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Ética médica e formação do médico

Resumo

O novo Código de Ética Médica entrou em vigor em 2019, por meio da Resolução CFM 2.217/2018. Este artigo aborta as orientações desse documento, buscando identificar se elas refletem mudanças ocorridas na sociedade e como conceitos éticos ensinados durante a formação médica impactam a prática profissional. Com caráter qualitativo de dados primários e secundários, a amostra compôs-se de 15 entrevistas com roteiro semiestruturado selecionadas pelo critério “bola de neve”. Os participantes são médicos do Programa de Residência Médica do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Compreendeu-se que os preceitos do código são consonantes aos direitos humanos e à bioética. Ademais, a ética ministrada durante a formação mostrou-se insuficiente para os profissionais. Conclui-se que, por ter força de lei e ser respaldado por princípios morais, o Código de Ética Médica propicia a normatização da atuação médica, no entanto uma conduta médica pautada nas diretrizes éticas requer atualização profissional.

Códigos de ética; Ética médica; Educação médica

Abstract

The new Medical Code of Ethics entered into force in 2019, with the Resolution CFM 2.217/2018. This article focusses on the directives of this document, seeking to identify if they reflect changes in the Society and how the ethical concepts taught during training impact the professional practice. Of qualitative character of primary and secondary data, the sample comprised 15 semi-structured interviews selected with by snowball sampling. The participants are doctors of the residency program of the Complex of the Clinical Hospital of the Federal University of Paraná. We understood that the precepts of the code adhere to human rights and to bioethics. Furthermore, the ethics taught during training was insufficient for the professionals. We concluded that, for having force of law and being based on moral principles, the Medical Code of Ethics fosters the normalization of the medical action; however, a medical conduct based on the ethical directives requires a professional update.

Codes of Ethics; Ethics, medical; Education, medical

Resumen

El nuevo Código de Ética Médica entró en vigor en 2019 mediante la Resolución CFM 2.217/2018. Este artículo aborda los lineamientos de este documento, buscando identificar si reflejan cambios en la sociedad y cómo los conceptos éticos tratados durante la formación médica impactan la práctica profesional médica. La muestra cualitativa con datos primarios y secundarios constó de 15 entrevistas semiestructuradas, seleccionadas por el criterio “bola de nieve”. Los participantes fueron los médicos del Programa de Residencia Médica del Complejo Hospital de Clínicas de la Universidad Federal de Paraná. Los preceptos del código resultaron estar acordes con los derechos humanos y la bioética. Pero es insuficiente la ética que se aborda en la formación. Así, por tener fuerza de ley y fundamentarse en principios morales, el Código de Ética Médica dispone de la regulación de la práctica médica, sin embargo, una conducta médica basada en lineamientos éticos requiere actualización profesional.

Códigos de ética; Ética médica; Educación médica

A atuação médica compreende a relação médico-paciente, a competência clínico-cirúrgica e o aprimoramento contínuo do aprendizado, a fim de assegurar uma assistência de qualidade, baseada na ética hipocrática, na ética normativa e na ética deontológica 11. Neves NC. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2006 [acesso 3 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/391MBVU
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. Assim, o aperfeiçoamento médico, tanto prático quanto teórico, é indispensável para um atendimento holístico oportuno.

Por conseguinte, é notório o mérito da medicina baseada em evidências como parâmetro para orientações da conduta médica na atualidade, visto que as diretrizes explicitam o manejo mais adequado na atenção em saúde do ponto de vista ético. Assim, em consonância com as diretrizes científicas pautadas nos princípios éticos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a última atualização do Código de Ética Médica (CEM) no Brasil.

O novo CEM (2018) 22. Fürst H. As principais alterações no Novo Código de ética Médica Brasileiro: parte 2. JusBrasil [Internet]. 2019 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3NdJicW
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3. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020.
- 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. entrou em vigor em 1º de maio de 2019, consolidando-se como o documento mais atual do gênero. Isto posto, o CEM elucida e normatiza os direitos atestados e os deveres estipulados aos médicos, resguardando tanto médicos quanto pacientes. Com isso, nota-se que os princípios éticos profissionais são continuamente estimulados a atualizar-se, a fim de salvaguardar os direitos e deveres profissionais no contexto social 55. Soares FJP, Shimizu HE, Garrafa V. Código de Ética Médica brasileiro: limites deontológicos e bioéticos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 9 jun 2021];25(2):244-54. DOI: 10.1590/1983-80422017252184 . Assim, o CEM zela pela coerência jurídica e pelo compromisso com a saúde, com os direitos humanos e com a bioética 66. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos [Internet]. Paris: Sessão da Conferência Geral; 2005 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3wMwmnb
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.

Vale salientar que aos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) cabe a supervisão da ética profissional, de modo que as condutas médicas, sem o devido cumprimento normativo ético, estão sujeitas à responsabilização punitiva previstas na Lei 3.268/1957 77. Brasil. Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, p. 23.013, out 1957 [acesso 9 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3advmkx
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. Tal responsabilização compreende desde advertências até cassação do exercício profissional. Apenas a título de esclarecimento, os processos ético-profissionais submetem-se aos CRM, não obstante as responsabilidades sujeitas a sanções civis e penais submeterem-se aos tribunais de Justiça 88. Lino MSB, Lima JB, Munhoz KS, Pena Neto RO, Nascimento EP, Souza LFA et al. Avaliação da percepção médica acerca dos aspectos éticos-legais envolvidos no exercício da medicina no Brasil. Colloquium Vitae [Internet]. 2017 [acesso 9 jun 2021]; 9(esp):39-50. Disponível: https://bit.ly/3m6Fy0P
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.

