Acessibilidade / Reportar erro

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: MAIS QUALIDADE DA DEMOCRACIA?

PARTICIPATORY BUDGET: MORE QUALITY OF DEMOCRACY?

Resumo

Este artigo discute a qualidade democrática do orçamento participativo a partir de um estudo empírico do orçamento participativo da região administrativa de Ceilândia, Distrito Federal, Brasil. Para isso, elabora um modelo de análise com base em seis parâmetros de qualidade da democracia, extraídos de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., Dahl (2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; 2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. e Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002.. Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal, com análise predominantemente qualitativa. A pesquisa foi operacionalizada por meio de triangulação de métodos: a) levantamento de campo com 412 moradores da região e 39 delegados do orçamento participativo; b) pesquisa documental; e c) entrevistas. Os resultados apontam para rupturas no processo democrático e possibilitam concluir que o orçamento participativo do Distrito Federal, naquela região, é democraticamente pouco responsivo.

Palavras-chave
Orçamento participativo; Qualidade da democracia; Responsividade democrática

Abstract

The article discusses the democratic quality of the participatory budgeting from an empirical study of the participatory budget administrative region of Ceilândia, Federal District, Brazil. For this, prepare an analysis model based on six democracy quality parameters extracted from Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., Dahl (2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; 2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., Diamond and Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. and Altman and Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002.. Is a descriptive cross-sectional study with predominantly qualitative analysis. The research was operationalized through triangulation of methods: a) field survey with 412 local residents and 39 delegates of the participatory budget; b) documentary research; and c) interviews. The results point to disruptions in the democratic process and make it possible to conclude that the participatory budget of the Federal District in that region is little democratically responsive.

Keywords
Participatory budgeting; Quality of democracy; Democratic responsiveness

Introdução

Desde a década de 1970, grupos da sociedade civil organizaram-se por mais participação no cenário político, clamando por novas formas de participação da sociedade na elaboração e formulação de políticas públicas. Os movimentos alastraram-se pelos anos 1980, sobretudo com as mobilizações durante o processo constituinte, interferindo em várias tratativas que culminaram na atual Constituição, em 1988. Foram aceitas emendas populares com mais de 30 mil assinaturas (WHITAKER, 1989WHITAKER, F. Cidadão constituinte: a saga das emendas parlamentares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.). Assim, começou uma participação mais institucionalizada dos movimentos populares no Estado, via emendas populares, e cresceram as práticas participativas nas áreas de políticas públicas, a exemplo das áreas de saúde, assistência social, urbanismo e meio ambiente (AVRITZER, 2010bAVRITZER, L. (Org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2010b.).

A “Constituição Cidadã”, assim chamada por diversos parlamentares da época, pode ser entendida como um marco para a criação de institutos democráticos que favorecem a participação e a deliberação da sociedade civil nas ações governamentais. Esses institutos referem-se à participação popular por meio de referendo, plebiscito, conselhos, fóruns e audiências públicas, posteriormente instituindo também os orçamentos participativos como práticas para democratizar as decisões sobre alocação dos recursos governamentais (PEREZ, 2009PEREZ, A. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009.; AVRITZER, 2009aAVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a.). Porém, estes últimos não foram criados como decorrência direta da Constituição.

No Brasil, embora existissem tentativas semelhantes anteriores ao ano de 1989, as primeiras experiências de orçamento participativo (OP) que ganharam visibilidade remontam àquele ano. São elas as experiências de Porto Alegre (RS), Piracicaba (SP), Angra dos Reis (RJ), Vitória (ES), Santo André (SP), Ipatinga (MG), Betim (MG), São Paulo (SP), Santos (SP) e Jaboticabal (SP) (PIRES; MARTINS, 2011PIRES, V.; MARTINS, L. D. J. Orçamento participativo (OP) após vinte anos de experiências no Brasil: mais qualidade na gestão orçamentária municipal?. Capital Científico, Guarapuava, PR, v. 9, n. 2, jul./dez. 2011.). As experiências tiveram seu auge na década de 1990, e atualmente encontram-se registros de um declínio tanto no interesse acadêmico pelo tema quanto na quantidade de experiências registradas nos últimos anos (PIRES, 2011PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. v. 7. 372 p.). Todavia, o fato de os governos adotarem orçamentos participativos também pode ser entendido como uma forma de fomentar a participação popular nas decisões políticas. Nas últimas décadas, não só o Brasil, mas diversos outros países do mundo passaram por processos de democratização, saindo de regimes autoritários para estados democráticos (DAHL, 2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.). Tanto os orçamentos participativos quanto a qualidade dessas “novas democracias” têm chamado a atenção dos pesquisadores.

Especificamente sobre o OP, diversos estudos descrevem e discutem as experiências à luz das teorias democráticas, sobretudo teorias que abordam a deliberação e a participação dentro de um contexto democrático (SANTOS, 2002SANTOS, B. D. S. Democracia e participação: o caso do orçamento de Porto Alegre. Coimbra, PT: Afrontamento, 2002.; AVRITZER; NAVARRO, 2003AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003.; AVRITZER, 2004AVRITZER, L. Participação em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2004.; 2009aAVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a.; 2010aAVRITZER, L. A dinâmica de participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010a.; MARQUETTI et al., 2008MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008.; WAMPLER, 2007WAMPLER, B. Participatory budgeting in Brazil: contestation, and accountability. University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 2007.). Também há outra corrente teórica preocupada em estudar a qualidade das democracias. Essa corrente busca entender a condição democrática dos governos por meio de parâmetros que permitam definir o que é uma boa democracia e o quanto os governos são, de fato, democráticos (O’DONNELL; CULLELL; LAZZETTA, 2004O’DONNELL, G.; CULLELL, J. V.; LAZZETTA, O. M. The quality of democracy: theory and applications. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame, 2004.; DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.; SOROKA; WLEZIEN, 2010SOROKA, S.; WLEZIEN, C. Degrees of democracy: politics, public opinion, and policy. New York: Cambridge University Press, 2010.; RENNÓ et al., 2011RENNÓ, L. R. et al. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil. São Paulo: Intermeios, 2011.; LIJPHART, 2011LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.; DAHL, 2012bDAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.). Nesse caso, as democracias podem variar em níveis de qualidade do nível mais alto, utópico segundo Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a., até o nível mais baixo, próximo de um regime totalitário.

Em todo caso, uma democracia de qualidade deveria oferecer ao cidadão alto grau de liberdade, igualdade política e controle popular sobre as políticas públicas. Isso aconteceria por meio do funcionamento legítimo de instituições estáveis (DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.). Assim, a qualidade das democracias estaria associada ao funcionamento de suas instituições democráticas. Essas instituições deveriam ser capazes de garantir o funcionamento do estado, a aplicação das leis, a transparência, a accountability e a participação popular (DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.).

