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Compreensão do desenvolvimento sustentável em contextos organizacionais a partir do estabelecimento de tipos ideais

Resumos

Por meio das discussões e reflexões teóricas desenvolvidas neste artigo almeja-se atender ao objetivo de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. Tal intento é justificado pelo entendimento de que as organizações têm suas respectivas racionalidades de gestão influenciadas pelos diferentes territórios a que pertencem. Isso torna o conhecimento das especificidades sociais, culturais, ambientais e econômicas destas localidades uma necessidade para a abordagem e a coerente gestão das múltiplas facetas do desenvolvimento sustentável. A proposição de tipos ideais visa a suprir o processo decisório organizacional com informações substanciais precedentes às decisões pontuais que se alinhem a um desenvolvimento sustentável. Sua elaboração passou por uma contextualização teórica oriunda das características dos Modelos Heurísticos propostos por Ramos (1983), as quais foram complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana (WEBER, 1964, 1968) e enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos (GRAVES, 1970, 1974) e dos níveis de representatividade das organizações (BECK ;COWAN, 1996) predominantes em cada uma das configurações teóricas estabelecidas. Ao longo do artigo essas bases teóricas foram relacionadas e sintetizadas em três tipos ideais de desenvolvimento sustentável: o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, o modelo de transição do desenvolvimento sustentável e o modelo atualizante do desenvolvimento sustentável. Esses modelos demonstraram consistente potencial para subsidiar decisões e conclusões sobre limites, possibilidades e desafios para melhor compreender o desenvolvimento sustentável em contexto organizacional.

Desenvolvimento Sustentável; Sociologia Weberiana; Modelos Heurísticos; Níveis de Existência dos Seres Humanos; Níveis de Representatividade das Organizações


This article was developed with the objective of proposing ideal types to the orientation of the sustainable development. This purpose is presented because the managerial rationalities of the organizations are influenced by the territories where they are. The knowledge of the social, cultural, environmental and economic specificities of these places becomes needed to a better sustainable development management. The proposition of the ideal types aims to contribute to the decisions which are made in the organizations with coherent informations to a sustainable development. The contextualization of the ideal types counted with the following references: specific contributions of Weber's Sociology (WEBER, 1964, 1968), the Heuristic Models of Ramos (1983), the individuals' levels of existence indicated by Graves (1970, 1974) and the organizations' levels of representativeness studied by Beck and Cowan (1996). Through the relations between these references it was proposed three ideal types of sustainable development: the archaic model of sustainable development, the transition model of sustainable development and the actualizing model of sustainable development. These ideal types present consistent potential to help organizations in decisions about limits, possibilities and challenges of working with and for the sustainable development in a managerial context

Sustainable Development; Weber's Sociology; Heuristic Models; Levels of Existence of the Individuals; Levels of Representativeness of the Organizations


Compreensão do desenvolvimento sustentável em contextos organizacionais a partir do estabelecimento de tipos ideais

Luciano MunckI; Rafael Borim-de-SouzaII

IPós-doutorando, Building Sustainable Value Research Centre – Ivey Business School – Western University, Ontário/CA. Doutor em Administração, Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Administração, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor do Programa de pós-graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina (PPGA-UEL) Professor adjunto D da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: munck@uel.br

IIDoutorando em Administração, Universidade Federal do Paraná (PPGADM-UFPR). Bolsista de Doutorado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mestre em Administração, Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharel em Administração, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisador inscrito no Grupo de pesquisa sobre Competências, Gestão e Sustentabilidade. E-mail: rafaborim@yahoo.com

RESUMO

Por meio das discussões e reflexões teóricas desenvolvidas neste artigo almeja-se atender ao objetivo de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. Tal intento é justificado pelo entendimento de que as organizações têm suas respectivas racionalidades de gestão influenciadas pelos diferentes territórios a que pertencem. Isso torna o conhecimento das especificidades sociais, culturais, ambientais e econômicas destas localidades uma necessidade para a abordagem e a coerente gestão das múltiplas facetas do desenvolvimento sustentável. A proposição de tipos ideais visa a suprir o processo decisório organizacional com informações substanciais precedentes às decisões pontuais que se alinhem a um desenvolvimento sustentável. Sua elaboração passou por uma contextualização teórica oriunda das características dos Modelos Heurísticos propostos por Ramos (1983), as quais foram complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana (WEBER, 1964, 1968) e enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos (GRAVES, 1970, 1974) e dos níveis de representatividade das organizações (BECK ;COWAN, 1996) predominantes em cada uma das configurações teóricas estabelecidas. Ao longo do artigo essas bases teóricas foram relacionadas e sintetizadas em três tipos ideais de desenvolvimento sustentável: o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, o modelo de transição do desenvolvimento sustentável e o modelo atualizante do desenvolvimento sustentável. Esses modelos demonstraram consistente potencial para subsidiar decisões e conclusões sobre limites, possibilidades e desafios para melhor compreender o desenvolvimento sustentável em contexto organizacional.

Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Sociologia Weberiana. Modelos Heurísticos. Níveis de Existência dos Seres Humanos. Níveis de Representatividade das Organizações.

ABSTRACT

This article was developed with the objective of proposing ideal types to the orientation of the sustainable development. This purpose is presented because the managerial rationalities of the organizations are influenced by the territories where they are. The knowledge of the social, cultural, environmental and economic specificities of these places becomes needed to a better sustainable development management. The proposition of the ideal types aims to contribute to the decisions which are made in the organizations with coherent informations to a sustainable development. The contextualization of the ideal types counted with the following references: specific contributions of Weber's Sociology (WEBER, 1964, 1968), the Heuristic Models of Ramos (1983), the individuals' levels of existence indicated by Graves (1970, 1974) and the organizations' levels of representativeness studied by Beck and Cowan (1996). Through the relations between these references it was proposed three ideal types of sustainable development: the archaic model of sustainable development, the transition model of sustainable development and the actualizing model of sustainable development. These ideal types present consistent potential to help organizations in decisions about limits, possibilities and challenges of working with and for the sustainable development in a managerial context.

Keywords: Sustainable Development. Weber's Sociology. Heuristic Models. Levels of Existence of the Individuals. Levels of Representativeness of the Organizations.

Introdução

A qualidade das pesquisas em administração tem preocupado alguns estudiosos representativos desta ciência. (CALÁS; SMIRCICH, 1999) Tal incômodo advém do fato de inúmeros construtos serem empregados em incoerência com o contexto metodológico das pesquisas que os investigam. (EVERED; LOUIS, 1981) Quando se fala em qualidade da pesquisa pretende-se discutir alguns assuntos mais recorrentes, dentre eles o devido rigor metodológico que deveria ser empregado em procedimentos empíricos de pesquisa, independente se qualitativos ou quantitativos. (POZZEBON; PINSONNEAUT, 2005)

A representatividade das contribuições teóricas a respeito de alguns termos acaba perdendo força na medida em que esses começam a ser disseminados por discursos homogeneizadores de fenômenos que não se expressam em conformidade com o contexto de pesquisa sobre o qual são observados. Esses discursos buscam amenizar a complexidade de problemas de pesquisa que agregam em si a potencialidade de uma discussão capaz de promover o rompimento de um paradigma social até então predominante. (OSORIO; LOBATO; CASTILLO, 2005)

Por meio deste artigo defende-se que esta concepção errônea se aplica ao que se discute sobre desenvolvimento sustentável, concernente à administração. A definição de desenvolvimento sustentável como o processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender às gerações futuras, concedida por Brundtland em 1987 no relatório Our Common Future e publicado na World Comission on Environment and Development (WCED), é amplamente conhecida e disseminada.