No que tange à nova edição do CEM (Resolução CFM 2.217/2018) 99. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, n. 211, p. 179, 1 nov 2019 [acesso 9 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3MbOz3i
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aprovada a partir do consenso entre os mais influentes especialistas e representantes de associações médicas e gestores dos conselhos nacionais, cabe salientar um sutil, mas substancial progresso em relação ao código anterior (Resolução CFM 1.931/2009) 1010. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 9 jun 2021]. Seção I. Disponível: https://bit.ly/3yEGi53
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, na medida em que o novo código foi intencionalmente redigido de modo mais claro, preciso e assertivo, proporcionando redução de viés interpretativo 1111. Simonelli O. Novo código de ética médica: Resolução CFM nº 2.217/18: quadro comparativo. Formação Direito Médico [Internet]. 2019 [acesso 20 abr. 2019]. Disponível: https://bit.ly/3Ma7TOj
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.

Haja vista a relevância médico-jurídica trazida pela publicação do CEM/2018, esta pesquisa pretende discutir o impacto do conhecimento das diretrizes éticas no contexto de formação e atuação médica 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. . Assim, busca-se refletir sobre a qualidade da formação médica no âmbito da disciplina ética, bem como discutir se os preceitos presentes no CEM/2018 estão em concordância com as demandas da sociedade atual. Por conseguinte, analisa a importância que os médicos recém-formados creditam ao conhecimento da ética médica para a boa prática profissional, pautada na relação médico-paciente 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. .

O estudo, de natureza qualitativa, aborda o tema da ética médica e a formação do médico a partir de entrevistas semiestruturadas com médicos do primeiro ano do Programa de Residência Médica do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC/UFPR). A priori , o seleto grupo pesquisado justifica-se pela singularidade de serem médicos formados por distintas universidades brasileiras, além de configurarem a parcela “mais próxima” da graduação médica. Assim, a verossimilhança do aprendizado ético teórico construído ao longo da graduação contrapõe-se com mais nitidez ao domínio ético da prática profissional.

Objetivo

O objetivo deste artigo é avaliar qualitativamente o nível de conhecimento de residentes do primeiro ano das especialidades de clínica médica (CM) e Medicina da Família e Comunidade (MFC) do Programa de Residência médica do CHC/UFPR a respeito do CEM. Ademais, a partir de revisão bibliográfica de artigos científicos sobre a temática ética médica, pretende-se ampliar a análise dos resultados encontrados no contexto da formação médica.

Método

O estudo consiste em pesquisa aplicada, de natureza qualitativa, com caráter transversal, exploratório e descritivo de dados primários e secundários. O cerne do material de estudo foi extraído de entrevistas guiadas por roteiro semiestruturado 1212. Minayo MCS, Deslandes SF, Cruz Neto O, Gomes R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Vozes; 1994. constituído de três tópicos, quais sejam: 1) identificação; 2) percepção do ensino da ética médica; e 3) conhecimento do CEM.

Toda a pesquisa foi realizada mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos participantes. O roteiro semiestruturado e o TCLE foram compilados a fim de que o primeiro direcionasse as entrevistas a uma coleta de dados específica, compreendendo a análise central, e de que o segundo salvaguardasse os direitos dos entrevistados.

Visto que o estudo qualitativo é sui generis em suas conclusões, os resultados apresentam caráter atual, inédito, inovador e, portanto, adequado ao objetivo da pesquisa, na medida em que não se pretende buscar ou identificar o fenômeno, mas, sim, captar e compreender o significado individual e/ou coletivo deste para a vida das pessoas 1313. Turato ER. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev. saúde pública [Internet]. 2005 [acesso 9 jun 2021];39(3):507-14. DOI: 10.1590/S0034-89102005000300025 . Assim, a pesquisa interpreta o fenômeno com base em seu significado para os entrevistados 1414. Turato ER. Introdução à metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: definição e principais características. Rev Port Psicossom [Internet]. 2000 [acesso 9 jun 2021];2(1):93-108. Disponível: https://bit.ly/3xazZoo
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.

Logo, o modelo qualitativo explora e possibilita maior abertura temática para o entrevistado, aprofundando o assunto, ao explorar itens que normalmente estão envolvidos em pesquisas quantitativas. Este estudo vem ao encontro das últimas publicações acerca da temática ética e agrega conteúdo inédito, ao promover a discussão acerca das novas diretrizes, trazendo relatos, experiências, conflitos e desafios éticos de residentes do CHC/UFPR.

Os participantes da pesquisa cursavam, necessariamente, o primeiro ano nas especialidades de CM ou MFC do Programa de Residência médica do CHC/UFPR. A lista daqueles aptos a participar do estudo foi disponibilizada pela Comissão de Residência Médica (Coreme) do CHC/UFPR. A seleção do primeiro participante ocorreu a partir da escolha aleatória de um residente efetivamente matriculado em uma dessas duas carreiras médicas.

Posteriormente, o escopo da amostragem seguiu o método “bola de neve” 1515. Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas [Internet]. 2014 [acesso 9 jun 2021];22(44): 203-20. DOI: 10.20396/tematicas.v22i44.10977 . A partir de um roteiro semiestruturado, as entrevistas foram realizadas pessoalmente e, depois, utilizou-se o telefone como meio de comunicação para eventuais esclarecimentos, totalizando uma troca informacional individual de, em média, 40 minutos. Em um segundo momento, as informações coletadas foram subdivididas por conteúdo abordado e identificadas por códigos, para, então, realizar-se uma análise direcionada e otimizada. Os conteúdos mais relevantes e as respostas mais incidentes dos participantes foram transcritos em sua literalidade. A partir de uma condução semidiretiva e de uma entrevista compreensiva 1616. Kaufmann JC. A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo. Maceió: Edufal; 2013. , extraiu-se, das nuances do diálogo, maior profundidade de conteúdo, minimizando as respostas de cunho superficial.

Salienta-se que a amostra foi definida de acordo com a saturação teórica para métodos qualitativos 1717. Fontanella BJB, Magdaleno R Jr. Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicol Estud [Internet]. 2012 [acesso 9 jun 2021];17(1):1763-71. Disponível: https://bit.ly/3mr4Wih
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. Destarte, a partir do momento em que as entrevistas permitiram obter respostas de cunho repetitivo, inferiu-se a saturação teórica da amostra, interrompendo oportunamente a participação de mais entrevistados.

