagem à figura do procurado pela Justiça. Esse breve plano será repetido outras vezes ao longo da edição, em um processo de iconização que parece fazer parte do modo básico de construção diegética do JN durante toda a Lava Jato. Para a teoria semiótica, como nos explica Barros (2005)BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Editora Ática, 2005., a iconização seria uma espécie de extremo da figurativização, o “procedimento semântico pelo qual conteúdos mais ‘concretos’ (que remetem ao mundo natural) recobrem os percursos temáticos abstratos” (BARROS, 2005BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Editora Ática, 2005., p. 83). Podemos associar tal gesto de “recobrir” o “abstrato” com o “concreto”, em nosso contexto de análise, à utilização das imagens de cobertura provenientes do arquivo da emissora, usadas para ilustrar determinados trechos de reportagens e criar imediatas relações de significado para o espectador. Em outras palavras, o recurso ao arquivo empresta ao discurso da reportagem uma materialidade imagética específica. Falamos em iconização quando tais imagens são completa ou parcialmente destituídas de seus vínculos originais de produção, gerando “ilusão referencial ou de realidade” (BARROS, 2005BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Editora Ática, 2005., p. 83).

É o que acontece com a imagem em que Lula é circunscrito em amarelo: registrada no momento em que o ex-presidente sai do aeroporto de Congonhas, onde havia prestado depoimento, essas imagens voltam, como ícones, em muitas outras edições, para sugerir e ilustrar a suposta fuga de Lula da Justiça. O mesmo processo de iconização ocorre com a tomada da fachada do tríplex do Guarujá ou com as imagens aéreas do sítio de Atibaia, exibidas praticamente todo dia durante o mês de março (atentamos apenas ao mês da nossa pesquisa), em reportagens que abordam os imóveis como objeto principal ou, indiretamente, citadas em reportagens com acusações a Lula. Imagens-clichês que retomam múltiplas e difusas associações de suspeita com a velocidade exigida pelo fluxo. Nota-se que não estão presentes nem mesmo as indicações de arquivo que os telejornais precisam atribuir às imagens de cobertura não contemporâneas às reportagens. É possível pensar que tal negligência seja decorrente da urgência com que a edição diária é feita, mas matérias sobre outros assuntos nessa semana apresentam o índice temporal em suas imagens de cobertura, com a inscrição arquivo nas imagens, ou até mesmo com a data em que foram veiculadas pela primeira vez.

Na escalada da segunda-feira, 14/3/2016, em seguida à imagem de Lula com o círculo amarelo em torno dele, o JN repercute as manifestações de rua ocorridas no dia anterior, domingo, 13, contra Dilma Rousseff, montando imagens da Avenida Paulista e da Praia de Copacabana, ambas lotadas e em tons de verde-amarelo (“protesto contra o governo e a corrupção”, em equivalência sintática). Pouco a pouco, vão se produzindo vínculos entre as duas grandes narrativas da semana, que aqui ainda não estavam completamente unificadas: o enfraquecimento do governo Dilma e as denúncias contra o ex-presidente Lula. Essa produção de vínculos se frutifica novamente em meio a um excesso de discursos que diminui a visibilização de narrativas alternativas.

Nas edições do Jornal Nacional da semana de 12 a 19 de março de 2016, Lula é de longe o personagem que tem o nome mais citado. Se tomarmos apenas a quarta-feira, 16, por exemplo, edição que traz os primeiros grampos, a palavra “Lula” aparece 101 vezes (mesmo deixando de fora as ocorrências nas palavras de ordem “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”), ao passo que “Dilma” e “Moro”, outros dois importantes personagens do noticiário naquele período, são citados 39 e 14 vezes, respectivamente. O excesso de discursos sobre Lula, entretanto, não é acompanhado da voz do próprio ex-presidente, que em nenhum momento é entrevistado pelo telejornal — há apenas notas de resposta do Instituto Lula, ou de seus advogados, lidas pelos apresentadores ao final das reportagens e já temporalmente distantes das asserções e insinuações feitas, com efeito discursivo quase nulo.

A ausência total de imagens de Lula em alguns dias da semana, e o minimalismo imagético em outros, apesar da já citada onipresença do personagem em termos de suspeitas, sugere um tratamento particular no manejo desse material. O inventário exemplificativo a seguir, que reúne imagens de cobertura utilizadas ao longo da semana para ilustrar referências ao ex-presidente, pode corroborar uma impressão de distância em relação ao personagem.

