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O estudo da ilha de calor em cidade de pequeno porte: algumas contribuições

Study of the heat island in a small city: some contributions

Resumo

O presente artigo analisa o fenômeno da Ilha de Calor Urbana (ICU), em Rancharia, cidade de pequeno porte localizada no oeste paulista, em episódio de verão. A coleta dos dados ocorreu por meio da instalação de registradores de temperatura em miniabrigos meteorológicos de madeira, distribuídos em 8 pontos representativos da área intraurbana, do rural próximo e do entorno do Balneário Municipal. Os resultados, exibidos na forma de painéis espaçotemporais mostram a distribuição das diferenças térmicas e a intensidade da ilha de calor no tempo (mês de janeiro) e no espaço (locais dos pontos fixos) e possibilitam uma análise integrada do clima no espaço geográfico. Os resultados indicaram a existência de um clima urbano específico associado ao uso e à ocupação da terra urbana sendo possível diagnosticar ilhas de calor de intensidade moderada a forte.

Palavras-chave:
Clima urbano; Diferenças térmicas; Ilhas de calor; Rancharia-SP

Abstract

This paper analyzed the Urban Heat Island (UHI) phenomenon in Rancharia, a small city located in the west of the state of São Paulo, in the summer. Data was collected through the installation of temperature recorders in mini weather shelters, made of wood, distributed over eight representative points for the intra-urban area, nearby rural area and the area surrounding the Municipal Resort. The results, exhibited as spatial-temporal panels show the distribution of the thermal differences and the intensity of the heat island over time (month of January) and space (fixed sites). They permit an integrated analysis of climate in the geographical space. Results indicated the existence a specific urban climate associated with the use and the occupation of urban land where it was possible to diagnose heat islands that are moderate to strong in intensity.

Keywords:
Urban climate; Thermal differences; Heat islands; Rancharia-SP

Introdução

Dentre as questões ambientais relacionadas às cidades de pequeno e médio porte, a geração do clima urbano é uma preocupação crescente no Brasil (SANT’ANNA NETO, 2014SANT’ANNA NETO, J. L. Medir o tempo, ler, interpretar e sentir o clima: uma climatologia a serviço do entendimento das relações entre os homens e seus lugares, entre as sociedades e seus territórios. In: SILVA, C. A.; FIALHO, E. S.; STEINKE, E. T. (Org.). Experimentos em Climatologia Geográfica. Dourados: UFGD, p.23-32, 2014.). Estudos com essa temática agregaram importância na climatologia geográfica a partir do momento em que as cidades médias e pequenas passaram a apresentar um crescimento que proporcionou aumento da representação quantitativa e qualitativa no território brasileiro (MENDONÇA, 2003).

A literatura mostra que as cidades de pequeno porte também apresentam alterações importantes que justificam os estudos ambientais desta ordem.

É sabido que a degradação ambiental e a queda da qualidade de vida nas cidades destes países se agravam à proporção que a urbanização se intensifica. As cidades médias e pequenas atestam, assim, embora em níveis inferiores aos das grandes cidades e áreas metropolitanas, graves problemas ambientais [...] (MENDONÇA, 2003. p. 94).

Além disso, cidades menores apresentam “consideráveis facilidades para a identificação de suas paisagens intraurbanas; estas, previamente identificadas, permitirão uma melhor compreensão da interação sociedade-natureza na construção do clima urbano”. (MENDONÇA, op. cit., p. 96). No caso das cidades de pequeno e médio porte a urbanização ainda possibilita a intervenção, notadamente no planejamento dos novos espaços em expansão.

O clima urbano resulta da combinação das características do sítio urbano com as formas de uso e ocupação da terra, condições geradoras de um clima específico para cada localidade (MONTEIRO, 1976______. MONTEIRO, C. A. F. . Teoria e Clima Urbano. São Paulo: IGEOG/USP, 1976. (Série Teses e Monografias).). Mesmo cidades de pequeno e médio porte apresentam condições para a produção de um clima específico (MENDONÇA, 1995MENDONÇA, F. A. O clima e o planejamento urbano de cidades de porte médio e pequeno: proposição metodológica para estudo e sua aplicação à cidade de Londrina/PR. 1995. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.; AMORIM, 2000AMORIM, M.C.C.T. O clima urbano de Presidente Prudente/SP. 2000. 374 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.; VIANA, 2006VIANA, S. E. M. Caracterização do clima urbano em Teodoro Sampaio-SP. 2006. 190f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente-SP.; FIALHO, 2009FIALHO, E. S. Ilha de calor em cidade de pequeno porte: Caso de Viçosa, na Zona da Mata Mineira. 2009. 279 f. Tese (Doutorado em Geografia Física) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.; UGEDA JÚNIOR, 2011UGEDA JÚNIOR, J. C. Clima urbano e planejamento na cidade de Jales-SP. 2011. 383f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente-SP.; ORTIZ, 2012ORTIZ, G. F. O clima urbano de Cândido Mota: análise do perfil térmico e higrométrico em episódios de verão. 2012. 163 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente-SP.).

