Fatores associados aos óbitos entre homens envenenados por carbamato (“chumbinho”)

Factores de muertes de hombres envenenados por carbamato (“chumbinho”)

RESUMO

Objetivo

Determinar os fatores associados aos óbitos em vítimas de envenenamento por carbamato (“chumbinho”).

Método

Estudo retrospectivo, epidemiológico tipo caso-controle, baseado nas fichas de notificação de intoxicação do centro de controle de intoxicações localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foram utilizadas 24 fichas de notificação de intoxicações de homens dos 20 aos 59 anos com história de envenenamento por carbamato entre 2005 e 2009. As fichas foram sorteadas aleatoriamente, respeitando-se a razão de 1:3 (um caso para três controles). A faixa etária variou de 23 a 58 anos; a média 43,83 anos.

Resultados

Os sintomas mais recorrentes foram: miose (OR = 1.0; IC 95%: 0,27 – 3,69. p= 1.0), sialorreia (OR = 0,83; IC 95%: 0,22 – 3,12. p= 0,78), dispneia (OR = 0,66; IC 95%: 0.14 – 3,03. p= 0,59).

Conclusão

Os óbitos apresentaram associação com sialorreia, miose e dispneia e uma forte associação com estertores pulmonares, broncoespasmos e os roncos pulmonares.

Saúde do homem; Envenenamento; Estudos de casos e controles

RESUMEN

Objetivo

Determinar los factores asociados a la muerte en las víctimas de envenenamiento por carbamato (“Chumbinho”).

Método

Estudio retrospectivo, epidemiológico de caso y control sobre el envenenamiento en los formularios de notificación un centro de control de envenenamiento localizado en la región metropolitana de Río de Janeiro. Utilizamos 24 formularios de notificación de envenenamiento en hombres de 20 a 59 años con intoxicación por el carbamato de 2005 a 2009. Los registros fueron seleccionados al azar, respetando la proporción de 1:3 (un caso y tres controles). El rango de edad fue de 23 a 58 años, promedio de 43,83 años.

Resultados

Los síntomas más frecuentes fueron miosis (OR = 1,0; IC del 95%: 0,27 a 3,69 p = 1.0.), Babeo (OR = 0,83, IC 95% 0,22-3,12 p. = 0,78), disnea (OR = 0,66; IC del 95%: 0:14 - 3.03 p = 0.59).

Conclusión

Las muertes se asociaron con babeo, miosis y disnea, y una fuerte asociación con estertores pulmonares, broncoespasmo y el ronquido pulmonar.

Salud de los hombres; Envenenamiento; Estudios de casos y controles

ABSTRACT

Objective

To determine the factors associated with death in poisoning victims by carbamate (“Chumbinho”).

Method

Retrospective study, epidemiological case-control based on poisoning reporting forms, a poison control center located in the metropolitan region of Rio de Janeiro. We used 24 notification forms of poisoning in men aged 20 to 59 years with poisoning by carbamate history from 2005 to 2009. The records were randomly selected, respecting the ratio 1:3 (a case to three controls). The age range was 23-58 years, average 43.83 years.

Results

The most frequent symptoms were myosis (OR=1.0; 95% CI: 0.27 to 3.69 p=1.0.), drooling (OR=0.83; 95% CI. 0.22 to 3.12 p=0.78), and dyspnea (OR=0.66; 95% CI: 0:14-3.03 p=0.59).

Conclusion

The deaths were associated with drooling, miosis and dyspnea and a strong association with pulmonary rales, bronchospasm and pulmonary snoring.

Men’s health; Poisoning; Case-control studies

INTRODUÇÃO

A elevada prevalência de óbitos violentos no sexo masculino explica parte das diferenças na esperança de vida ao nascer entre homens e mulheres. São consideradas mortes violentas aquelas oriundas de homicídios, suicídios, agressões físicas e psicológicas, assim como, os eventos decorrentes de acidentes de transporte, quedas, afogamentos e traumas. Em 1980, enquanto a esperança de vida ao nascer, no País como um todo, para o sexo feminino era de 65,7 anos, para o sexo masculino esse valor foi de 59,6 anos, ou seja, as mulheres tinham uma sobrevida de 6,0 anos quando comparadas com os homens(¹).