A amostra documental compôs-se de 15 entrevistas no total, e a participação na pesquisa foi voluntária e facultativa. No entanto, dadas a existência de um discurso incoerente e contraditório em relação à temática e outras duas desistências formais, de retirada do consentimento, o compilado final deste trabalho consiste em 12 entrevistas validadas e com conteúdo condizente com o tema. Ainda que, em números absolutos, a amostra seja pequena, o ganho científico respalda-se no caráter qualitativo, pois este reside na profundidade, e não na extensão 1616. Kaufmann JC. A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo. Maceió: Edufal; 2013. .

A revisão bibliográfica de artigos científicos com finalidade comparativa, para analisar os resultados encontrados, foi realizada nas bases eletrônicas SciELO, Medline, PubMed, Lilacs e Cochrane, mediante a utilização de palavras-chave “Código de ética” (“ Codes of ethics ”), “Ética médica” (“ Ethics, medical ”) e “Educação médica” (“ Education, medical ”) e seus respectivos sinônimos.

Após avaliação crítica e sistemática acerca da consistência de evidência científica, selecionaram-se artigos que continham discussões a respeito da formação médica e do respectivo conhecimento ético profissional baseado no CEM, concomitantemente à utilização de base conceitual e argumentativa de livros publicados na área de educação médica.

Evolução dos ditames éticos

Na clássica Ágora da Grécia antiga, Sócrates (século V a.C.) inaugurou o conceito da ética publicamente. Em razão do método da maiêutica fundada em questionamentos, o filósofo incitou o processo de reflexão sobre os valores individuais e os ditames morais vigentes – da virtude e do bem –, porquanto compreendia que o homem ético não subverte sua moral, seja pelas circunstâncias, seja por capricho de outrem, pois tem domínio de seus fundamentos e de sua finalidade. Logo, aquele que desfruta de valores morais genuínos tem consciência e capacidade de pensar ativamente, questionar e reavaliar os próprios atos. Em suma, é senhor de seu processo de tomada de decisão 1818. Yabiku RM. Ética, Direito e justiça: Sócrates e Platão contra os sofistas. Revista Jus Navigandi [Internet]. 2011 [acesso 9 jun 2021];16(3104). Disponível: https://bit.ly/3MjSprq
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.

Outrossim, como destaca Neves, segundo Platão (428 a.C.), A ética é hábito, arte, de fazer o bem, que torna bom aquilo que é feito e quem o fez 11. Neves NC. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2006 [acesso 3 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/391MBVU
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. Pormenorizando, subentende-se que os preceitos morais são inatos ao indivíduo; e o hábito, por sua vez, permite aperfeiçoá-los. Em seus escritos, Platão pressupõe que uma civilização ideal proporcionaria felicidade a todo indivíduo, à medida que se constituiria de um ambiente social em que cada cidadão exerceria a atividade profissional de acordo com suas virtudes e aptidões inerentes. Assim, a aptidão ética é ampla, mas específica e indissociável do indivíduo.

Nesse sentido, a característica idiossincrática da ética tem correlação intrínseca com a virtude moral, a honra e o caráter. Notadamente, guerreiros e políticos eram providos dos mais nobres atributos morais e, em contrapartida, escravos não eram nem dignos do direito cívico. É, pois, imprescindível não desvincular os conceitos filosóficos do dogma político-social da época.

Em última análise, a noção de justiça social grega é satisfeita, justamente, quando se alcança o status de harmonia entre as diferentes classes sociais – em que cada atributo ético humano é expresso em prol da sociedade. Assim, um exímio e reto profissional comportava-se corretamente, sem quaisquer necessidades de recomendações de conduta. Logo, não se compreendia a ética como se entende atualmente – dependente de acordos prévios específicos e compilados como normativas em um código de ética 1818. Yabiku RM. Ética, Direito e justiça: Sócrates e Platão contra os sofistas. Revista Jus Navigandi [Internet]. 2011 [acesso 9 jun 2021];16(3104). Disponível: https://bit.ly/3MjSprq
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19. Egg RFR. Ética nas organizações [Internet]. Curitiba: Iesde; 2009 [acesso 9 jun 2021]. História da ética; p. 5-12. Disponível: https://bit.ly/3GLjC4N
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20. Miranda AG. A história dos códigos de ética médica. Medicina CFM [Internet]. 2009 [acesso 9 jun 2021];24(177):22-3. Disponível: https://bit.ly/3xczDOi
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- 2121. Calgaro C, Biasoli LF, Erthal CA, organizadores. Ética e direitos humanos [Internet]. Rio Grande do Sul: Educs; 2016 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3MdX51P
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.

Hipócrates, médico grego e contemporâneo aos mesmos filósofos, é universalmente reconhecido como o pai da medicina 11. Neves NC. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2006 [acesso 3 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/391MBVU
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. No entanto, foi Percival, médico inglês do século XVIII, quem publicou o primeiro código de ética médica 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 2222. . Medical ethics; or a code of institutes and precepts adapted to the professional conduct of physicians and surgeons. Prov Med Surg J [Internet]. 1849 [acesso 9 jun 2021];13(26):711-2. Disponível: https://bit.ly/397Djr9
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. Nessa conjuntura, vale ressaltar que a ética é um conceito amplo, referente ao comportamento moral do indivíduo na sociedade, e a ética médica, por sua vez, restringe o foco de atenção apenas ao comportamento moral do médico em seu exercício profissional.