Neste contexto, o tema "desenvolvimento sustentável" foi aceito nas pautas de decisões políticas e conquistou, gradativamente, uma característica enviesada, visto que alguns pesquisadores entendiam que tal fenômeno buscava problematizar as formas de conhecimento, os valores sociais e as bases de produção do capitalismo enquanto que outros o compreenderam como uma mera continuação dos alicerces políticos legitimados pelo sistema capitalista. Esta confusão fez com que o desenvolvimento sustentável começasse a ter sua representatividade ameaçada, ante a dificuldade de se flexibilizar as instituições e os instrumentos de planificação para romper ou aprimorar a lógica economicista capitalista e internalizar uma dimensão ambiental ao processo de desenvolvimento. (MEBRATU, 1998; REDCLIFT; BENTON, 1994)

A fragilidade conceitual do desenvolvimento sustentável se alia a sua questionável práxis política e organizacional, pois o significado privilegiado pela WCED se apresenta pouco contributivo para enfrentar os múltiplos desafios da sempre mutante ordem mundial. Isto porque o desenvolvimento sustentável representa e resume a necessidade de mudanças críticas que ainda tentam ser promovidas e defendidas por uma lógica econômica que privilegia as vontades do mercado e que repassa ao meio a ideia equivocada de igualar a expressão em discussão a um crescimento econômico global e ininterrupto. Em outras palavras, percebe-se a tentativa de se homogeneizar a compreensão do desenvolvimento sustentável, a qual é combatida neste artigo por ser admitida como uma das principais fragilidades metodológicas do desenvolvimento sustentável. (MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2012; SNEDDON; HOWARTH; NORGAARD, 2006)

Defende-se que o desenvolvimento sustentável, enquanto fenômeno social pode assumir diferentes caracterizações mediante a realidade territorial em que é analisado. Propõe-se, portanto, que a análise do desenvolvimento sustentável como fenômeno de estudo para a administração deve observar uma coerência em relação às bases culturais que o ampara ao contexto que o exige e aos indivíduos que o discutem. (LEFF, 2006; MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2010; MUNCK, 2013)

Esclarece-se que, neste artigo, não existe a pretensão de se desconstruir o conceito de Brundtland (WCED, 1987), ou ainda de promover discussões de erradicação do capitalismo ou de se estabelecer uma nova lógica econômica. O que justifica a apresentação deste estudo é a necessidade de considerar o desenvolvimento sustentável como um fenômeno de pesquisa multifacetário, ou seja, necessário de ser conceituado em conformidade com o contexto social em que é pesquisado e intentado de ser promovido, visto como tais regionalidades influenciam diretamente no processo de gestão desempenhado pelas organizações inseridas nestas diferentes realidades.

Este estudo evidencia a inexistência de conceitos específicos e customizados de desenvolvimento sustentável que estejam em coerência com os diferentes níveis de desenvolvimento da sociedade e, consequentemente, das organizações a ela pertencentes. Com este entendimento, propõe-se o objetivo principal de elaborar tipos ideais ou puros para orientar o desenvolvimento sustentável.

Para Weber (1964) o tipo ideal é um instrumento de análise sociológica, utilizado para compreender a sociedade a partir de tipologias puras, destituídas de tom avaliativo. Espera-se assim oferecer um recurso analítico baseado em conceitos coerentemente escolhidos que expressem as especificidades de diferentes contextos sociais, compreendidos como territórios macro nos quais diversas organizações procuram exercer sua racionalidade de gestão.

Desta monta, por meio das relações teóricas apresentadas espera-se ofertar à academia uma sustentação alternativa para as pesquisas que estejam interessadas em ter o desenvolvimento sustentável como um construto coerentemente definido para com o contexto sobre o qual será pesquisado, o que tornará possível o emprego de maior rigor epistemológico e metodológico em futuras intervenções empíricas.

A proposição dos tipos ideais foi conduzida por meio de uma reflexão teórica, elaborada a partir das características dos Modelos Heurísticos de Ramos (1983), as quais foram complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana (WEBER, 1964, 1968) e enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos (GRAVES, 1970, 1974) e dos níveis de representatividade das organizações (BECK;COWAN, 1996) predominantes em cada uma das configurações teóricas estabelecidas. Ao longo do artigo as teorias em pauta são relacionadas e sintetizadas confluindo em três tipos ideais de desenvolvimento sustentável: o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, o modelo de transição do desenvolvimento sustentável e o modelo atualizante do desenvolvimento sustentável.

Metodologia de Pesquisa

O presente artigo foi desenvolvido com o objetivo de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. No intuito de responder ao objetivo supramencionado foi realizada uma pesquisa de natureza teórica, cujo problema buscou ser respondido por uma abordagem qualitativa, cujos objetivos foram analisados por uma perspectiva exploratória e que em relação aos procedimentos técnicos é classificada como bibliográfica. (RICHARDSON et al., 2008) O caráter teórico do estudo determinou uma abordagem metodológica qualitativa, como ela é uma forma adequada de entender a natureza de um fenômeno social. A pesquisa também é classificada como exploratória porque busca conhecer inicialmente as características de um fenômeno para posteriormente procurar explicações de suas causas e consequências. (RICHARDSON et al., 2008)

A abordagem qualitativa deste ensaio teórico está vinculada a uma epistemologia interpretativista, pois acredita que não é possível estabelecer uma relação causal entre fenômenos sociais que perdure por tempo indeterminado em local específico. (BRYMANN, 2001) Esta abordagem se compreende como uma proposta subjetivista de investigação da sociedade interessada em um contexto de justificação do fenômeno pesquisado. Sendo assim, assume-se que o fenômeno pesquisado é ou está socializado a um determinado grupo de indivíduos, os quais, por uma linguagem pragmática, adotam uma posição crítica ou uma posição criteriosa em relação ao que se investiga. (DENZIN; LINCOLN, 2006; MERRIAM, 2011; MORGAN; SMIRCICH, 1980; POPPER, 1985)

As proposições desenvolvidas ao longo deste artigo privilegiaram o estabelecimento de uma posição criteriosa sobre os temas abordados, pois houve a opção de observar o fenômeno em investigação como algo possível de ser construído e desconstruído por meio de argumentos teóricos (Popper, 1985). A partir dessas considerações metodológicas adotou-se o seguinte pressuposto para o desenvolvimento do estudo: o desenvolvimento sustentável se sujeita à racionalidade presente no território, assim, faz-se necessária sua compreensão para alcançar coerência no processo decisório.

Neste contexto, foram selecionados os seguintes temas como os mais relevantes para serem discutidos, os quais são detalhados no Quadro 1.


Mediante a panaceia ideológica, científica e discursiva encontrada, entendeu-se que o desenvolvimento sustentável pode ser observado em seus tipos puros de existência social, ou seja, em tipos ideais que o caracterize como fenômeno coerente em relação à cultura que o ampara ao contexto que o exige e aos indivíduos que o discutem. É importante destacar que a opção de análise a partir das contribuições da Sociologia Weberiana, dos Modelos Heurísticos de Ramos (1983), dos níveis de existência dos seres humanos estudados por Graves (1970, 1974) e pelos níveis de representatividade organizacional pesquisados por Beck e Cowan (1996) deram-se por sua consistência explicativa e pela impossibilidade de analisar todas as sociedades existentes. As contribuições teóricas assumidas se mostraram suficientes e coerentes com os propósitos da pesquisa.

