Este número 30 da Machado de Assis em linha traz o signo da poesia e da juventude de Machado de Assis, que têm despertado atenção crescente entre estudiosos do autor.
O artigo de abertura, de Pablo Rocca, da Universidad de la República, de Montevidéu, Uruguai, destaca as tentativas de aproximação do jovem jornalista e poeta dos seus pares da América Hispânica. Em “Diálogo entrecortado: Machado de Assis, a língua e a poesia hispano-americana”, Rocca remete ao conceito de “anacronismo deliberado”, de Jorge Luis Borges, para mostrar como as polêmicas sobre a autonomia da língua literária das ex-colônias espanholas, que Machado acompanhou de seu observatório carioca, rebatem na visão de língua literária expressa em escritos como “Instinto de nacionalidade” (1873).
Em “A história de Francisco Gonçalves Braga: o primeiro mestre de Machado De Assis”, Wilton José Marques, da Universidade Federal de São Carlos, faz uma minuciosa reconstituição das relações pessoais e literárias de Machado com o poeta português, que viveu no Rio de Janeiro por seis anos e é considerado como o "primeiro mestre" do autor de Crisálidas (1864), referido em vários de seus escritos.
As relações entre editores e poetas, e as estratégias de reconhecimento e valorização recíproca, são assunto também de “Um caso de legitimação: Teixeira e Sousa por Machado de Assis (e Paula Brito)”. Cristiane Nascimento Rodrigues, doutoranda na Universidade Federal de São Carlos, mostra o que seria a ação coordenada de Machado e seu primeiro editor, Paula Brito, no elogio de Teixeira e Sousa, com a escrita e publicação do poema “O gênio adormecido” (1855).
A respeito desses três primeiros textos, cabe lembrar o que Antonio Candido escreveu sobre a pesquisa excepcional de Jean-Michel Massa a respeito das primeiras décadas da vida literária de Machado de Assis: “Um mundo apenas vislumbrado saiu então da sombra, delineando o ambiente no qual começou a carreira de Machado de Assis, cuja biografia se completava assim pela história do seu amadurecimento intelectual.” (CANDIDO, apud MASSA, 2009CANDIDO, Antonio. “Prólogo”. Apud MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis, 1839-1870: ensaio de biografia intelectual. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. 2a ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009., p. 12)
Fora do terreno da poesia, mas ainda no campo dos escritos pré-Brás Cubas, Priscila Salvaia, doutora pela Universidade Estadual de Campinas, explora em “Sobre amor e ‘fria eleição do espírito’” as relações entre a trajetória de Guiomar, de A mão e a luva, e os discursos sobre a condição feminina dos inícios da década de 1870 veiculados por periódicos como O Globo, no qual o romance saiu pela primeira vez como romance-folhetim.
Por fim, “O lugar das ideias liberais nas Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Elvis Paulo Couto, procura caracterizar os modos como a imaginação literária de Machado de Assis figura o “triunfo do liberalismo” no romance. Com isso, Couto questiona a leitura do romance como crítica contundente aos usos e abusos das ideias liberais pela elite brasileira oitocentista, defendida por Roberto Schwarz em Um mestre na periferia do capitalismo.
A seção “Da tradição crítica”, que tradicionalmente abre a revista, homenageia neste 30o número Lêdo Ivo, com a publicação de “Os braços de Dona Severina”. No artigo de 1963, o poeta, ficcionista e ensaísta traça linhas de continuidade entre “Uns braços” e “Missa do galo”, destacando o que há de poético na prosa machadiana. Como destaca Marcelo Diego, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na sua apresentação do ensaio, Ivo mostra nesse texto a força do seu talento ensaístico, ao desvelar as relações entre jogo erótico e fome de absoluto na escrita machadiana.
Boas leituras!
Referência
- CANDIDO, Antonio. “Prólogo”. Apud MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis, 1839-1870: ensaio de biografia intelectual. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. 2a ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Ago 2020 -
Data do Fascículo
May-Aug 2020