Nesse sentido, o orçamento participativo, como uma instituição democrática, deveria ser capaz de fomentar mais transparência, participação e accountability. Ao menos é o que aponta a literatura (WAMPLER; AVRITZER, 2004WAMPLER, B.; AVRITZER, L. Públicos participativos: sociedade civil no Brasil democrático. In: COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 210-238.; COELHO; NOBRE, 2004COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004.). Por outro lado, alguns autores apontam fragilidades nos OP que podem comprometer seu caráter democrático, tais como a baixa quantidade de recursos orçamentários destinados à iniciativa; a predominância de participantes com laços políticos comprometedores, que acabam tomando de assalto as arenas decisórias e, como consequência, reproduzem o sistema político tradicional; e a baixa participação em termos numéricos da população nas reuniões e plenárias (SÁNCHEZ, 2002SÁNCHEZ, F. Orçamento participativo: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2002.; SOMARRIBA; DULCI, 1997SOMARRIBA, M.; DULCI, O. A democratização do poder local e seus dilemas: a dinâmica atual da participação popular em Belo Horizonte. In: DINIZ, E.; AZEVEDO, S. D. Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 391-425.). Segundo Sánchez (2002)SÁNCHEZ, F. Orçamento participativo: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2002., seriam processos decisórios mais caros e lentos, ligados a um grupo restrito de participantes.

Essas controvérsias sobre a qualidade democrática dos OP também podem ser observadas no estudo de Pires (2011)PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. v. 7. 372 p.. Em uma revisão bibliográfica das publicações sobre o orçamento participativo nos últimos 20 anos, o autor conclui que existe uma quantidade considerável de estudos avaliando o caráter participativo do OP, embora nenhum desses estudos tenha chegado a uma conclusão desprovida de controvérsias. Além disso, o autor afirma que estudos sobre os efeitos do OP, tanto como instrumento de gestão quanto como ferramenta de intervenção na realidade, ainda são escassos. Também há escassez de dados e baixa confiabilidade dos existentes, tornando muito difícil chegar a conclusões definitivas sobre o que tem sido efetivamente a prática do OP em termos democráticos.

Portanto, este estudo busca discutir o caráter democrático do OP e sua capacidade de efetivar institutos democráticos. Para tanto, desenvolveu-se um modelo de análise a partir da literatura sobre qualidade da democracia para, assim, investigar a qualidade democrática de OP. Esse tipo de abordagem, além de apresentar um framework para a análise de instituições democráticas, contribui como uma forma de apontar novas perspectivas para estudar o fenômeno. Dessa forma, o modelo foi utilizado para analisar o ciclo do orçamento participativo do Distrito Federal (OPDF), nos anos de 2012 e 2013, com recorte na região administrativa de maior densidade populacional do DF, Ceilândia, com 402.729 habitantes (CODEPLAN, 2010CODEPLAN. Companhia de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa de Domicílio. Brasília, 2010.).

A Ceilândia também tem a nona pior renda per capita mensal entre as 30 regiões administrativas do Distrito Federal, R$ 611,29 (CODEPLAN, 2010CODEPLAN. Companhia de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa de Domicílio. Brasília, 2010.). Foi observado, em outros estudos, que existe correlação negativa entre renda e igualdade entre os participantes no processo político, e a distância entre participação e renda pode ser tratada como parâmetro de qualidade da democracia (LIJPHART, 2011LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.).

A primeira experiência com orçamento participativo no Distrito Federal (DF) remonta ao governo Cristovam Buarque, do Partido dos Trabalhadores (1995-1999). O experimento foi abandonado nos governos seguintes e só retomado em 2011, no governo Agnelo Queiroz, do mesmo partido (2011-2014). Em sua segunda tentativa, o modelo adotado no DF foi regulamentado pelos Decretos n. 32.851/2011 e n. 33.712/2012. O ciclo atual do OPDF 2012/2013 utilizou diversos mecanismos de participação popular, tais como: assembleias regionalizadas, votação de prioridades com participação direta e definição de ações governamentais, por meio de representantes eleitos pela comunidade local e voto pela internet.

Este artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção discute o conceito e o funcionamento do orçamento participativo, considerando a complexidade dos contextos e dos sistemas políticos que o circundam. A terceira versa sobre a qualidade da democracia, quando são apresentados alguns parâmetros para análise, a partir de modelos trabalhados por diversos autores, além das várias dimensões da responsividade democrática. A quarta seção descreve o modelo de análise, que é baseado no cruzamento entre os três estágios de ligação da cadeia de responsividade discutida por Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81. e os parâmetros de qualidade da democracia trabalhados por alguns autores. Também nessa seção são apresentados os procedimentos metodológicos, que são fundamentados na triangulação de métodos, com entrevistas, levantamento de campo (survey) e pesquisa documental. A quinta seção traz resultados e discussões, cujo conteúdo se desdobra em duas direções: apresentação das características principais do ciclo do orçamento participativo de Ceilândia e a análise da qualidade democrática desse OP.

Orçamento participativo: conceito e funcionamento

É difícil identificar na literatura uma definição única de orçamento participativo, em função das várias experiências em contextos distintos e da existência de novos referenciais analíticos após longos períodos de sua implementação. Todavia, pode-se definir OP como um sistema decisório, um arranjo participativo, uma instituição política, uma forma de democracia, um mecanismo de participação e/ou um processo governamental que envolve democracia participativa, pluralista e/ou deliberativa, em que há uma desconcentração de poder decisório do estado, geralmente do poder executivo para o cidadão, por meio de regras e um arranjo preestabelecido e, por intermédio do qual, o cidadão pode intervir na alocação orçamentária e nas prioridades da ação governamental (SANTOS, 2002SANTOS, B. D. S. Democracia e participação: o caso do orçamento de Porto Alegre. Coimbra, PT: Afrontamento, 2002.; MARQUETTI et al., 2008MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008.; AVRITZER, 2009aAVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a.; 2009bAVRITZER, L. Participatory institution in democratic Brazil. Washington, DC: Jons Hopkins University Press, 2009b.; COSTA, 2010COSTA, D. M. D. Vinte anos de orçamento participativo: análise das experiências em municípios brasileiros. Caderno de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 15, n. 56, p. 8-28, 2010.; HOROCHOVSKI; CLEMENTE, 2012HOROCHOVSKI, R. R.; CLEMENTE, A. J. Democracia deliberativa e o orçamento público: experiências de participação em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 43, p. 127-157, out. 2012.).