O Desenvolvimento Sustentável e algumas de suas Fragilidades Metodológicas

Os problemas ambientais, por uma perspectiva oriunda do construtivismo social, são problemas sociais reivindicatórios definidos por ações coletivas. Por construção social entende-se que os problemas sociais não possuem natureza estática, porquanto não podem ser sempre apreciados por uma realidade identificável, visível e objetiva. Desta maneira, diferentes grupos inseridos em um contexto social identificam e definem os problemas ambientais pelo desenvolvimento e multiplicação de significados e interpretações comunais advindas de discussões em evidência. (SPECTOR; KITSUSE, 1973)

Estes problemas ambientais, em conjunto, estruturam a crise ambiental, a qual para Leff (2008, p.15) "veio para questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza." Tais questionamentos impulsionados pela crise ambiental contribuíram para a disseminação global da expressão "desenvolvimento sustentável".

Dentre as definições concedidas à expressão analisada, a mais conhecida é a proferida pela Dra. Gro Harlem Brundtland na WCED, em 1987, pelo relatório Our Common Future, no qual o desenvolvimento sustentável refere-se ao processo que satisfaz as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender às gerações futuras. Este conceito, embora merecedor de todos os reconhecimentos, uma vez que foi um dos responsáveis pela propagação mundial do termo, é muito criticado e combatido por pesquisadores de diferentes áreas.

De acordo com Fergus e Rowney (2005), esta definição não é nada mais do que ambígua, pois retira o foco do que realmente precisa ser feito por meio de um discurso inclusivo e coloca as prioridades mundiais em simples processos técnicos. Esta definição, ainda de acordo com os mesmos autores, é a responsável por inviabilizar um agir social que propicie o alcance do desenvolvimento sustentável já que impera uma posição política de se continuar com ações limitadas a esforços burocráticos impregnados por inúmeros conflitos e por uma tecnocracia dogmática incapaz de abrir os olhos de diferentes sociedades para proposições que questionam o modelo econômico em vigência. (FERGUS; ROWNEY, 2005)

A imprecisão do conceito deste termo, somada com sua respectiva importância junto às políticas nacionais e internacionais levou a uma batalha política a respeito de quanto e como as gerações futuras poderiam afetar o desenvolvimento das gerações contemporâneas. (MEBRATU, 1998) Para Saul (1991) a definição de um termo é concebida com o intuito de que as ideias sejam esclarecidas e que os seres humanos sejam libertados para ações sociais mais coerentes, mas o que se observa na sociedade, em relação aos diversos conceitos sobre desenvolvimento sustentável, é que eles se tornaram um meio de controle e um método impositivo para retrair forças reacionárias.

Lélé (1991) afirma que para se definir coerentemente o desenvolvimento sustentável, ou seja, para considerá-lo como um fenômeno de análise inclusivo em propostas e integrador em processos, uma mudança epistemológica precisa ocorrer nos processos cognitivos de geração do conhecimento. Luke (1995) assevera que os discursos a respeito do desenvolvimento sustentável devem ser relidos por uma nova abordagem que integre poder e conhecimento, e que tenha por objetivo a acumulação de poder para comunidades subnacionais e supranacionais menos representativas por meio da mobilização de novos conhecimentos sobre o desempenho econômico de diferentes nações que realizam o seu crescimento por métodos de governo irresponsáveis.

Estes discursos, ao invés de focar os territórios de nações soberanas, deveriam analisar, em domínios subnacionais e transnacionais, ecossistemas sustentáveis necessários para a reconfiguração dos circuitos de geração e utilização de poderes ecológicos. Sonnenfeld e Mol (2002) comentam que, apesar de existirem tendências que rumem nestas duas direções (subnacionais e supranacionais), percebe-se que a noção de estado-nação ainda permanece como prioridade das atividades regulatórias ao redor do planeta.

Percebe-se que tais fragilidades decorrem, principalmente, de um interesse amplamente difundido de tornar o desenvolvimento sustentável um sinônimo de crescimento econômico global ininterrupto, o que segundo Leff (2006, p. 137) pode ser traduzido como um "desenvolvimento sustentado". Algo considerado como incompatível se desrespeitadas às peculiaridades regionais presentes nas diversas nações que compõem o planeta Terra.

Para os diferentes órgãos e organizações que se interessam por disseminar tal expressão é preciso emergir a consciência de que o que é sustentável em um país, ou em uma determinada localidade, pode não ser em outros territórios. Por trás do referido conceito existe a admoestação de que o manejo do poder social deve acontecer, simultaneamente, em escalas internacionais, nacionais e regionais de gestão. No entanto tais especificidades não são consideradas no estabelecimento de políticas designadas a diferentes contextos regionais, os quais, para muitos dos elaboradores dos tratados públicos e privados incumbidos de manifestar caminhos para o desenvolvimento sustentável, são considerados paralelos e sinônimos, no que diz respeito ao contexto cultural de convivência dos grupos sociais, ao movimento econômico desempenhado por diferentes organizações e à representatividade da natureza sobre a vida local. (BALBINOT; BORIM-DE-SOUZA, 2012; MUNCK; BORIM-DE-SOUZA, 2010)

Contribuições da Sociologia Weberiana

Para Weber (1964) a Sociologia é a ciência que busca interpretar a ação social, para que assim alcance-se uma explicação causal dos cursos e efeitos deste agir social circunscrito. Em síntese são três as ideias que constituem a essência da contribuição de Weber para uma metodologia mais apurada nas ciências sociais: o paradigma da redutibilidade dos conceitos sociológicos para ações dos indivíduos; o paradigma da neutralidade ética; e, o conceito de tipo ideal. Estes são melhores explicados no quadro 2.


Outra contribuição de Weber (1964) está na teoria da estratificação social, por meio da qual ele define "classe" em termos de chances de vida consequentes de interesses econômicos. Barbalet (1980) considera que para esta teorização Weber (1964) parece partir de um individualismo metodológico em vez de uma concepção mais estrutural sobre classe. A situação da classe, para Weber (1964), é aquela em que um determinado indivíduo e muitos outros encontram consenso sobre seus interesses. Trata-se, assim, de uma típica definição marxista de classe que propõe, sinteticamente, que as pessoas possuem interesses atribuídos a elas, mediante a posição de classe que ocupam na sociedade. (BARBALET, 1980)

No entanto Weber (1964) não fica preso às contribuições marxistas, pois admite que a definição de classe opera por meio da compreensão de motivos e intenções, com interesses de mercado que são orientados por cognições e atitudes. Estas caracterizações podem garantir que as classes existam e persistam mediante a perpetuação de interesses específicos.

Por conseguinte, como afirma Barbalet (1980), não existe interesse de classes, mas sim um interesse médio de indivíduos discretos que comungam uma posição econômica. Outro afastamento dos propósitos marxistas se dá quando Weber (1964) rejeita a compreensão desta abordagem sobre a compreensão de que os fenômenos legislativos são causados por forças econômicas ocultas. (TRUBEK, 1972) Weber (1964) demonstrou que as singularidades dos sistemas legislativos europeus deveriam ser explicados tanto por fatores não econômicos como pelas necessidades específicas de cada profissão e pelas necessidades de organização política.

Weber (1968), em sua sociologia política, desenvolveu três tipos ideais de sistemas políticos, ou, formas de dominação, sendo elas a dominação tradicional, a dominação carismática e a dominação legal.

