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Sobre "cavaleiras": a (re)criação do medievo em Cornelia Funke

On female knights: the (re)creation of the medieval in Cornelia Funke

Resumo

No âmbito da literatura infantil e juvenil em língua alemã contemporânea, destaca-se a produção de Cornelia Funke. Nascida em Dorsten em 1958, a autora - ou mais especificamente a contadora (Erzählerin), como gosta de se denominar -, acrescenta a seus textos a habilidade de ilustradora. Desde o sucesso mundial da triologia Tintenherz (Coração de tinta), Funke tornou-se uma personalidade de sucesso no universo infantil e juvenil. Em grande parte de suas obras, há a presença latente do imaginário ocidental acerca do medievo. Todavia, trata-se de uma recepção desse medievo, seja através da (re)criação de imagens ou da (re)estruturação de temáticas referentes ao universo cortês. O artigo aqui proposto analisa três obras de Funke, a saber: Die geraubten Prinzen (1994), Igraine ohne Furcht (1998) e Der geheimnisvolle Ritter Namenlos (2001), tendo como ponto de partida entrevistas da própria autora acerca do tema; ou seja, pensar-se-á a relação estabelecida entre o factual e o ficcional. Ao focar na questão da releitura do medievo, o artigo prentende compreender a ressignificação do medievo através tanto de imagens recriadas quanto da inserção de um novo tipo de herói, protagonistas femininas.

Palavras-chave:
Cornelia Funke; literatura infantil e juvenil; recepção do medievo; personagens femininas

Abstract

In the context of children's and young adult literature in contemporary German language, Cornelia Funke's production stands out. Born in Dorsten in 1958, the author - or, more specifically, the storyteller (Erzählerin), as she likes to be called -, brings together in the texts her ability as an illustrator. Since the worldwide success of the Tintenherz (Inkheart) trilogy, Funke became a successful figure in the children's and young adult universe. In most of her works there is the latent presence of the Western imaginary about the Middle Ages. However, that is a reception of the Middle Ages, either through the (re)creation of images or the (re)structuring of themes from the courtly universe. The article here proposed analyzes three works of Funke, namely Die geraubten Prinzen (1994), Igraine ohne Furcht (1998) and Der geheimnisvolle Ritter Namenlos (2001), taking as a starting point interviews of the author herself about this theme; in other words, it is the relationship between fact and fiction which will be considered. By focusing on the issue of the reinterpretation of the Middle Ages, this paper seeks to understand the reframing of the Middle Ages both through recreated images and the insertion of a new kind of hero, female protagonists.

Keywords:
Cornelia Funke; children's and young adult literature; reception of the Middle Ages; feminine figures

Introdução

Cornelia Funke é atualmente considerada a mais aclamada escritora de literatura infantil e juvenil em língua alemã, sendo listada pela revista Time,1 Para lista completa, ver <http://content.time.com/time/specials/packages/completelist/0,29569,1972656,00.html>. Acesso em: 6 ago. 2016. Sobre Cornelia Funke, ver <http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1972656_1972696_1973413,00.html>. Acesso em: 6 ago. 2016. em 2005, como uma das cem personalidades mais influentes do mundo, devido ao grande consumo de sua produção literária por crianças e por adultos (Freund 2005Freund, Wieland. Gespräche mit Cornelia Funke. Die einflußreichste Deutsche der Welt. Die Welt On Line, 15 abr. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.welt.de/print-welt/article661155/Die-einflussreichste-Deutsche-der-Welt.htmle >. Acesso em: 14 jul. 2016.
http://www.welt.de/print-welt/article661...
). Todavia, Funke não iniciou sua carreira como escritora, mas sim como ilustradora. Contudo, por não se identificar com as histórias que ilustrava, optou por iniciar o processo de escrita.2 2 Informação retirada de <http://www.corneliafunke.com/index.php?page=cornelia_biografie&lang=de>. Acesso em: 14 jul. 2016.

De acordo com a editora Dressler, responsável pela publicação dos livros de Funke na Alemanha, a autora escreveu cinquenta livros, traduzidos em 37 idiomas e publicados em 43 países. O sucesso internacional de Herr der Diebe e da Tintenherz-Trilogie culminou na adaptação desses para as telas, respectivamente The T(h)ief Lord (2006) e Inkheart (2008).3 3 Em relação à narrativa fílmica, resultante da adaptação de Tintenherz, Funke afirma reconhecer que, embora as personagens Basta e Capricórnio tenham características diferentes das imaginadas por ela, ao ceder suas obras a outros artistas, elas não a pertencem mais, tornando-se uma (re)criação do diretor (Gaschke 2008). Neste sentido, é possível perceber a consciência da autora no que tange às adaptações de suas obras, pois compreende que uma transposição midiática nem sempre pode ser fiel ao original por inúmeros motivos.

As narrativas de Funke não se concentram apenas no mercado juvenil, como é o caso das obras anteriormente mencionadas; essas são as que, até o momento, chegaram ao Brasil através de traduções publicadas pela Companhia das Letras (selo Seguinte), sendo elas: O senhor dos ladrões (2004, tradução de Sonali Bertuol), Coração de tinta (2006, tradução de Sonali Bertuol), O cavaleiro do dragão (2009, tradução de Sergio Tellaroli), Sangue de tinta (2009, tradução de Sonali Bertuol), Morte de tinta (2010, tradução de Carola Saavedra), A maldição da pedra (2011, tradução de Sonali Bertuol), O cavaleiro fantasma (2013, tradução de Laura Rivas Gagliardi), Sombras vivas (2013, tradução de Sonali Bertuol) e O fio dourado (2016, tradução de Sonali Bertuol).4 4 Para mais informações acerca das edições, acessar o site da editora: <http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02095>. Acesso em: 6 ago. 2016. Há ainda toda uma gama de narrativas ilustradas voltadas para um público mais infantil, as quais ainda carecem de traduções para o português,5 5 Sobre a recepção da obra de Cornelia Funke em inglês, cf. Pichler (2011). sendo algumas dessas o foco de nossa análise nesse artigo: Die geraubten Prinzen (1994), Igraine ohne Furcht (2015 [1998]) e Der geheimnisvolle Ritter Namenlos (2001).

A finalidade desse recorte é pensar a recriação do medievo e a escolha narrativa de lançar mão de personagens femininas como protagonistas, embora em apenas uma delas esta centralidade esteja marcada já no título da obra, sendo as demais heroínas reveladas apenas no decorrer das tramas. Para tanto, as três obras serão analisadas levando em consideração, no que tange às releituras do medievo, dois níveis de interpretação: um sincrônico (o que as narrativas dizem sobre a atualidade) e outro anacrônico (o que eles constroem sobre o passado). No nível sincrônico, encontramos a presença do feminino como centro da obra; a jornada de heroínas (e não mais de heróis). Neste aspecto, analisaremos a construção dessas protagonistas, tendo como ponto de contato as jornadas de cavaleiros originários da literatura medieval, principalmente, elementos da épica cortês (Höfische Epik).6 6 O termo designa as produções que formalmente se apresentam em versos com rimas pares; têm como matéria a Antiguidade e a França; são o resultado da apropriação ou de traduções realizadas a partir de modelos dessas matérias e possuem, em sua maioria, autoria conhecida (Brandt 1999: 204). Para mais informações da literatura produzida durante os séculos XII e XIII, ver Bumke (2000). No nível anacrônico, pensaremos a relação que a autora estabelece entre o passado construído no discurso historiográfico e o passado imaginado, seja em forma textual ou visual. Pensar esse anacronismo pressupõe, portanto, compreender a percepção da própria autora acerca do período medieval e, para tanto, a análise de excertos de entrevistas nos auxiliará nessa empreitada.

A recepção do medievo

O conceito Mittelalterrezeption contém sob sua tutela uma variedade de fenômenos, ou seja, podendo ser compreendido como um umbrella term (Herweg; Keppler-Tasaki 2012Herweg, Mathias; Keppler-Tasaki, Stefan. Mittelalterrezeption. Gegenstände und Theorienansätze eines Forschungsgebiets im Schnittpunkt von Mediävistik, Frühneuzeit- und Modernforschung. In: Herweg, Mathias (Org.). Rezeptionskulturen. Fünfhundert Jahre literarischer Mittelalterrezeption zwischen Kanon und Populärkultur. Berlin: Walter de Gruyter, 2012. p. 1-12.: 2). Criou-se, assim, através da recepção, diversas imagens, por vezes bem distintas, que oscilam entre a "Idade das Trevas", principalmente no período que vai do Humanismo ao Iluminismo, e a "Idade Média romântica", um "tempo de uma visão de mundo unificada sem divisão religiosa e desunião moderna [...] uma era pré-industrial de harmonia do homem com a natureza"7 7 No original: "Zeit eines einheitlichen Weltbildes ohne religiöse Spaltung und moderne Zerrissenheit, ... eine vorindustrielle Zeit der Harmonie des Menschen mit der Natur". (Märtl 1997Märtl, Claudia. Einheit und Vielfalt. Von der Aktualität des Mittelalters. Braunschweig: Technische Universität, 1997.: 7).8 8 Para um panorama detalhado da Mittelalterrezeption, cf. Stehle (2012). Neste sentido, Groebner afirma que "esta época [...] foi literalmente criada através de desejos, por mais de centenas de anos, e, desde então, ela é projetada, esboçada, equipada e mobiliada com os desejos"9 9 No original: "[... ] diese Epoche [... ] ist buchstäblich durch Wünsche erschaffen worden, vor mehreren hundert Jahren und seither wird sie mit Wünsche entworfen, umrissen, ausgestattet und möbliert". (Groebner 2008Groebner, Valentin. Das Mittelalter hört nie auf. Über historisches Erzählen. München: C. H. Beck, 2008.: 11). O conceito de Mittelalterrezeption engloba, assim, "uma visão positiva e uma negativa"10 0 No original: " [... ] eine[ ] positive[ ] und eine[ ] negative[ ] Auffassung". (Oexle 1992Oexle, Otto Gerhard. Das entzweite Mittelalter. In: Althoff, Gerd (Org.). Die Deutschen und ihr Mittelalter: Themen und Funktionen moderner Geschichtsbilder vom Mittelalter. Darmstadt 1992. p. 7-28.: 7). Desta forma, pode-se defini-lo "não somente [como] percepção e representação da história, mas também [como] discussão e apropriação ou rejeição; portanto, [como] toda mediação e presentificação do passado"11 No original: " [... ] nicht nur [als] Wahrnehmung und Darstellung von Geschichte, sondern auch [als] Auseinandersetzung und Aneignung oder Ablehnung, demnach [als] jede Vermittlung und Vergegenwärtigung von Vergangenheit". (Köhn 1991Köhn, Rolf. Was ist und soll eine Geschichte der Mittelalterrezeption? Thesen eines Historikers. In: Burg, Irene et al. (Org.). Mittelalter-Rezeption IV: Medien, Politik, Ideologie, Ökonomie. Göppingen: Kümmerle, 1991. p. 407-431.: 409).