Rancharia é uma cidade de pequeno porte, localizada no oeste paulista a 22° 13' 23" de Latitude sul e 50° 53' 35” de Longitude oeste, distante 520 Km de São Paulo, capital do estado (Figura 1). Segundo censo do IBGE, em 2010, a cidade contava com 28.804 habitantes sendo que destes, 2.976 pessoas eram residentes na zona rural, enquanto que 25.828 residiam na área urbana.

Figura 1
Mapa de localização de Rancharia/SP.

As atividades econômicas do município são a policultura e as indústrias de transformação com destaque para a de metal e madeira, a têxtil, a de extração de óleos vegetais, laticínios e frigoríficos. O turismo é atividade complementar motivado pela existência do balneário municipal. Inserido no clima da região sudeste do Brasil, o Município de Rancharia está numa área de transição climática e de acordo com Cavalcanti (2009CAVALCANTI, I. F. de A.; FERREIRA, N. J.; SILVA, M. G. A. J.; DIAS, M. A. F. S. (Orgs) Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2009.):

O traço climático mais marcante do Sudeste é a distribuição espacial e temporal da precipitação, fator ambiental de maior importância da região, que influencia grandemente os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos. Esse elemento do clima apresenta enorme variação inter e intra-anual, devido aos arranjos entre os controles de grande escala, os distúrbios de mesoescala e condições locais como topografia, exposição de vertentes e uso da terra. As características climáticas da região Sudeste refletem a situação do escoamento atmosférico médio, condições oceânicas vizinhas e a situação dos centros de ação e perturbações gerais, que influenciam a penetração dos sistemas atmosféricos. Atuam na área distintos mecanismos, com invasão de sistemas mais frios, que contrastam com o domínio de massas mais quentes [...] (CAVALCANTI et al., 2009CAVALCANTI, I. F. de A.; FERREIRA, N. J.; SILVA, M. G. A. J.; DIAS, M. A. F. S. (Orgs) Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2009., p.244-245)

Devido a sua posição latitudinal e por sua geografia, sobre a região sudeste atuam as principais correntes de circulação atmosférica da América do Sul, “sendo uma faixa de conflito entre massas de ar distintas, com participação de correntes tropicais marítimas de leste-nordeste, correntes polares de sul e correntes do interior de oeste-noroeste” (CAVALCANTI op.cit. p. 246). Outros fatores condicionantes do clima na região Sudeste são a maritimidade e continentalidade que interferem na característica da temperatura e na umidade do ar.

No ambiente urbano as condições climáticas locais estão submetidas aos sistemas atmosféricos zonais e regionais e derivam da heterogeneidade do sítio e das funcionalidades urbanas, conforme destaca Fialho (2012FIALHO, E. S. (org). Concepções e Ensaios da Climatologia Geográfica. E-book, 2012, p. 83-114., p. 85):

O conhecimento das feições topográficas do sítio é de extrema importância nos estudos climáticos, porque, em pequenas distâncias dentro da própria estrutura interna das cidades, existem significativas diferenças de microclima, oriundas da morfologia da superfície e da presença ou não de vegetação. Tais fatores geram alterações do comportamento térmico que comprometem a qualidade de vida e o conforto térmico das cidades (FIALHO, 2012FIALHO, E. S. (org). Concepções e Ensaios da Climatologia Geográfica. E-book, 2012, p. 83-114.. p.85)

Entre as alterações impostas pela urbanização à atmosfera urbana está a formação da ilha de calor:

Ilha de calor urbana é definida pela diferença de temperatura entre a área central da cidade e o ambiente rural ou zonas periféricas com baixa densidade de construções. Além da distinção simples urbano-rural ou centro-periferia, é principalmente uma diferença de uso e ocupação do solo (AMORIM et al., 2009AMORIM, M.C.C.T.; DUBREUIL, V.; QUENOL, H.; SANT’ANNA NETO, J.L. Características das ilhas de calor em cidades de porte médio: exemplos de Presidente Prudente (Brasil) e Rennes. Confins [Online], 7,2009, p. 1-16, 31 out. 2009., p.2)

A ilha de calor urbana (ICU) é verificada em condições de estabilidade atmosférica com menores velocidades do vento e pouca nebulosidade (AMORIM, et al., 2009AMORIM, M.C.C.T.; DUBREUIL, V.; QUENOL, H.; SANT’ANNA NETO, J.L. Características das ilhas de calor em cidades de porte médio: exemplos de Presidente Prudente (Brasil) e Rennes. Confins [Online], 7,2009, p. 1-16, 31 out. 2009.). Conforme os autores:

A intensidade e a extensão espacial da ICU dependem da localização da cidade, da morfologia urbana (forma e densidade das construções), do tipo de materiais construtivos, das atividades industriais, das condições climáticas e da sucessão das situações sinóticas e tipos de tempo. A ICU é especialmente importante sob condições atmosféricas estáveis (sistema anticiclônico), que se caracterizam pela baixa velocidade do vento e pela ausência de nebulosidade (AMORIM, et al., 2009AMORIM, M.C.C.T.; DUBREUIL, V.; QUENOL, H.; SANT’ANNA NETO, J.L. Características das ilhas de calor em cidades de porte médio: exemplos de Presidente Prudente (Brasil) e Rennes. Confins [Online], 7,2009, p. 1-16, 31 out. 2009., p. 2)

Estudos de caso comprovam a relação entre a estabilidade atmosférica e as ilhas de calor atmosféricas em cidades de porte médio e pequeno do ambiente tropical que manifestam diferenças de temperatura pronunciadas em situação de calmaria atmosférica (CARDOSO et al.,2017CARDOSO, R.; DORIGON, L; FRASCA TEIXEIRA, D.; AMORIM, M. Assessment of Urban Heat Islands in Small- and Mid-Sized Cities in Brazil. Climate, v. 5, p. 14, 2017.).

