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Lipoenxertia na reconstrução mamária após tratamento do câncer de mama: revisão de literatura

RESUMO

Introdução:

O tratamento de câncer de mama através de mastectomia causa grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, ocasionando um número crescente de buscas por procedimentos reconstrutivos. O enxerto de gordura, também conhecido como lipoenxertia, foi descrito pela primeira vez em 1893, por Neuber, tendo aumentado o seu uso e aceitação no decorrer dos anos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, as cirurgias reparadoras correspondem a 39,7% dos procedimentos plásticos realizados no Brasil, com as reconstruções mamárias sendo 6,1% desse número, configurando parte do tratamento do câncer de mama. O presente estudo objetivou revisar o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após tratamento do câncer de mama.

Métodos:

Foi realizada uma revisão da literatura utilizando os bancos de da-dos PubMed, MEDLINE, LILACS e SciELO, através dos descritores: “breast reconstruction”; “fat grafting”; and “breast cancer”.

Resultados:

No total, foram encontrados 838 artigos nas bases de dados pesquisadas, dos quais 20 foram selecionados para a extração dos dados após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.

Conclusão:

Constatou-se que a gordura autóloga é um procedimento bem estabelecido para reconstrução mamária, apesar de apresentar algumas possíveis complicações. Ademais, mais estudos a longo prazo devem ser realizados visando conso-lidar o entendimento e segurança do procedimento.

Descritores:
Mamoplastia; Transplante autólogo; Mastectomia; Neoplasias da mama; Tecido adiposo

ABSTRACT

Introduction:

The treatment of breast cancer through mastectomy greatly impacts patients’ quality of life, causing an increasing number of searches for reconstructive procedures. The fat graft, also known as lipografting, was described by Neuber in 1893, and has increased its use and acceptance over the years. According to the Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (Brazilian Society of Plastic Surgery), reconstructive surgeries correspond to 39.7% of plastic procedures performed in Brazil, with breast reconstructions being 6.1% of this number, constituting part of breast cancer treatment. The present study aimed to review the use of lipografting in breast reconstruction after breast cancer treatment.

Methods:

A review of the literature was carried out using the databases of PubMed, MEDLINE, LILACS and SciELO, using the descriptors: “breast reconstruction”; “fat grafting”; and “breast cancer”.

Results:

In total, 838 articles were found in the databases searched, of which 20 were selected for data extraction after applying the inclusion and exclusion criteria.

Conclusion:

It was found that autologous fat is a well-established procedure for mammary reconstruction, despite presenting some possible complications. Furthermore, more long-term studies should be conducted to address the understanding and safety of the procedure.

Keywords:
Mammoplasty; Autologous transplantation; Mastectomy; Breast neoplasms; Adipose tissue

INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2020, a incidência estimada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) em relação ao câncer de mama em mulheres foi de 66.280 casos, conforme a localização primária do tumor e sexo, correspondendo a 29,7% das neoplasias estimadas para o ano, o que reforça a posição de câncer mais prevalente em mulheres. Entre 2015 e 2018, ocorreram 66.532 óbitos por câncer de mama no território nacional, afetando 65.768 mulheres (98,85%) e 764 homens (1,15%)11 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Atlas de mortalidade por câncer - tabulador [Internet]. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/INCA; 2014; [acesso em 2020 Ago 08]. Disponível em: https://www.inca.gov.br.

Assim, o diagnóstico de câncer de mama produz um considerável impacto psicológico nos pacientes, podendo causar transtornos depressivos, amplificação dos sintomas físicos, comprometimento funcional e diminuição da adesão aos tratamentos propostos22 Al-Kalla T, Komorowska-T E. Total male breast reconstruction with fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2014 Nov;2:e257.. Dessa forma, o tratamento do câncer de mama através da realização de mastectomia exerce importante influência na qualidade de vida dos pacientes, o que tem ocasionado um número crescente de buscas por procedimentos reconstrutivos após a mastectomia, seja de maneira imediata ou tardia33 Mestak O, Mestak J, Bohac M, Edriss A, Sukop A. Breast reconstruction after a bilateral mastectomy using the BRAVA expansion system and fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Dez;1(8):71-5..