Embora o período medieval não seja parte integrante de nosso passado, pensando-se aqui em relações temporais, ele ocupa nosso presente através do imaginário, de releituras e ressignificações dentro das mais variadas mídias.12 2 Neste mesmo contexto, José Rivair Macedo, aponta para "duas formas de apropriação: as 'reminiscências medievais' e aquilo que, na ausência de melhor conceituação, denominamos de 'medievalidade'" (Macedo 2009: 15). Para Macedo, as reminiscências medievais englobam "as formas de apropriação dos vestígios do que um dia pertenceu ao Medievo, alterado e/ou transformados com o passar do tempo" (Macedo 2009: 15). A medievalidade seria, portanto, quando "a Idade Média aparece apenas como uma referência, e por vezes uma referência fugidia, estereotipada" (Macedo 2009: 16). Embora Macedo delimite e distinga essas duas formas de adaptação, sob a alcunha Mittelalterrezeption encontramos tanto esses quanto outros fenômenos, não somente na contemporaneidade, mas como um continuum histórico. Analisar as diversas formas dessa recepção seria, portanto, compreender que o "passado se modifica de presente a] presente"13 3 No original: "Vergangenheit verändert sich von Gegenwart zu Gegenwart". (Herweg; Keppler-Tasaki 2012Herweg, Mathias; Keppler-Tasaki, Stefan. Mittelalterrezeption. Gegenstände und Theorienansätze eines Forschungsgebiets im Schnittpunkt von Mediävistik, Frühneuzeit- und Modernforschung. In: Herweg, Mathias (Org.). Rezeptionskulturen. Fünfhundert Jahre literarischer Mittelalterrezeption zwischen Kanon und Populärkultur. Berlin: Walter de Gruyter, 2012. p. 1-12.: 4). Todavia, lidaremos aqui com um tipo específico de recepção do medievo; aquele produzido dentro e pela literatura infantil e juvenil de Cornelia Funke.

De acordo com Funke, a Idade Média configura-se como o cenário ideal para a construção de histórias fantásticas, pois

[...] proporciona um bom pano de fundo para uma história, que joga com temas míticos e de contos de fada, pois muitos são oriundos dessa época, e, além disso, foi o período dos trovadores e livros iluminados, outros dois motivos importantes para minhas histórias.14 14 No original: " [... ] bietet einen guten Hintergrund für eine Geschichte, die mit Märchen-und Mythenmotiven spielt, weil viel aus dieser Zeit stammen, und außerdem war es die Zeit der Spielleute und illuminierten Bücher - zwei weitere wichtige Motive für meine Geschichte." (Eckmann-Schmechta 2005Eckmann-Schmechta, Stefanie. Interview mit Cornelia Funke. Kinderbuch-couch, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.kinderbuch-couch.de/interview-cornelia-funke.html >. Acesso em: 16 jul. 2016.
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, grifo nosso).

Embora o período medieval sirva para a grande maioria das obras de Funke como uma superfície de projeção para a construção de enredos e de personagens, a autora tem consciência de que, ao se falar em Idade Média, não se pode pressupor um único período temporal, "pois há nesse longo período de tempo épocas tão infinitamente diferentes como a Idade Média primeva e a tardia"15 15 No original: " [... ] denn es gibt in diesem langen Zeitraum so unendlich verschiedene Zeiten wie das Früh-und das Spätmittelalter". Aqui vale uma ressalva: a terminologia alemã diferencia-se da francesa, comumente utilizada na academia brasileira, sendo a Idade Média primeva correspondente à Alta Idade Média. (Eckmann-Schmechta 2005Eckmann-Schmechta, Stefanie. Interview mit Cornelia Funke. Kinderbuch-couch, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.kinderbuch-couch.de/interview-cornelia-funke.html >. Acesso em: 16 jul. 2016.
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). Neste sentido, a Idade Média, e aqui falamos do potencial narrativo gerado pelas releituras possíveis desse período histórico, configura-se, para Funke, como uma época que exerce grande fascínio nos leitores. Assim, o período medieval e todas as imagens dele resultantes habitam não somente o imaginário dos leitores, mas também o da autora, pois esta afirma sonhar "com uma máquina do tempo" que visitaria "sobretudo os séculos XII e XIII"16 16 Trecho completo no original: "Ich träume von einer Zeitmaschine. Vor allem das 12. und 13. Jahrhundert würde ich gern besuchen". Vale ressaltar o período compreendido entre os séculos XII e XIII é o de maior produção de literatura cortês, seja em forma de épica (os considerados romances corteses) ou de lírica (o Minnesang). (Böckem 2008Böckem, Jörg. Ich habe einen Traum: "Einmal auf einem Drachen reiten". Interview mit Cornelia Funke. Die Zeit, n. 52, 17 dez. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.zeit.de/2008/52/Traum-Funke-52/komplettansicht >. Acesso em: 16 jul. 2016.
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).

Contudo, as imagens de Funke acerca do medievo estão longe de serem históricas, visto que, embora a autora, para a produção de suas narrativas, alegue ter pesquisado sobre a vida durante o período, tem consciência de que, em suas obras, se trata de uma recriação narrativa livre de qualquer compromisso com a historicidade. Nas palavras de Funke,

[...] eu li muito sobre a vida e, especialmente, a vida cotidiana na Idade Média, mas é claro que permanece sendo o mundo de Fenoglio, o qual não é idêntico à Idade Média real - para que eu pudesse tomar algumas liberdades. No entanto, a pesquisa me trouxe um monte de ideias e ajudou bastante a descrever a atmosfera deste mundo17 17 No original: "ich habe viel über das Leben und vor allem das Alltagsleben im Mittelalter gelesen, aber natürlich bleibt es Fenoglios Welt, die nicht identisch mit dem realen Mittelalter ist - so dass ich mir etliches an Freiheiten nehmen konnte. Dennoch hat mir die Recherche sehr viele Ideen gebracht und sehr geholfen, die Atmosphäre dieser Welt zu beschreiben". (Eckmann-Schmechta 2005Eckmann-Schmechta, Stefanie. Interview mit Cornelia Funke. Kinderbuch-couch, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.kinderbuch-couch.de/interview-cornelia-funke.html >. Acesso em: 16 jul. 2016.
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, grifo nosso).

Pensar a relação entre real e ficcional é pressupor, sobretudo, que ao denominar uma "Idade Média real", a autora remete à questão factual,18 18 Neste sentido, Ankersmit afirma que "a luz de verdade da narrativa histórica é produzida por representações históricas do passado cuidadosamente construídas e intensamente discutidas" (Ankersmit 2012: 294). ou seja, aos saberes construídos, em sua maioria, pela historiografia acerca do período: "[f]antasia é verdade, claro. Não é factual, mas é verdade"19 19 No original: "Fantasy is true, of course. It isn't factual, but it's true". (Le Guin 1993Le Guin, Ursula K. The Language of the Night: Essays on Fantasy and Science Fiction. New York: Harper Collins, 1993. : 40). O acesso ao factual, no caso de Funke, nos é fornecido por intermédio das entrevistas, uma vez que, ainda que possamos compreender à que Idade Média a autora se refere, nos falta a bibliografia secundária por ela consultada. Sendo assim, falar do factual, nesse caso, é relacioná-lo também ao imaginário, pois, como afirmado por Le Goff (2011Le Goff, Jacques. Heróis e maravilhas da Idade Média. Tradução de Stephania Matousek. Petrópolis: Vozes, 2011.: 13), a história do imaginário é "uma história da criação e do uso das imagens que fazem uma sociedade agir e pensar, visto que resultam da mentalidade, da sensibilidade e da cultura que as impregnam e animam". Nas obras de Funke, portanto, o acesso aos universos medievais, às recriações, se estabelece na relação entre factual e imaginário.20 20 Iser propõe uma discussão acerca da relação estabelecida entre o real, o fictício e o imaginário. Todavia, sua conceitualização e aplicação dos termos são de outra ordem da daqui utilizada. Para o autor, "o real é compreendido como o mundo extratextual, que, enquanto faticidade, é prévio ao texto e que ordinariamente constitui seus campos de referências" (Iser 2002: 985).