De acordo com García (1996GARCÍA, F. F. Manual de climatología aplicada: clima, medio ambiente y planificación. Madrid: Editorial Sintesis, 1996.), a análise da ilha de calor constitui o elemento mais representativo do clima urbano, sendo significativo no seu estudo:

  • a) La intensidad como indicativo de la magnitude del fenómeno. Depende em gran medida del tamaño del spacio urbano y de las condiciones meteorológicas dominantes.

  • b) Las variaciones espaciales, casi todas ellas relacionadas con las diferentes estructuras urbanas.

  • c) El ritmo diário y estacional, que depende de los ciclos diarios o estacionales de la radiación (FERNÁNDEZ GARCÍA, 1996GARCÍA, F. F. Manual de climatología aplicada: clima, medio ambiente y planificación. Madrid: Editorial Sintesis, 1996., p. 263)

Admitindo-se que a intensidade deriva da medida de diferença entre a temperatura rural-urbana, segundo Fernández García (1996GARCÍA, F. F. Manual de climatología aplicada: clima, medio ambiente y planificación. Madrid: Editorial Sintesis, 1996.), a magnitude refere-se à força do fenômeno da ICU, sendo diferenciada em:

  • a) Débil: cuando las diferencias oscilan entre 0°C y 2°C.

  • b) Moderada, entre 2°C y 4°C.

  • c) Fuertes, entre 4°C y 6°C.

  • d) Muy fuertes, cuando las diferencias son superiores a 6°C. (FERNÁNDEZ GARCÍA, op.cit.,p. 264).

Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo investigar o clima urbano e o fenômeno da ilha de calor em Rancharia/SP, cidade de pequeno porte, considerando-se as condicionantes geoecológicas e as funcionalidades urbanas. Esta pesquisa tem como aporte teórico-metodológico o Sistema Clima Urbano (S.C.U) (Monteiro, 1976______. MONTEIRO, C. A. F. . Teoria e Clima Urbano. São Paulo: IGEOG/USP, 1976. (Série Teses e Monografias).), organizado em subsistemas que se voltam para a percepção humana, dentre os quais foi selecionado para a presente investigação o filtro perceptivo do conforto térmico:

a) Conforto Térmico (Subsistema Termodinâmico): Englobando as componentes termodinâmicas que, em suas relações, se expressam através do calor, ventilação e umidade nos referenciais básicos a esta noção. É um filtro perceptivo bastante significativo, pois afeta a todos permanentemente. Constitui, seja na climatologia médica, seja na tecnologia habitacional, assunto de investigação de importância crescente.

A componente termodinâmica relaciona-se a variação térmica e higrométrica, cujo produto no sistema são as ilhas de calor, fenômenos com reflexos diretos no cotidiano e na saúde dos citadinos:

As ilhas de calor afetam diretamente o conforto e a saúde dos indivíduos, seja por problemas relacionados diretamente ao calor, como o estresse térmico ou por problemas de doenças relacionados à qualidade do ar [...]. [...]Essa situação de estresse térmico ocorre facilmente nos ambientes tropicais e se intensificam com as ilhas de calor. Pessoas submetidas a essa situação por longos períodos, especialmente as que fazem parte do grupo de risco, como os idosos, as crianças, as mulheres grávidas, os cardíacos, os asmáticos etc., podem ter problemas dos mais simples aos mais graves, como, por exemplo, irritabilidade, desconcentração, inapetência, desidratação, cãibras, desmaios, exaustão pelo calor e até a morte (AMORIM, 2010______. Climatologia e Gestão do espaço urbano. Mercator, número especial, p. 71-90, dez. 2010., p. 74).

As ilhas de calor, além da diferença de temperatura em relação ao rural circundante, promovem alterações nos padrões de ventilação urbana que favorecem a concentração de poluentes e o aumento da precipitação, especialmente em grandes cidades de vocação industrial. A temperatura é tomada como insumo do S.C.U, transformada na cidade, resultando do balanço de energia (MONTEIRO, 2003).