Com o agravamento e o crescimento da violência durante as décadas de 1980 e 1990, particularmente entre os homens jovens, a diferença na esperança de vida ao nascer entre os sexos aumentou para 7,6 anos em 2000, sendo que na região Sudeste os homens vivem, em média, quase 9 anos a menos que as mulheres, enquanto na região Nordeste esta diferença é de 7,3 anos, e nas regiões Centro-Oeste e Sul, de 7 anos(¹).

Dentre as inúmeras situações cotidianas vivenciadas no atendimento de emergência nas instituições de saúde, os envenenamentos são uma constante, constituindo quantitativo relevante de casos, especialmente aqueles decorrentes da ingestão de carbamato, também conhecido como “chumbinho”. No Estado do Rio de Janeiro, principalmente no Grande Rio, há um importante problema relacionado não só à utilização do carbamato como inseticida contra ratos, como também nas tentativas de autoextermínio ou homicidas(²). Levando a um aumento significativo das demandas de Enfermagem nos serviços Emergência. Tornando-se necessário a reorganização desses serviços e a qualificação dos profissionais para o atendimento destas vítimas.

O Sistema Nacional de Informação Tóxico-farmacológico (SINITOX) e a Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica(³) informam que em 2006 ocorreram 115.285 casos de intoxicação humana e 520 óbitos, um número significativo ao se levar em conta que o SINITOX esclarece que as quatro maiores letalidades para os casos de intoxicações no País foram geradas por agrotóxicos, raticidas, drogas de abuso e produtos veterinários com valores de 2,99%, 1,31%, 0,94% e 0,59%, respectivamente.

A análise dos dados acerca das circunstâncias das intoxicações por agrotóxicos permite identificar que a Região Sudeste do Brasil apresentou a maior incidência de casos, ficando a Região Norte com o menor quantitativo de registros(³). Identificou-se ainda, que a tentativa de suicídio foi a circunstância de maior prevalência em todo País (49,3% dos casos de intoxicações analisados), sendo identificados 993 casos na Região Sudeste e 955 na Região Nordeste(⁴).

A relevância deste estudo está pautada na Agenda Nacional de Prioridade de Pesquisa em Saúde(⁵), que em uma de suas subagendas propõe a avaliação de políticas, programas, projetos e demais intervenções relacionadas à prevenção da violência, acidentes e traumas, tentativas de suicídios, de homicídios, de acidentes de trânsito, de violência sexual, de consumo de substâncias psicoativas, álcool e outras intoxicações, bem como, o desenvolvimento de estudos acerca dos efeitos da violência no processo de adoecimento, nas formas de comunicação e na educação em saúde, visando a prevenção de violência, acidentes, traumas e intoxicações, levando em conta as questões regionais(⁵).

Outro ponto relevante para o desenvolvimento deste estudo, está centrado na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem(⁶), que enfatiza a necessidade de mudanças de paradigmas no que concerne à percepção da população masculina em relação ao cuidado com a própria saúde e a de sua família. Tornando-se essencial que, além dos aspectos educacionais, entre outras ações, os serviços públicos de saúde sejam organizados de modo a acolher e fazer com que o homem sinta-se parte integrante deles(⁶).

Identifica-se, assim, a importância da construção e prestação de novos cuidados de enfermagem aos indivíduos no tocante à intoxicação por carbamato, descrita como um problema de saúde pública(⁷-⁸). Por ser assim descrita, torna-se imperativo a elaboração de campanhas educativas e a fiscalização do comércio ilegal deste produto, corroborando o pensamento de que tais produtos (carbamatos) são responsáveis por um grande número de intoxicações humanas no Rio de Janeiro, algumas até fatais(⁷), sendo destacado que diante da frequência das intoxicações por carbamato no Rio de Janeiro, os profissionais questionam a venda indiscriminada deste produto e sua utilização como raticida(⁸). Estes dados chamam a atenção para a necessidade de implementação de estratégias assistenciais para o enfrentamento desta problemática.

Diante do exposto, nos questionamos sobre quais são os fatores associados aos óbitos dos homens intoxicados por carbamato? E assim estabelecemos como objetivos deste estudo determinar os fatores associados aos óbitos em vitimas de envenenamento pelo carbamato “chumbinho”.