Em 1893, o enxerto de gordura foi descrito por Neuber44 Bennet KG, Qi J, Kim HM, Hamill JB, Wilkins EG, Mehrara BJ, et al. Association of fat grafting with patient-reported outcomes in postmastectomy breast reconstruction. JAMA Surg. 2017 Out;152(10):944-50., tendo aumentado o seu uso e aceitação no decorrer dos anos. A partir de 1990, em conjunto com o avanço de técnicas e extensos estudos experimentais e clínicos, houve um aumento no número de cirurgiões plásticos utilizando enxerto de gordura autólogo como técnica para reconstrução mamária33 Mestak O, Mestak J, Bohac M, Edriss A, Sukop A. Breast reconstruction after a bilateral mastectomy using the BRAVA expansion system and fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Dez;1(8):71-5..

Com esses avanços, em 1997, foi decidido através da resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.483/97 que a reconstrução mamária constitui parte do tratamento da enfermidade, quando houver indicação para correção de deformidades geradas pela mastectomia55 Conselho Federal de Medicina (BR). Resolução CFM no 1.483, de 11 de setembro de 1997. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 22 set 1997: Seção 1: 21075.. Ademais, em 2018, a lei nº 13.770 foi sancionada, assegurando às mulheres com câncer de mama o direito à cirurgia plástica reparadora nos dois seios, mesmo que o tumor só se manifeste em um deles, garantindo o direito à simetrização da mama contralateral e reconstrução do complexo areolopapilar66 Lei nº. 13.700, de 19 de dezembro de 2018 (BR). Dispõe sobre a cirurgia plástica reconstrutiva da mama em casos de mutilação decorrente de tratamento de câncer. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 20 dez 2018: Seção 1: 1..

Em 2005, Spear77 Bezerra FJF, Moura RMG, Maia Neto JD. Lipoenxertia em reconstrução mamária. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):241-6. relatou que transplantes autólogos de gordura, também conhecidos como lipoenxertia, constituem uma técnica segura, capaz de corrigir ou melhorar deformidades em reconstruções mamárias77 Bezerra FJF, Moura RMG, Maia Neto JD. Lipoenxertia em reconstrução mamária. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):241-6.. Desde 2007, a Sociedade Francesa de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva aconselhava o uso de enxerto de gordura autólogo estritamente. Entretanto, em 2011 mudou o seu posicionamento, sugerindo que o procedimento passasse a fazer parte de um protocolo clínico88 Chaput B, Foucras L, Le Guellec S, Grolleau JL, Garrido I. Recurrence of an invasive ductal breast carcinoma 4 months after autologous fat grafting. Plast Reconstr Surg. 2013 Jan;131(1):123e-4e.,99 Alharbi M, Garrido I, Vaysse C, Chavoin JP, Grolleau JL, Chaput B. Latissimus dorsi flap invasion by ductal breast carcinoma after lipofilling. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Nov;1(8):e68.. Já a Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos desestimulou o uso de enxerto de gordura durante anos. Porém, em 2015, a sociedade relatou evidências em apoio ao uso de enxerto de gordura, a fim de maximizar os resultados estéticos da reconstrução mamária pós- mastectomia1010 Skendelas JP, Lee C, Mangino A, Carson WE. Unusual recurrence of breast cancer in a BRCA-variant patient after fat grafting. Clin Case Rep. 2018 Dez;6(12):2457-62..

No Brasil, entre 2015 e 2019, de acordo com o Departamento de Informática do Sistemática Único de Saúde (DATASUS), ocorreram 51.269 internações para a realização de mastectomias, incluindo mastectomia radical com linfadenectomia, simples, radical com linfadenectomia axilar em oncologia e mastectomia simples em oncologia1111 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SIH/DATASUS). Portal da Saúde - SUS. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020.. Ademais, de acordo com o censo realizado em 2018 pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, as cirurgias reparadoras correspondem à 39,7% dos procedimentos plásticos realizados no Brasil, com as reconstruções mamárias sendo 6,1%1212 Fonseca A, Ishida LH. Censo 2018 análise comparativa das pesquisas 2014, 2016 e 2018. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP); 2018..

Assim, tendo em vista a quantidade de procedimentos de mastectomias realizados no território nacional, bem como as vantagens psicológicas da realização de reconstruções mamárias e a porcentagem que essas intervenções cirúrgicas representam dentro da cirurgia plástica, torna-se importante entender mais sobre as opções terapêuticas disponíveis.

OBJETIVO

Realizar uma revisão da literatura sobre o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após o tratamento do câncer de mama.