Contudo, foi apenas a partir da segunda metade do século XX que a carreira médica se desvencilhou da ética clássica, ao passo que tanto o exercício da cidadania quanto a consciência do direito à decisão compartilhada no processo de doença exigiram não mais um profissional virtuoso, mas, sim, hábil e competente para o bom exercício da profissão 2323. Barros EA Jr. Código de Ética Médica comentado e interpretado: Resolução CFM 2.217/2018 [Internet]. Timburi: Cia do eBook; 2019 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xcHprx
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No contexto mundial, gradativamente, os direitos humanos estabeleceram-se como cerne para edificação de um conceito mais universal de ética médica, pois, em função do pluralismo das nações, das inúmeras referências culturais e das diversas tradições morais, torna-se necessária uma convergência da concepção ética, a fim de salvaguardar os princípios médicos comuns e condizentes com a integridade e a dignidade humanas.

Outro ponto de destaque é a Declaração de Genebra 2424. World Medical Association. WMA Declaration of Geneva. 68th WMA General Assembly. Chicago: United States, October 2017 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3m8KKBt
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, datada de 1948, uma das mais consistentes políticas da Associação Médica Mundial (AMM), considerada um dos documentos centrais da ética médica, na medida em que visa à estrutura do juramento médico no ingresso à profissão. Baseia-se, pois, nos princípios do Juramento de Hipócrates e, atualmente, é conhecida como a versão moderna do compromisso dos médicos com os princípios humanitários da medicina.

Em 2017, o Conselho da AMM aprovou uma versão de revisão preliminar para consulta pública, com o intuito de editar a próxima atualização dos preceitos éticos internacionalmente reconhecidos. Ademais, a Declaração de Genebra não raro é incorporada ao CEM de diferentes nações ou utilizada como referência para compilação de tais códigos.

Vale ressaltar, também, que o último Código de Ética Internacional, intitulado 57th WMA General Assembly , traz itens sobre a conduta médica ética, sendo composto por três grandes tópicos: 1) os deveres dos médicos em geral; 2) os deveres dos médicos com os pacientes; e 3) os deveres dos médicos com seus colegas 2525. World Medical Association. WMA International Code of Medical Ethics [Internet]. Ferney-Voltaire: WMA; 2006 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xbYp11
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De modo suscinto, infere-se que o CEM valida e assegura a qualidade da assistência em saúde, porquanto, como força de lei e respaldado pelos princípios morais, propicia a normatização da atuação médica. No entanto, a permanência de uma conduta médica pautada em diretrizes éticas modernas requer que, de tempos em tempos, o CEM seja atualizado.

Em âmbito nacional, em 2016, teve início uma intensa discussão entre membros do CFM, dos CRM, especialistas e representantes das Associações Médicas Brasileiras, então participantes da III Conferência Nacional de Ética Médica (Conem), que culminou na aprovação do novo CEM, em 2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. . Essa atualização entrou em vigor em 1º de maio de 2019, por meio da Resolução CFM 2.217/2018 99. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, n. 211, p. 179, 1 nov 2019 [acesso 9 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3MbOz3i
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, revogando, pois, o código anterior (Resolução CFM 1931/2009) 1010. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 9 jun 2021]. Seção I. Disponível: https://bit.ly/3yEGi53
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Cabe destacar que são nove os códigos de ética médica editados Brasil 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 1111. Simonelli O. Novo código de ética médica: Resolução CFM nº 2.217/18: quadro comparativo. Formação Direito Médico [Internet]. 2019 [acesso 20 abr. 2019]. Disponível: https://bit.ly/3Ma7TOj
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, 2323. Barros EA Jr. Código de Ética Médica comentado e interpretado: Resolução CFM 2.217/2018 [Internet]. Timburi: Cia do eBook; 2019 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xcHprx
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. Logo, os fundamentos éticos médicos são continuamente revisados, com base em evidência, reforçando a notória relevância da relação médico-paciente para a sociedade.

Pontualmente, algumas das principais alterações no CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. referem-se à incorporação explícita de proteção à sociedade; respeito ao paciente mesmo após sua morte, assegurando maior proteção à dignidade e à integridade do ser humano; determinação da utilização dos melhores meios técnicos e científicos disponíveis no ambiente de trabalho, tanto para promoção à saúde quanto para prevenção; inclusão do médico portador de alguma deficiência em relação ao pleno direito de praticar a medicina sem prejuízo à segurança dos pacientes.

Além disso, o CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. determinou ser dever do médico, quando for obrigação deste, atender em setores de urgência e emergência. Houve, também, expressa inclusão do dever médico com seus colegas de profissão, garantindo respeito, consideração e solidariedade. Por fim, o código trouxe a obrigatoriedade de atentar às normas específicas do CFM a respeito da utilização dos canais de comunicação digital 99. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, n. 211, p. 179, 1 nov 2019 [acesso 9 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3MbOz3i
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10. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 9 jun 2021]. Seção I. Disponível: https://bit.ly/3yEGi53
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- 1111. Simonelli O. Novo código de ética médica: Resolução CFM nº 2.217/18: quadro comparativo. Formação Direito Médico [Internet]. 2019 [acesso 20 abr. 2019]. Disponível: https://bit.ly/3Ma7TOj
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Assim, esta seção edifica-se como suporte ao objetivo deste trabalho, que trata, em primeira análise, do CEM e, depois, da correlação com o aspecto formativo médico diante do estudo da ética ao longo da graduação. Os aspectos singulares da conceituação temática complementam-se ao resultado do estudo, tornando-se, pois, crucial o esclarecimento histórico, a fim de direcionar, com eficácia, os esforços de análise pontual da ética médica na sociedade atual.

Estudo ético

Contexto da graduação médica

No panorama mundial, no que se refere à formação médica, a AMM recomendou a inclusão universal da ética médica e dos direitos humanos como conteúdos obrigatórios à graduação médica 2626. World Medical Association. Medical Ethics Manual [Internet]. 3ª ed. Ferney-Voltaire: WMA; 2015 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3NfWfTt
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, visto que a associação intenciona promover os mais altos padrões e comportamento ético na profissão médica. A AMM e suas comissões revisam continuamente questões éticas emergentes, regulamentando e atualizando as políticas existentes. Logo, institui políticas globais voltadas a questões de cunho ético concernentes a profissionalismo médico, assistência ao paciente, pesquisa sobre seres humanos e saúde pública.