Essa conexão entre o factual e o ficcional fica bem explícita na fala de Fenoglio - personagem da Tintenherz-Trilogie - quando este, ao chegar ao vilarejo medieval de Capricórnio - vilão da narrativa -, declara:

Sabe que este lugar é realmente muito parecido com um dos cenários que inventei para Coração de Tinta? Bem, aqui não há um castelo, mas a paisagem ao redor é praticamente a mesma, a idade da aldeia também deve bater mais ou menos. E você sabia que Coração de Tinta se passa num mundo que não é muito diferente da nossa Idade Média? Bem, naturalmente eu acrescentei algumas coisas, as fadas e os gigantes, por exemplo, e algumas coisas eu deixei de lado, mas...21 2 No original: "Weißt du, dass dieser Ort einem der Schauplätze, die ich für Tintenherz erfunden habe, durchaus ähnlich sieht? Nun gut, es gibt keine Burg, aber die Landschaft ringsum ist annähernd die gleiche, und das Alter des Dorfes dürfte auch fast hinkommen. Und weißt du, dass Tintenherz in einer Welt spielt, die unserem Mittelalter nicht ganz unähnlich ist? Gut, ich habe natürlich einiges hinzugefügt, die Feen und Riesen zum Beispiel, und einiges habe ich weggelassen, aber..." (FUNKE 2010: 340, grifo nosso). (FUNKE 2006Funke, Cornelia. Coração de tinta. Tradução de Sonali Bertuol. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.: 275, grifo nosso).

Parece haver, portanto, na percepção da personagem uma diferenciação entre o factual, aquele construído pela historiografia/arqueologia (Burg, Landschaft), e o ficcional, representado na literatura tanto medieval quanto pós-medieval (Feen, Riesen), principalmente nas recepções oriundas do século XIX edificadas pelo movimento romântico alemão. Esta questão já havia sido apontada por Funke, quando afirma que:

Tudo aquilo que eu tinha operado em investigação foi apenas Idade Média, e, é claro, nossa concepção de Idade Média! Isso eu também notei, quando me ocupei com o século XIX e observei os pré-rafaelitas - que tudo é uma Idade Média glorificada. [...] Eu acho que é um terrível mau hábito glorificar tempos antigos. Mas a tendência humana de construir tudo, que podemos construir, e, em seguida, sentar-se com um brinquedo perigoso e lidar com isso tão irresponsavelmente como uma criança pequena; essa mistura de gênio humano e irresponsabilidade humana continua a ser assustadora22 22 No original: "Alles, was ich dafür an Recherche betrieben hatte, war immer nur Mittelalter, und natürlich: unser Begriff von Mittelalter! Das habe ich dann auch gemerkt, als ich mich mit dem 19. Jahrhundert beschäftigte und mir die Präraffaeliten anschaute - das ist ja alles schon verklärtes Mittelalter. [... ] Ich finde es eine furchtbare Unart, ältere Zeiten zu verklären. Aber die menschliche Tendenz, alles zu bauen, was wir bauen können und dann mit einem gefährlichen Spielzeug dazusitzen und damit so verantwortungslos umzugehen wie ein Kleinkind - diese Mischung aus menschlichem Genie und menschlicher Verantwortungslosigkeit bleibt erschreckend." (Spreckelsen 2010Spreckelsen, Tilman. Im Gespräch: Cornelia Funke. Das Fell einer Füchsin oder eine Haut aus Stein. Frankfurter Allgemeine - Feuilleton, 13 set. 2010. Disponível em: <http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/autoren/im-gespraech-cornelia-funke-das-fell-einer-fuechsin-oder-eine-haut-aus-stein-11040698.html?printPagedArticle=true#pageIndex_2>. Acesso em: 16 jul. 2016., grifo nosso).

Do excerto acima, podemos depreender que, de acordo com a autora, há, no mínimo, duas imagens recorrentes do medievo: uma construída através de pesquisa, e que, portanto, se aproximaria mais do real, e outra, construída dentro de uma base ideológica; aqui o recorte temporal é o século XIX e sua "Idade Média glorificada". Funke alerta, ainda, para os perigos do uso "irresponsável" do passado. Neste momento, podemos depreender que a autora se refere a épocas em que acontecimentos históricos foram instrumentalizados para fins outros, por exemplo, fins políticos de legitimação ideológicas.23 23 Vale lembrar o caso da apropriação da Nibelungenlied durante o período entre Guerras (Silva 2014).

Ainda no que se refere ao século XIX, e principalmente acerca das produções literárias denominadas Märchen,24 24 Acerca do conceito de Märchen e seu histórico, ver Pöge-Alder (2011: 24-27). a autora assevera, em relação à figura feminina, que:

Foi uma das minhas experiências mais importantes constatar, durante o trabalho em Reckless, que os ideais burgueses trazem consigo uma imagem específica de mulher. Interessante é que a imagem de mulher na Idade Média era, em parte, mais rebelde e menos dogmática. Pensamos que esta se tornou cada vez melhor ao longo dos anos. Eu temo que não seja assim25 25 No original: "Es war eine meiner wichtigsten Erfahrungen, während meiner Arbeit an Reckless festzustellen, dass bürgerliche Ideale ein bestimmtes Frauenbild mit sich bringen. Spannend ist auch, dass das Frauenbild im Mittelalter teilweise rebellischer und undogmatischer war. Wir denken, dass es über die Jahre immer besser geworden ist. Ich fürchte, das ist nicht so." (Cossham 2013Cossham, Lisa Frieda. "Man kann nicht alles allein schaffen". Interview mit Cornelia Funke. Süddeutsche Zeitung, n. 10, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://sz-magazin.sueddeutsche.de/texte/anzeigen/39621 >. Acesso em: 16 jul. 2016.
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, grifo nosso).

Nesse sentido, o século XIX parece ter criado, através de recepções, uma imagem de medievo que pouco dialoga com a historiografia: uma Idade Média construída com base no desenvolvimento da Filologia bem como gerada pela idealização de intelectuais para o fomento à unificação.26 26 Sobre o romantismo alemão, ver Safranski (2009). A ideia de recepção do medievo parece ficar bem nítida na percepção de Funke acerca da figura feminina, pois de um lado encontra-se a figura feminina do século XIX e do outro sua contraparte medieval. Desta forma, percebemos claramente o percurso de pesquisa da autora e a conclusão de que, para a Alemanha, essas duas imagens de medievo possibilitam, no mínimo, a seguinte reflexão: de que Idade Média se fala quando o tema é recepção?

Precisamos, ainda, elucidar o que configuraria o conceito de Idade Média para a autora, o qual ela denomina unser Mittelalter, termo reiterado tanto em entrevista quanto nas palavras de sua personagem Fenoglio. Funke parece apontar em suas entrevistas tanto para um lado positivo quanto para uma percepção negativa no que concerne ao período medieval. O passado, em comparação com o presente, é colocado como uma época obscura e de miséria, mas que, ainda assim, tem a capacidade de fascinar. De acordo com Funke:

A vida era mais difícil, mas as pessoas sabiam mais sobre a vida e a morte, sobre o ritmo da natureza, elas se sentiam muito mais conectadas com os planetas, no qual viviam, para melhor ou para pior, e, em muitos aspectos, as estruturas e regras eram consideravelmente mais simples do que no nosso tempo - o que é um requisito maravilhoso para um contador de histórias.27 27 No original: "Das Leben war härter, aber die Menschen wussten mehr über Leben und Tod, über den Rhythmus der Natur, sie fühlten sich viel mehr mit dem Planeten verbunden, auf dem sie lebten, im Guten wie im Schlechten, und in vieler Hinsicht waren die Strukturen und Regeln wesentlich einfacher als in unserer Zeit - was eine wunderbare Voraussetzung für einen Geschichtenerzähler ist". Disponível em: <http://tbuecher.jimdo.com/interviews-1/cornelia-funke>. Acesso em: 16 jul. 2016.

Funke aponta, portanto, para a Idade Média como um período histórico, no qual a humanidade estava conectada harmonicamente com a natureza e com o cosmos, em um ambiente "mais simples" tanto estruturalmente quanto no que se refere às regras: isso potencializaria a geração de histórias. Em outras palavras é afirmar que quando falamos de recepção do medievo, estaríamos, a priori, lidando com "a Idade Média em narração e a narrada, a literária [...] uma realidade gerada, virtual"28 28 No original: " [... ] das erzählende und erzählte, das literarische Mittelalter [... ] eine generierte, virtuelle Realität". (Jürgs 2012Jürgs, Jana. "Tragt Rüstung mit dem Artuswappen, dann wird's auch mit dem Drachen klappen!" Mittelalter(-darstellung) in Kinder- und Jugendbüchern. In: Bennewitz, Ingrid; Schindler, Andrea (Org.). Mittelalter im Kinder- und Jugendbuch. Akten der Tagung Bamberg 2010. Bamberg: University of Bamberg Press, 2012. p. 177-196.: 179).