MÉTODO

Foi realizado um estudo retrospectivo de natureza epidemiológica tipo caso controle, com pareamento pelo ano baseado nos dados coletados a partir das fichas de notificação de intoxicação, de um centro de controle de intoxicações localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foram utilizadas fichas de notificação de intoxicações de homens na faixa etária dos 20 aos 59 anos com historia de envenenamento por carbamato no período de 2005 a 2009.

Para este estudo foram classificadas para o grupo caso as fichas de notificações de intoxicações na faixa etária dos 20 aos 59 anos com historia de envenenamento por carbamato no período de 2005 a 2009, e que a evolução do caso foi o óbito. O grupo controle (sobreviventes) foi composto por fichas de notificações de intoxicações de homens na faixa etária de 20 a 59 anos, intoxicados por carbamato, classificadas como intoxicações graves. As fichas foram sorteadas aleatoriamente, respeitando-se a razão de 1:3 (três controles para cada caso).

A listagem para o sorteio dos controles foi ordenada a partir do ano em que ocorreram os óbitos, totalizando 24 fichas de notificação de intoxicação. Descartando-se os controles do ano de 2006, tendo em vista que nesse ano não foram notificados óbitos por intoxicação por carbamato, bem como, os casos classificados como intoxicação moderada, leve e intoxicação não excluída.

A amostra dos casos foi representada por todos os óbitos causados por intoxicação por carbamato notificados. O número final de casos foi de 6 (óbitos) e de controles 18 (sobreviventes). As variáveis analisadas foram: idade, tempo de exposição, circunstância, via de intoxicação, sintomas, tempo de internação e desfecho.

Os dados foram tabulados utilizando-se o software Excel 2007 e para a análise dos dados foi utilizado o programa EPI Info 3.5.1. A razão de chance (ODDS Ratio - OR) foi a medida de associação utilizada para avaliar a relação entre os óbitos por intoxicação por carbamato e os sobreviventes.

Foi realizada a análise descritiva e univariada dos dados. Os grupos caso e controle foram comparados utilizando-se os testes estatísticos T de Student com distribuição unicaudal e Chi-quadrado. Considerando-se p-valor < 0,05.

Esta pesquisa é parte da dissertação de mestrado intitulada Política de saúde do homem: o cuidar e o cuidado de enfermagem em emergência às vítimas masculinas de intoxicação exógena por carbamato (“chumbinho”)(⁴). Foi submetida à apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil - RJ, sendo aprovada conforme Parecer nº 35 de 25 de abril de 2011.

RESULTADOS

Dentre as circunstâncias entre o grupo casos e controle deste estudo, todos os homens foram notificados como tentativas de suicídio. Em relação a vias de intoxicação, todos os integrantes dos grupos caso e controle, foram notificados como intoxicação por via oral, predominando da autoingestão. Observou-se que em ambos os grupos a faixa etária predominante foi a de adultos jovens em faixa etária produtiva (Tabela 1).

Tabela 1
– Distribuição dos fatores relacionados aos óbitos (caso X controle) 2005 – 2009. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2012

Caso
Variáveis	Idade	Tempo de exposição	Valor de p – Idade/exposição	Tempo de internação	Valor de p – Idade/internação
Faixa etária	28	120 minutos	0,02	48 horas	0,03
	56	120 minutos		96 horas
	23	90 minutos		72 horas
	58	360 minutos		216 horas
	48	20 minutos		48 horas
	50	360 minutos		96 horas
Média	43,83	178,33		96
Mediana	49	120		84
Controle
Faixa etária	48	90 minutos	0,002	72 horas	0,04
	33	60 minutos		240 horas
	26	60 minutos		48 horas
	31	90 minutos		48 horas
	27	180 minutos		72 horas
	32	60 minutos		96 horas
	41	60 minutos		168 horas
	33	60 minutos		48 horas
	42	360 minutos		120 horas
	22	120 minutos		96 horas
	34	120 minutos		96 horas
	58	120 minutos		216 horas
	50	240 minutos		48 horas
	48	20 minutos		48 horas
	42	30 minutos		240 horas
	56	30 minutos		24 horas
	50	360 minutos		384 horas
	46	30 minutos		120 horas
Média	39,94	116,11		121,44
Mediana	41,5	75		96

• Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

Na análise dos dados foi identificado que entre os casos (óbito) a faixa etária variou de 23 a 58 anos, a média foi 43,83 ± 14,75 anos, a mediana de 49 anos (23 - 58). O tempo de exposição ficou entre 20 e 360 minutos, a média do tempo de exposição foi de 178 ± 132,7 minutos e a mediana de 120 (20 - 360) minutos. O menor intervalo da exposição até o desfecho final (óbito) foi 48 horas e o maior intervalo temporal foi de 216 horas. O tempo médio foi de 96 ± 62,58 horas e a mediana foi 84 (48 - 216) horas (Tabela 1).

Em relação à análise da idade e o tempo de exposição dos casos (p= 0,02) e na associação da idade e desfecho (p = 0,03), foi evidenciada significância estatística, enquanto, na associação entre tempo de exposição e o desfecho p = 0,11. É possível inferir que entre os casos, quanto maior a idade e o tempo de exposição maior é a chance de óbito por intoxicação pelo carbamato.

Entre os controles foi evidenciada média etária de 39,94 ± 3,82 anos e mediana 41,5 (22 - 58) anos. O tempo de exposição médio foi de 116 ± 104,8 minutos e mediana 75 (20 - 360) minutos. O tempo médio até o desfecho final foi 121,44 ± 91,68 e a mediana foi 96 (24 - 384) horas (Tabela 1).

Fazendo associação das variáveis idade e tempo de exposição e das variáveis idade e desfecho, foi evidenciada significância estatística (p < 0,01), na relação entre tempo de evolução e o desfecho foi encontrado p = 0,04 (Tabela 1).

Na correlação da faixa etária (p= 0,48), do tempo de exposição (p= 0,13) e tempo até o desfecho (p= 0,27) entre os casos e os controles não foi houve significância estatística quando feita a análise bivariada.

As manifestações clínicas que foram mais recorrentes entre os grupos caso e controle foram: miose (OR = 1.0; IC 95%: 0,27 – 3,69. p= 1.0), sialorréia (OR = 0,83; IC 95%: 0,22 – 3,12. p= 0,78), dispnéia (OR = 0,66; IC 95%: 0.14 – 3,03. p= 0,59), broncorréia (OR = 1.0; IC 95%: 0,2 – 4,9. p= 1.0), fasciculações musculares (OR = 1,5; IC 95%: 0,32 – 7,34. p= 0,57), roncos pulmonares (OR= 0,5; IC 95%: 0,1 – 3,05. p= 95%: 0,06 – 3,74. p= 0,49) e sudorese (OR = 1,5; IC 95%: 0,25 – 8,9. p= 0,65). Não apresentaram significância estatística p > 0,2. Dentre as manifestações clínicas mais de maior prevalência os estertores pulmonares apresentaram a maior significância estatística (OR = 0,11; IC 95%: 0,096 – 1,28. p= 0,078) (Tabela 2).

Tabela 2
– Distribuição dos sintomas apresentados pelos casos e controles. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2012

Variáveis	Caso		Controle		OR não ajustada	IC 95%	Valor de p
	n= 6	%	n= 18	%
Sialorréia	6	100%	15	83,3%	0,83	0,22 – 3,12	0,78
Miose	6	100%	18	100%	1,0	0,27 – 3,69	1,0
Dispneia	4	66,6%	8	44,4%	0,66	0,14 – 3,03	0,59
Broncorréia	3	50%	9	50%	1,0	0,20 – 4,9	1,0
Fasciculações musculares	3	50%	14	77,7%	1,55	0,32 – 7,34	0,57
Estertores pulmonares	3	50%	1	5,55%	0,11	0,096 – 1,28	0,07
Roncos	3	50%	5	27,7%	0,5	0,1 – 3,05	0,48
Sudorese	3	50%	6	33,3%	0,66	0,12 -3,5	0,63
Broncoespasmo	2	33,3%	3	16,6%	0,5	0,066 – 3,74	0,49
Vômito	2	33,3%	9	50%	1,5	0,25 – 8,9	0,65

• Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

DISCUSSÃO

Neste estudo, foi feita uma análise retrospectiva com o objetivo de determinar e discutir os fatores associados aos óbitos em vítimas de envenenamento pelo carbamato “chumbinho”. Foi observado que todos os óbitos ocorreram por intoxicação por via oral e notificados como tentativas de autoextermínio, ou seja, o indivíduo atentando contra própria vida e todos os casos foram classificados como intoxicações graves. Como foi evidenciado que todos os casos notificados eram tentativas de autoextermínio, é possível inferir que tais circunstâncias podem estar ligadas ao fato de o carbamato estar sendo inadequadamente usado como raticida, contribuindo para que muitas pessoas o utilizem com o intuito de tirar a própria vida, como fazem com os ratos(²). Deve ser levado em consideração, a facilidade de uso e de acesso a está substância.

Em estudo desenvolvido no Chile(⁹), foi descrito que a exposição humana aos agrotóxicos organofosforados tem sido extensivamente documentada, o que demonstra um problema de saúde, principalmente associada aos trabalhadores agrícolas nos Países em desenvolvimento. No Kuwait outro estudo demonstrou que, o suicídio devido a envenenamento foi a terceira modalidade mais comum de suicídio, e é um grande problema no mundo em desenvolvimento; devido a ampla disponibilidade e fácil acesso às pessoas vulneráveis a cometer suicídio(¹⁰).

No que se refere a essa circunstância no Brasil, a auto-intoxicação foi o método mais utilizado para tentativas de suicídio em ambos os sexos(¹¹). A utilização intencional do envenenamento ocorre com maior frequência em homens, entre os casos em que o agente tóxico foi especificado, 24,2% foram intoxicados com aldicarbe e os homens durante uma tentativa de suicídio tinham uma chance de morte 6,98 vezes que as mulheres(¹²). No presente estudo, semelhante aos dados da literatura científica(²,¹¹-¹³), todos os casos foram oriundos de autoingestão em tentativas de suicídio, com predominância de indivíduos adultos jovens. Em pesquisa realizada quanto à circunstância das intoxicações(¹³), o autor observou que 53,3% das pessoas por ele estudadas, intoxicaram-se intencionalmente por tentativa de suicídio.

Em outro estudo(¹⁰), os resultados mostraram que os pesticidas foram o tipo mais prevalente de substâncias utilizadas nas tentativas de suicídio, seguido por paracetamol (acetaminofeno), o autor é enfático ao afirmar que, ambos os produtos estão disponíveis em qualquer supermercado. O fácil e amplo acesso as substâncias intoxicantes pode favorecer os envenenamentos, sobretudo, quando o produto é clandestino e vendido ilegalmente como raticida com apresentação em forma sólida, granular de coloração que varia do cinza ao preto, composto na sua maioria por carbamato(²,¹³). Chama-se a atenção para a autoingestão no tocante ao sabor do “chumbinho” porque, empiricamente, quando indagadas, as vítimas informavam que a substância não tinha gosto.

Apesar de serem descritas várias vias de intoxicação pelo carbamato, neste estudo a via oral foi a mais incidente. Acredita-se que isso se deva ao fácil manuseio e utilização do produto, seja de maneira acidental ou intencional, nas tentativas de homicídios, suicídios ou autoextermínio, e ainda pela sua ampla e errônea popularização nos centro urbanos como raticida(¹⁴).

O processo saúde-doença é socialmente determinado, entre outras coisas, pela maneira como os indivíduos se comportam na sociedade(¹⁵). Em todo o mundo diversos países relatam casos de mortes por auto-envenenamentos por agrotóxicos/pesticidas, na Província de Anuradhapura no Sri Lanka foram relatados 447/100.000, em outras localidades ao redor do Mundo são descritos casos de auto-envenenamentos como Oxford no Reino Unido (350/100.000), Newcastle na Austrália (266/100.00), Mashhad no Irã (390/100.000) e Oslo na Noruega (200/100.000), havendo predominância masculina(¹⁵).