Indo ao encontro dos ditames internacionais, o Ministério da Educação (MEC), órgão do Governo Federal do Brasil fundado em 1930 2727. Brasil. Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930. Cria uma Secretária de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Diário Oficial da União [Internet]. Rio de Janeiro, p. 20833, 18 nov 1930 [acesso 20 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3x4mHIU
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, durante o Governo Getúlio Vargas, divulgou a Resolução CNE/CES 3/2014 2828. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 3 de 20 de junho de 2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 2014 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/37G86uH
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, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Destarte, entre as determinações da formação do médico generalista, destaca-se a atuação profissional pautada em princípios éticos na perspectiva da integralidade da assistência de promoção a saúde, fundamentando-se, então, no senso de responsabilidade social e no compromisso com a cidadania.

Ressalta-se que as universidades brasileiras têm a discricionariedade para montar o próprio projeto pedagógico, no entanto, devem respeitar orientações gerais emanadas pelo MEC, que se apresentam em consonância com os ditames da AMM.

Encerram-se, a partir do escopo literário supracitado, as discussões acerca das principais resoluções e decretos que fundamentam a educação médica no Brasil, pautada na qualidade da atenção em saúde, notadamente no que alude ao campo da ética profissional. Ainda que o estudo da ética esteja presente na graduação, as infrações éticas permeiam a realidade da carreira médica.

Programa de residência médica

No tocante à residência médica, regulamentada pelo Decreto 80.281/1977 2929. Brasil. Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 6 set 1977 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xdG57O
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, esta se apresenta como modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos na forma de curso de especialização. Além do decreto, foi criada a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), para fiscalização das residências médicas no Brasil.

De acordo com o CNRM, no ano de 2018, segundo dados do Sistema da Comissão Nacional de Residência Médica (SisCNRM), havia 26.094 vagas autorizadas para ingresso no primeiro ano de residência médica (R1) no Brasil, levando em consideração todas as especialidades médicas 3030. Scheffer M, coordenador. Demografia médica no Brasil 2020 [Internet]. São Paulo: FMUSP. 2020 [acesso 15 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/3zRqHQ2
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. Destas, no estado do Paraná, havia 1.511 vagas 3131. Brasil. Ministério da Educação. Evolução do número vagas de Residência Médica autorizadas no Brasil: 2014 à 2018 (todas as especialidades R1). Brasília: MEC; 2018 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3NclvtV
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.

No contexto do CHC/UFPR, a Coreme, como instância auxiliar da CNRM, supervisiona e avalia programas de residência médica (PRM) da instituição, cuja gestão se respalda por normas da CNRM, do CHC/UFPR e por seu regimento interno. Sendo assim, como instância responsável, a Coreme, por meio do Edital do PRM do CHC/UFPR 2019, assegura 24 vagas para R1 na especialidade de CM e 20 vagas para R1 em MFC 3232. Universidade Federal do Paraná, Comissão de Residência Médica. Edital nº 71/2019 [Internet]. Curitiba: UFPR; 2020 [acesso 15 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/3O9Giyz
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. Logo, o número total de possibilidades da amostra de pesquisa foi de 44 médicos R1 do PRM do CHC/UFPR.

Assim, após findar o processo de contextualização básica em que se insere o grupo seleto de participantes deste estudo, é possível discutir com mais propriedade os pontos notadamente relevantes à análise.

Resultados

O estudo de campo desta proposta científica compôs-se de entrevistas, com roteiro semiestruturado, de 15 médicos residentes efetivamente matriculados no primeiro ano do PRM do CHC/UFPR, divididos entre duas especialidades médicas, clínica médica e medicina da família e comunidade. Contudo, diante da presença de um discurso incoerente e contraditório em relação à temática e de duas desistências formais de retirada do consentimento, ainda durante a fase de elaboração deste trabalho, o número de entrevistas validadas e com conteúdo condizente com o tema reduziu-se para 12 participantes, identificados com o codinome R01 a R12. Destes, sete médicos pertenciam à especialidade de CM, e cinco, à especialidade de MFC.

Destaca-se que o enfoque do estudo é o conhecimento prévio, adquirido ao longo da graduação ou no exercício profissional imediatamente depois desta (anterior ao 1º ano da residência médica do CHC/UFPR), acerca do CEM e suas atualizações. Portanto, não se busca, aqui, divulgar dados como sexo, idade ou a instituição de aquisição do título médico dos participantes envolvidos, a fim de preservar a identidade destes.

A partir da extração de conteúdo dos participantes, a orientação da análise descritiva para análise explicativa 3333. Franco MLPB. Análise de conteúdo. 4ª ed. Brasília: Liber Livro; 2012. , 3434. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. foi concebida por divisão em cinco categorias, eleitas com base nos maiores padrões de expressões-chave e correlatas entre as respostas expostas. São elas: C1) ensino ético ao longo da graduação médica; C2) desatualização sobre a temática CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. ; C3) oportunidade prática de utilizar os princípios do CEM graças a conhecimento prévio; C4) necessidade da participação de preceptores ou médicos mais experientes para conduzir um caso ético; e C5) capacidade de comentar uma atualização do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Categorização das respostas dos médicos residentes do primeiro ano do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná das duas especialidades pesquisadas

As porcentagens da Tabela 1 foram calculadas a partir da frequência de ocorrência de conteúdos explicitados/quantidade de residentes entrevistados. Posteriormente, foram registradas nas categorias criadas (com seus respectivos significados), observando-se, também, a distribuição por especialidades. Portanto, o foco da análise recai no conhecimento prévio e formativo acerca do CEM e no domínio deste para a prática do ato médico. Assim, optou-se pela análise-chave da formação médica, somada às categorias excludentes, quais sejam: atualização versus desatualização do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. ; e domínio do CEM para manejo clínico versus necessidade de outrem para condução de caso ético.