Uma definição mais geral aponta para o caráter descentralizador do OP, com o estabelecimento de novas relações entre a sociedade civil e o Estado, “relações estas que foram estruturadas por um conjunto de regras e de procedimentos visando à inclusão política e à promoção da justiça social” (LUCHMANN, 2014LUCHMANN, L. H. H. 25 anos de orçamento participativo: algumas reflexões analíticas. Revista Política & Sociedade, v. 13, n. 28, set./dez. 2014., p. 171). Nessa linha, Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. afirma que a cogestão é o que caracteriza o OP. Ou seja, a distribuição dos recursos de investimento acontece de forma compartilhada, a partir da construção de regras, inclusive regras para o próprio sistema de participação. Esse conceito se ancora na democracia deliberativa, que, em tese, está fundamentada na relação dialógica e na pluralidade participativa. Mas, sabe-se que nem sempre a democracia deliberativa permite ampla participação cidadã, como é a proposta do OP. Portanto, essa modalidade democrática não seria referencial propício para avaliar os processos de OP (LUCHMANN, 2014LUCHMANN, L. H. H. 25 anos de orçamento participativo: algumas reflexões analíticas. Revista Política & Sociedade, v. 13, n. 28, set./dez. 2014.). Pateman (1992)PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. corrobora esse pensamento quando afirma que o OP não é um suplemento para as instituições democráticas existentes, uma vez que ele muda e democratiza a estrutura de uma parte dessas instituições.

O modelo de OP de Porto Alegre tornou-se uma referência mundial no que se refere a uma democracia baseada na inclusão política e na justiça social (LUCHMANN, 2014LUCHMANN, L. H. H. 25 anos de orçamento participativo: algumas reflexões analíticas. Revista Política & Sociedade, v. 13, n. 28, set./dez. 2014.). Embora haja controvérsia sobre a capacidade do OP reduzir desigualdades e de fato ter capacidade de gerar mudanças sociais (FERNANDES; BONFIM, 2005FERNANDES, A. S.; BONFIM, W. A democratização da gestão municipal no Brasil: a abordagem teórica do objeto. In: LUBAMBO, C. W.; COELHO, D. B.; MELO, M. A. Desenho institucional e participação política no Brasil: experiências no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2005.). Ainda que o OP de Porto Alegre seja uma referência, sua implementação em alguns países do mundo passa por variações significativas conforme o contexto. Na Alemanha, o processo é mais consultivo e tem como objetivo tornar os governos locais mais responsivos em um contexto de crise nas finanças municipais. A intenção seria amenizar a insatisfação e a abstenção eleitoral. Em Portugal, o OP é também consultivo, com autonomia limitada da sociedade civil, processo deliberativo fraco e pouca ênfase na justiça social. No Chile, há certa fragilidade dos OP, com baixo grau de descentralização e de participação social e dos partidos políticos, ficando o processo à mercê da vontade política dos prefeitos. Por outro lado, a Itália apresenta casos mais próximos ao Brasil, sendo o OP um dos instrumentos de governança local empreendido pelas autoridades políticas, com participação social dentro de um processo de argumentação e deliberação (LUCHMANN, 2014LUCHMANN, L. H. H. 25 anos de orçamento participativo: algumas reflexões analíticas. Revista Política & Sociedade, v. 13, n. 28, set./dez. 2014.).

Esta pesquisa discute alguns parâmetros que podem afetar o processo e os resultados do orçamento participativo, a partir de estudos sobre a qualidade da democracia. São eles: 1) grau de participação social; 2) papel das regras na construção democrática da instituição; 3) maneira como os cidadãos escolhem seus representantes; 4) igualdade entre os participantes nas votações; 5) como as arenas deliberativas são formadas; 6) como as preferências se transformam em políticas públicas; 7) como funcionam os mecanismos de responsabilização para os representantes e para os agentes do governo envolvidos na execução das políticas. Essas variáveis são centrais nos debates sobre a qualidade da democracia (DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.; DAHL, 2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; LIJPHART, 2011LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.; ALTMAN; PÉREZ-LIÑÁN, 2002ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002.; POWELL, 2005POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81.) e serão debatidas no próximo tópico.

Qualidade da democracia

Muitos estudos tentam estabelecer parâmetros para a qualidade da democracia, enquanto outros abordam escalas com graus de democracia e modelos estatísticos, variando de uma democracia perfeita até a ausência dela. Esses graus também são interpretados, por diversos autores, como graus de qualidade da democracia (LIJPHART, 2011LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.; DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.; RENNÓ et al., 2011RENNÓ, L. R. et al. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil. São Paulo: Intermeios, 2011.; DAHL, 2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; ALTMAN; PÉREZ-LIÑÁN, 2002ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002.). Entre esses estudos, os modelos propostos por Robert Dahl (2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; 2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011., Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002. e o modelo de Buhlmann et al. (2011)BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011. tratam especificamente de parâmetros que devem ser observados para que se possa afirmar que determinada democracia tem qualidade ou não.

Para analisar a qualidade da democracia é preciso, antes de tudo, definir o que se entende por qualidade e o que se entende por democracia (DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.). A noção de qualidade da democracia precisa ser associada ao regime que se quer medir, pois o conceito está diretamente associado às características desse regime (RENNÓ et al., 2011RENNÓ, L. R. et al. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil. São Paulo: Intermeios, 2011.; DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.; O’DONNELL; CULLELL; LAZZETTA, 2004O’DONNELL, G.; CULLELL, J. V.; LAZZETTA, O. M. The quality of democracy: theory and applications. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame, 2004.). Para Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., um regime democrático de qualidade deve ser amplamente legítimo e satisfazer as expectativas do cidadão em termos de governança. Para os referidos autores, um regime democrático é um regime em que os cidadãos, associações e comunidades gozam de ampla liberdade e igualdade política e no qual o cidadão tem o poder para avaliar se o governo oferece liberdade e igualdade de acordo com o Estado de Direito. Esses cidadãos monitoram a eficácia das leis, das decisões do governo e a capacidade de resposta dos representantes eleitos às suas demandas (DIAMOND; MORLINO, 2005DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.).

Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005. propõem em seu modelo oito dimensões a serem observadas em uma democracia de qualidade. A primeira delas é a responsividade democrática, que está associada a quanto as ações do governo estão em conformidade ou divergem dos interesses dos eleitores. Em seguida, a liberdade é entendida como a garantia dos direitos políticos, civis e econômicos. Já a igualdade, para os autores, se refere à análise de medidas relacionadas à renda, à riqueza e ao status social, e como isso gera diferenças entre classes. Quanto ao papel das leis, de acordo com os autores, elas devem ser claras, conhecidas por todos, universais, estáveis, não retroativas e aplicadas de forma justa e coerente por um judiciário neutro. A dimensão participação está ligada ao ativismo do cidadão não somente por meio do voto, mas por meio do envolvimento no processo político, organizando-se em grupos da sociedade civil, comunicando suas demandas, exigindo accountability dos representantes eleitos e envolvendo-se em questões públicas voltadas à comunidade local. Os autores também tratam a competição entre atores políticos como uma dimensão importante associada à igualdade no acesso à mídia de massa, igualdade no uso de fundos de campanha, o tipo de sistema eleitoral, a fácil alternância de poder (relacionada à eficiência do processo eleitoral), o acesso às arenas de votação, inclusive ao parlamento e à presença balanceada da oposição. Por fim, os autores tratam de duas dimensões de responsabilização: accountability vertical, exercida por meio do cidadão, e accountability horizontal, exercida por meio de agentes públicos. Para Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., a accountability está sustentada por três pilares: informação, justificativa das razões que levaram aquele representante a tomar determinada decisão ou ação e punição ou compensação dos danos causados.

Outra forma de medir a qualidade da democracia vem sendo utilizada por Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011., que trabalha com nove grupos de indicadores de qualidade da democracia. O autor aplicou o modelo em 36 países no mundo. O primeiro grupo tenta medir a qualidade da democracia por meio de escalas, considerando o quanto uma democracia se aproxima de uma democracia perfeita. Para isso, o autor utiliza o modelo de Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a. e o modelo de Vanhanen (1997)VANHANEN, T. Prospects of democracy. London: Routledge, 1997.. O modelo de Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a. será abordado no decorrer deste estudo. O modelo de Vanhanen (1997)VANHANEN, T. Prospects of democracy. London: Routledge, 1997., segundo o autor, se baseia em uma escala de dois elementos, o grau de competição entre os partidos políticos e a participação. O principal indicador utilizado por Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. nesse grupo foi a porcentagem total da população que votou na eleição mais recente.

O segundo grupo de indicadores trata da representação política das mulheres e a proteção de seus interesses. O terceiro se refere à igualdade política e utiliza como parâmetro a igualdade econômica, por meio da razão entre ricos e pobres, e o índice de recursos de poder. Esse índice trata-se de um indicador de igualdade que tem como base diversas medidas indiretas, tais como alfabetização e porcentagem de população urbana. O quarto se refere à participação eleitoral para esse grupo, considera-se o número de eleitores como porcentagem da população votante, a porcentagem de participação em eleições nacionais ou qualquer eleição que tenha obtido o mais alto índice de comparecimento. O quinto grupo aborda a satisfação do cidadão com a democracia e está relacionado à percepção do cidadão em relação a ela. O sexto se baseia na proximidade entre governo e eleitor, representado pela distância entre a posição ideológica do governo, considerando a escala esquerda e direita e a posição do eleitor mediano. A responsabilidade e a corrupção são tratadas no sétimo grupo, e a medida utilizada pelo autor é o índice de corrupção, representado pela incidência de corrupção em determinado governo. Finalmente, o oitavo grupo versa sobre a representatividade, a partir do indicador de apoio popular.

Outro modelo representativo para análise da qualidade da democracia é o modelo de Buhlmann et al. (2011)BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011., que foi denominado pelos autores de Barômetro da Democracia e consiste em um conjunto de nove grupos de indicadores de qualidade da democracia. Os autores aplicaram o modelo em 30 democracias no período entre 1995 e 2005. Segundo eles, o modelo também se baseia nos conceitos de democracia liberal e democracia participativa. Os autores partem da premissa de que um sistema democrático deve estabelecer o equilíbrio entre os valores de liberdade e igualdade e que isso requer controle. O controle é valioso para uma democracia, porque é a institucionalização das autoridades políticas que estabelece uma distinção entre sistemas democráticos e autocracias (BUHLMANN et al., 2011BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011.). Já a liberdade, segundo os autores, significa proteger e garantir os direitos individuais no âmbito de um estado de direito. Dessa forma, liberdade, controle e igualdade são princípios do modelo. Dentro de cada princípio existe o que os autores chamam de funções. São sete: 1) liberdades individuais; 2) papel das leis; 3) esfera pública; 4) competição; 5) equilíbrio no controle dos poderes; 6) capacidade do governo; 7) transparência; 8) participação e representação.

Especificamente sobre a capacidade do governo, que é utilizada no modelo de análise deste estudo, os autores apresentam a cadeia de responsividade democrática de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., focando em seu último elo, ou seja, a capacidade de resposta do governo. Além da necessidade de as decisões políticas estarem de acordo com as preferências iniciais, a capacidade de resposta requer capacidade governamental, ou seja, a disponibilidade de recursos para realização das ações governamentais (BUHLMANN et al., 2011BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011.). Outro componente dessa função, segundo os autores, são as condições para implementação eficiente das decisões políticas. Para eles, o apoio político é importante para fortalecer a capacidade de implementação.

O modelo de Robert Dahl pode ser considerado um dos primeiros a abordar o tema de maneira ampla e foi apresentado em 1971. O modelo foi aplicado em 114 países (DAHL, 2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.). O autor parte do pressuposto de que para um governo ser responsivo às preferências de seus cidadãos, todos eles devem ter oportunidades de formular suas preferências, expressá-las aos outros cidadãos e ao governo por meio da ação individual e coletiva, tê-las igualmente consideradas na conduta do governo, sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência.

A partir desses requisitos, Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a. desdobra três grupos de garantias institucionais necessárias para que eles funcionem. O primeiro grupo trata da formulação de preferências, que se refere à liberdade de formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito de voto, direito de líderes políticos disputarem apoio, fontes alternativas de informação. O segundo grupo aborda a capacidade de os cidadãos exprimirem preferências, tais como liberdade de formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito de voto, elegibilidade para cargos políticos, direito de líderes políticos disputarem apoio, fontes alternativas de informação, eleições livres e idôneas. O terceiro grupo diz respeito à capacidade do cidadão ter preferências igualmente consideradas na conduta do governo, relacionando-se assim com a liberdade de formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito de voto, elegibilidade para cargos políticos, direito de líderes políticos disputarem apoio e votos, fontes alternativas de informação, eleições livres e idôneas e instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferências (DAHL, 2012bDAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.). De acordo com Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a., os regimes estudados variam na amplitude com que as essas condições estão disponíveis, são utilizadas e garantidas.