Entretanto, não são somente as narrativas de Funke que criam novas imagens desse período. De acordo com Ina Karg (2007Karg, Ina. Ritter, Elfen, Zauberwelten. Mittelalterbilder in aktuellen Kinder- und Jugendliteratur. In: MERTENS, Volker; STANGE, Carmen (Org.). Bilder vom Mittelalter. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2007. p. 155-179.: 158-161), a recepção do medievo na literatura infantil e juvenil pode se manifestar basicamente em quatro categorias: 1. "matérias e motivos"29 29 No original: "Stoffe und Motive". (exemplo: Brumas de Avalon, Marion Zimmer Bradley), 2. "romances históricos, cujo pano de fundo é um acontecimento medieval"30 30 No original: " [... ] historische Romane, deren Kulisse ein mittelalterliches Geschehen ist". (exemplo: O nome da rosa, Umberto Eco), 3. "Fantasy-Literatur" (exemplo: A história sem fim, Michael Ende) e 4. "medieval, ou o que se julga ser, como ambiente divertido e com pano de fundo jocoso"31 31 No original: "Mittelalterliches, oder was man dafür hält, als lustiges Ambiente und Klamauk-Kulisse". (exemplo: Igraine, Cornelia Funke). Resta-nos, agora, adentrar o universo das três narrativas selecionadas para análise com a finalidade de se conhecer "como o processamento da matéria e do diálogo com o passado acontece e que função isto tem para conhecimentos também em cada atualidade"32 32 No original: " [... ] wie die Bearbeitung des Stoffes und der Dialog mit der Vergangenheit erfolgt und welche Funktion dies für Einsichten auch in jeweils Gegenwärtiges hat". (Karg 2007: 177), focando na análise das personagens femininas e na recriação do universo medieval.

Imagens do medievo em Funke

As duas narrativas ilustradas - Die geraubten Prinzen (1994, ilustrações de Elisabeth Holzhausen, e 2014, ilustrações de Jörn Mühle) e Der geheimnisvolle Ritter Namenlos (2001, ilustrações de Kerstin Meyer) - e a narrativa juvenil - Igraine Ohnefurcht (2015 [1998], ilustrações de Cornelia Funke) - trazem representações oriundas do imaginário da literatura cortês medieval: reinos em perigo, a jornada de cavaleiros salvadores e torneios pela mão da donzela. Até mesmo a escolha das ilustrações se orienta pelo imaginário que se tem da Idade Média: castelos, reis, cavaleiros em armaduras, torneios. Como exemplo, destacamos as capas de duas das obras selecionadas para análise. Na primeira imagem (FIG. 1), encontra-se a representação de um cavaleiro, em uma cota de malha, empunhando uma espada. Há uma relação nítida com as representações de cavaleiros templários; todavia, no lugar da cruz vermelha visualiza-se um coração. Na segunda (FIG. 2), vê-se uma jovem, na ameia, vestida em armadura, espada embainhada e, embaixo do braço, um elmo com pavão no topo; próximo a ela um jovem traja uma túnica: aqui, as referências ao medievo são mais gerais do que na FIG. 1.

FIGURA 1
Capa do livro Der geheimnisvolle Ritter Namenlos

FIGURA 2
Capa do livro Igraine Ohnefurcht

A disposição gráfica de algumas das páginas de Der geheimnisvolle Ritter Namenlos remete às representações imagéticas contidas na Tapeçaria de Bayeux (cf. FIG. 3 e 4). Na tapeçaria do século XI, que mede "cerca de 70 m de comprimento e cerca de 50 cm de altura"33 33 No original: "[... ] ca. 70m lange und ca. 50cm hohe". (Schnith 2003Schnith, Karl. Bayeux, Teppich von. [1] Allgemein. In: Lexikon des Mittelalters. München: DTV , 2003, vol. 1, p. 1712.: 1712), está representada a invasão normanda à Inglaterra em 1066.34 34 Mais informações acerca do tema em Lewis; Owen-Crocker; Terkla (2011). As imagens, apresentadas sequencialmente, são acompanhadas de um pequeno trecho em latim. No livro de Funke, reproduz-se também a junção de imagens sequenciais e texto, embora a relação pareça ser inversa à da tapeçaria, visto que em Funke a base é o texto e na tapeçaria a base é a imagem. Todavia, ambas lidam com o apelo à visualidade.

FIGURA 3
Página de Der geheimnisvolle Ritter Namenlos

FIGURA 4
Pisserie de Bayeux (ca. 1070)

Contudo, se na tapeçaria o protagonismo é masculino, nas três narrativas de Funke entram em cena figuras femininas. Há de perguntar-se, a priori, se as narrativas, ao inserirem protagonistas femininas no lugar das masculinas realmente utilizam um discurso contemporâneo em relação à construção dos gêneros35 35 Entendemos gênero como "um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, [... ] uma forma primeira de significar as relações de poder" (Scott 1999: 42). ou, ainda, qual seria a representação destas nos textos.

Príncipes roubados de castelos por uma giganta, a qual os usa como bonecos para brincar; uma rainha - Adelheit - que recompensará com ouro quem regastar seu querido filho, esta é a trama central de Die geraubten Prinzen (1994b). O narrador, em terceira pessoa, apresenta ao leitor "uma terrível gigante chamada Grauseldis"36 36 No original: " [... ] eine schreckliche Riesin namens Grauseldis". (Funke 1994Funke, Cornelia. Die geraubten Prinzen. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe , 1994b. p. 26-33.b: 26), o adjetivo e o nome próprio apontam para uma dupla definição da antagonista como "terrível", uma vez que Grauseldis relaciona-se com grausam. Todavia, a descrição de sua personalidade fica no nível da criação narrativa de uma tensão entre esta e a personagem principal: o cavaleiro vermelho, que ao se revelar mostra que é uma "Ritterin", Frieda Ohnefurcht, é "uma mulher muito bela"37 37 No original: " [... ] eine wunderschöne Frau". (Funke 1994Funke, Cornelia. Die geraubten Prinzen. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe , 1994b. p. 26-33.b: 28). Antes da revelação parece haver um momento de hesitação por parte da rainha, pois o cavaleiro pede a mão do príncipe. Ao ter sua identidade revelada, contudo, a tensão se dissolve e a rainha aceita as condições propostas pela "cavaleira". Frieda Ohnefurcht segue destemidamente para o confronto com a giganta. Não vence pela força, mas por astúcia, ao retirar de sua luva uma aranha e fazer com que Grauseldis paralise: "pedaço por pedaço petrificou [...], até ficar cinza e imóvel no saguão do castelo"38 38 No original: " [... ] [s]tück für Stück erstarrte [... ], bis sie grau und reglos in der Schlosshalle stand". (Funke 1994Funke, Cornelia. Die geraubten Prinzen. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe , 1994b. p. 26-33.b: 32). No final da narrativa, escolhe seu par, que, todavia, não é o príncipe que havia salvo de Grauseldis.

A figura feminina da gigante, ainda que incorpore o inimigo a ser vencido, reproduz a imagem recorrente de feminino, que brinca com bonecas e guarda seus pertences mais estimados, aqui no caso os príncipes, em uma bolsa e depois em sua casa de bonecas. Sua imponência como gigante dista, entretanto, de sua fragilidade por temer aranhas: é vencida pela astúcia da "cavaleira". Frieda, como seu nome já indica, é destemida; vitoriosa em muitas batalhas, ela personifica o herói salvador: uma heroína que, ao resgatar personagens masculinos em perigo, restaura a ordem de dinastias. Sua jornada remete às tramas das épicas corteses medievais - citamos aqui como exemplo o Parzival, de Wolfram von Eschenbach, visto que o protagonista homônimo é conhecido como o cavaleiro vermelho -, pois naquelas os heróis envolvem-se na restauração de reinos sitiados e são premiados com a mão de donzelas.

Violetta - protagonista de Der geheimnissvolle Ritter Namenlos - perde a mãe no momento do parto, e, cercada por figuras masculinas (pai e três irmãos), aprende a manejar armas como seus irmãos. O rei decide criar a menina à maneira que lhe é conhecida, ou seja, como um rapaz: "E ninguém pode dizer ao rei o que se ensina a uma filha. Então, ele mandou ensiná-la o mesmo que a seus filhos"39 39 No original: "Und niemand konnte den König sagen, was man einer Tochter beibringt. Also ließ er sie dasselbe lernen wie seine Söhne". (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 7). Quebra-se aqui o paradigma de que a menina é ensinada pela figura materna a ser uma princesa, uma vez que Violetta é ensinada a manejar armas bem como a se portar como um cavaleiro. Contudo, repete-se a ideia de que há papéis femininos e masculinos que são passados através de gerações.

Por ser motivo de troça para os irmãos, pois é considerada pequena e mais fraca ("Spinnenbein, Mückenstark, Fliegenschreck" - Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 9),40 40 Há aqui similaridades entre a história de Violetta e a narrativa Der Namenlose Ritter (Funke 1994a), na qual a protagonista é Eleonore, a qual, cansada de ter que beijar os cavaleiros que vencem os torneios promovidos pelo seu pai, resolve 'lutar' pela própria mão e, ao final, se casa com o jardineiro de seu pai. Embora o nome das heroínas mude, o nome da figura paterna é o mesmo nas duas narrativas: "König Wilfred der Wohlriechende" (Funke 1994a: 18; 2001: 4). Violetta decide que não vai desistir do treinamento, como aconselhada pela serviçal, Emma, a qual tem uma imagem muita clara do que é ser mulher: "Por que não pedis a vosso pai que vos ensinai outra coisa que não a miserável brigalhada? Aprendei a bordar ou tecer, a tocar flauta ou algo útil"41 41 No original: "Warum bietet Ihr Euren Vater nicht, Euch etwas anderes lernen zu lassen als die elende Kämpferei? Lernt Sticken oder Weben, die Flöte spielen oder sonst etwas Nützliches". (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 13). Nesse trecho é nítida a distinção entre os papéis estabelecidos para personagens femininas e masculinas: a eles, a luta e o espaço público, a elas, os afazeres domésticos e o espaço privado, e mais uma vez cabe a uma figura mais velha a repetição de determinados valores (relacionados diretamente com as personagens femininas e masculinas da épica cortês).