MÉTODOS

Realizou-se uma revisão da literatura pautada na: 1) elaboração de uma questão a ser pesquisada; 2) escolha das fontes de dados; 3) eleição das palavras-chaves para a busca; 4) busca e armazenamento dos resultados; 5) seleção de artigos de acordo com critérios de inclusão e exclusão; 6) extração dos dados dos artigos selecionados; 7) síntese e interpretação dos dados.

A questão norteadora da busca foi: “qual é a aplicação do enxerto de gordura autólogo na reconstrução mamária após a realização de mastectomia em pacientes acometidos por câncer de mama?”. O levantamento dos artigos foi realizado com o uso dos bancos de dados PubMed, MEDLINE, LILACS e SciELO, em julho de 2020, sendo os descritores empregados: “breast reconstruction”; “fat grafting”; “breast cancer”, usando o operador booleano “AND”.

Para serem incluídos nesta revisão de literatura, os estudos deveriam conter informações sobre o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após mastectomia realizada para tratamento de câncer.

Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos publicados entre 2010 e 2020; artigos completos disponíveis gratuitamente; artigos em português ou inglês; ensaios clínicos, ensaios clínicos controlados randomizados e relatos de casos. Já os critérios de exclusão foram: artigos duplicados e artigos fora do tema abordado.

RESULTADOS

Foram encontrados 838 artigos nas bases de dados pesquisadas, dos quais 20 foram selecionados para a extração dos dados, com a sintetização e interpretação dos mesmos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da seleção dos artigos para análise.

As informações extraídas foram separadas nos seguintes tópicos: autor; ano; objetivo; considerações finais (Quadro 1).

Quadro 1
Sumário dos artigos incluídos.

Além disso, entre os principais pontos descritos nos artigos analisados, 17 apontaram benefícios do procedimento de enxerto de gordura autóloga, 13 comentaram sobre haver ou não correlação entre o procedimento e a recorrência de câncer, 12 falaram sobre a questão dos achados radiológicos e a sua diferenciação, e 2 apresentaram casos clínicos especiais, sendo um de reconstrução mamária masculina e outro de reconstrução após mastectomia em paciente com síndrome de Poland.

DISCUSSÃO

A gordura autóloga possui capacidade revitalizante em tecidos afetados pelo tratamento do câncer de mama, favorecendo sua restauração biológica e mecânica1010 Skendelas JP, Lee C, Mangino A, Carson WE. Unusual recurrence of breast cancer in a BRCA-variant patient after fat grafting. Clin Case Rep. 2018 Dez;6(12):2457-62.,2525 Salgarello M, Visconti G, Farallo E. Autologous fat graft in radiated tissue prior to alloplastic reconstruction of the breast: report of two cases. Aesthetic Plast Surg. 2010 Fev;34(1):5-10.. Esse material possui propriedades ideais, pois se integra aos tecidos de forma natural, visto que é autólogo, sendo biocompatível33 Mestak O, Mestak J, Bohac M, Edriss A, Sukop A. Breast reconstruction after a bilateral mastectomy using the BRAVA expansion system and fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Dez;1(8):71-5..

Dessa forma, o transplante de tecido adiposo é uma boa forma de tratar os efeitos ocasionados pelas terapias oncológicas mamárias, bem como doenças crônicas e insatisfações cosméticas, podendo ser feito de maneira única ou combinada com outras abordagens1313 Kolasinski J. Total breast reconstruction with fat grafting combined with internal tissue expansion. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2019 Abr;7(4):e2009.,1515 Fujiwara T, Yano K, Tanji Y, Nomura M. Staged prosthetic reconstruction with fat grafting for severe depressive breast deformation after breast-conserving therapy. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2018 Mar;6(3):e1717.,2424 Rigotti G, Marchi A, Stringhini P, Baroni G, Galiè M, Molino AM, et al. Determining the oncological risk of autologous lipoaspirate grafting for post-mastectomy breast reconstruction. Aesth Plast Surg. 2010 Ago;34(4):475-80..

Na reconstrução mamária por lipoenxertia, o procedimento produz mamas macias com sensação tátil suave, melhora da textura da pele, aumento da camada subcutânea e simetria superior, com recuperação do contorno natural33 Mestak O, Mestak J, Bohac M, Edriss A, Sukop A. Breast reconstruction after a bilateral mastectomy using the BRAVA expansion system and fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Dez;1(8):71-5.,1414 Sowa Y, Kodama T, Morita D, Numajiri T. Fat grafting with harvesting from zone IV in the DIEP flap. Eplasty. 2019 Mai;19:ic14.,2020 Hoppe DL, Ueberreiter K, Surlemont Y, Peltoniemi H, Stabile M, Kauhanen. Breast reconstruction de novo by water-jet assisted autologous fat grafting - a retrospective study. Ger Med Sci. 2013;11:Doc17.. Seus resultados incluem cicatrizes mínimas e eficácia na restauração simultânea de múltiplas irregularidades1414 Sowa Y, Kodama T, Morita D, Numajiri T. Fat grafting with harvesting from zone IV in the DIEP flap. Eplasty. 2019 Mai;19:ic14..