A partir do modelo apresentado por Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a., Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002. desenvolveram sua pesquisa em 18 países da América Latina, inclusive no Brasil. De início, Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002. afirmam que a poliarquia é uma condição necessária, mas não uma condição suficiente para a alta qualidade da democracia. Dessa forma, eles consideram que não faz sentido medir a qualidade da democracia em governos que não possuem os requisitos básicos apresentados por Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.. Os estudos de Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002. partem dos três requisitos básicos de Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a. para três dimensões de análise. A primeira aborda os direitos civis efetivos. Segundo os autores, na definição de Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a., eles dependem de um conjunto de condições institucionais que permite a participação em massa e oposição livre. A segunda trata da participação efetiva. Segundo os autores, a saúde de um regime democrático também é particularmente fraca quando alguns cidadãos são marginalizados do processo em decorrência da pobreza, da falta de educação básica ou da pura apatia. Por fim, trata-se da concorrência efetiva. Nesse caso, os parâmetros utilizados pelos autores são o acesso da oposição ao processo legislativo e às formas de diminuir o predomínio excessivo de determinado partido no poder e na formulação de políticas sem dominância excessiva da oposição.

Por fim, o modelo de responsividade democrática de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81. está ligado ao parâmetro de responsividade democrática. Para Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., esse parâmetro envolve diversas outras dimensões da qualidade da democracia. Segundo Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., os governos democráticos são responsivos quando suas instituições, por meio de um processo democrático, os induzem a formularem e implementarem políticas que os cidadãos querem. Conforme Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., a responsividade é um processo complexo, contínuo e dinâmico. Essa visão permite observar a responsividade por várias dimensões ao longo do processo democrático. A correspondência entre o que os cidadãos desejam e os resultados que o governo produz não necessariamente indicam uma responsividade democrática. Para Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., é preciso relacionar isso a uma cadeia de estágios e ligações. Segundo o autor, essa cadeia é constituída de quatro estágios: o primeiro diz respeito a como se formam as preferências individuais dos cidadãos; o segundo é o comportamento do cidadão para votar; o terceiro está ligado ao que sai do processo de votação, ou seja, resultado das eleições e formação do governo; e o quarto estágio está relacionado ao que sai do processo político na forma de políticas públicas.

A partir dos modelos de qualidade da democracia analisados nesta pesquisa, como mencionado anteriormente, é possível identificar parâmetros sobre a qualidade da democracia, segundo alguns autores, que podem ser observados em determinados governos. O Quadro 1 apresenta uma análise comparativa dos parâmetros de qualidade da democracia entre esses modelos.

Quadro 1
Análise comparativa entre parâmetros de qualidade da democracia.

O quadro comparativo foi construído considerando os parâmetros que são explicitamente evidenciados pelos autores; isso não implica afirmar que eles não tratam de outros parâmetros dentro de seus modelos. A transparência não é tratada como um parâmetro nos modelos de Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. e de Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., todavia, os autores tratam a transparência como um componente de responsabilidade do governo e da accountability, respectivamente. Da mesma forma, embora Buhlmann et al. (2011)BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011. não tratem diretamente de igualdade, essa questão é observada dentro do parâmetro participação. O mesmo ocorre com o conceito de contestação pública utilizado por Dahl (2012a)DAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a., em que o autor aborda a capacidade de o cidadão se opor às decisões do governo, isso é abordado dentro do conceito de accountability por Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.. Dessa forma, para a construção do Quadro 1, foram considerados apenas os parâmetros propostos como centrais pelos respectivos autores para a análise da qualidade de uma democracia ou o seu grau de responsividade. Esse levantamento ajudou na elaboração do modelo proposto por esta pesquisa, uma vez que foram escolhidos alguns parâmetros para a análise. Estes foram associados aos estágios de ligação da cadeia de responsividade discutidos por Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., conforme poderá ser visto no tópico seguinte.

Modelo de análise e procedimentos metodológicos

O modelo de análise foi construído a partir de três estágios de ligação da cadeia de responsividade discutida por Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81.. Observou-se que esses estágios são aderentes ao ciclo do orçamento participativo e oferecem uma base para o recorte do modelo. Porém, o modelo de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81. é muito abrangente e, especificamente, as unidades de análise não se aplicam adequadamente ao OP, pois tratam, por exemplo, de agregação de votos em eleições gerais e formação de governos. Dessa forma, ao modelo foram agregados seis parâmetros de qualidade da democracia que esta pesquisa julga poderem ser aplicados a instituições como o OP. Os parâmetros foram retirados dos modelos de Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011., Diamond e Morlino (2005)DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005., Altman e Pérez-Liñán (2002)ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002., Dahl (2012aDAHL, R. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.; 2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. e Buhlmann et al. (2011)BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011. e adaptados à realidade do OP. Dessa forma, o desenho do modelo utilizado e a base teórica para sua construção podem ser observados no Quadro 2.

Quadro 2
Modelo de análise considerando responsividade e qualidade da democracia.

Quanto aos meios de pesquisa, utilizou-se a triangulação de métodos baseada em entrevistas, levantamento de campo (survey) e pesquisa documental. Durante a fase de pesquisa, a triangulação de métodos foi útil frente à complexidade do fenômeno estudado e à escassez de dados secundários encontrados na pesquisa documental. Assim, a triangulação colaborou para a realização de análise mais completa. As entrevistas com pessoas-chave no processo do OPDF colaboraram para descrever o ciclo do OPDF 2012/2013, preencher lacunas na investigação e apontar caminhos para a pesquisa. A pesquisa documental também foi relevante para confirmar relatos das entrevistas e verificar os parâmetros de responsividade. Nesse caso, os registros das plenárias de base e das reuniões dos conselheiros, bem como os relatórios do sistema de informações da diretoria do OPDF, foram documentos representativos para o estudo. O survey colaborou para se verificar o parâmetro de responsividade pública, também auxiliando na interpretação dos resultados da pesquisa documental, vez que a comparação entre a agenda do OPDF 2012/2013 e a agenda dos moradores foi realizada a partir do survey.

As entrevistas foram realizadas com três membros do Governo do Distrito Federal (GDF) envolvidos no processo do OPDF, com o objetivo de esclarecer pontos específicos e indicar caminhos para o aprofundamento da pesquisa. Foram entrevistados a coordenadora-geral do orçamento participativo do Distrito Federal (Secretaria das Cidades), a coordenadora de relações comunitárias (Secretaria das Cidades) e o coordenador do orçamento participativo na região de Ceilândia (Administração Regional de Ceilândia). Todas as entrevistas foram realizadas presencialmente, gravadas em aparelho de áudio e transcritas na íntegra.

Foram realizados dois levantamentos de campo, um com 412 moradores de Ceilândia e outro com 39 delegados do OPDF em Ceilândia. A coleta de dados com os moradores ocorreu por meio de interrogação direta em pontos de grande circulação na região administrativa em estudo. Quanto à coleta de dados com os delegados, realizaram-se 39 ligações telefônicas que geraram dados para pesquisa. A pesquisa de campo buscou identificar as características e a percepção da população e dos delegados envolvidos com o OPDF 2012/2013, permitindo confrontar e complementar dados da pesquisa documental e das entrevistas, além de ser ponto-chave para o estudo da correspondência entre as preferências do cidadão e os resultados do OPDF 2012/2013 (Parâmetro 6).