Até o momento de se tornar uma adolescente, etapa marcada na narrativa pelo aniversário de 16 anos, Violetta é representada em trajes masculinos, mais especificamente, em armadura ou túnica de treinamento. A passagem de menina para moça é marcada visualmente através da troca da armadura - retirada com o auxílio do escudeiro - pelo vestido - colocado com o auxílio da serviçal Emma (FIG. 5). O espaço da passagem entre público, o cavaleiro, e privado, a dama, é representado pelo biombo.

FIGURA 5
Detalhe de ilustração em Der geheimnisvolle Ritter Namenlos

Quando a jovem está para completar 16 anos, o pai anuncia um torneio no qual o vencedor se casará com Violetta. Se até então o rei, aparentemente, não se importa que a jovem se vista e se comporte como um cavaleiro, ou seja, como seus irmãos meninos, a partir desse momento o pai exige que ela incorpore o papel de princesa: "Então, veste teu belo vestido e treine diante do espelho a sorrir simpaticamente"42 42 No original: "Also zieh dir dein schönes Kleid an und übe vor dem Spiegel freundlich zu lächeln". (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 19). Fica claro na narrativa que não somente ser cavaleiro requer exercício, mas também a cortesia feminina, aqui representada pelo sorriso, precisa ser exercitada, ou seja, não é uma característica inata ao comportamento da jovem. Entretanto, Violetta mostra-se descontente com a notícia e esbraveja: "Nunca casarei com um idiota. Reparai, pois, vossos cavaleiros! Eles espancam seus cavalos e são muito ignorantes para escrever seus nomes!"43 43 No original: "Niemals werde ich so einen Blechkopf heiraten. Seht euch doch Eure Ritter an! Sie prügeln ihre Pferde und sind zu dumm, ihren Namen zu schreiben!" (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 20).44 44 Em Der Namenlose Ritter, Eleonore tem a mesma reação de revolta: "Sie diese Ritter stinken nach Rost und Schweiß und haben nichts im Kopf als ihre Schwerter und ihre Wappen. Schluss! Ich werde nie wieder einen dieser Blechköpfe küssen!" (Funke 1994a: 18). A menina coloca-se, assim, em um lado oposto ao dos cavaleiros, quando os caracteriza como "ignorantes" por não saberem escrever: seu universo, ou o modelo por ela aceito, é, portanto, o cortês.

No dia do torneio, graças ao treinamento desgastante para fugir do deboche dos irmãos, a jovem vence todos os pretendentes e solicita ter o direito à própria mão: "Nenhum cavaleiro jamais iria querer confrontar novamente o Sem-Nome. E Violetta se casou com o jardineiro de seu pai"45 45 No original: "Keine Ritter wollte je wieder mit dem Namemlosen kämpfen. Und Violetta heiratete den Rosengärtner ihres Vaters". (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 30).

Ao analisarmos a fala de revolta de Violetta em relação ao comunicado do pai (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 20) e a decisão de casar-se como o jardineiro (Funke 2001Funke, Cornelia. Der geheimnisvolle Ritter Namenlos. Frankfurt am Main: Fischer, 2001.: 30), podemos verificar que a narrativa apresenta dois modelos distintos de personagens masculinas: 1. a imagem do cavaleiro que se baseia no trabalho com o corpo (disciplina) e na aquisição da fama - modelo propagado em grande parte pelas épicas corteses medievais -, e 2. a imagem de um masculino sensível representado pelo jardineiro, o qual se apresenta claramente como um contra-modelo ao anterior: passado e presente entram em diálogo.

Destacamos também a construção de dois modelos de princesas: 1. femininos conectados ao espaço privado e que devem se casar - modelo propagado, principalmente, pelos Märchen, e que na narrativa aparece na decisão do pai de casar Violetta - e 2. femininos heróicos que lutam por seus direitos, modelo que vem sendo incorporado gradualmente pelas animações (cf. o filme Brave, 2012). Vemos, portanto, o encontro de modelos narrativos considerados consagrados com novas imagens de femininos e masculinos. Ao mesmo tempo em que na contracapa de Der geheimnissvolle Ritter Namenlos encontramos a menção ao primeiro modelo de princesa anteriormente referido ("Princesas não cavalgam nem lutam; princesas devem ter bela aparência e casar com cavaleiros corajosos"),46 46 No original: "Prinzessinen reiten und kämpfen nicht, Prinzesinnen sollen hübsch aussehen und mutige Ritter heiraten". também aponta-se para uma (des)construção desse modelo, quando em destaque aparece: "Meninas fortes sabem ajudar a si mesmas".47 47 No original: "Starke Mädchen wissen sich zu helfen!". É nesse segundo modelo que se situa Violetta, visto que ao optar por rejeitar a ajuda do irmão, uma figura masculina, decide tomar a rédea da situação e combater pelo direito ao seu próprio corpo, metonimizado pela entrega da mão da princesa ao vencedor do torneio.

As duas obras anteriormente analisadas são mais voltadas ao público infantil ("ab 3 Jahren"), tendo a próxima - Igraine Ohnefurcht - um público mais maduro ("ab 10 Jahren").48 48 Informações retiradas do site oficial da autora: <http://www.corneliafunke.com/index.php?page=buecher&lang=de>. Das três narrativas, esta é a que resgata de forma mais direta a literatura medieval cortês, a começar pela escolha do nome da heroína - Igraine49 49 Igraine, na literatura arturiana, é a mãe do grande herói Artur. - e também por conta da jornada do herói.

Igraine, uma jovem que fará 12 anos, filha de Lamarok e Melisande (magos), inicia uma jornada para ajudar os pais a defender o burgo em que moram do ataque inimigo. Ao enfeitiçar o presente de aniversário da menina, os pais acabam por transformar-se em porcos e para conseguir desfazer o feitiço necessitam de cabelos de gigante, ingrediente em falta no burgo da família.

No dia de seu aniversário, Igraine recebe dos pais uma armadura encantada completa - leve, cresceria juntamente com a menina e seria indestrutível (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 41-42). O sonho de Igraine é tornar-se uma Riterrin, sonho compartilhado pelos pais. Embora os pais temam pela segurança da menina ao não querer que essa brinque com espadas de verdade (Funke 2015: 19), ao invés de forçar a menina a tornar-se uma maga como eles, alimentam seus sonhos ao presenteá-la com algo que faz parte desse desejo. Nas palavras de Igraine:

Amanhã completo 12 anos, Sisiphus!, prosseguiu Igraine, - 12! E ainda não vivi uma única aventura verdadeira. Como me tornarei, então, uma famosa 'caval(h)eira'? Devo salvar os coelhinhos das raposas ou proteger os esquilos das martas?50 50 No original: "Morgen bin ich zwölf, Sisiphus!", fuhr Igraine fort. "Zwölf! Und ich habe noch nicht ein einziges echtes Abenteuer erlebt. Wie soll ich so eine berühmte Ritterin werden? Soll ich Kaninchen vor dem Fuchs retten oder die Eichhörnchen vor den Mardern beschützen?". (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 17).

Ter 12 anos marca, assim, a entrada para a fase adulta e contrasta com a inexperiência em combates, visto que seu bisavô aos 7 anos já era escudeiro em torneios (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 18). A imagem da cavalaria introjetada pela menina prevê não apenas a fama, mas também as aventuras, ainda que estas estejam relacionadas ao universo infantil de Igraine: salvar coelhos e proteger esquilos.

A jornada de Igraine vai além da busca pelos cabelos do gigante; torna-se uma possibilidade de encontro com a verdadeira cavalaria, representada pela figura do "Cavaleiro Triste da Montanha das Lágrimas"51 51 No original: "der Traurige Ritter vom Berg der Tränen". Mais adiante na narrativa descobre-se seu verdadeiro nome: "Urban von Wintergrün" (Funke 2015: 219). (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 89): uma cavalaria baseada em códigos de honra e conduta. É essa personagem que irá ensinar a jovem a manejar corretamente as armas e a se portar como um verdadeiro cavaleiro. Em um momento de treino corporal, o cavaleiro assevera: "Pensai sempre nas duas regras da cavalaria: nunca colocai vossa espada contra os mais fracos, mas somente para proteção, e - nunca a usai para vos enriquecer"52 52 No original: "... denkt immer an die zwei Regeln des Rittertums: Setzt Eure Schwert nie gegen Schwächere ein, sondern nur zum Schutz, und - nutzt sie nie, um Euch zu bereichern". (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 95), normas essas que remetem, em certa medida, à imagem da cavalaria cristã criada durante os séculos XII e XIII dentro da cultura cortês, principalmente no que tange a função de proteção àqueles que não o podem fazer (Fleckenstein 2002Fleckenstein, Josef. Rittertum und ritterliche Welt. Berlin: Siedler, 2002.: 188), ideias que se repetem no momento do confronto com o inimigo (Rowan Ohneherz):

São as regras da honra: protegei os fracos. Nunca cobiceis aquilo que pertence a outro. Usai de força e de armas somente no embate honesto. Nunca quebreis, nunca, vossa palavra empenhada. E não aspireis ao poder em nome do poder. Essas são as regras dos caval(h)eiros53 53 No original: "Es sind die Regeln der Ehre: Schützt die Schwachen. Begehrt nie, was einem anderen gehört- Nutzt Kraft und Waffenkunst nur in ehrlichem Wettstreit. Brecht nie, niemals Euer gegebenes Wort. Und strebt nicht nach Macht um Macht willen. Das sind die Regeln des Ritters." (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 188).