O procedimento pode ser realizado em quase todos os pacientes, visto que as contraindicações significativas são apenas para pacientes com neoplasias locais ativas ou radiodermite, podendo ser feito com anestesia local ou geral. A técnica é considerada relativamente fácil e de baixo custo, podendo ser utilizada após falha terapêutica com outros tipos de reconstrução2323 Panettiere P, Accorsi D, Marchetti L, Sgrò F, Sbarbati A. Large-breast reconstruction using fat graft only after prosthetic reconstruction failure. Aesthetic Plast Surg. 2011 Out;35(5):703-8..

Entretanto, como todo procedimento cirúrgico, algumas complicações podem ocorrer, sendo elas: pseudocistos liponecróticos, infecção, granuloma, hematoma, necrose gordurosa e fibrose1010 Skendelas JP, Lee C, Mangino A, Carson WE. Unusual recurrence of breast cancer in a BRCA-variant patient after fat grafting. Clin Case Rep. 2018 Dez;6(12):2457-62.,2020 Hoppe DL, Ueberreiter K, Surlemont Y, Peltoniemi H, Stabile M, Kauhanen. Breast reconstruction de novo by water-jet assisted autologous fat grafting - a retrospective study. Ger Med Sci. 2013;11:Doc17.,2121 Kim H, Yang EJ, Bang SI. Bilateral liponecrotic pseudocysts after breast augmentation by fat injection: a case report. Aesthetic Plast Surg. 2012 Abr;36(2):359-62.. Dentre essas complicações, as taxas de ocorrência são baixas, com a maioria podendo ser controlada por imagem de mama, evoluindo com resolução espontânea1818 Daye D, Conant E. Digital breast tomosynthesis findings after surgical lipomodeling in a breast cancer survivor. J Radiol Case Rep. 2014 Set;8(9):9-15.,2020 Hoppe DL, Ueberreiter K, Surlemont Y, Peltoniemi H, Stabile M, Kauhanen. Breast reconstruction de novo by water-jet assisted autologous fat grafting - a retrospective study. Ger Med Sci. 2013;11:Doc17..

Ademais, o procedimento de lipoenxertia apresenta perda estimada de volume após a realização do enxerto entre 25 a 43,5%, variando os resultados de acordo com diversos estudos1919 Howes BHL, Fosh B, Watson DI, Yip JM, Eaton M, Smallman A, et al. Autologous fat grafting for whole breast reconstruction. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2014 Mar;2(3):e124.. Caso uma segunda sessão seja realizada, os índices de absorção são entre 20% e 30%77 Bezerra FJF, Moura RMG, Maia Neto JD. Lipoenxertia em reconstrução mamária. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):241-6.. Outrossim, o advento da técnica de Coleman permitiu a diminuição de taxas de reabsorção de gordura e complicações44 Bennet KG, Qi J, Kim HM, Hamill JB, Wilkins EG, Mehrara BJ, et al. Association of fat grafting with patient-reported outcomes in postmastectomy breast reconstruction. JAMA Surg. 2017 Out;152(10):944-50.,1616 Stumpf CC, Biazus JV, Zucatto FSAE, Cericatto R, Cavalheiro JAC, Damin APS, et al. Reconstrução imediata com enxerto autólogo de gordura: influência na recorrência local de câncer de mama. Rev Col Bras Cir. 2017 Mar;44(2):179-86..

Em relação à questão levantada nos estudos sobre a existência ou não de correlação entre uso de gordura autóloga e recorrência de câncer, estima-se que a cada 1.000 mulheres que realizam lipoenxertia, após um ano, 7 podem desenvolver uma recaída local, enquanto a cada 1.000 que não realizam lipoenxertia, 9 podem apresentar recorrência, ou seja, ainda não se sabe o real impacto do enxerto autólogo de gordura no ressurgimento de câncer de mama, não havendo indícios significativos para ligar a lipoenxertia a novos casos de neoplasia1717 Cheng L, Han XF, Zhang C, Lv LL, Li FC. Occurrence of breast mucinous carcinoma after autologous fat grating for breast augmentation. Aesthetic Plast Surg. 2016 Fev;40(1):102-5.,2424 Rigotti G, Marchi A, Stringhini P, Baroni G, Galiè M, Molino AM, et al. Determining the oncological risk of autologous lipoaspirate grafting for post-mastectomy breast reconstruction. Aesth Plast Surg. 2010 Ago;34(4):475-80..