Apresentados os principais resultados quanto ao domínio do conhecimento ético pelo grupo entrevistado de R1 do CHC/UFPR e quanto à questão em análise de familiaridade com o CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. , passa-se, então, à discussão dos resultados destacados.

Discussão

Conhecimento ético no cenário médico do CHC/UFPR

Neste tópico, o cerne da análise é o ensino ético ao longo da graduação médica (categorização C1), incluindo desatualização temática (categorização C2) e, por fim, necessidade da presença de médico mais experiente para conduzir um caso clínico com enfoque ético (categorização C4). Por conseguinte, a partir da análise das coocorrências 3434. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. , destaca-se a questão da ética médica no contexto de formação do médico.

Com a finalidade de iniciar a análise dos resultados, vale ressaltar que, segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), entre 2001 e 2011, a totalidade dos processos ético-profissionais naquele estado aumentaram em 302%. Em primeira análise, tal fato se associa a penalidades, mais especificamente àquelas decorrentes da má prática e da precária formação médica atual 3535. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Ética médica [Internet]. 2012 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3NqgKwI
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. Os resultados apresentados pelo CFM na pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil corroboram o descrédito com a educação e a formação médica brasileira. Os dados mais expressivos publicados são: 16,5% dos médicos brasileiros desconhecem a existência do CEM e 81,5% dos profissionais revelam ceticismo quanto aos rumos da prática médica 3636. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Código de Ética do estudante de medicina [Internet]. 4ª ed. Brasília: CRMDF; 2006 [acesso 15 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/3zM2B9m
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.

Nesse contexto, a pesquisa de campo apresenta informações convergentes, como: prevalência de 25% de respostas que apontam a desatualização quanto às normativas do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. . Esses jovens médicos, com proposições similares, em sua totalidade, apontam o fato como uma sequela do limitado aprendizado da ética ao longo da graduação médica.

“É… eu desconheço o ano da última atualização do Código de Ética. (…) o estudo ético não foi prioridade, com certeza não foi o tema mais abordado durante os anos da minha graduação. Existiam matérias que eu precisava dominar antes, mas no fim esqueci das questões éticas que envolvem a prática médica” (Residente R04/categorização C2).

De modo confluente, um total de 33,4% de discursos cita a insuficiência do ensino ético formativo, a despeito da alta relevância conceitual para a vida profissional.

“Desde a graduação, sinto uma falta de confiança para discutir sobre ética médica. Acho que pela pouca bagagem de conhecimento na área. Mesmo hoje, com uma percepção maior da importância de uma boa formação teórica, eu não tenho domínio amplo sobre os direitos e deveres profissionais, se não o básico sigilo. Meu tempo é direcionado para outras atualizações” (Residente R01/categorização C1).

“A importância da ética na faculdade de medicina é subjugada pelos alunos e não tão valorizada, como outras disciplinas, pelos professores. Mas essa falha no ensino a gente só percebe que tem na hora da vida prática, quando bate aquela ansiedade por não saber como proceder” (Residente R12/categorização C1).

As duas categorias anteriores em análise corroboram frequência de 50% de discursos que evidenciam a necessidade da presença de outrem para finalizar a própria conduta, como exposto a seguir:

“Eu não só vivenciei (…), como tive que pedir auxílio de colegas médicos para me orientar na hora. Não decidi sozinho. Os médicos que são mais velhos no serviço acabam ajudando muito, principalmente nesses momentos de dúvida” (Residente R05/categorização C4).

“Olha que nem faz muito tempo… fui discutir o caso para garantir a conduta mais adequada. Tive que aprender na prática mesmo a me resguardar. Porque, com certeza, não é a área médica que mais sei” (Residente R08/categorização C4).

Com base no exposto, é possível notar que o despreparo médico no campo ético é reflexo de anos de uma graduação com reduzido aproveitamento do tempo dedicado à discussão e ao estudo da disciplina. O déficit de ensino-aprendizagem em questão obviamente extrapola o ambiente acadêmico e repercute na qualidade da atuação profissional. Nesse sentido, Neves 11. Neves NC. Ética para os futuros médicos: é possível ensinar? [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2006 [acesso 3 jun 2022]. Disponível: https://bit.ly/391MBVU
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e Schuh 3737. Schuh CM, Albuquerque IM. A ética na formação dos profissionais da saúde: algumas reflexões. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2009 [acesso 20 jun 2021];17(1):55-60. Disponível: https://bit.ly/3x7unvb
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discutem, histórica e cientificamente, a necessidade de nova intervenção metodológica para impulsionar a qualidade da formação médica, no âmbito da área ética e de sua vertente relação médico-paciente.

Utilização dos preceitos do Código de Ética Médica

Este tópico tem como foco discorrer sobre experiências práticas profissionais que demandaram utilização dos preceitos do CEM (categorização C3), além das principais menções às atualizações presentes do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. (categorização C5). Tal abordagem é necessária para que se compreendam os reflexos dos ditames éticos na rotina médica.

A fim de dar continuidade à análise dos resultados, vale frisar a sólida jurisprudência que entende os serviços médicos (hospitais/médicos e pacientes) como relação de consumo, sendo estes, portanto, regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990 3838. Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 1, 12 set 1990 [acesso 20 jun 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3NchLZu
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). Assim, segundo dados veiculados no Jornal O Estado de S. Paulo citados por Macedo 3939. Macedo TAA. O veredito. Boletim CBR [Internet]. 2016 [acesso 17 out 2021];(331):29. Disponível: https://bit.ly/3xblH71
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, o número de processos no Supremo Tribunal de Justiça relacionados apenas a erro médico subiu 140% de 2010 a 2014.