A dominação tradicional é orientada por decisões justificadas por fatos empíricos e alicerçadas em tradições sociais imutáveis. A dominação carismática é aceita pela população como obrigatória, uma vez que é originária de um líder extraordinário e assume uma lógica de decisão situacional. E, a dominação legal existe quando as seguintes condições prevalecem: existem normas de aplicabilidade geral estabelecidas; há uma crença de que o conjunto de leis que rege a sociedade representa um sistema consciente de regras abstratas e que a administração de tais leis consiste na aplicação destas regras em casos particulares sujeitos a tais regras; o "superior" (governante) está sujeito a uma lógica impessoal de ordens; a obediência é para a lei como a legitimação da ordem social; e, a obediência é obrigatória somente em esferas racionais delimitadas. (WEBER, 1968; TRUBEK, 1972)

A dominação legal para Woods (2003) é um dos mecanismos de perpetuação do capitalismo, e este para ser desenvolvido economicamente depende de dois aspectos legais imprescindíveis: um nível de previsibilidade de atuação do sistema e a capacidade de desenvolver provisões substantivas, principalmente as relacionadas à liberdade de contratos, as quais são necessárias para o funcionamento do mercado. (TRUBEK, 1972)

Por este cenário de vinculação entre desenvolvimento econômico e dominação legal, Weber (1968) reconheceu que uniformidades previsíveis de ação social podem ser garantidas em muitas maneiras e que todos estes métodos de controle social podem influenciar nas atividades econômicas.

Weber (1964) define a ação como todo comportamento humano que em âmbito individual possui um significado subjetivo em relação ao que está sendo realizado, e, por consequência, a ação social, devido a excelência moral dos significados subjetivos ligados às ações individuais, se responsabiliza por expressar o comportamento de demais pessoas por um curso comum e pré-orientado.

As ações dos indivíduos são dependentes das decisões que tomam, as quais, de acordo com Trubek (1972), baseado nas proposições de Weber (1968), podem ocorrer em quatro padrões de orientações guiados por: uma irracionalidade formal; uma irracionalidade substantiva; uma racionalidade substantiva; e, uma racionalidade lógica formal. Trubek (1972) define cada um destes quatro padrões em quadrantes que os diferenciam quanto ao nível de diferenciação e de generalização das decisões tomadas. O Quadro 3 expõe a lógica desenvolvida por Weber (1968).


Estes padrões de decisões determinam o agir do indivíduo, o agir social, e, consequentemente, o agir das organizações. Para Barbalet (1980) as categorizações das decisões individuais e coletivas, que traduzem o agir de uma sociedade, indicam que esta deve assumir uma segmentação entre classes e status, pois de acordo com o autor o status pode ser socialmente relacionado às e condicionado pelas classes. Eles não coexistem como aspectos distintos, ou como dimensões conflitantes da estratificação social, tanto que para Weber (1964) o status social pode, parcialmente, ou, totalmente, determinar a situação das classes, sem, no entanto, ser idêntica a elas.

Para Weber (1968) o agir das organizações conflui do agir social quando ocorre a formação de grupos de status, já que por estes grupos se evidencia a habilidade de grandes corporações, associações profissionais e uniões trabalhistas de isolarem-se do livre processo de acontecimento das forças de mercado e adquirirem algum poder mediante seus lucros diferenciais. Este poder pode ser internalizado pelos atores sociais voluntariamente por meio do desenvolvimento de padrões normativos, ou, podem ser submetidos a alguns efeitos externos caso eles se desviem das expectações determinadas pelos mecanismos de dominação legais, em parte influenciados, mas não determinados unicamente pelo agir das organizações.

Tal situação é caracterizada por Trubek (1972) como uma coerção social imposta por aqueles que auxiliam na determinação de quais os procedimentos de dominação legal (regidos desde uma racionalidade lógica formal até uma irracionalidade substantiva) devem ser utilizados em cada uma das circunstâncias em que os interesses econômicos do sistema são não somente ameaçados, mas também abalados.

Por tais considerações advindas da Sociologia Weberiana propõe-se que o desenvolvimento sustentável é um agir social não padronizado que tem como objetivo a razão do paradigma da redutibilidade, em outras palavras, garantir a relevância do ser humano enquanto sujeito social e fenômeno de pesquisa e de análise das Ciências Sociais. Este agir social não é padronizado por envolver em suas discussões todas as dimensões sociais de qualquer sociedade que esteja interessada em promovê-lo. Há, portanto, a necessidade imprescindível de considerar que o desenvolvimento sustentável, embora subjetivo em suas premissas, precisa ser imparcial em relação aos fatos que avalia e às patologias sociais que busca remediar. A credibilidade de este agir social junto à sociedade que o busca está sujeita aos diversos motivos e intenções sociais que pautam os diferentes jogos de interesses estabelecidos entre os sujeitos, as classes, as instituições, as organizações e os governos de determinada comunidade, os quais determinam a estruturação de diversos sistemas de dominação responsáveis por legitimar aquilo que é posto como mais relevante (sustentável) para aquela localidade naquele específico intervalo de tempo. Em suma, o desenvolvimento sustentável é um agir social consequente da sociedade que o investiga, bem por isso ele pode ser passivo para algum contexto e reacionário para outros grupos de convivência. Estas informações díspares não descredibilizam o desenvolvimento sustentável enquanto agir social e enquanto fenômeno de estudo para as Ciências Sociais, ao contrário, elas exigem a constituição de tipos ideais para esta expressão, os quais precisam estar em coerência com o contexto social, político, cultural, econômico e ambiental em que é analisado.

Os Modelos Heurísticos para Diferentes Nações/Regiões

Em uma análise sobre a evolução tecnológica e a administração, Ramos (1983) em seu livro Administração e Contexto Brasileiro esboçou uma teoria geral da administração e apresentou Modelos Heurísticos. Estes modelos contemplam a descrição de distintas fases do desenvolvimento tecnológico e dos distintos sistemas administrativos, para cada uma das quais foram constituídos correspondentes modelos teóricos.

Ramos (1983) desenvolveu os Modelos Heurísticos da evolução tecnológica e os Modelos Heurísticos de administração. Para o estudo em apresentação foram considerados apenas os Modelos Heurísticos da evolução tecnológica, uma vez que a tecnologia "tende a ser o atributo essencial do pensamento funcional e multidimensional, que se aplica a todos os domínios da vida." (RAMOS, 1983, p. 76)

Três são os Modelos Heurísticos estruturados pelo autor, sendo eles o modelo arcaico, o modelo de transição e o modelo atualizante. O modelo arcaico é o mais rudimentar, presente em regiões ingressantes ao capitalismo. O modelo de transição corresponde a uma fase do capitalismo em que se divisam efetivas tendências para o desenvolvimento autopropulsionado e assimilação crescente das mais modernas técnicas de produção e relações humanas. E, o modelo atualizante, é o modelo limite, no sentido que não se configurou em nenhum lugar. Trata-se de um modelo característico de sistemas econômicos dinâmicos e aptos à utilização sistemática de inovações. (RAMOS, 1983)

A qualificação de uma região, ou nação, em referência ao modelo em que está inserida, por meio da complexidade da evolução tecnológica, se estabelece pela consideração dos fatores descritos no Quadro 4.


Segundo o autor, "é óbvio e acontece, de fato, que as sociedades apresentam simultaneamente todos os modelos." (Ramos, 1983, p. 76) No entanto, uma região que apresenta todos os elementos de um modelo é estrutural e funcionalmente distinta da que apresenta apenas alguns desses elementos. Em relação à evolução tecnológica da produção e às etapas da evolução tecnológica, os modelos "evoluem" gradativamente segundo os fatores apresentados anteriormente, e trazem consigo uma ambiguidade: à medida que a capacidade produtiva do capitalismo alcança maiores escalas, maior o nível de participação social exigido em inúmeras decisões, mas, em contrapartida são necessárias cada vez menores quantidades de mão de obra. Produz-se mais com menos pessoas exercendo suas funções.

Níveis de Existência dos Indivíduos

A teoria dos níveis de existência dos indivíduos, denominada por Graves (1970, 1974) como uma teoria de valores sistêmica e aberta, propõe que o homem escale uma escada existencial para compreender sua sobrevivência e sua representatividade em relação à realidade que observa, ou seja, o ser humano se desenvolve por meio de uma movimentação evolutiva caracterizada pelo desenvolvimento sequencial de estágios psicológicos distintos.