Figura 10
JN de 17/03
Figura 11
JN de 16/03

A maior parte dessas imagens foi produzida aparentemente sem o conhecimento de Lula (sem a sua participação na construção do ato imagético), com lentes objetivas, de muito longe. Isso é particularmente visível nas figuras 10 e 11, que mostram Lula chegando a Brasília de avião e conversando com os caciques do Governo, como também na sequência da condução coercitiva, como já comentado anteriormente (figura 9), e nas imagens de Lula discursando (figura 12), em que, além da sensação de afastamento, os materiais de arquivo atribuem respectivamente graus de suspeita e conspiração — sendo de baixa qualidade, com estética amadora, reproduzem situações em que a câmera profissional jornalística (do JN) não conseguiu, ou não quis estar.

Figura 12
JN em 18/03.

Uma tomada da época em que Lula se tratava de um câncer na laringe (figura 13), entre 2012 e 2013 — sem barba, apenas de bigode —, antiga, portanto, é usada indistinta e levianamente. Podemos encontrar ainda, entre muitos outros exemplos, uma fotografia de Lula ao telefone (figura 14), montada com uma versão especialmente obscura do fundo do propinoduto: uma imagem com enquadramento apressado e que, mesmo produzida de perto, não revela ao espectador a efetiva relação entre quem está na frente e quem está atrás da câmera.

Figura 13
JN de 16/03
Figura 14
JN de 14/03

Se os discursos vêm em excesso, transbordando a atenção do espectador, os elementos de ilustração e cobertura são escassos em alguns casos, repetidos de maneira sistemática e com ajustes contínuos e editorializados. Na verdade, como parece claro após uma análise que busca driblar o fluxo torrencial do JN sem deixar de levá-lo em conta, tais imagens, ou ícones, bem mais do que ilustrar qualquer informação, criam vínculos narrativos com lógicas próprias. A repetição das imagens de cobertura utilizadas para a iconização de Lula (que passa a representar também o PT, o Governo e a corrupção como um todo) é fruto, portanto, de uma montagem reverberante apoiada no excesso e na repetição seletiva, que terminou por contribuir para uma toxicidade direcionada ao espectador daquele momento histórico.

Considerações finais

As edições que fazem parte do nosso corpus estão inseridas em um período em que as ações da Operação Lava Jato contra Lula se sucediam praticamente sem interrupção. O Jornal Nacional acompanhava esse ritmo, com repetição diária das acusações em reportagens sobre a condução coercitiva do ex-presidente, os casos do sítio em Atibaia e do tríplex do Guarujá, as acusações dos promotores paulistas com o pedido de prisão preventiva do ex-presidente, a divulgação dos grampos. O desempenho de William Bonner e Renata Vasconcellos na encenação das conversas interceptadas, na quarta- feira, dia 16/3/2016, foi seguido — nas edições de quinta, sexta e sábado — da apresentação dos registros originais em reportagens diversas na estratégia que vimos acima: informações selecionadas e repetidas à exaustão, contribuindo para consolidar a versão da Lava Jato sobre o teor das conversas. Não à toa, os grampos tornaram-se justificativas no parecer do ministro do STF, Gilmar Mendes, para suspender de vez a posse de Lula como ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Por outro lado, os despachos e as notas de Sergio Moro e da Lava Jato recebiam atenção diária e tratamento sóbrio. Havia também muitas notas editoriais do JN rebatendo Lula, pessoalmente, ou a defesa de Lula, em nome do dever de informar.

É preciso notar que falamos aqui apenas do JN veiculado na televisão aberta, mas as edições desse telejornal puderam ser vistas em território virtual de modo integral ou desmembradas em plataformas diversas, redes sociais e aplicativos. Além disso, o que descrevemos que era televisionado no JN acontecia de modo similar nos outros jornais da TV Globo, nos jornais da GloboNews — acrescidos de opiniões dos comentaristas — e, de modos variados, mas em tom bastante semelhante, em boa parte do restante da mídia. Que o antipetismo e a ojeriza pelo personagem Lula foram determinantes para o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e, também, para as eleições de 2018, poucos negam. Entretanto, parece a cada dia mais crucial que pensemos o papel dos dispositivos midiáticos nesses processos políticos, e nos que estão por vir.