Nesse contexto, é importante destacar a existência da “indústria da indenização” 88. Lino MSB, Lima JB, Munhoz KS, Pena Neto RO, Nascimento EP, Souza LFA et al. Avaliação da percepção médica acerca dos aspectos éticos-legais envolvidos no exercício da medicina no Brasil. Colloquium Vitae [Internet]. 2017 [acesso 9 jun 2021]; 9(esp):39-50. Disponível: https://bit.ly/3m6Fy0P
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, na qual, em contrapartida, os médicos adotam a “medicina defensiva” 4040. França GV. A evolução social do médico no Brasil [Internet]. In: Resumos da 40ª Convenção Nacional Unimed; 21-24 set 2010; Goiânia. São Paulo: Unimed; 2010 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3mr95Tn
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, 4141. Woodward C. A medicina defensiva começa no topo dos Estados Unidos. CMAJ [Internet]. 2010 [acesso 20 jun 2021]; 182(8):335-6. DOI: 10.1503/cmaj.109-3236 . Esta repercute tanto na aquisição de seguro de responsabilidade civil profissional para médicos quanto na solicitação de exames, encaminhamentos, procedimentos ou terapêuticas sem indicação específica, como meio de proteção contra eventuais responsabilizações. Segundo Woodward 4141. Woodward C. A medicina defensiva começa no topo dos Estados Unidos. CMAJ [Internet]. 2010 [acesso 20 jun 2021]; 182(8):335-6. DOI: 10.1503/cmaj.109-3236 , conforme dados da American Medical Association (AMA), estima-se que o recurso protetivo médico de solicitações de exames, procedimentos e terapêutica seja responsável por 10% de todo o custo dos serviços médicos internos nos Estados Unidos.

Diante do exposto, é possível notar que a má atuação médica pode refletir tanto em um processo administrativo (processo ético-profissional), no âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina, quanto em um processo de ordem judicial (nas esferas civil ou criminal). Logo, o domínio do direito médico e da medicina possibilita condutas mais precavidas, oportunas e com respaldo normativo para uma ilibada atuação profissional. O CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. , então, apresenta-se em conformidade com as demandas e exigências cotidianas da medicina e da sociedade atual.

Nessa conjuntura, condutas dependentes da expertise ética apontam importâncias conceituais que vão ao encontro da correta prática profissional.

“Expliquei o caso, dei as informações e todos os esclarecimentos necessários (…), incluindo as opções de procedimento, consequências e riscos. Depois de esclarecer as dúvidas, respeitei a decisão do paciente” (Residente R02/categorização C3).

“Me posicionei contrário ao pedido do paciente em não contar para o parceiro sexual (…), por conhecer os princípios éticos de motivo justo de quebra de sigilo. Tive segurança na conduta de revelar o diagnóstico para o parceiro, mediante consentimento por escrito, em defesa de risco à saúde de terceiro” (Residente R03/categorização C3).

“Era uma situação de início de vida sexual (…). Por fim a paciente não desejava que os pais soubessem. Como a minha paciente adolescente apresentava capacidade de discernimento para compreender a sua situação de saúde, então, o sigilo da minha paciente foi respeitado” (Residente R07/categorização C3).

A categoria C3 em discussão alicerça a necessidade de atualização médica quanto aos preceitos do CEM para salvaguardar a relação horizontal entre médicos e pacientes, assim como para assegurar a autoridade técnica do profissional. Com relação ao CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. , referências às atualizações encontram-se a seguir:

“De acordo com a última edição (…), um dos princípios fundamentais [de] que lembro é sobre a utilização dos meios que estiverem disponíveis para alcançar os melhores resultados. A intenção é fazer o melhor para o paciente, porém, reconhecendo que as condições existentes no momento podem limitar a nossa atuação. Daí caímos na realidade da profissão, em que nem sempre o ideal é o possível, mas estamos conscientes e respaldados” (Residente R06/categorização C5).

“Tem um item específico que cita a utilização das mídias sociais, que deve respeitar as normas do CFM. Por exemplo, como está acontecendo hoje no país. O CFM liberou um regulamento de caráter excepcional para telemedicina que se deu por resolução específica” (Residente R9/categorização C5).

“(…) um ponto de que me recordo é que no novo código se reforça a necessidade do respeito e da consideração com os colegas de profissão” (Residente R10/categorização C5).

“Li sobre a inclusão do direito ao exercício profissional pelo médico deficiente, respeitando, claro, suas limitações. O que mostra a isonomia de tratamento com os profissionais médicos” (Residente R11/categorização C5).

Ressalta-se que os trechos dispostos neste tópico são de médicos residentes que afirmaram aprofundar-se no assunto após a graduação. Assim, a capacidade de explorar o tema mostra-se intimamente ligada à dedicação ao estudo ético posterior à formação médica padrão. Nesse contexto, diferentes fontes para atualização foram citadas, como a releitura do CEM/2009 1010. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 9 jun 2021]. Seção I. Disponível: https://bit.ly/3yEGi53
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, a leitura do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. e a realização de cursos presenciais de ética médica disponibilizados pelos CRM no ano de 2019.

Isto posto, a partir de uma perspectiva analítica dos fatos, nota-se, novamente, baixo aprendizado ético durante a formação médica, como já documentado por Camargo 4242. Camargo A, Almeida MAS, Morita I. Ética e bioética: o que os alunos do sexto ano médico têm a dizer [Internet]. Rev Bras Educ Med [Internet]. 2014 [acesso 20 jun 2021];38(2):182-9. DOI: 10.1590/S0100-55022014000200004 em estudo semelhante. Ademais, percebe-se necessidade comum de conhecimento da ética médica para lidar assertivamente com conflitos e desafios presentes na prática médica. Portanto, os residentes com maior capacidade de discussão da temática representavam um grupo de profissionais que dedicaram tempo ao estudo ético, para além da formação acadêmica.