De maneira genérica, “[...] existe na cidade uma peculiaridade climática que acarreta na modificação térmica a favor do centro urbano e entre este e a periferia das cidades” sendo que essa “[...] diferença térmica elevada conduz à diferença de umidade no sentido inverso, configurando a ilha de calor e a ilha seca” (CARRERAS et al., 1990CARRERAS, C.; MARIN, M.; MARTIN VIDE, J. MORENO, M. del C.; SABÍ, J. Modificaciones térmicas en las ciudades. Avance sobre la isla de calor en Barcelona. Documents d'analisi Geografica. n.17, p. 51-77, 1990., p. 53-54, tradução nossa)

No entanto, a maneira como o fenômeno se manifesta em cada cidade é específica, podendo envolver muitos fatores de explicação:

Ilhas de calor em áreas urbanas tendem a apresentar características típicas, mas a intensidade e o momento de ocorrência das ilhas de calor variam de acordo com cada localidade. No final, a ilha de calor de cada comunidade encontra seu próprio e exclusivo equilíbrio entre temperaturas e fluxos de energia, com base no terreno, tipos de construções e condições meteorológicas da área (GARTLAND, 2010GARTLAND, L. Ilhas de calor: como mitigar zonas de calor em áreas urbanas. São Paulo: Oficinas de textos, 2010., p. 36).

Considerando a heterogeneidade urbana, Oke (1987) diferenciou as ilhas de calor a partir dos níveis da atmosfera em que se manifestam. A Urban canopy-layer (UCL) ou camada do dossel urbano consiste na ilha de calor da atmosfera inferior, observada em microescala a partir do solo até o nível dos telhados e topo de árvores, e que portanto, expressa a complexidade urbana que resulta no acúmulo de energia pelos materiais construtivos pouco evaporativos e que contribuem para a retenção do excedente de calor próximo à superfície urbana.

O monitoramento das ilhas de calor da atmosfera inferior ocorre a partir da adoção procedimentos clássicos para o registro da temperatura do ar comprometido pelas edificações, tais como as observações por redes meteorológicas de superfície (OKE, 2004OKE, T.R. Siting and exposure of meteorological Instruments at urban sites. In: NATO/CCMS International Technical Meeting on Air Pollution Modelling and its Application, 27., 2004, Canadá: Banff, 2004, p. 1-14. Disponível em: <http://urban-climate.com/ITM04-Oke.pdf> Acesso em: 26 Set. 2014.
http://urban-climate.com/ITM04-Oke.pdf...
).

Procedimentos metodológicos

Para a investigação proposta, o levantamento de dados ocorreu através de estações fixas de coleta da temperatura do ar distribuídas em feições representativas da área urbana, da área rural e das margens do Balneário Municipal com a finalidade de comparação dos dados registrados em oito pontos fixos, considerando a medida de diferença entre os pontos urbanos e o rural (VOOGT, 2002VOOGT, J. A., Urban Heat Island: Causes and consequences of global environmental change, Encyclopedia of Global Environmental Change, v. 3, 660-666, 2002.). A realização do monitoramento climático ocorreu no mês de janeiro de 2014, representativo do verão no ambiente tropical que naturalmente proporciona efeitos de desconforto térmico aos citadinos pelo excesso de calor.

Foram instalados oito abrigos meteorológicos construídos em madeira, com paredes duplas e perfuradas, equipados com sensores digitais do tipo ThermaData Humidity - Temperatura Logger, model HTD, fixados através de uma haste a 1,5 metros em relação ao solo. Seis destes foram distribuídos pela malha urbana de Rancharia, procurando-se representar todos os tipos de usos e ocupação da terra urbana (Quadro 1). Um abrigo meteorológico foi instalado num ponto representativo do rural circundante e outro nas proximidades do Balneário “Prefeito Manoel Severo Lins Neto”.

A instalação dos abrigos meteorológicos exigiu a observância de critérios como o posicionamento sob maior exposição solar evitando a proximidade de árvores e construções que promovessem sombreamento; de paredes e telhas que proporcionassem um aquecimento dos sensores e priorizando-se superfícies que não apresentassem revestimento cerâmico de acordo com OKE (2004OKE, T.R. Siting and exposure of meteorological Instruments at urban sites. In: NATO/CCMS International Technical Meeting on Air Pollution Modelling and its Application, 27., 2004, Canadá: Banff, 2004, p. 1-14. Disponível em: <http://urban-climate.com/ITM04-Oke.pdf> Acesso em: 26 Set. 2014.
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). A apresentação dos resultados ocorreu em forma de painéis espaço-temporal, representações gráficas que mostram a variação de um fenômeno climático no tempo e sua projeção num eixo espacial (SANT’ANNA NETO, 1990SANT’ANNA NETO, J. L. Ritmo climático e a gênese das chuvas na Zona Costeira Paulista. 1990. 156 f. Dissertação (mestrado em Geografia) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.; ARAÚJO, 2001ARAÚJO, R. R. O processo de urbanização na produção do clima urbano de São Luiz-MA. 2001. 217f. Dissertação (mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.). A sua elaboração exigiu a organização primária dos dados em planilhas do programa Excel (marca registrada da Microsoft Corporation) e posteriormente a utilização do aplicativo Surfer (marca registrada da Golden Software).

Neste programa, a planilha é transformada em grade com pontos equidistantes e a interpolação dos dados é feita a partir da Krigagem como método de regressão. O Eixo horizontal (x) representa o tempo (31 dias de janeiro) e o eixo vertical (y) representa o espaço (8 pontos fixos), sendo que o eixo “y” foi ilustrado com um perfil característico de cada ponto fixo. Os resultados mostraram a distribuição das diferenças térmicas entre os pontos fixos de coleta no mês de janeiro com base nos horários de interesse. A área rural apresentou padrão de menor aquecimento em todo o período analisado e por este motivo ficou definida como ponto referência (ponto 0) para se analisar as diferenças entre os pontos urbanos e o ponto representativo do entorno do balneário. Desta forma, todos os valores de temperatura obtidos nos pontos urbanos e no balneário foram subtraídos dos valores obtidos no rural para a obtenção da diferença térmica.