Todavia, dentre os topoi recorrentes acerca do ofício do cavaleiro é inserida uma nova informação - "[...] aquele que as cumprirem, seja homem ou donzela, a este será atribuída a honra, que lhe é devida"54 54 No original: "... wer sie erfüllt, sei es ein Mann oder ein Mädchen, dem werde die Ehre zuteil, die ihm gebührt". (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 188): também meninas podem se tornar cavaleiras se atentarem para essas regras. Neste contexto tornar-se um cavaleiro não está atrelado somente ao gênero, mas também à observância de regras e normas específicas. Por isso, Igraine pode se tornar uma Ritterin, caso aprenda a se comportar como tal, como afirma o Trauriger Ritter: "Vossa filha é destemida e de caráter mais cavaleiresco, ainda que ela, às vezes, interprete as regras cavaleirescas de uma forma diferente de mim"55 55 No original: "Eure Tochter ist ohne Furcht und von ritterlichster Gesinnung, auch wenn sie die Ritterregeln bisweilen etwas anders auslegt als ich". (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 127).

Parte do treinamento é compreender que há a necessidade de saber avaliar a situação em que se encontra, principalmente no que se refere ao confronto com o adversário, como afirma o Trauriger Ritter para Igraine:

Vosso destemido coração vos honra. Contudo, por vezes, o destemor não é bom conselheiro. Devei aprender a temer algumas coisas e a avaliar corretamente vossas forças. Uma donzela de 12 anos, e tão brava, não pode de jeito algum confrontar-se com um cavaleiro tão experiente em combate quanto Rowan Sem Coração. Ele zombará de vós e esmagará vosso orgulho até tornar-se pó.56 56 No original: "Euer furchtloses Herz ehrt Euch. Aber manchmal ist Furchtlosigkeit kein guter Ratgeber. Ihr solltet lernen, vor einigen Dingen Angst zu haben und Eure Kräfte richtig einzuschätzen. Ein zwölfjähriges Mädchen, und sei es noch so tapfer, kann unmöglich gegen einen so kampferfahrenen Ritter wie Rowan Ohneherz antreten. Er wird Euch zum Gespött machen und Euren Stolz im Staub zertreten." (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 147-148)

Não somente a força e o treinamento são necessários para vencer o embate, mas também o intelecto: avaliar as possibilidades e as possíveis saídas. Sendo assim, o cavaleiro deixa explícito que há uma diferença entre "Rittersein", conceito ligado a códigos e condutas e que qualquer um pode alcançar, e "Ritter sein", faculdade exercida no corpo, ou seja, a necessidade da força bruta/muscular (Jürgs 2012Jürgs, Jana. "Tragt Rüstung mit dem Artuswappen, dann wird's auch mit dem Drachen klappen!" Mittelalter(-darstellung) in Kinder- und Jugendbüchern. In: Bennewitz, Ingrid; Schindler, Andrea (Org.). Mittelalter im Kinder- und Jugendbuch. Akten der Tagung Bamberg 2010. Bamberg: University of Bamberg Press, 2012. p. 177-196.: 186).

Considerações finais

A concepção de Idade Média de Funke é uma espécie de "quimera", uma vez que une elementos historiográficos, literários, fantásticos, tanto medievais como pós-medievais, e desse amálgama resulta a criação dos universos temáticos que servem como pano de fundo para as suas obras: como se várias Idades Médias fossem evocadas em um mesmo espaço diegético.57 57 Agradecemos, para essa passagem, a contribuição de Maurício da Cunha Albuquerque.

Nas obras analisadas, notamos que a recepção do medievo ocorre em dois níveis complementares: 1. nível visual, pois há uma (re)criação imagética do medievo, e 2. nível textual, no qual há um diálogo estrutural (as jornadas dos heróis, nomes, valores cavaleirescos) com textos oriundos da literatura cortês medieval. Ambos os níveis, ao serem observados, apresentam uma releitura contemporânea desse passado, ou seja, uma presentificação do passado. No lugar dos cavaleiros corteses, encontramos "cavaleiras". Essa escolha por personagens femininas e jovens no lugar das masculinas, genderswapping, possibilita uma maior identificação com um público leitor de meninas e dialoga com novas configurações de gênero (outras das factuais em relação ao medievo): Frieda tem astúcia, Violetta vence pela força adquirida com o treinamento, e Igraine une intelecto e treinamento.

As narrativas apresentam femininos que lutam, seja para salvar um masculino ou em causa própria (por si ou pela família), propondo, assim, novas configurações de heróis, mas se mantendo a estrutura da épica cortês no que tange à busca e o salvamento. Todavia, novas configurações de gênero dentro do discurso contemporâneo não são apresentadas de maneira consequente nas narrativas, pois em Die geraubten Prinzen e em Der geheimnissvolle Ritter Namenlos retorna-se ao lugar comum do casamento entre masculino e feminino. Em Igraine Ohnefurcht, trata-se do processo de amadurecimento, "do reconhecimento e da aceitação das próprias fortalezas e fraquezas"58 58 No original: "... das Erkennen und Akzeptieren der eigenen Stärken und Schwächen". (Jürgs 2012Jürgs, Jana. "Tragt Rüstung mit dem Artuswappen, dann wird's auch mit dem Drachen klappen!" Mittelalter(-darstellung) in Kinder- und Jugendbüchern. In: Bennewitz, Ingrid; Schindler, Andrea (Org.). Mittelalter im Kinder- und Jugendbuch. Akten der Tagung Bamberg 2010. Bamberg: University of Bamberg Press, 2012. p. 177-196.: 187), embora a máxima de que aos homens pertence a força bruta seja reiterada.

Asseveramos, ainda, que as questões relativas ao gênero parecem subjazer às narrativas, visto que estas possibilitam a inserção de femininos como protagonistas de suas próprias histórias: meninas também podem ser valentes e vencer demandas, seja pela astúcia ou pelo treinamento. Aqui fica nítida a apropriação da temática "cavalaria cortês" e sua recriação/atualização na inserção de figuras femininas no espaço de protagonismo. Se na épica cortês a personagem masculina nasce predestinada a se tornar cavaleira, necessitando apenas de treinamento adequado (veja o caso de Parzival), nas narrativas de Funke, há uma diferença perceptível entre sein e werden, pois as protagonistas se tornam Ritterinnen pelo intelecto e pelo treinamento. Neste sentido, essas narrativas mostram personagens femininas que se encaixam na lógica emancipatória do feminino; são apresentadas, portanto, mulheres jovens, fortes e das quais as representações distam do topos tradicional dos femininos encontrados em contos de fadas mais ligados à tradição.

Nos dois níveis analisados (imagem e narrativa), percebemos que a recepção do medievo se dá através de atualizações (por exemplo o protagonismo feminino), mostrando-se, portanto, como um meio para compreender novas configurações sociais, ou seja, as presentificações de um passado. Em um presente que, cada vez mais, se configura como espaço de rediscussão de valores tidos como absolutos, uma literatura que lança mão de um imaginário recorrente (veja-se o boom de releituras medievais na atualidade) para representar protagonistas femininas deve ser vista dentro do seu potencial educador e renovador.