Por esta lógica o autor estabeleceu oito níveis de existência principais para o ser humano: o automático, o tribal, o egocêntrico, o santo, o materialista, o sociocêntrico, o cognitivo e o dicotômico. Graves (1970) esclarece que três são os principais pressupostos que fundamentam os sistemas de valores que formam estes níveis de existência: (1) a natureza humana não pode ser compreendida como um fenômeno de investigação padronizado e fechado, mas sim como algo aberto e em contínua emergência; (2) a natureza humana se desenvolve pela evolução consequencial e contínua de estados psicológicos menos avançados para configurações de necessidades mais complexas; e, (3) os valores priorizados pelos seres humanos são dependentes dos sistemas sobre os quais eles estão inseridos, pois são por eles que novas configurações de pensamento e novas necessidades serão observadas. (GRAVES, 1970)

Graves (1974) afirmou que as ações de grupos coletivos são consequências de ações individuais, bem por isso defendia que sua teoria poderia e deveria ser utilizada para analisar o nível de existência de diferentes divisões sociais manifestadas pelas ações dos seres humanos. O autor considerava que nações, instituições, grupos sociais, organizações, grupos de pesquisa e quaisquer outras formas de ações humanas coletivas poderiam ser consideradas como entidades passíveis de serem qualificadas segundo os níveis de existência e o sistema de valores desenvolvido por ele.

Os dois primeiros níveis de existência (o automático e o tribal) foram desconsiderados, pois o próprio Graves (1970, 1974) considerou que os indivíduos assim caracterizados rejeitam qualquer ordem de problema que destoe de sua capacidade de compreensão da realidade. Nestes dois níveis os seres humanos não estão conscientes sobre as consequências de seus atos para com o meio, ou seja, não é possível constatar, por parte destes indivíduos, uma racionalidade em sua convivência social. Os demais níveis de existência (egocêntrico, santo, materialista, sociocêntrico, cognitivo e dicotômico) são apresentados em sequência.

No nível egocêntrico prevalece uma relação dicotômica de autoritarismo e submissão. O autoritarismo é identificado nos poucos indivíduos que se emanciparam das relações tribais. Estes passam a ser os agentes sociais representativos de suas respectivas comunidades, e por tal razão exercem uma função autoritária sobre seus pares, que por uma necessidade de sobreviver tornam-se submissos a esses desmandos. Este nível é caracterizado por uma lógica de defesa dos interesses individuais em que os submissos acatam ordens por terem seu bem-estar e segurança garantidos e o autoritário empreende as ações que lhe são aprazíveis, desde que essas não ameacem a sua posição de destaque em relação ao grupo subordinado. (GRAVES, 1970, 1974) A incondicionalidade desta dicotomia entre autoritarismo e submissão começa a ser questionada quando o homem, em um novo nível de existência, assume que a convivência ocorre por meio de regras sociais que são previamente estabelecidas para cada uma das relações que compõe o cotidiano de um determinado grupo. Estas regras caracterizam o nível santo, uma vez que os indivíduos assumem que elas descrevem com clareza como cada um deve se comportar para que o próximo não seja prejudicado em decorrência das inconsequências de terceiros. O homem, neste nível, se predispõe a rejeitar um prazer individual em prol de um bem-estar coletivo e de uma convivência social pacífica. (GRAVES, 1970, 1974)

Esta negação individual é colocada em xeque a partir do momento em que o mundo é compreendido como um universo particular de segredos. O interesse por vasculhar as questões mais instigadoras desse mundo é a característica mais marcante do nível materialista. O homem materialista é objetivista e, por consequência, positivista. Este indivíduo tem como prioridade satisfazer todos os seus desejos em um curto período de tempo. Esta doação particular aos anseios de suas realizações individualistas faz com que o homem materialista seja o centro de seu próprio mundo, o que o constitui como alguém respeitado, invejado e não muito bem quisto por seus pares sociais. (GRAVES, 1970, 1974)

A individualidade objetivista do nível materialista revela que os indivíduos assim qualificados possuem uma apatia social, que começa a ser desconstruída com a descoberta de conceitos como cidadania e civilidade, os quais contribuem para que o homem descubra-se um ser sociável, ou seja, dotado de uma preocupação compartilhada com ele mesmo e com aqueles com quem divide os mesmos espaços de convivência. Este patamar de compreensão leva o indivíduo a alcançar o nível sociocêntrico, marcado por uma preocupação de pertencer a um grupo, de ser aceito por ele, mas por uma relação de otimização de interesses (barganhas). O homem sociocêntrico é um agente social consciente de sua representatividade, visto que entende as consequências de suas ações, decisões e relações para com todos que direta e indiretamente convivem com ele. (GRAVES, 1970, 1974)

No nível cognitivo esta conscientização do homem sociocêntrico é complementada por uma motivação de conhecer todas as coisas e de entender a relação de todas essas coisas com os seres vivos que dependem, interagem e exercem influência sobre elas. Este nível elevado de abstração denuncia uma preocupação de contribuir para a continuidade dos indivíduos, das sociedades, das instituições e, principalmente, da natureza. Esta reflexividade aguçada do indivíduo propicia sua emancipação de todos os níveis de subsistência e a conquista do primeiro nível de existência, também denominado de homem cognitivo. (GRAVES, 1970, 1974)

Apesar de sua complexidade, o nível cognitivo não representa o estágio mais elevado dos níveis de existência defendidos por Graves (1970, 1974). As reflexões e as abstrações do homem cognitivo podem levar o indivíduo a descobrir a existência de inúmeras lentes do conhecimento, pelas quais diferentes interpretações sobre a realidade podem vir a ser empreendidas. Esta constatação leva o homem ao seu segundo nível de existência, o nível dicotômico. Trata-se de um momento crucial em que o indivíduo reconhece a totalidade de sua representatividade e adquire consciência plena de sua participação social. A contemplação da relevância deste nível coloca o indivíduo em uma posição decisória dicotômica: (1) ele age em relação a este cenário com a consciência de sua representatividade e da existência de inúmeras interpretações possíveis de serem concedidas mediante suas ações e decisões, ou, (2) amedronta-se frente ao mesmo e opta por retornar, conscientemente, a estágios anteriores a fim de que seu processo de existência não seja abalado por complexos dilemas científicos e filosóficos. (GRAVES, 1970, 1974)

O Quadro 5 resume brevemente os níveis de existência dos indivíduos defendidos por Graves (1970, 1974).


Os Níveis de Representatividade das Organizações

Beck e Cowan (1996), sucessores de Graves (1970, 1974), afirmam que se, por alguma ocasião, as circunstâncias sociais se transformarem, por situações que convidem as organizações a responderem e, consequentemente, reconsiderarem seu papel junto à sociedade, isto implicará que tais organizações terão que se readaptar, ou realinhar-se, por meio de mudanças em todos os seus mecanismos de gestão já institucionalizados (missão, visão, políticas de desenvolvimento, tomadas de decisões, modelos de reportar ações ao meio, parcerias de negócios etc.).