Quadro 1
Caraterização dos pontos fixos.

Resultados e discussão

Na sequência, são apresentados os painéis espaçotemporais que mostram as diferenças verificadas em relação ao ponto fixo rural, analisados por horário, selecionando-se às 09, 15 e 21 horas (hora local).

O gráfico de análise rítmica do período analisado (Figura 2) foi elaborado para fundamentação das análises, visando identificar sistemas atmosféricos atuantes e os tipos de tempo decorrentes que foram desencadeadores das ilhas de calor, bem como dos episódios de maior intensidade do fenômeno (DANNI-OLIVEIRA; MENDONÇA, 2007; MONTEIRO, 1971MONTEIRO, C. A. F. Análise Rítmica em Climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e achegas para um programa de trabalho. São Paulo: IGEOG/USP, 1971.; ZAVATTINI, 2015ZAVATTINI, J. A. Dinâmica atmosférica e análise rítmica: A contribuição do brasileiro Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro à França de Pédelaborde e à Itália de Pinna. In: A construção da climatologia geográfica no Brasil. Campinas: Alínea, 2015. p. 167-192.).

Figura 2
Gráfico de análise rítmica, Rancharia (SP).

As características do sítio urbano são relevantes para a complementação da análise climática em fina escala pois o clima urbano deriva tanto da heterogeneidade geoambiental como também das características geourbanas (FIALHO, 2009FIALHO, E. S. Ilha de calor em cidade de pequeno porte: Caso de Viçosa, na Zona da Mata Mineira. 2009. 279 f. Tese (Doutorado em Geografia Física) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.).

No aspecto geoambiental, o relevo relaciona-se com o clima através da altimetria, da orientação e da inclinação das vertentes pois “a posição do relevo favorece ou dificulta os fluxos de calor e umidade entre áreas contíguas (MENDONÇA; DANNI OLIVEIRA, 2007, p. 47).

A influência da altitude na variação da temperatura é percebida através da distinção entre áreas de topo e de fundos de vale, relação que se estabelece no período noturno pela inversão térmica, potencializada em episódio do sistema Polar atlântico (AMORIM, 2017______. Teoria e método para estudo das ilhas de calor em cidades tropicais de pequeno e médio porte. Tese de Livre docência - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP. 2017. 178p.).

Rancharia apresenta relevo plano com declividades que atingem no máximo 5% nos fundos de vale e altitudes no intervalo entre 336 e 550 metros. Os pontos fixos urbanos e o rural foram instalados em altitudes aproximadas. A mais elevada foi verificada no ponto 4 (536 metros) e a de menor altitude no ponto 2 (488 metros), sendo este último mais próximo de um fundo de vale. Comparando os pontos fixos, o ponto do Balneário apresenta a menor cota de altitude, com 408 metros. A orientação das vertentes teve relevância nos horários próximos ao nascer e ao pôr do sol em alguns episódios do mês, devido à condição de relevo plano.

As maiores associações entre o relevo e a temperatura do ar, sobretudo com relação à orientação das vertentes ocorreram no ponto 2 e no ponto 5. O ponto 2 situa-se em vertente voltada para o leste, razão pela qual este local se manteve mais aquecido no período da manhã. O ponto 5 localizou-se em área de vertente voltada para o oeste, visto que este ponto permaneceu mais aquecido após o pôr do sol.

Às 9 horas, as maiores intensidades térmicas em relação ao rural foram verificadas nos pontos fixos 1 (Casa da Agricultura no Centro) e 2 (Almoxarifado Central) que correspondem a áreas urbanas com maior densidade de construção dos lotes e com vegetação esparsa. Nestes dois pontos, a ilha de calor urbana ficou claramente apresentada em todo o período analisado, atingindo a intensidade máxima de 3°C (Figura 3). Os episódios mais aquecidos nestes dois locais foram respostas à atuação de sistemas atmosféricos estáveis, como a massa tropical atlântica. Em menor frequência, no ponto do balneário também houve a formação de um bolsão de ar mais aquecido em relação ao rural neste horário, com valores entre 1°C a 2°C de intensidade. Nos demais pontos urbanos, a intensidade térmica verificada foi menor, estando mais próxima aos valores do rural e até mesmo mais frescos, como o ponto 3, onde funciona uma fábrica de móveis na área industrial, que se caracterizou como uma ilha de frescor em todos os horários. Esses resultados corroboram o efeito sombra dos ambientes construídos (AMORIM, 2012______. A produção do clima urbano em ambiente tropical: o exemplo de Presidente Prudente/SP. Revista GeoNorte, v. 2, p. 52-64, 2012.).