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  • Macedo, José Rivair. Introdução - Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: Macedo, José Rivair; Mongelli, Lênia Márcia (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 13-48.
  • Märtl, Claudia. Einheit und Vielfalt. Von der Aktualität des Mittelalters. Braunschweig: Technische Universität, 1997.
  • Oexle, Otto Gerhard. Das entzweite Mittelalter. In: Althoff, Gerd (Org.). Die Deutschen und ihr Mittelalter: Themen und Funktionen moderner Geschichtsbilder vom Mittelalter. Darmstadt 1992. p. 7-28.
  • Pichler, Madeleine. Die Rezeption der Kinder- und Jugendbuchautorin Cornelia Funke im deutschen und englischen Sprachraum. Diplomarbeit. Wien: Universität Wien, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://othes.univie.ac.at/14774/1/2011-05-23_0401826.pdf >. Acesso em: 17 jul. 2016.
    » http://othes.univie.ac.at/14774/1/2011-05-23_0401826.pdf
  • Pöge-Alder, Kathrin. Märchenforschung: Theorien, Methoden, Interpretationen. Tübingen: Narr, 2011.
  • Safranski, Rüdiger. Romantik: eine deutsche Affäre. Frankfurt am Main: Fischer , 2009.
  • Schnith, Karl. Bayeux, Teppich von. [1] Allgemein. In: Lexikon des Mittelalters. München: DTV , 2003, vol. 1, p. 1712.
  • Scott, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. In: Scott, Joan Wallach . Gender and the Politics of History. New York: Columbia University Press, 1999. 28-50.
  • Silva, Daniele Gallindo Gonçalves. Para uma (re)mitificação dos Nibelungen no período entre Guerras Mundiais. Literatura e Autoritarismo (UFSM), v. 1, p. 61-79, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/LA/article/view/13078/pdf >. Acesso em: 2 fev. 2016.
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  • Spreckelsen, Tilman. Im Gespräch: Cornelia Funke. Das Fell einer Füchsin oder eine Haut aus Stein. Frankfurter Allgemeine - Feuilleton, 13 set. 2010. Disponível em: <http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/autoren/im-gespraech-cornelia-funke-das-fell-einer-fuechsin-oder-eine-haut-aus-stein-11040698.html?printPagedArticle=true#pageIndex_2>. Acesso em: 16 jul. 2016.
  • Stehle, Julia. Moderne Literatur und die Philosophie des Mittelalters. Joyce, Beckett, Andersch, mit einer Einführung in die Mittelalterrezeption. Marburg: Tectum, 2012.
  • Zilm, Kerstin. Cornelia Funke "SPARK" Ausstellung in Los Angeles: Inspiration im digitalen Zeitalter. Deutschlandfunk, 20 fev. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.deutschlandfunk.de/cornelia-funke-spark-ausstellung-in-los-angeles-inspiration.807.de.html?dram:article_id=312192 >. Acesso em: 14 jul. 2016.
    » http://www.deutschlandfunk.de/cornelia-funke-spark-ausstellung-in-los-angeles-inspiration.807.de.html?dram:article_id=312192
  • Para lista completa, ver <http://content.time.com/time/specials/packages/completelist/0,29569,1972656,00.html>. Acesso em: 6 ago. 2016. Sobre Cornelia Funke, ver <http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1972656_1972696_1973413,00.html>. Acesso em: 6 ago. 2016.
  • 2
    Informação retirada de <http://www.corneliafunke.com/index.php?page=cornelia_biografie&lang=de>. Acesso em: 14 jul. 2016.
  • 3
    Em relação à narrativa fílmica, resultante da adaptação de Tintenherz, Funke afirma reconhecer que, embora as personagens Basta e Capricórnio tenham características diferentes das imaginadas por ela, ao ceder suas obras a outros artistas, elas não a pertencem mais, tornando-se uma (re)criação do diretor (Gaschke 2008Gaschke, Susanne. Cornelia Funke: Erzählen für alle. Die Zeit , n. 48, 20 nov. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.zeit.de/2008/48/KJ-Interview-Funke/komplettansicht >. Acesso em: 6 ago. 2016.
    http://www.zeit.de/2008/48/KJ-Interview-...
    ). Neste sentido, é possível perceber a consciência da autora no que tange às adaptações de suas obras, pois compreende que uma transposição midiática nem sempre pode ser fiel ao original por inúmeros motivos.
  • 4
    Para mais informações acerca das edições, acessar o site da editora: <http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02095>. Acesso em: 6 ago. 2016.
  • 5
    Sobre a recepção da obra de Cornelia Funke em inglês, cf. Pichler (2011)Pichler, Madeleine. Die Rezeption der Kinder- und Jugendbuchautorin Cornelia Funke im deutschen und englischen Sprachraum. Diplomarbeit. Wien: Universität Wien, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://othes.univie.ac.at/14774/1/2011-05-23_0401826.pdf >. Acesso em: 17 jul. 2016.
    http://othes.univie.ac.at/14774/1/2011-0...
    .
  • 6
    O termo designa as produções que formalmente se apresentam em versos com rimas pares; têm como matéria a Antiguidade e a França; são o resultado da apropriação ou de traduções realizadas a partir de modelos dessas matérias e possuem, em sua maioria, autoria conhecida (Brandt 1999Brandt, Rüdiger. Grundkurs germanistische Mediävistik: Literaturwissenschaft. München: Wilhelm Fink, 1999.: 204). Para mais informações da literatura produzida durante os séculos XII e XIII, ver Bumke (2000)Bumke, Joachim. Geschichte der deutschen Literatur im hohen Mittelalter. München: DTV, 2000..
  • 7
    No original: "Zeit eines einheitlichen Weltbildes ohne religiöse Spaltung und moderne Zerrissenheit, ... eine vorindustrielle Zeit der Harmonie des Menschen mit der Natur".
  • 8
    Para um panorama detalhado da Mittelalterrezeption, cf. Stehle (2012)Stehle, Julia. Moderne Literatur und die Philosophie des Mittelalters. Joyce, Beckett, Andersch, mit einer Einführung in die Mittelalterrezeption. Marburg: Tectum, 2012..
  • 9
    No original: "[... ] diese Epoche [... ] ist buchstäblich durch Wünsche erschaffen worden, vor mehreren hundert Jahren und seither wird sie mit Wünsche entworfen, umrissen, ausgestattet und möbliert".
  • 0
    No original: " [... ] eine[ ] positive[ ] und eine[ ] negative[ ] Auffassung".
  • No original: " [... ] nicht nur [als] Wahrnehmung und Darstellung von Geschichte, sondern auch [als] Auseinandersetzung und Aneignung oder Ablehnung, demnach [als] jede Vermittlung und Vergegenwärtigung von Vergangenheit".
  • 2
    Neste mesmo contexto, José Rivair Macedo, aponta para "duas formas de apropriação: as 'reminiscências medievais' e aquilo que, na ausência de melhor conceituação, denominamos de 'medievalidade'" (Macedo 2009Macedo, José Rivair. Introdução - Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: Macedo, José Rivair; Mongelli, Lênia Márcia (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 13-48.: 15). Para Macedo, as reminiscências medievais englobam "as formas de apropriação dos vestígios do que um dia pertenceu ao Medievo, alterado e/ou transformados com o passar do tempo" (Macedo 2009Macedo, José Rivair. Introdução - Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: Macedo, José Rivair; Mongelli, Lênia Márcia (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 13-48.: 15). A medievalidade seria, portanto, quando "a Idade Média aparece apenas como uma referência, e por vezes uma referência fugidia, estereotipada" (Macedo 2009Macedo, José Rivair. Introdução - Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: Macedo, José Rivair; Mongelli, Lênia Márcia (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 13-48.: 16). Embora Macedo delimite e distinga essas duas formas de adaptação, sob a alcunha Mittelalterrezeption encontramos tanto esses quanto outros fenômenos, não somente na contemporaneidade, mas como um continuum histórico.
  • 3
    No original: "Vergangenheit verändert sich von Gegenwart zu Gegenwart".
  • 14
    No original: " [... ] bietet einen guten Hintergrund für eine Geschichte, die mit Märchen-und Mythenmotiven spielt, weil viel aus dieser Zeit stammen, und außerdem war es die Zeit der Spielleute und illuminierten Bücher - zwei weitere wichtige Motive für meine Geschichte."
  • 15
    No original: " [... ] denn es gibt in diesem langen Zeitraum so unendlich verschiedene Zeiten wie das Früh-und das Spätmittelalter". Aqui vale uma ressalva: a terminologia alemã diferencia-se da francesa, comumente utilizada na academia brasileira, sendo a Idade Média primeva correspondente à Alta Idade Média.
  • 16
    Trecho completo no original: "Ich träume von einer Zeitmaschine. Vor allem das 12. und 13. Jahrhundert würde ich gern besuchen". Vale ressaltar o período compreendido entre os séculos XII e XIII é o de maior produção de literatura cortês, seja em forma de épica (os considerados romances corteses) ou de lírica (o Minnesang).
  • 17
    No original: "ich habe viel über das Leben und vor allem das Alltagsleben im Mittelalter gelesen, aber natürlich bleibt es Fenoglios Welt, die nicht identisch mit dem realen Mittelalter ist - so dass ich mir etliches an Freiheiten nehmen konnte. Dennoch hat mir die Recherche sehr viele Ideen gebracht und sehr geholfen, die Atmosphäre dieser Welt zu beschreiben".
  • 18
    Neste sentido, Ankersmit afirma que "a luz de verdade da narrativa histórica é produzida por representações históricas do passado cuidadosamente construídas e intensamente discutidas" (Ankersmit 2012Ankersmit, Frank. Verdade na história e na literatura. In: Ankersmit, Frank . A escrita da história: a natureza da representação histórica. Tradução de Jonathan Menezes. Londrina: Eduel, 2012. p. 269-302.: 294).