Graves (1970, 1974) e Beck e Cowan (1996) deixaram claro que as entidades sociais, eventualmente, tentarão conhecer os desafios impostos pela condição social da qual participam, de maneira que possam compreender se a essa estão inerentes os riscos de desaparecimento de necessidades que garantam a sobrevivência dos padrões sociais atuais. Como a comparação que se busca é entre os níveis de existência dos indivíduos e os níveis de representatividade das organizações, buscou-se por um inter-relacionamento que se desenvolvesse a partir do nível egocêntrico. Os níveis de existência dos seres humanos e os níveis de representatividade das organizações são consequentes e complementares. (GRAVES, 1970, 1974; BECK; COWAN, 1996) Para uma organização conquistar uma representatividade dicotômica nem todos os indivíduos precisam estar em tal nível, mas sim aqueles que participam de maior poder de influência sobre os grupos sociais. (BECK; COWAN, 1996) Como Graves (1970) afirmou, nos tempos passados e contemporâneos existiram e existem sociedades compostas por pessoas inseridas em todos os níveis cujos sistemas de valores estão misturados. Graves (1970, 1974) e Beck e Cowan (1996) afirmam que se os seres humanos pertencentes a determinados grupos, tais como as organizações, não se desenvolverem, tais grupos tendem a desaparecer, já que os níveis de existência dos indivíduos tornam-se estáticos e as organizações tendem a extinguir tais comportamentos sociais. Os níveis de representatividade das organizações propostos por Beck e Cowan (1996) a partir da teoria dos níveis de existência de Graves (1970, 1974) são descritos em sequência.

As organizações inseridas ao nível de representatividade egocêntrico exercem suas atividades mercadológicas por meio de uma orientação mercantilista, pela qual privilegia-se a concessão de muito poder para poucos atores sociais. As organizações egocêntricas têm como necessária a acumulação primitiva de capitais e por isso justificam a degradação contínua do meio ambiente sem o estabelecimento de um compromisso de compensar os prejuízos socioambientais gerados por meio de atividades produtivas, transações comerciais e prestação de serviços. As organizações egocêntricas constituem o centro de suas redes de relacionamentos, enquanto que outros atores sociais (indivíduos, sociedade, instituições) ficam a margem de processos decisórios importantes. (BECK; COWAN, 1996)

A manutenção de empresas puramente egocêntricas em contextos regionais, nacionais e internacionais incorre em riscos e prejuízos econômicos e ambientais capazes de comprometer a ordem social, bem por isso observa-se o aparecimento de instrumentos coercitivos, de natureza legislativa, que obrigam as empresas a reconhecerem pelo menos parte de sua responsabilidade para com o meio. As organizações que assumem essas responsabilidades por uma ótica sacrificante possuem um nível de representatividade santo. Neste faz-se o que é determinado por lei, a fim de que a organização sinta-se cumpridora de sua função social, ou seja, isenta de punições legais mediante possíveis prejuízos que comprometam a sociedade, a economia, as instituições e o meio ambiente. (BECK; COWAN, 1996)

Quando as organizações descobrem que tais obrigações podem representar novas fontes de lucros elas deixam de observar sua representatividade por uma ótica sacrificante e aderem a uma representatividade orientada por uma lógica de retornos, a qual está inserida no nível materialista de representatividade das organizações. Uma organização materialista auxilia a sociedade, preserva o meio ambiente e valoriza o ser humano desde que haja um retorno financeiro diretamente relacionado a essas ações. Todos os investimentos relacionados ao bem estar do meio precisam comprovar sua viabilidade financeira para a organização, o que testifica o lucro como principal força motivadora da representatividade materialista das organizações. (BECK; COWAN, 1996)

Beck e Cowan (1996) asseveram que a legitimação do lucro significa a possibilidade das organizações observarem a sociedade por uma nova ótica, a da reciprocidade. Nesta concepção passa a existir uma noção de reciprocidade entre organizações, sociedade e meio ambiente, sem que haja a desconsideração do lucro como imprescindível. Este é o nível de representatividade sociocêntrico, pelo qual se ressalta a necessidade de manter uma relação saudável com todos aqueles que compõem a cadeia de relacionamento da organização, pois essas cooperações contribuem para a longevidade de suas diversas atividades operacionais. Neste nível de representatividade a organização não é mais o centro das análises, uma vez que se assume como parte de um todo que influencia e é influenciado pelas próprias relações empresariais. (BECK; COWAN, 1996)

No próximo nível de representatividade, denominado por Beck e Cowan (1996) de cognitivo, as organizações reconhecem sua real representatividade junto ao meio que a ampara. Uma organização cognitiva assume que uma busca incessante por lucros contribui para: extinção do meio ambiente, degeneração das estruturas sociais, degradação do patrimônio cultural e rompimento dos ciclos econômicos. A partir deste cenário conclui-se que a continuidade de todos, inclusive das organizações, fica ameaçada. (BECK; COWAN, 1996)

Embora seja complexo, o nível de representatividade cognitivo pode ser complementado por meio da identificação da plenitude dos ricos e benefícios gerados pela organização por meio de suas atividades operacionais. Esta visão completa dos efeitos causados por seu funcionamento coloca a organização em um nível de representatividade dicotômico. Devido a algumas restrições legais, algumas organizações optam por omitirem o fato de terem alcançado este nível. Isto porque teriam de se autodenunciar sobre alguns malefícios ambientais e sociais gerados em seus cotidianos, os quais não são vigiados pelas legislações e não são percebidos pelos diferentes movimentos sociais fiscalizadores. Quando este nível é alcançado e assumido pela organização realiza-se uma gestão preocupada com o todo, isto é, uma gestão holística. (BECK; COWAN, 1996)

O Quadro 6 resume brevemente os níveis de representatividade das organizações defendidos por Beck e Cowan (1996).


Os Tipos Ideais de Desenvolvimento Sustentável

Para a apresentação dos tipos ideais de desenvolvimento sustentável será introduzida uma contextualização sobre suas elaborações. Este exercício será segmentado em três partes, as quais serão representadas pelos Modelos Heurísticos da evolução tecnológica de Ramos (1983). Como já mencionado, estes Modelos Heurísticos foram utilizados para se referenciar aos diferentes níveis de desenvolvimento tecnológico participados por nações e regiões, os quais, a partir de análises pautadas por sistemas de produção industrial, indicarão o comportamento das organizações em patamares diferenciados de atuação no sistema capitalista.

As características dos Modelos Heurísticos (o instrumento de trabalho, o processo de produção, o sistema de produção, a qualidade da produção, o consumo de energia, os materiais, a razão entre capital e trabalho e a técnica administrativa) serão complementadas por contribuições pontuais extraídas da Sociologia Weberiana, pelas quais serão analisadas algumas características macro sociais de cada um dos Modelos Heurísticos estudados (a relação entre os grupos de status e as classes sociais, os esquemas de decisões sociais, os sistemas de dominação predominantes e a força legislativa). Tais análises serão enriquecidas pela indicação dos níveis de existência dos seres humanos que predominam em cada configuração estruturada que, por sua vez, será complementada pela apresentação de níveis de representatividade das organizações condizentes com os níveis de existência selecionados.

Por meio da compreensão de algumas informações peculiares sobre o movimento das sociedades, complementada pelo entendimento de comportamentos organizacionais específicos, quanto à evolução tecnológica das regiões que amparam estas empresas, pela caracterização predominante dos indivíduos inseridos nessas localidades e da representatividade conferida por eles ao exercício de gestão racional das organizações, serão apresentados os tipos ideais de desenvolvimento sustentável que podem qualificar regiões como pertencentes, respectivamente, ao modelo arcaico, ao modelo de transição e ao modelo atualizante.