No dia 1° de janeiro, uma frente fria provocou 18 mm de chuva em Rancharia. A temperatura sofreu um suave declínio e as diferenças entre os pontos foram menores, quando comparadas aos demais horários. Do dia 02 ao dia 08 de janeiro, a região estava influenciada pela Massa Tropical Atlântica, o que conferiu estabilidade à atmosfera, período em que houve maior aquecimento nos pontos urbanos 1 e 2, comparando-se ao rural. O ponto representativo do Balneário também apresentou maior temperatura do que o rural neste período, sendo estas ilhas de calor de magnitude moderada.

Esse padrão de aquecimento foi mantido por todo o mês de janeiro, porém o maior ou o menor aquecimento dos pontos urbanos 1 e 2, assim como no ponto do Balneário ficou condicionado às variáveis atmosféricas e aos fatores locais como o uso e a ocupação da terra. No dia 09 de janeiro, uma frente fria atuou na região provocando chuva (6 mm) e as temperaturas absolutas do ar diminuíram, assim como a diferença térmica entre os pontos urbanos e do balneário em comparação com o rural. No entanto, no dia 10, a massa polar Tropicalizada, e no dia 11, a atuação da Massa Tropical Atlântica contribuíram para que as diferenças no ponto 1 e no ponto 2 ficassem em torno de 3°C mais quentes do que o rural. No dia 12, uma nova frente fria chegou à região e as diferenças diminuíram, permanecendo assim durante a frente estacionária entre os dias 13 e 16.

A partir do dia 17 os pontos 1, 2 e 7 voltaram a apresentar maior aquecimento em relação ao rural, sendo que a partir do dia 28, a Massa Tropical Atlântica proporcionou maiores temperaturas absolutas e assim, nos pontos 1 e 2 verificou-se ICU de magnitude moderada.

Neste horário, o ponto 3 localizado na zona industrial mostrou pequenas diferenças em relação ao rural definindo-se como uma ilha fresca. O tamanho do lote, a vegetação arbórea, arbustiva e rasteira que o local preserva são elementos que garantem temperaturas menores do que os demais pontos e até mesmo em relação ao rural. Já o ponto 4, registrou pequenas diferenças em relação ao rural, chegando a 1°C de magnitude nos dias 4, 10, 11, 20, 26, 27, 29, 30 e 31, podendo ser classificadas como ICU de fraca magnitude.

O ponto fixo 5 localizado no Conjunto Habitacional Paulo Paulozzi, mostrou aquecimento no intervalo entre +0,2 a +1°C, no período da manhã, em relação ao rural próximo. Nesta área, os terrenos são pequenos e as residências são construções populares de 70 m2, que no período da manhã não teve aquecimento maior do que 1°C, em relação ao ponto rural. Em contrapartida, no período próximo ao pôr do sol, o aquecimento deste ponto ocorreu em função da orientação da vertente voltada para o oeste. No ponto 6 as diferenças em relação ao rural foram pequenas, apresentando-se no intervalo de 0 a +0,2°C, aproximadamente. No local, o terreno é grande, apresenta vegetação de grande porte no fundo e extensa área permeável (solo nu). Essas características locacionais, neste horário, proporcionaram temperaturas mais próximas às verificadas no rural.

Figura 3
Diferenças de temperaturas (°C) registradas entre os pontos fixos e o rural, em Rancharia, no mês de janeiro de 2014, às 09 horas.

Às 15 horas, as diferenças nas temperaturas foram maiores e mais distribuídas entre os pontos urbanos (Figura 4). Neste horário, a maior intensidade da ICU foi observada no dia 24 de janeiro, com o ponto do Balneário 4,2°C mais quente do que o rural, o que configurou uma ilha de calor de forte magnitude (FERNÁNDEZ GARCÍA, 1996GARCÍA, F. F. Manual de climatología aplicada: clima, medio ambiente y planificación. Madrid: Editorial Sintesis, 1996.). Do dia 1° ao dia 12, o padrão de aquecimento do balneário foi o mesmo, com intensidade no intervalo de +2° a +3°C mais quente do que a área rural. Neste período, houve a alternância de três sistemas frontais (dias 1, 9 e 12), a Massa Tropical Atlântica (entre os dias 02 e 08) e a Massa Polar Tropicalizada que atuou no dia 10. A frente fria do dia 12 passou a ser estacionária até o dia 16 de janeiro, sendo que neste período somente o balneário e o ponto 2 (Almoxarifado Central em área densamente construída) formaram ilhas de calor. A partir do dia 17, a massa de ar Polar tropicalizada atuou até o dia 20, repetindo o padrão de aquecimento no Balneário, no ponto 1 e no ponto 2. A partir do dia 21 atuou a massa de ar Tropical Atlântica que provocou um aumento na temperatura do ar absoluta, sendo que nos pontos 1, 2 e 7 foram observadas magnitudes de +2°C a aproximadamente +3,5°C, em relação ao campo.

Localizado em área industrial, o ponto 3 mostrou-se em alguns episódios como uma ilha fresca, 0,6°C menos aquecido do que a área rural, o mesmo acontecendo com o ponto 6. Nestes dois casos, os lotes maiores e a presença de vegetação arbórea foram fatores condicionantes para que se caracterizassem como ilhas frescas.