Destarte, a categorização C3 apresenta uma perspectiva de que o conhecimento ético traz segurança jurídica ao exercício da profissão médica. Logo, infere-se que o Código de Ética incorpora o status de material do cotidiano médico. Outrossim, França 4040. França GV. A evolução social do médico no Brasil [Internet]. In: Resumos da 40ª Convenção Nacional Unimed; 21-24 set 2010; Goiânia. São Paulo: Unimed; 2010 [acesso 20 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3mr95Tn
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reitera a valorização da ética médica, pois reconhece a deficiência formativa da medicina no Brasil, destacando a decadência da qualidade da classe profissional.

Com isso, é possível notar convergência dos resultados com a literatura científica, e a realidade médica demonstra, portanto, um cenário acadêmico de estagnação didática no campo disciplinar ético. Nesse contexto, D’Avila 4343. D’Avila RL. É possível ensinar ética médica em um curso formal curricular? Bioética [Internet]. 2002 [acesso 20 jun 2021];10(1):115-26. Disponível: https://bit.ly/3MjWYSA
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propõe novas maneiras, menos rígidas e mais dinâmicas, de integrar a ética à prática médica ao longo dos seis anos de graduação.

Em suma, a partir da discussão do conteúdo e do compromisso com a boa formação médica, intenciona-se que o assunto deixe de ser negligenciado, a fim de que o reconhecimento e a valorização da profissão médica não sejam mais um privilégio, mas, sim, um direito garantido 4444. Nalini JR. Responsabilidade ético-disciplinar do médico: suspensão e cassação do exercício profissional [Internet]. In: Anais do XII Encontro dos CRMs das Regiões Sul e Sudeste. São Paulo: Cremesp [acesso 20 mar 2020]. Disponível: https://bit.ly/3m5X9WL
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.

Correlações em análise e limitações

Neste último tópico, a partir de uma análise “estrutural” 3434. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. , compreende-se que a facilidade em discorrer sobre o tema da ética médica tem íntima relação com a prioridade do estudo ético exigido nas diferentes etapas da vida médica. Assim, a compreensão e o domínio temático são menores durante a graduação e, paulatinamente, maiores ao longo da vida profissional. Ainda no que diz respeito ao CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. , seus preceitos são consoantes aos direitos humanos e aos princípios da bioética 66. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos [Internet]. Paris: Sessão da Conferência Geral; 2005 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3wMwmnb
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, refletindo em essência a sociedade atual.

O estudo apresenta algumas limitações decorrentes da incapacidade de todas as categorias em análise serem abordadas por todos os entrevistados, pois muitos se amparam no direito de não opinar. Criteriosamente, a explicação deve-se ao constrangimento enfrentado pelos entrevistados na ausência de articulação sobre o assunto ou à fuga proposital do contexto, no caso indivíduos por vezes mais prolixos. Esse dado reforça a dificuldade dos entrevistados em transpor o estudo acadêmico e, assim, ampliar a temática, seja em uma discussão, seja na prática médica.

Outro fator limitante reside na própria escolha amostral pela técnica “bola de neve” 1515. Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas [Internet]. 2014 [acesso 9 jun 2021];22(44): 203-20. DOI: 10.20396/tematicas.v22i44.10977 , em que os participantes se restringiram a grupos de médicos mais próximos. Em contrapartida, a ligação entre eles facilitou o contato do pesquisador e o comprometimento dos entrevistados com o estudo. Ademais, os médicos representam origem acadêmica e, assim, influências distintas da graduação, o que corrobora a verossimilhança dos resultados com a literatura de educação e saúde acerca da ética formativa.

Este estudo, então, orienta-se em consonância com o compromisso expresso na Declaração de Genebra 2424. World Medical Association. WMA Declaration of Geneva. 68th WMA General Assembly. Chicago: United States, October 2017 [acesso 9 jun 2021]. Disponível: https://bit.ly/3m8KKBt
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, cujo texto salienta o princípio de compartilhar os conhecimentos médicos, seja em benefício do paciente, seja para o avanço da assistência em saúde. Logo, o proveito científico da pesquisa está na disseminação de um compilado atualizado dos novos preceitos éticos da medicina e na correlação dessas normas com a realidade da prática clínica dos residentes do primeiro ano do CHC/UFPR.

Considerações finais

O CFM, por meio do CEM/2018 33. Coltri MV, Dantas EVS. Comentários ao Código de Ética Médica. 3ª ed. Salvador: JusPodivm; 2020. , 44. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019. , publicou as novas normas e princípios da conduta médica profissional, discorrendo amplamente sobre as mais recentes perspectivas éticas da área médica. Nesse contexto, este artigo evidencia, em caráter local, que as novas diretrizes estão consoantes com as atuais demandas e necessidades da medicina e da sociedade.

Ademais, a realização desta pesquisa, no âmbito universitário, realizada com parcela de médicos residentes do primeiro ano do CHC/UFPR, permite verificar que, apesar de a graduação médica brasileira destinar tempo exclusivo ao estudo ético, ainda existe um déficit de domínio e de segurança do tema por parte do residente no ambiente profissional. Isso se deve ao pouco tempo dedicado com exclusividade à compreensão e à atualização dos conceitos de ética médica. Outrossim, comparativamente, as perspectivas indicam que os anos de profissão são inversamente relacionadas ao despreparo em discorrer sobre as nuances dos conceitos éticos na medicina atual.

A partir da compreensão da relevância temática há, então, motivação para a atualização e para o engajamento de outros estudos científicos e aprimoramentos pedagógico na área formativa. Salienta-se, progressivamente, a tendência mundial a valorizar a relação médico-paciente nas diversas especialidades da medicina moderna. Logo, este estudo é um foco promissor para novas perspectivas na área da educação médica.

Referências

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  • Aprovação CEP-CHC-UFPR CAAE 28872820.6.0000.0096

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2020
  • Revisado
    14 Out 2021
  • Aceito
    15 Maio 2022
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