Conforme já exposto, o modelo arcaico representa o exemplo mais rudimentar de exercício do capitalismo. É inerente a este modelo a existência de grupos de status, no entanto estes são idênticos às classes sociais, pois, aqueles que buscam manter seus interesses e status sociais são os mesmos que já possuem uma posição social superior legitimada pela classe social que representam, a qual, por sua vez, é regida por desmandos e vontades de uma elite dominante. Essa, elege um líder para personificar a expressão e a atuação do poder social, pessoa assumida e aceita como superior para decidir e julgar as necessidades e as ações de seus súditos, bem por isso propõe-se que neste modelo predomine a dominação carismática, por ser imposta e obediente a uma jurisprudência situacional. As decisões sociais ofertadas por tal líder migram de um quadrante em que os níveis de diferenciação e de generalização de suas sentenças são ambos baixos, isto é, marcadas por critérios pautados por considerações práticas, relacionadas a casos específicos (irracionalidade substantiva), e culminam em um espaço em que as decisões sociais possuem um nível de diferenciação elevado, mas à custa de um baixo nível de generalização, ou seja, referem-se às decisões tomadas sem qualquer referência a um padrão geral pré-estabelecido e sem maiores preocupações com os sujeitos sociais envolvidos àquele específico processo decisório (irracionalidade formal). Por consequência da relação harmoniosa entre os grupos de status e as classes sociais, da predominância de uma dominação carismática e de decisões sociais que partem de uma irracionalidade substantiva e que não conseguem romper com o limite da irracionalidade formal, admoesta-se que a força legislativa está nas mãos dos poucos que elegem o líder carismático. Isto é, importam às legislações os fatores econômicos e a organização política relegando assuntos sociais e especificidades profissionais. (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

No modelo arcaico o indivíduo é compreendido como um sinônimo da força braçal que emprega, haja vista que o processo de produção das organizações é comum a todos os povos, uma vez que há o domínio do ofício artesanal completo, no qual um sujeito é responsável por toda a cadeia de produção, e o início do ofício artesanal especializado, no qual os indivíduos especializam-se em partes do processo produtivo. Isso remete a uma qualidade produtiva rudimentar, marcada pela ausência de técnicas administrativas refinadas, e, por consequência deste cenário, observam-se constantes atrasos nos processos produtivos, os quais têm baixo consumo de energia mecânica e são altamente dependentes do emprego de força humana e animal. A produção ocorre pela lapidação rústica de materiais nada inovadores, como madeira, ferro e bronze. O processo produtivo, excessivo em mão de obra, é organizado com muitos instrumentos coercitivos, com práticas de comunicações deficientes e com a extrema valorização dos retornos financeiros. Embora exista uma acumulação primitiva de lucros, pelos inúmeros funcionários necessários à produção, existe pouca aplicação (investimento) de capital. (RAMOS, 1983)

O movimento social e organizacional no modelo arcaico permite inferir que, em regiões assim qualificadas, predomina um sistema de sobrevivência marcado por uma lógica de defesa de interesses pessoais, no qual poucos mandam e muitos obedecem, para que assim sejam garantidas condições básicas de bem-estar e segurança. Está claro para estes indivíduos que certas regras sociais são prescritas a eles, uma vez que essas descrevem claramente o tipo de comportamento esperado de cada classe social. Ela é o centro das relações, por meio das quais impera uma ideologia de obrigação mercantilista, ou seja, a organização apenas fará o que é bom se for obrigada por mecanismos legislativos devidamente legitimados. Observa-se assim que, em relação aos níveis de existência dos indivíduos e aos níveis de representatividade das organizações, mesclam-se fatores dos patamares egocêntrico e santo. (GRAVES, 1970, 1974; BECK; COWAN, 1996)

Apresentadas essas considerações sintetiza-se no Quadro 7 o modelo arcaico de desenvolvimento sustentável.


O modelo de transição compreende um esquema intermediário entre o que há de mais simples e o mais complexo no capitalismo. Os grupos de status também existem no modelo de transição, mas em localidades imersas em tais condicionantes capitalistas eles começam a divergir dos interesses das classes sociais dominantes, na medida em que surge uma nova elite composta pelos novos ricos. Tal cenário contribui para que o tipo de dominação social predominante seja a tradicional, regida por decisões justificadas por fatos empíricos e fundamentada em tradições sociais imutáveis. Intrínseca a esta dominação estão as decisões que partem de uma irracionalidade formal e conquistam maior expressividade em uma racionalidade substantiva. Nessa, as decisões consideram critérios e padrões mais generalizados. Embora mais pessoas participem das decisões sociais, essas ainda não contemplam os menos afortunados, bem por isso infere-se que os fatores econômicos ainda predominam na constituição de forças legislativas, no entanto com uma atenção maior a necessidade de organização política, haja vista a imprescindibilidade de que a burguesia garanta a sua representatividade. (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

No modelo de transição o indivíduo é valorizado como sinônimo da profissão que representa, uma vez que os processos de produção tradicionais começam a entrar em conflito com as tecnologias importadas, o que obriga a constituição de esquemas de trabalhos parcelados, executados sucessiva e simultaneamente, nos quais as máquinas são operacionalizadas pelos homens. Toda esta revolução conflui em um aumento na complexidade de gestão das organizações e um efetivo incremento no controle qualitativo dos produtos. Como há mais tecnologia, os processos produtivos são relativamente mais rápidos, mas ainda dotados de certos atrasos por precisarem da contribuição do homem na operacionalização das máquinas. As inovações tecnológicas permitem o tratamento de materiais mais inovadores como aço liga, alumínio e ligas leves. As práticas de gerenciamento menos coercitivas, mais comunicativas e com menos relevância ao fator econômico, fazem predominar uma visão de balanceamento dos investimentos em mão de obra qualificada e aplicações de capital mais arrojadas. (RAMOS, 1983)

As características sociais e organizacionais dominantes no modelo de transição permitem inferir que o ser humano passa a ser conduzido por um desejo de conquistar o mundo em um curto espaço de tempo, ao passo que começa a ganhar a representatividade de um ser sociável, logo, preocupado em se autocompreender e em relacionar-se com os que estão a sua volta. De maneira semelhante, as organizações começam a admitir fatos administrativos como auxiliar a sociedade, preservar o meio ambiente e valorizar o ser humano, desde que tudo isto seja conquistado com retornos financeiros justificáveis. Gradativamente a organização sai do foco de análise e passa a compor parte de um complexo holístico vislumbrado nas relações empresariais. Com base nas contribuições de Graves (1970, 1974) e de Beck e Cowan (1996) é possível observar uma inter-relação entre os níveis materialista e sociocêntrico de existência dos indivíduos e de representatividade das organizações.

A partir das considerações apresentadas sintetiza-se, no Quadro 8, o modelo de transição de desenvolvimento sustentável.


O modelo atualizante constitui a complexidade máxima do sistema capitalista, se é que essa um dia possa ser alcançada. Vale dizer, no entanto, que este modelo não vai muito além de uma realidade possível de ser observável, pois ele não propõe uma nova ordem mundial, mas sim uma organização mais avançada da ordem requisitada pelo capitalismo. Neste modelo a liberdade de questionar é ampla, bem por isso concede-se a uma elite intelectual (e não financeira) a representatividade dos grupos de status. Estes buscam uma plena liberdade social porque lutam por novos parâmetros de estratificação social. Na verdade, os grupos de status se chocam com as classes sociais, por perguntarem infinitamente: qual a verdadeira riqueza das nações? A investigação da resposta deste questionamento é garantida por um sistema de dominação legal, enquadrado por decisões pautadas por uma racionalidade lógica formal, as quais estão baseadas em princípios sociais legitimados, cuidadosamente elaborados, pois estabelecem os padrões de ações sociais. Esta padronização de decisões sociais, amparada por um sistema de dominação legal, intenta conferir uma plena regulamentação ao sistema, para que todas as camadas sociais possam ter seus direitos garantidos (o que não implica o cumprimento real dos mesmos). (ANDRESKI, 1964; WEBER, 1964, 1968; TRUBEK, 1972; BARBALET, 1980; WOODS, 2003)