A estação fixa localizada no ponto 4 registrou pequeno aquecimento comparado ao rural, chegando a configurar-se como uma ICU de fraca magnitude. Em alguns episódios, houve menor aquecimento do que o rural, reflexo do padrão de ocupação local como menor densidade de construção e presença de vegetação arbórea de grande porte.

No ponto 5, no Conjunto Habitacional Paulo Paulozzi, detectou-se uma ilha de calor de fraca magnitude (entre +1°C até +2°C). Neste caso, o padrão construtivo, os lotes menores e a alta taxa de ocupação do terreno, neste horário, foram elementos importantes para justificar o maior aquecimento neste horário.

O ponto 6 apresentou temperaturas próximas das que foram verificadas no rural e mais fresco 0,6°C até o dia 10. A partir da segunda quinzena, em que foi verificada a atuação da massa Polar Tropicalizada e da Tropical Atlântica, este ponto formou uma ICU de magnitude moderada.

Às 15 horas, no ponto representativo do balneário, foi verificada ICU de moderada magnitude (entre +2,2 °C a +3°C) em todo o mês de janeiro. No painel espaçotemporal (Figura 4), o período entre os dias 10 a 13 de janeiro mostrou que todos os pontos se aqueceram mais do que o rural. Neste período, a intensidade da ICU esteve entre 2°C e 4,5°C, ocorrendo a sucessão de um sistema frontal (09 de janeiro), uma Massa Polar Tropicalizada, no dia 10, e no dia 12, uma nova frente fria chegou ao estado de São Paulo, provocando chuva e queda na temperatura do ar sendo que, a partir do dia 13, esta frente passou a atuar de forma estacionária.

Figura 4
Diferenças de temperaturas (°C) registradas entre os pontos fixos e o rural, em Rancharia, no mês de janeiro de 2014, às 15 horas.

Às 21 horas, os pontos intraurbanos, com exceção do ponto 3, mostraram intensidades de +3,5°C que estiveram distribuídas durante o mês de janeiro, com destaque, sobretudo, nos pontos de maior densidade construtiva como no caso do ponto 5 (Conjunto Habitacional), ponto 6 (Vila Teresa, área densamente construída, lotes maiores e arborizados), além do ponto 1 (Casa agricultura no centro) e 2 (Almoxarifado Central), como demonstrado na Figura 5. No Balneário a intensidade esteve em torno de 1,2°C mais aquecido do que o rural, valor menor do que os que foram verificados nos horários das 09 e 15 horas. No ponto 3 (fábrica de móveis na área industrial), diagnosticou-se uma ilha fresca atingindo o valor de 0,8°C mais frio e esteve menos aquecido do que o ponto do rural em todo o mês, neste horário. Nos pontos 4 e 5 foram registradas de 1°C a 3°C de magnitude em relação ao rural, especialmente maior na segunda quinzena, sob atuação da Massa Polar Tropicalizada. Durante a noite, as diferenças entre os pontos foram mais distribuídas,. As áreas urbanas permaneceram aquecidas devido à maior densidade de edificações e de impermeabilização do solo, pois “superfícies escuras, como coberturas asfálticas absorvem a maior parte da radiação solar. [...] Uma superfície mais quente radia mais energia” (GARTLAND, 2009, p. 28). Dessa forma, “os pavimentos contribuem para os efeitos da ilha de calor, pois se aquecem sob o sol e liberam esta energia armazenada para seus arredores ao entardecer e durante a noite” (GARTLAND, op.cit., p. 105).

A maioria dos materiais construtivos utilizados na estruturação urbana apresentam maior aquecimento, pois são materiais com alta emissividade térmica e baixo albedo. Em razão disso, ocorre um acúmulo do saldo de radiação nas áreas urbanas pois estas são formadas por materiais com menor capacidade de refletância da energia solar incidente e pouco-evaporativos. Essa característica interfere na variação temporal da ilha de calor, pois, existe um armazenamento de calor durante o dia e liberação do excesso de calor no decorrer da noite.

Os episódios de maior intensidade da ilha de calor noturna foram registrados sob atuação da massa Polar Tropicalizada (dias 18, 19, 20) e da massa Tropical Atlântica (dias 28, 29, 30, 31) que conferiram à atmosfera maior estabilidade, ocorrendo maiores temperaturas absolutas. Notadamente, os pontos 1 (Casa da Agricultura), 2 (Almoxarifado Central) e 5 (conjunto habitacional) caracterizaram-se como ilhas de calor de moderada magnitude.

Figura 5
Diferenças de temperaturas (°C) registradas entre os pontos fixos e o rural, em Rancharia, no mês de janeiro de 2014, às 21 horas.

Considerações Finais

Os resultados alcançados indicam que o padrão de uso e ocupação da terra e a densidade construtiva são fatores que condicionam a temperatura do ar e contribuem para a existência de um clima específico na área urbana de Rancharia. Foram detectadas ilhas de calor de moderada a forte magnitude em condições de estabilidade atmosférica (céu claro e ventos fracos). As altitudes e orientação das vertentes não foram significativas nos pontos fixos para a característica da temperatura do ar devido à baixa variação da topografia e da declividade do relevo. Esta relação entre o relevo e a temperatura do ar ocorreu somente às 21 horas no ponto 5, localizado em vertente direcionada para o oeste. As diferenças entre os pontos urbanos e do balneário, em comparação com o rural, foram maiores quando houve condição de estabilidade atmosférica, sobressaindo-se, deste modo, as características locacionais como a superfície, a caracterização do entorno, funcionalidade urbana de cada ponto fixo.