No Brasil, em um estudo acerca da mortalidade por intoxicação ocupacional relacionada a agrotóxicos(¹⁶), prevaleceram as intoxicações por organofosforados e carbamatos, óbitos do sexo masculino (razão homem:mulher de 5:1), faixa etária 25 a 44 anos e na predominância da Região Nordeste, o coeficiente de mortalidade foi 0,47/100.000. Desta forma, entende-se que os homens quando em situações de vulnerabilidade, podem se fazer valer da facilidade da aquisição do “chumbinho” e da via oral por sua fácil utilização para cometer autoextermínio.

Os sinais e sintomas desenvolvidos pelas vítimas de envenenamento pelo chumbinho, ao se desenvolverem, interferem na fisiologia do organismo, evoluindo de tal forma, que o indivíduo necessita de cuidados de enfermagem que podem ser determinantes para a sua sobrevivência ou a sua morte. Por vezes, são instituídos cuidados(¹⁷) de guerra (busca-se utilizar todos os recursos e esforços disponíveis para cuidar em Enfermagem), de alerta (permanecer atento para os aspectos imprevisíveis), cuidado decisório (baseado na observação rigorosa de uma situação, no princípio de decisão, na abordagem racional, numa relação estreita entre a vida e a morte), cuidado contingencial (construído durante os momentos em que há uma situação súbita ou episódica) e cuidado confortável (conforto reflete nos corpos dos clientes)(¹⁷).

Nessa perspectiva, foram apresentados os sinais e sintomas recorrentes nos homens vítimas de intoxicação aguda por “chumbinho”, que compuseram o grupo caso deste estudo, sendo os mais incidentes identificados a partir das fichas de notificação, a saber: miose, sialorréia, fasciculações musculares, sudorese, vômitos e broncorréia. Cabe ressaltar, que a literatura descreve que as intoxicações agudas são relativamente fáceis de diagnosticar por que elas são acompanhadas de sinais e sintomas colinérgicos(⁹).

Na Austrália foi desenvolvido um estudo(¹⁸), com o objetivo medir a atividade da colinesterase e o nível de exposição associado ao uso rotineiro de organofosforados em uma comunidade agrícola da cidade de Vitorian. Foi descrito que, nos envenenamento agudos graves as manifestações clínicas são espasmos musculares (fasciculações musculares), dor de cabeça, tontura, convulsões, broncoespasmo, hipersecreção brônquica, ataxia, coma, insuficiência respiratória e perda da consciência(¹⁸).

As principais manifestações clínicas identificadas em estudo acerca da intoxicação exógena por “chumbinho” como forma de autoextermínio no Estado de Goiás, Brasil, coincidem com os citados na literatura científica sobre o assunto, a saber: miose, sialorréia, vômitos, sudorese, torpor à coma e tremores(⁸). Em estudo desenvolvido com agricultores envenenados na Tanzânia, as manifestações clínicas predominantemente relatadas foram irritação na pele, nos olhos e na garganta, dor de cabeça, tosse, náuseas, transpiração excessiva, salivação excessiva, visão turva e lacrimejamento(¹⁹).

No presente estudo foi identificado que a associação entre miose, sialiorréia e dispnéia mostraram-se como variáveis fortemente preditoras dos óbitos por envenenamento por “chumbinho”. Tal sintomatologia já fora descrita em estudos publicados na literatura científica relacionada à temática anteriormente(²,⁸,¹³-¹⁴). Há uma forte associação com os sintomas descritos anteriormente e os estertores pulmonares, broncoespasmos e os roncos pulmonares.

Nesta casuística foram analisados os óbitos de indivíduos do sexo masculino envenenados pelo “chumbinho”, a literatura é recorrente ao descrever o sexo masculino como mais susceptível aos óbitos por causas externas, sobretudo, em indivíduos na faixa etária dos 20 aos 59 anos e a vulnerabilidade dos sujeitos, deste estudo, respalda-se na literatura, assim como os casos de reincidência de autoingestão de “chumbinho”(²). Todas as intoxicações selecionadas como caso ou como controle neste estudo, foram classificadas como intoxicações graves. A alta incidência de intoxicações graves sugere a necessidade de estratégias preventivas, no que diz respeito à utilização correta de agrotóxicos(²⁰).