Os indivíduos para uma região atualizante são valorizados como seres pensantes dotados de competências específicas que são capazes de transformar e revolucionar as rotinas econômicas, ecológicas, sociais e políticas de uma comunidade. Os indivíduos que importam ao modelo atualizante elaboram as novas tecnologias, dão vazão às inovações e concedem vida aos desejos mais inquietos dos consumidores. Os demais sujeitos sociais vivem a margem de uma sociedade cada vez mais desigual, que apesar de garantir o direito de sobrevivência dos pares humanos, não oferece a todos a mesma potencialidade de inserção social. As organizações possuem suas técnicas de administração continuamente implementadas por sistemas integrados de gestão sempre mais complexos. Os processos produtivos são rápidos e previsíveis, pois, o que está à frente de todas as tarefas são máquinas configuradas para substituírem os homens. Com o excedente de mão de obra, essa, torna-se desvalorizada, o que possibilita a realização de maiores aplicações de capital. São priorizadas a formação e o desenvolvimento de trabalhadores do conhecimento, já que eles podem ser gerenciados sem nenhuma coerção, possuem alta capacidade de assimilação dos programas comunicativos e entendem que o retorno financeiro é uma consequência inevitável do exercício de suas competências. (RAMOS, 1983)

No patamar atualizante, dentre os níveis de existência dos indivíduos apontados por Graves (1970, 1974), acredita-se que possa haver uma relação entre a plenitude do nível cognitivo e um início do nível dicotômico, ou seja, o homem emancipa-se dos estágios de subsistência e alcança o primeiro nível de existência do ser humano. Esta etapa é sequenciada por um momento crucial, no qual o indivíduo compreende totalmente a sua representatividade, adquire a consciência de sua participação social e age em relação a tal cenário, ou teme em relação a ele e opta, conscientemente, por retornar a estágios anteriores a fim de que seu processo de existência não seja abalado por grandes dilemas científicos e filosóficos. (GRAVES, 1970, 1974) O mesmo ocorre com as organizações, que adquirem uma noção sobre sua real representatividade para com o meio que a ampara. Esta ciência determina uma evolução irremediável, por meio da qual ela tende a assumir e reconhecer a plenitude de riscos e benefícios gerados por suas atividades. (BECK; COWAN, 1996)

Levando em consideração essas características sintetiza-se, no Quadro 9, o modelo atualizante de desenvolvimento sustentável.


Após a exposição das relações teóricas que permitiram a proposição de tipos ideais para o desenvolvimento sustentável apresenta-se em sequência, por meio do Quadro 10, uma síntese de suas principais características.


Considerações Finais

Este artigo foi desenvolvido com o objetivo principal de propor tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável. A apresentação deste propósito de estudo se justifica pela necessidade de legitimar um debate acadêmico coerente e fundamentado sobre o desenvolvimento sustentável junto à administração e às demais ciências sociais aplicadas. Por meio deste debate busca-se introduzir considerações que são proposições científicas e não verdades absolutas e inquestionáveis. A partir do pressuposto apresentado na seção que tratou sobre a metodologia desta pesquisa, isto é, de que o desenvolvimento sustentável se sujeita à racionalidade presente no território que o analisa e o busca, considerou-se necessário compreender, em âmbito teórico, a relação entre este tema e as diferentes configurações territoriais que o interpretam.

Os tipos ideais propostos denominaram-se modelo arcaico de desenvolvimento sustentável, modelo de transição de desenvolvimento sustentável e modelo atualizante do desenvolvimento sustentável. Dentre as muitas caracterizações alocadas a esses tipos ideais, destaca-se a compreensão proposta em relação ao próprio desenvolvimento sustentável. No modelo arcaico o desenvolvimento sustentável foi compreendido como um processo interessado em atender preocupações imediatistas. Para o modelo de transição considerou-se o desenvolvimento sustentável como um fenômeno responsável por tentar remediar o que está errado sem um interesse de antecipar as soluções de futuras patologias. E, para o modelo atualizante, o desenvolvimento sustentável foi assumido como fenômeno de caráter micro e macro social, interpretado por uma abordagem multidisciplinar interessada em investigar os erros passados, resolver as patologias contemporâneas e evitar catástrofes futuras.

A partir das relações teóricas desenvolvidas e que culminaram com a proposição dos tipos ideais foram realizadas algumas ponderações. É possível perceber que o modelo arcaico do desenvolvimento sustentável assume um compromisso de continuidade da lógica mercantilista, sem a consideração ou aceitação de qualquer externalidade sistêmica que indique a necessidade de alteração de alguns padrões desta ótica econômica. O modelo de transição concede ao desenvolvimento sustentável um caráter reativo, mas não provocativo, uma vez que acata imposições sem se interessar por romper o limite da obrigatoriedade. E, no modelo atualizante, pode ser constatada uma postura proativa do desenvolvimento sustentável enquanto fenômeno social, pois agrega para si interesses passados, preocupações contemporâneas e cenários futuros que, em conjunto, sinalizam a necessidade de mudanças diversas em prol de que o sistema como um todo não seja extinto.

Essas ponderações indicam, em conformidade com as reflexões teóricas apresentadas, que um desenvolvimento sustentável orientado para a o longo prazo apenas se dará no tipo ideal descrito pelo modelo atualizante de desenvolvimento sustentável, ou seja, na configuração mais complexa das que foram defendidas. Fica claro que o tipo ideal representado pelo modelo arcaico de desenvolvimento sustentável não cobra modificações socioeconômicas muito significativas, que por sua vez são comentadas em nível inicial pelo modelo de transição de desenvolvimento sustentável. Por meio dessas constatações admite-se que transformações e inovações estruturais em prol do desenvolvimento sustentável exigem uma maturidade atualizante do sistema capitalista.

Este conjunto de discussões conflui com a postura necessária de refutar proposições científicas que alinhem, juntamente com o desenvolvimento sustentável, questões sociais, econômicas e ambientais por abordagens ingênuas e inócuas, as quais não conferem com a complexidade exigida pelos sistemas contemporâneos para o alcance de um modelo atualizante de desenvolvimento sustentável. Como opção de combate a essas análises, um tanto inocentes, sugere-se a utilização do conhecimento já disponível sobre o tema para a elaboração de inovações científicas necessárias. Em outras palavras, a criação de neologismos ou novas teorias para explicar um fenômeno que pode ser entendido por meio de nomenclaturas e teorias já existentes, pode contribuir menos para o estado da arte do que pode vir a ser conhecido a respeito do desenvolvimento sustentável.

A proposição de tipos ideais para orientar o desenvolvimento sustentável inova ao relacionar o tema em perspectiva com referências relevantes das teorias das organizações, o que ressalta a contribuição mencionada no parágrafo anterior de tentar compreender este fenômeno a partir de nomenclaturas e teorias já existentes. As relações teóricas permitiram a configuração de três possíveis modelos que podem ser investigados empiricamente, os quais não se pretendem rótulos que circundem o desenvolvimento sustentável em prisões cognitivas descontextualizadas, mas sim caminhos de análise para interpretações mais aprofundadas sobre o tema.

Estudos futuros podem ser desenvolvidos para complementar os tipos ideais aqui propostos, também, para desconstruí-los mediante a apresentação de alternativas ao aqui proposto. Outro tópico relevante a ser abordado seria a consideração das teorias organizacionais que mais estariam vinculadas a cada um dos tipos ideais propostos como candidatos à verdade científica a respeito do tema discutido neste artigo.

Submissão: 21/2/2012

Aprovação: 6/4/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2012
  • Aceito
    06 Abr 2013
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