Por fim, a pesquisa documental levantou 29 documentos significativos para o estudo. Esses documentos foram úteis para o maior aprofundamento e para complementar os resultados do levantamento de campo e das entrevistas. Foram eles:

  1. dezoito atas das plenárias de base na região de Ceilândia (DIROP, 2012aDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Condomínio Privê em Ceilândia, 25 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012a.; 2012bDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Sul em Ceilândia, 24 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012b.; 2012cDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 21 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012c.; 2012dDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Norte em Ceilândia, 13 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012d.; 2012eDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012e.; 2012fDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 15 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012f.; 2012gDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Sul, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012g.; 2012hDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor O de Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012h.; 2012iDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 19 maio 2012. Brasília: GDF, 2012i.; 2012jDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 12 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012j.; 2012kDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Guariroba em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012k.; 2012lDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Expansão do Setor O em Ceilândia, 5 maio 2012. Brasília: GDF, 2012l.; 2012mDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Sol Nascente – Trecho I em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012m.; 2012nDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ 16 a 20 em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012n.; 2012oDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Por do Sol em Ceilândia, 31 maio 2012. Brasília: GDF, 2012o.; 2012pDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Nova Guariroba em Ceilândia, 4 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012p.; 2012qDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Núcleo Rural Boa Esperança em Ceilândia, 2 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012q.; 2012rDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Sol Nascente – Trecho III e QNR 1 a 5 em Ceilândia, 5 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012r.);

  2. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal (GDF, 2013GDF. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal – LOA. Brasília: GDF, 2013.);

  3. Relatório de Plenárias de Base, extraído do sistema de informações do OPDF (DIROP, 2014bDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de plenárias de base em Ceilândia 2012. Brasília: GDF, 2014b.);

  4. Relatório do Andamento das Prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013 (DIROP, 2014aDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de andamento das prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013. Brasília: GDF, 2014a.), extraído do sistema de informações do OPDF, que trata do andamento das ações;

  5. Decreto n. 33.712/2012, que dispõe sobre o orçamento participativo do Distrito Federal (OPDF) e dá outras providências (GDF, 2012GDF. Governo do Distrito Federal. Decreto 33.712, de 14 de junho de 2012. Dispõe sobre o Orçamento Participativo do Distrito Federal – OPDF e dá outras providências. Brasília: [s.n.], 2012.);

  6. Manual do Delegado: orçamento participativo 2012/2013 (DIROP, 2012zDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Manual do Delegado do OPDF 2012 /2013. Brasília: GDF, 2012z.);

  7. cinco atas da reunião dos conselheiros do OPDF (DIROP, 2012sDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 13 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012s.; 2012tDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, ago. 2012. Brasília: GDF, 2012t.; 2012uDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 15 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012u.; 2012vDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 20 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012v.; 2012xDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do PDF, 30 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012x.);

  8. Relatório de Plenárias de Base no Distrito Federal em 2012 (DIROP, 2014cDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de plenárias de base no Distrito Federal 2012. Brasília: GDF, 2014c.).

Também foram objetos de análise documental os documentos Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual, que descreve as demandas do OPDF 2012/2013, e o Relatório de Andamento das Prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013 (GDF, 2013GDF. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal – LOA. Brasília: GDF, 2013.; DIROP, 2014aDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de andamento das prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013. Brasília: GDF, 2014a.). Para a análise do primeiro documento, foram criadas categorias comuns que também foram utilizadas na construção do instrumento para pesquisa de campo (survey) com os moradores. Dessa forma, foi possível manter a mesma classificação para verificar o Parâmetro 6, que trata da correspondência entre as demandas da sociedade e os resultados do OPDF 2012/2013 (responsividade pública). Essa análise pode ser acompanhada na Tabela 2 deste artigo. A análise documental também foi útil para saber a quantidade de mulheres que participaram das plenárias de base e investigar se as demandas que saíram dessas plenárias se efetivaram no OPDF 2012/2013. Para isso, foram analisadas as 18 atas referentes às plenárias de base (DIROP, 2012aDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Condomínio Privê em Ceilândia, 25 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012a.; 2012bDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Sul em Ceilândia, 24 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012b.; 2012cDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 21 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012c.; 2012dDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Norte em Ceilândia, 13 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012d.; 2012eDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012e.; 2012fDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 15 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012f.; 2012gDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Sul, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012g.; 2012hDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor O de Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012h.; 2012iDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 19 maio 2012. Brasília: GDF, 2012i.; 2012jDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 12 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012j.; 2012kDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Guariroba em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012k.; 2012lDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Expansão do Setor O em Ceilândia, 5 maio 2012. Brasília: GDF, 2012l.; 2012mDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Sol Nascente – Trecho I em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012m.; 2012nDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ 16 a 20 em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012n.; 2012oDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Por do Sol em Ceilândia, 31 maio 2012. Brasília: GDF, 2012o.; 2012pDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Nova Guariroba em Ceilândia, 4 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012p.; 2012qDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Núcleo Rural Boa Esperança em Ceilândia, 2 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012q.; 2012rDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor O de Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012h.).

Tabela 1
Execução das demandas do OPDF -2011 e 2012/2013 em Ceilândia.

O segundo documento analisado foi o Relatório de Acompanhamento das Ações do OPDF, com ênfase na análise do campo descritivo do documento que trata do posicionamento dos órgãos e entidades do GDF acerca das demandas do OPDF 2012/2013 em Ceilândia (DIROP, 2014aDIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de andamento das prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013. Brasília: GDF, 2014a.). Para esse esforço, foram criadas sete categorias, utilizadas para discutir o parâmetro capacidade do governo (Ligação III). Os resultados dessa análise encontram-se na Tabela 1 deste artigo. Esses resultados também foram úteis como base comparativa com outras experiências de OP encontradas na literatura, tais como as apresentadas por Marquetti et al. (2008)MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008. e por Santos (2002)SANTOS, B. D. S. Democracia e participação: o caso do orçamento de Porto Alegre. Coimbra, PT: Afrontamento, 2002..

Tabela 2
Preferência dos moradores de Ceilândia sobre melhorias na comunidade.

Resultados e discussão

Neste tópico, os resultados da pesquisa são discutidos em duas direções. Primeiro, a apresentação das principais características do ciclo do orçamento participativo 2012/2013 de Ceilândia. Em seguida, apresenta-se a análise dos resultados a partir da descrição do ciclo do OP 2012/2013 em Ceilândia e os resultados referentes à aplicação do modelo construído, nesse caso, considerando cada fase de ligação.