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)(⁶) enfatiza a necessidade de mudanças de paradigmas no que concerne, à percepção da população masculina em relação ao cuidado com a própria saúde e a de sua família. Desta forma, torna-se necessário o estabelecimento de estratégias para a elaboração de estudos e pesquisas na área, e desenvolvimento das ações da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Refletindo que os homens não vão passar a freqüentar os serviços de saúde, sem que antes, esses serviços passem a frequentar e povoar suas mentes.

Neste sentido, a identificação dos fatores associados aos óbitos em homens vítimas de envenenamento por agrotóxicos, pode servir como um norteador da assistência de Enfermagem direcionada às vítimas de envenenamento, sobretudo, aos homens e as suas características de gênero e peculiaridades inerentes ao comportamento e consciência social. É visível que a Enfermagem exerce um papel de protagonista na construção de um arcabouço conceitual relacionado à Atenção Integral à Saúde do Homem, contribuindo ainda, para despertar a consciência dos homens e envolvê-los no cuidar e no cuidado da própria saúde.

CONCLUSÃO

Os achados desta pesquisa permitiram determinar os fatores associados aos óbitos relacionados aos envenenamentos por “chumbinho” e apresentaram moderada associação com a sialorréia, miose e dispnéia, e uma forte associação com estertores pulmonares, broncoespasmos e os roncos pulmonares. Não foi evidenciado nenhum efeito protetor para as vítimas após a ingestão intencional por carbamato. Todavia o menor tempo de exposição ao carbamato esteve relacionado ao desfecho das vítimas do grupo controle.

Todas as vítimas foram notificadas como tentativas de autoextermínio por autoingestão (via oral), havendo predominância em ambos os grupos de adultos jovens, ratificando o fato dos homens adultos jovens estarem sofrendo mais de agravos à saúde que as mulheres. Todas as intoxicações selecionadas como caso e como controle nesse estudo, foram classificadas como intoxicações graves, esta alta incidência de intoxicações com esta classificação nos aponta a necessidade implementação de estratégias preventivas, no que diz respeito à utilização incorreta de agrotóxicos.

Esta pesquisa corrobora os princípios da PNAISH(⁶) ao reconhecer que a população masculina somente acessa o sistema de saúde por meio da atenção especializada, requerendo mecanismos de fortalecimento e qualificação da atenção primária para que a atenção à saúde não se restrinja à recuperação mas garanta, sobretudo, a promoção da saúde e a prevenção de agravos evitáveis, considerando o fato de o homem julgar-se invulnerável e com isso se exponha mais às situações de risco. A questão da masculinidade também foi tratada na dimensão da vulnerabilidade do homem às pressões sociais do homem sobre o próprio homem, bem como, a relação do cuidar de si como estratégia para a prevenção de agravos à saúde da população masculina.

Fica a recomendação para a elaboração de outros estudos acerca da temática, para favorecer a proliferação dos conhecimentos sobre o assunto e a ampliação dos estudos acerca da prevenção das intoxicações pelo “chumbinho”, que estão ceifando uma parcela da população masculina, deixando clara a necessidade de investigação por parte da enfermagem que atua na área de emergência, em especial no atendimento ao grupo masculino, entendendo-se as peculiaridades inerentes à questão da masculinidade. Recomenda-se ainda, o desenvolvimento de atividades, através dos diversos tipos de mídia, visando à divulgação dos riscos e complicações relacionadas às intoxicações por “chumbinho”.

Para finalizar, cabe ressaltar que embora esta pesquisa apresente como abordagens a temática das intoxicações exógenas por Carbamato (“chumbinho”), bem como da saúde do homem, não foi possível esgotar o tema. Ainda há muito a ser explorado em relação à saúde do homem, considerando-se as questões relacionadas à sua vulnerabilidade e às perdas sociais e econômicas. Evidenciou-se como limitação a impossibilidade de abranger a totalidade das intoxicações por “chumbinho” ocorridas em todas as unidades hospitalares, utilizando-se para análise apenas os casos notificados a um Centro de controle de intoxicações no Rio de Janeiro.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2016

Histórico

• Recebido
  01 Jul 2015
• Aceito
  12 Jan 2016