Em 8 de março de 2021, o ministro do STF Edson Fachin anulou todas as condenações do ex-presidente Lula pela Justiça Federal do Paraná relacionadas às investigações da Operação Lava Jato. O ministro considerou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar os casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula. O argumento foi o de que não havia relação entre os desvios praticados na Petrobras, investigados pela Operação Lava Jato, e as acusações feitas a Lula. Em 15 de abril de 2021, a decisão de Fachin foi confirmada pelo plenário do STF por 8 votos contra 3. Em 23 de março de 2021, a segunda turma do STF decidiu por 3 votos contra 2 que o então juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Lula à prisão — decisão reconhecida pelo plenário da Suprema Corte em 23 de junho do mesmo ano, por 7 votos contra 4.

O Jornal Nacional — como outros veículos jornalísticos — noticiou essas decisões, sem fazer qualquer tipo de ponderação sobre o próprio papel à época dos acontecimentos, sobre o uso dos gráficos do propinoduto, sobre a correnteza de ressonâncias que produziu e pelo qual se deixou carregar. Se ao longo do processo do impeachment de Dilma Rousseff e do processo da Lava Jato contra Lula o JN recorreu a decisões do STF — ou afirmações de alguns de seus ministros — para mostrar a legalidade do que estava em jogo, as decisões da Suprema Corte em 2021 favoráveis à defesa do ex-presidente são, contrariamente à postura anterior, relativizadas sempre que a oportunidade aparece.

***

Em 25 de agosto de 2022, o ex-presidente Lula ficou frente a frente com os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos no estúdio do Jornal Nacional, em uma sabatina do agora candidato à Presidência da República. Bonner inicia a entrevista lembrando ao ex-presidente que

[...] o Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do tríplex e anulou também outras ações por ter considerado a Vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça. Mas... Houve corrupção na Petrobras. E, segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos como o PT, como o então PMDB e o PP. Candidato, como é que o senhor vai convencer os eleitores de que esses escândalos não vão se repetir?

(JORNAL NACIONAL, 25/8/2022.)

Apesar da constatação inicial, surpreendente em comparação a posicionamentos anteriores, o questionamento que se segue, como de costume, empurra o espectador para a frente, limitando (ou evitando) uma reflexão sobre a atuação do telejornal — e da própria mídia — sobre aquele período, desperdiçando a oportunidade de uma desintoxicação do espectador. Assim, no contexto deste artigo, cabe reformular a pergunta e questionar ao próprio Jornal Nacional como eles vão convencer os espectadores de que essa forma de cobertura jornalística não vai se repetir.

  • 1
    Analisamos essa edição em uma comunicação apresentada no GT Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual, no Encontro Anual da Compós, em junho de 2022.
  • 2
    No site manchetômetro, março de 2016 é, de lá para cá, o mês em que Lula teve o maior número de matérias negativas nos jornais e telejornais aferidos (Estadão, Estado de Minas, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal Nacional e Valor Econômico). Disponível em: <http://manchetometro.com.br/>. Acesso em: 1 jul. 2022. As pesquisas publicadas no site são feitas pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep), sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
  • 3
    Maria Eduarda da Rocha Mota (2019, p. 371)ROCHA, M. E. M. O Jornal Nacional e o rito de destituição de Dilma Rousseff. Revista de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará (UFC), v. 50, p. 359, 2019. analisa a cobertura do JN do processo de impeachment de Dilma Rousseff e identifica uma estratégia semelhante do telejornal ao reproduzir “argumentos contrários ao golpe”, apresentados como pouco convincentes e associados a um “polo particularista”.
  • 4
  • 5
    O JN reconheceu como erro o apoio ao golpe civil-militar de 1964, em 2013, quase 50 anos depois. Contudo, como lembra Beatriz Becker, “esse fato não gerou uma atuação mais progressista deste noticiário nos governos Lula e Dilma. Ao contrário, foi possível identificar em estudo anterior como o JN promoveu o impeachment de Dilma Rousseff, apagando e sufocando esse acontecimento tão importante na história política do país entre as inúmeras reportagens sobre os Jogos Olímpicos 2016”. (BECKER, 2020BECKER, B.; MACHADO, H. L.; WALTZ, I.; TASSINARI, J. A Centralidade do telejornal no ambiente midiático convergente: repensando como as interações entre produção e recepção atribuem sentidos aos Jogos Rio 2016. Intercom, Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 41, n. 3, p. 71-86, set./dez. 2018., p. 209).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2022
  • Aceito
    07 Set 2022
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