O ciclo do OP 2012/2013 em Ceilândia

O ciclo do orçamento participativo 2012/2013 do Distrito Federal ocorreu com a realização de uma rodada de plenárias gerais, com a participação de 80 delegados e quatro conselheiros. Esse processo gerou uma lista de 538 prioridades, distribuídas entre as regiões administrativas. Essas prioridades foram deliberadas a partir de assembleias e reuniões locais (GDF, 2013GDF. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal – LOA. Brasília: GDF, 2013.) e fazem referência à construção de escolas, postos de saúde, praças, ginásios, asfalto, redes de água, esgotos e iluminação em grande escala (GDF, 2013GDF. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal – LOA. Brasília: GDF, 2013.). Essas preferências (prioridades) foram processadas por meio de um sistema político e a lista pode ser interpretada como um dos resultados desse sistema. Nesse caso, as entradas seriam as demandas sociais e o processo político mediante o qual essas tarefas se transformam em políticas públicas.

Uma vez que o mecanismo de feedback traduz as preferências do cidadão, a assimetria entre os resultados do processo político e o que é demandado por esse cidadão pode comprometer o equilíbrio desse sistema. Empiricamente, a diferença entre as preferências dos cidadãos que participaram ou não do OPDF 2012/2013 e a resposta do sistema político à lista de prioridades pode não corresponder às expectativas da sociedade, e isso seria refletido por meio da insatisfação social. Se o sistema político não responder democraticamente ao cidadão, a qualidade democrática do processo como um todo estaria comprometida (RENNÓ et al., 2011RENNÓ, L. R. et al. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil. São Paulo: Intermeios, 2011.; SOROKA; WLEZIEN, 2010SOROKA, S.; WLEZIEN, C. Degrees of democracy: politics, public opinion, and policy. New York: Cambridge University Press, 2010.).

Os resultados estão dispostos a partir dos três elementos de ligação da cadeia responsiva, conforme modelo de análise: estrutura de escolhas, agregação institucional e formulação e execução de políticas com os parâmetros – participação, igualdade política e resultados do processo político, conforme descrito na quarta seção e como poderá ser visto na análise sobre responsividade e qualidade da democracia no subtópico a seguir.

Modelo de análise sobre responsividade e qualidade da democracia

Esta pesquisa investigou se o OPDF 2012/2013 em Ceilândia é responsivo, por meio de alguns parâmetros de qualidade democrática sistematizados no modelo de análise proposto. Para tanto, foram analisadas as três ligações da cadeia de responsividade propostas no modelo de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81., combinando com os parâmetros da qualidade da democracia, conforme Quadro 2.

Ligação I – Participação geral e participação das mulheres

Nesta ligação, verificou-se que os índices de participação apresentaram resultados desfavoráveis à qualidade da democracia. Por outro lado, observou-se participação expressiva de mulheres, conforme será visto adiante.

De início, a baixa participação da população em números gerais e também baixa participação dos conselheiros nas reuniões do fórum, segundo registros das reuniões, foi observada. Houve presença de dois conselheiros em duas reuniões, em um total de seis reuniões sequer houve participação dos suplentes. Dessa forma, com exceção das duas reuniões, não houve representação dos conselheiros daquela cidade. Aqui, há de se destacar que os conselheiros, além de serem o elo entre a comunidade e o governo, são a última instância decisória.

Também se observou o esvaziamento das plenárias de base, com relação ao ano de 2011. No ciclo do OPDF 2011, participaram 1.315 pessoas em todas as plenárias de base, já em 2012 esse número caiu para 848, o que representa queda de aproximadamente 35% em 18 plenárias. A baixa capacidade do governo do Distrito Federal em atender às demandas pode ter relação com o desinteresse dos delegados e conselheiros e pode estar influenciando significativamente esses números. O que faz com que os indivíduos invistam seu tempo e energia para que novas instituições funcionem é a expectativa de poder sobre decisões que esses atores consideram importantes. Quando não há expectativa e um ator importante quebra o ciclo, faz com que os atores não se engajem no processo, comprometendo a própria sobrevivência do modelo participativo (ABERS; KECK, 2004ABERS, R.; KECK, M. Comitês de bacias no Brasil: uma abordagem política no estudo da participação social. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 6, n. 1, p. 55-68, 2004.). Esse assunto será retomado na próxima seção.

Para Lijphart (2011)LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011., os indicadores de participação mostram o grau de interesse que os cidadãos possuem em serem representados. O autor aponta como um desses indicadores a razão entre o número de participantes e o número de cidadãos que poderiam participar. Nesse caso, Ceilândia apresenta um dos menores percentuais, 0,21% de sua população participando, quando comparada com outras experiências de OP. A utilização do mesmo índice permite situar o nível de participação nas plenárias do OPDF 2012/2013 na região de Ceilândia: Alvorada-RS (1,28%); Gravataí-RS (2,82%); Viamão-RS (1,4%); Restinga – POA-RS (3,17%); Lomba – POA-RS (3,74%); Caxias do Sul-RS (1,02%); Vitória-ES (1,3%); Jaboticabal-SP (0,63%) (SILVA, 2003SILVA, M. K. A expansão do orçamento participativo na região metropolitana de Porto Alegre: condicionantes e resultados. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. p. 157-185.; NAVARRO, 2003NAVARRO, Z. O “orçamento participativo” de Porto Alegre (1989-2002): um conciso comentário crítico. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. p. 89-128.; COSTA, 2010COSTA, D. M. D. Vinte anos de orçamento participativo: análise das experiências em municípios brasileiros. Caderno de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 15, n. 56, p. 8-28, 2010.). De acordo com Avritzer e Navarro (2003)AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003., o percentual de 2% da população é um número quantitativamente baixo de participantes.

No que se refere à participação das mulheres, em termos quantitativos, os resultados encontrados mostram que, em valores absolutos, o percentual de mulheres que participaram das plenárias de base em Ceilândia, 42,21%, não se distancia tanto dos números encontrados em experiências de participação consideradas bem-sucedidas, como o OP de Porto Alegre: 1995 (46,8%); 2000 (57,3%); 2002 (56,4%) e 2005 (52,8%), e de São Paulo em 2001, no qual a participação das mulheres foi de 59% nas plenárias de base (SÁNCHEZ, 2004SÁNCHEZ, F. O orçamento participativo em São Paulo (2001/2004): uma inovação democrática. In: AVRITZER, L. Participação em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2004. p. 409-470.).