  • 19
    No original: "Fantasy is true, of course. It isn't factual, but it's true".
  • 20
    Iser propõe uma discussão acerca da relação estabelecida entre o real, o fictício e o imaginário. Todavia, sua conceitualização e aplicação dos termos são de outra ordem da daqui utilizada. Para o autor, "o real é compreendido como o mundo extratextual, que, enquanto faticidade, é prévio ao texto e que ordinariamente constitui seus campos de referências" (Iser 2002: 985Iser, Wolfgang. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. In: Lima, Luiz Costa (Org.). Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002. v. 2, p. 955-987.).
  • 2
    No original: "Weißt du, dass dieser Ort einem der Schauplätze, die ich für Tintenherz erfunden habe, durchaus ähnlich sieht? Nun gut, es gibt keine Burg, aber die Landschaft ringsum ist annähernd die gleiche, und das Alter des Dorfes dürfte auch fast hinkommen. Und weißt du, dass Tintenherz in einer Welt spielt, die unserem Mittelalter nicht ganz unähnlich ist? Gut, ich habe natürlich einiges hinzugefügt, die Feen und Riesen zum Beispiel, und einiges habe ich weggelassen, aber..." (FUNKE 2010: 340, grifo nosso).
  • 22
    No original: "Alles, was ich dafür an Recherche betrieben hatte, war immer nur Mittelalter, und natürlich: unser Begriff von Mittelalter! Das habe ich dann auch gemerkt, als ich mich mit dem 19. Jahrhundert beschäftigte und mir die Präraffaeliten anschaute - das ist ja alles schon verklärtes Mittelalter. [... ] Ich finde es eine furchtbare Unart, ältere Zeiten zu verklären. Aber die menschliche Tendenz, alles zu bauen, was wir bauen können und dann mit einem gefährlichen Spielzeug dazusitzen und damit so verantwortungslos umzugehen wie ein Kleinkind - diese Mischung aus menschlichem Genie und menschlicher Verantwortungslosigkeit bleibt erschreckend."
  • 23
    Vale lembrar o caso da apropriação da Nibelungenlied durante o período entre Guerras (Silva 2014Silva, Daniele Gallindo Gonçalves. Para uma (re)mitificação dos Nibelungen no período entre Guerras Mundiais. Literatura e Autoritarismo (UFSM), v. 1, p. 61-79, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/LA/article/view/13078/pdf >. Acesso em: 2 fev. 2016.
    http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2...
    ).
  • 24
    Acerca do conceito de Märchen e seu histórico, ver Pöge-Alder (2011Pöge-Alder, Kathrin. Märchenforschung: Theorien, Methoden, Interpretationen. Tübingen: Narr, 2011.: 24-27).
  • 25
    No original: "Es war eine meiner wichtigsten Erfahrungen, während meiner Arbeit an Reckless festzustellen, dass bürgerliche Ideale ein bestimmtes Frauenbild mit sich bringen. Spannend ist auch, dass das Frauenbild im Mittelalter teilweise rebellischer und undogmatischer war. Wir denken, dass es über die Jahre immer besser geworden ist. Ich fürchte, das ist nicht so."
  • 26
    Sobre o romantismo alemão, ver Safranski (2009)Safranski, Rüdiger. Romantik: eine deutsche Affäre. Frankfurt am Main: Fischer , 2009..
  • 27
    No original: "Das Leben war härter, aber die Menschen wussten mehr über Leben und Tod, über den Rhythmus der Natur, sie fühlten sich viel mehr mit dem Planeten verbunden, auf dem sie lebten, im Guten wie im Schlechten, und in vieler Hinsicht waren die Strukturen und Regeln wesentlich einfacher als in unserer Zeit - was eine wunderbare Voraussetzung für einen Geschichtenerzähler ist". Disponível em: <http://tbuecher.jimdo.com/interviews-1/cornelia-funke>. Acesso em: 16 jul. 2016.
  • 28
    No original: " [... ] das erzählende und erzählte, das literarische Mittelalter [... ] eine generierte, virtuelle Realität".
  • 29
    No original: "Stoffe und Motive".
  • 30
    No original: " [... ] historische Romane, deren Kulisse ein mittelalterliches Geschehen ist".
  • 31
    No original: "Mittelalterliches, oder was man dafür hält, als lustiges Ambiente und Klamauk-Kulisse".
  • 32
    No original: " [... ] wie die Bearbeitung des Stoffes und der Dialog mit der Vergangenheit erfolgt und welche Funktion dies für Einsichten auch in jeweils Gegenwärtiges hat".
  • 33
    No original: "[... ] ca. 70m lange und ca. 50cm hohe".
  • 34
    Mais informações acerca do tema em Lewis; Owen-Crocker; Terkla (2011)Lewis, Michael J; Owen-Crocker, Gale L.; Terkla, Dan (Org.). The Bayeux Tapestry: New Approaches. Oxford: Oxbow Books, 2011..
  • 35
    Entendemos gênero como "um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, [... ] uma forma primeira de significar as relações de poder" (Scott 1999Scott, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. In: Scott, Joan Wallach . Gender and the Politics of History. New York: Columbia University Press, 1999. 28-50.: 42).
  • 36
    No original: " [... ] eine schreckliche Riesin namens Grauseldis".
  • 37
    No original: " [... ] eine wunderschöne Frau".
  • 38
    No original: " [... ] [s]tück für Stück erstarrte [... ], bis sie grau und reglos in der Schlosshalle stand".
  • 39
    No original: "Und niemand konnte den König sagen, was man einer Tochter beibringt. Also ließ er sie dasselbe lernen wie seine Söhne".
  • 40
    Há aqui similaridades entre a história de Violetta e a narrativa Der Namenlose Ritter (Funke 1994Funke, Cornelia. Der Namenlose Ritter. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe, 1994a. p. 18-25.a), na qual a protagonista é Eleonore, a qual, cansada de ter que beijar os cavaleiros que vencem os torneios promovidos pelo seu pai, resolve 'lutar' pela própria mão e, ao final, se casa com o jardineiro de seu pai. Embora o nome das heroínas mude, o nome da figura paterna é o mesmo nas duas narrativas: "König Wilfred der Wohlriechende" (Funke 1994Funke, Cornelia. Der Namenlose Ritter. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe, 1994a. p. 18-25.a: 18; 2001: 4).
  • 41
    No original: "Warum bietet Ihr Euren Vater nicht, Euch etwas anderes lernen zu lassen als die elende Kämpferei? Lernt Sticken oder Weben, die Flöte spielen oder sonst etwas Nützliches".
  • 42
    No original: "Also zieh dir dein schönes Kleid an und übe vor dem Spiegel freundlich zu lächeln".
  • 43
    No original: "Niemals werde ich so einen Blechkopf heiraten. Seht euch doch Eure Ritter an! Sie prügeln ihre Pferde und sind zu dumm, ihren Namen zu schreiben!"
  • 44
    Em Der Namenlose Ritter, Eleonore tem a mesma reação de revolta: "Sie diese Ritter stinken nach Rost und Schweiß und haben nichts im Kopf als ihre Schwerter und ihre Wappen. Schluss! Ich werde nie wieder einen dieser Blechköpfe küssen!" (Funke 1994Funke, Cornelia. Der Namenlose Ritter. In: Funke, Cornelia . Leselöwen: Rittergeschichten. Bindlach: Loewe, 1994a. p. 18-25.a: 18).
  • 45
    No original: "Keine Ritter wollte je wieder mit dem Namemlosen kämpfen. Und Violetta heiratete den Rosengärtner ihres Vaters".
  • 46
    No original: "Prinzessinen reiten und kämpfen nicht, Prinzesinnen sollen hübsch aussehen und mutige Ritter heiraten".
  • 47
    No original: "Starke Mädchen wissen sich zu helfen!".
  • 48
    Informações retiradas do site oficial da autora: <http://www.corneliafunke.com/index.php?page=buecher&lang=de>.
  • 49
    Igraine, na literatura arturiana, é a mãe do grande herói Artur.
  • 50
    No original: "Morgen bin ich zwölf, Sisiphus!", fuhr Igraine fort. "Zwölf! Und ich habe noch nicht ein einziges echtes Abenteuer erlebt. Wie soll ich so eine berühmte Ritterin werden? Soll ich Kaninchen vor dem Fuchs retten oder die Eichhörnchen vor den Mardern beschützen?".
  • 51
    No original: "der Traurige Ritter vom Berg der Tränen". Mais adiante na narrativa descobre-se seu verdadeiro nome: "Urban von Wintergrün" (Funke 2015Funke, Cornelia. Igraine Ohnefurcht. Hamburg: Dressler, 2015.: 219).
  • 52
    No original: "... denkt immer an die zwei Regeln des Rittertums: Setzt Eure Schwert nie gegen Schwächere ein, sondern nur zum Schutz, und - nutzt sie nie, um Euch zu bereichern".
  • 53
    No original: "Es sind die Regeln der Ehre: Schützt die Schwachen. Begehrt nie, was einem anderen gehört- Nutzt Kraft und Waffenkunst nur in ehrlichem Wettstreit. Brecht nie, niemals Euer gegebenes Wort. Und strebt nicht nach Macht um Macht willen. Das sind die Regeln des Ritters."
  • 54
    No original: "... wer sie erfüllt, sei es ein Mann oder ein Mädchen, dem werde die Ehre zuteil, die ihm gebührt".
  • 55
    No original: "Eure Tochter ist ohne Furcht und von ritterlichster Gesinnung, auch wenn sie die Ritterregeln bisweilen etwas anders auslegt als ich".
  • 56
    No original: "Euer furchtloses Herz ehrt Euch. Aber manchmal ist Furchtlosigkeit kein guter Ratgeber. Ihr solltet lernen, vor einigen Dingen Angst zu haben und Eure Kräfte richtig einzuschätzen. Ein zwölfjähriges Mädchen, und sei es noch so tapfer, kann unmöglich gegen einen so kampferfahrenen Ritter wie Rowan Ohneherz antreten. Er wird Euch zum Gespött machen und Euren Stolz im Staub zertreten."
  • 57
    Agradecemos, para essa passagem, a contribuição de Maurício da Cunha Albuquerque.
  • 58
    No original: "... das Erkennen und Akzeptieren der eigenen Stärken und Schwächen".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2016
  • Aceito
    03 Out 2016
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