Foi possível perceber que os pontos 1 (Casa da Agricultura), 2 (Almoxarifado Central) que correspondem a áreas urbanas densamente construídas com vegetação esparsa, registraram maior intensidade da ICU. Nestes locais, sobressaíram-se as características geourbanas como a densidade construtiva e o uso da terra urbana para a determinação dos padrões térmicos. Às 9 horas, esses dois pontos demostraram padrão térmico de maior aquecimento em relação ao rural. A maior intensidade da ilha de calor foi constatada durante a atuação da massa tropical atlântica, principalmente. No período vespertino, o padrão térmico predominante foi de diferenças térmicas positivas em relação ao rural, sendo detectadas ilhas de calor de forte magnitude na atuação da massa tropical atlântica. Às 21 horas, os pontos 1 e 2 foram mais aquecidos do que o rural, registrando ilhas de calor de magnitude forte nos dias regidos pela massa tropical atlântica.

O ponto 3, mesmo localizado em área de vertente orientada para o norte, com baixa declividade em setor de uso industrial do solo, apresentou-se como uma ilha de frescor, pois foi o ponto com menores temperaturas e intensidade do que o rural, em alguns horários. As condições atmosféricas em que as ilhas de frescor se manifestaram foram diversas, frequentemente relacionadas à frente polar, à frente estacionária, mas também de sistemas como a massa polar atlântica Tropicalizada e a tropical atlântica. As ilhas de calor configuradas neste local atingiram até 1°C de intensidade em relação ao rural, nos sistemas que garantiram estabilidade atmosférica. Neste caso, o tamanho e as características do lote que mantém vegetação arbórea, arbustiva e rasteira contribuíram para esse resultado.

O ponto 4, terreno da empresa responsável pelo abastecimento de água (SAE) da cidade, só apresentou temperaturas maiores do que o rural no período das 21 horas. Este local registrou diferenças térmicas de 1°C a aproximadamente 2.5°C em relação ao ponto rural em episódios regidos pela massa Polar tropicalizada. Ele é dotado de vegetação arbórea de grande porte e de grande área permeável,sem cobertura vegetal rasteira e não apresenta grande densidade de construção.

No conjunto habitacional Paulo Paulozzi (ponto 5), as diferenças foram significativas no período das 15 às 21 horas, apresentando sempre maior aquecimento do que o rural nestes dois horários. As maiores magnitudes da ilha de calor foram verificadas mediante a atuação da massa polar Tropicalizada e da massa tropical atlântica. Diferenças menores de até 1,4°C foram detectadas no período da manhã (9 horas). Destaca-se que o padrão construtivo, a densidade construtiva, o lote menor e sem vegetação contribuíram para o aquecimento.

No ponto 6, as maiores temperaturas do ar em relação ao rural foram verificadas às 15 e às 21 horas, mesmo o lote apresentando vegetação arbórea e arbustiva, grande área permeável e tamanho maior do que os terrenos dos outros pontos. No período da manhã, as ilhas de calor foram verificadas sob atuação da frente polar e da frente estacionária. Diferenças térmicas positivas atingiram até 0,6°C em condições atmosféricas mediadas pela massa polar atlântica Tropicalizada e da massa tropical atlântica. Às 15 horas, o ponto 6 caracterizou ilha de frescor ou com menores intensidades térmicas na influência da massa tropical atlântica. Às 21 horas, foram detectadas ilhas de calor de intensidades que atingiram até 2,4°C em condições atmosféricas influenciadas pelas massa tropical atlântica e polar Tropicalizada.

O Balneário mostrou diferenças importantes na temperatura do ar, com um maior aquecimento em relação ao rural durante a manhã e no período da tarde nos diversos tipos de tempo proporcionados pelos sistemas atmosféricos que atuaram no mês de janeiro de 2014. Às 21 horas estas diferenças foram menores. Neste caso, a presença da superfície de água demonstra relações com este aquecimento.

O rural foi tomado como referência, porém apresentou-se mais aquecido, notadamente em relação ao ponto 3 (área industrial), em alguns episódios.

Em síntese, a urbanização, as funcionalidades urbanas, o uso da terra urbana combinadas com condições meteorológicas contribuíram para a configuração de ilhas de calor que caracterizam o clima urbano específico de Rancharia. Os bolsões mais aquecidos encontraram-se em áreas de urbanização densa e com pouca vegetação, apresentando até 4,6°C de gradiente térmico em relação ao rural próximo.

A identificação destas áreas que apresentam anomalias térmicas podem ser objeto da tomada de decisão visando a aplicação de medidas para a mitigação dos efeitos das ilhas de calor pelo poder público.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro (Processo 2013/02081-8) e à Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, pelo apoio institucional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2018
  • Aceito
    20 Jul 2018
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