Após a realização da lipoenxertia, alguns relatos descreveram achados radiológicos que sugerem a formação de calcificações e nódulos nas mamas, que em um primeiro momento poderiam ser confundidos com câncer de mama1414 Sowa Y, Kodama T, Morita D, Numajiri T. Fat grafting with harvesting from zone IV in the DIEP flap. Eplasty. 2019 Mai;19:ic14.,1919 Howes BHL, Fosh B, Watson DI, Yip JM, Eaton M, Smallman A, et al. Autologous fat grafting for whole breast reconstruction. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2014 Mar;2(3):e124.. Entretanto, estudos mais recentes mostram que os radiologistas não devem ter dificuldades para distinguir entre calcificações tumorais e pós-enxerto de gordura, sendo possível tratar as complicações sem a ocorrência de deformidades pós-operatórias e preocupação com malignidade dos achados33 Mestak O, Mestak J, Bohac M, Edriss A, Sukop A. Breast reconstruction after a bilateral mastectomy using the BRAVA expansion system and fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2013 Dez;1(8):71-5.,1919 Howes BHL, Fosh B, Watson DI, Yip JM, Eaton M, Smallman A, et al. Autologous fat grafting for whole breast reconstruction. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2014 Mar;2(3):e124.. Além do mais, a USG possui um importante papel no acompanhamento de pacientes após a realização de lipoenxertia2323 Panettiere P, Accorsi D, Marchetti L, Sgrò F, Sbarbati A. Large-breast reconstruction using fat graft only after prosthetic reconstruction failure. Aesthetic Plast Surg. 2011 Out;35(5):703-8..

O enxerto autólogo de gordura também se mostra apropriado para restaurar a mama de pacientes do sexo masculino após mastectomia para retirada de câncer de mama. Devido às características da parede torácica masculina, esse procedimento pode oferecer resultados mais satisfatórios e naturais, uma vez que as próteses são desenhadas para pacientes femininas22 Al-Kalla T, Komorowska-T E. Total male breast reconstruction with fat grafting. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2014 Nov;2:e257..

Além disso, em pacientes com síndrome de Poland associada à câncer de mama, a lipoenxertia deve ser reservada para restaurar defeitos infraclaviculares e do pilar axilar anterior, devendo ser realizada apenas após um cuidadoso exame pré e pós-operatório, com a realização de exames de mamografia, ecografia e ressonância magnética, se indicado2222 Mojallal A, La Marca S, Shiphov C, Sinna R, Braye F. Poland syndrome and breast tumor: a case report and review of the literature. Aesthet Surg J. 2012 Jan;32(1):77-83..

CONCLUSÃO

Através da revisão foi possível constatar que o uso de gordura autóloga na reconstrução mamária é um procedimento bem estabelecido, consistindo em uma boa técnica, gerando bons resultados, como mamas suaves, melhora na textura da pele, aumento da camada subcutânea, simetria e recuperação do contorno natural. Esses resultados auxiliam na melhora da qualidade de vida dos pacientes submetidos ao procedimento, visto que possuem benefícios psicossociais.

Entretanto, a lipoenxertia pode causar complicações como pseudocistos, infecção, granuloma, hematoma, fibrose, necrose gordurosa e isquemia local. Assim, é importante que o cirurgião plástico tenha experiência na realização do procedimento, a fim de aplicar a técnica correta, diminuindo os riscos de complicações. Além disso, é importante que os radiologistas que acompanhem o caso sejam bem treinados, podendo interpretar os achados radiográficos com maior acurácia.

Outrossim, é importante que haja a realização de mais estudos a longo prazo, com apoio das Sociedades de Cirurgia Plástica, a fim de entender se existe uma real correlação entre ressurgimento de câncer de mama com o uso de gordura autóloga em reconstruções mamárias, garantindo maior entendimento e segurança sobre o procedimento.

  • Instituição: Universidade de Vassouras, Curso de Medicina, Vassouras, RJ, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2020
  • Aceito
    23 Abr 2021
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