Segundo Ribeiro (2010)RIBEIRO, U. C. Saúde é assunto para mulheres: um estudo sobre a dinâmica participativa de conselhos municipais de saúde no Brasil. In: AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 215-252., nas experiências de OP, as mulheres são maioria nas primeiras plenárias. Por outro lado, como se observa em Sánchez (2004)SÁNCHEZ, F. O orçamento participativo em São Paulo (2001/2004): uma inovação democrática. In: AVRITZER, L. Participação em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2004. p. 409-470. e Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007., os homens ocupam majoritariamente os espaços de liderança, tais como as instâncias superiores do OP, como o fórum dos delegados e o conselho do orçamento participativo. Este estudo mostra que, em 14 das 18 plenárias de base, não se identificou a maioria de mulheres, embora sua participação possa ser considerada significativa. Porém, em números gerais, como visto, há certa disparidade entre homens (54,5%) e mulheres (45,4%).

Quanto à participação em cargos de liderança (delegados e conselheiros), foi possível observar que o equilíbrio apresentado nas plenárias de base tornou-se menos evidente, sobretudo na segunda instância deliberativa do OPDF. Dos 82 delegados eleitos em Ceilândia, 28 (34,1%) são mulheres, menos da metade de homens eleitos. Já na instância superior, o fórum dos delegados, o conselho do OPDF 2012/2013, foram nomeadas duas mulheres, em um total de quatro conselheiros (50%) naquela região. Em Belo Horizonte (1994), observou-se um percentual de 44,8% de mulheres entre os conselheiros e, em 2005, na cidade de Porto Alegre, 53,5% dos que formavam o conselho eram mulheres (FEDOZZI, 2007FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007.).

Na entrevista com a diretora do OPDF, também foi relatada a dificuldade das mulheres em participarem de atividades no período da noite. Segundo a diretora, elas se queixam da segurança para se deslocarem até o local das plenárias. Talvez isso seja um dos limitadores para maior participação das mulheres, considerando que as plenárias aconteceram no período noturno. Outra limitação apontada pela literatura é que as mulheres brasileiras acumulam a jornada de trabalho formal com as demandas de casa, sendo obrigadas a ajustar seu tempo para participar das associações de bairro e OP (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, U. C. Saúde é assunto para mulheres: um estudo sobre a dinâmica participativa de conselhos municipais de saúde no Brasil. In: AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 215-252.). Em seu estudo, Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. observou que no município de Porto Alegre grande parte das mulheres que participam das plenárias não possui laços familiares, como o casamento. De acordo com o autor, entre as mulheres que participam das plenárias, grande parte é solteira, viúva ou separada, o que pode contribuir para o argumento de Ribeiro (2010)RIBEIRO, U. C. Saúde é assunto para mulheres: um estudo sobre a dinâmica participativa de conselhos municipais de saúde no Brasil. In: AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 215-252. sobre as dificuldades de mulheres com compromissos familiares e dupla jornada participarem dessas plenárias. De qualquer forma, a participação quantitativa de mulheres no caso deste estudo não foi considerada insatisfatória quando comparada a outras experiências. Todavia, precisaria ser investigado se suas demandas estão sendo atendidas e se elas, de fato, possuem voz dentro do movimento.

Ligação II – Igualdade política: formação das cadeiras e coordenação no processo de deliberação

Na segunda ligação, deve-se considerar positivo o fato de as demandas apresentadas nas plenárias de base serem respeitadas pelo fórum dos delegados, pois esses apenas as colocaram em ordem de prioridades e, a partir da análise documental, não houve exclusões de demandas nessa instância.

No que se refere à igualdade política na formação das cadeiras, é importante destacar que o objetivo do estudo é verificar se determinados segmentos sociais, historicamente excluídos, estão conseguindo penetrar nas arenas decisórias do OPDF em condição de igualdade. Há limitações importantes nessa análise que precisam ser consideradas. Alguns autores afirmam que a condição igual não necessariamente significa igualdade política (HABERMAS, 2011HABERMAS, J. Direito e democracia: entre a factilidade e a validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011. v. II.; DAHL, 2012bDAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b.). Nesse caso, o exemplo de Dahl (2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. parece esclarecedor, supondo que dois indivíduos, um rico (R) e um pobre (P), tenham oportunidades iguais de participar nas decisões coletivas garantidas pelo sistema democrático. No entanto, o indivíduo R tem muito mais acesso a dinheiro, informação, organizações, tempo e a outros recursos políticos. Segundo Dahl (2012b)DAHL, R. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012b., não somente R irá participar mais das decisões como também sua influência sobre as decisões terá mais peso que a de P. De toda sorte, como um requisito básico para a igualdade política é que esses segmentos estejam no mínimo presentes nas arenas decisórias. A literatura aponta pelo menos seis grupos historicamente excluídos: mulheres, jovens, idosos, negros, índios e moradores de rua (SÁNCHEZ, 2004SÁNCHEZ, F. O orçamento participativo em São Paulo (2001/2004): uma inovação democrática. In: AVRITZER, L. Participação em São Paulo. São Paulo: Unesp, 2004. p. 409-470.; MARQUETTI et al., 2008MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008.; MORAES, 2008MORAES, A. J. G. D. O processo redistributivo do orçamento participativo e do congresso da cidade em Belém do Pará. In: MARQUETTI, A.; CAMPOS, G. A. D. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências de orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008. p. 113-139.).

Quanto aos jovens, segundo o Estatuto da Juventude (Lei n. 12.852/2013), são considerados jovens pessoas entre 15 e 29 anos de idade. Ao analisar o perfil dos delegados, observa-se que de 18 a 30 anos de idade há cinco registros entre os 39 entrevistados, correspondendo a 12,8% da amostra. Em pesquisa realizada em Belo Horizonte, no ano de 1994, Somarriba e Dulce (1997) reportam que 20% dos delegados tinham essa mesma faixa de idade. Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007., em sua pesquisa, também com delegados do OP em Porto Alegre, apresenta um percentual de 16,4% dos delegados no ano de 2005. Observa-se que os números de Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. são referentes à faixa etária de 16 a 33 anos. Marquetti et al. (2008)MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008. afirmam que à medida que cresce o desinteresse pelas formas clássicas de participação política entre a juventude, as práticas de participação direta poderiam indicar novas possibilidades de atração para esse segmento. Segundo Moraes (2008)MORAES, A. J. G. D. O processo redistributivo do orçamento participativo e do congresso da cidade em Belém do Pará. In: MARQUETTI, A.; CAMPOS, G. A. D. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências de orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008. p. 113-139., em levantamento realizado pela prefeitura de Belém (PA), constatou-se que os jovens participavam em grande contingente apenas nas primeiras rodadas do OP, pois as demandas que eles apresentavam não eram consideradas prioridades para comunidade. Assim, a prefeitura resolveu criar o OP da juventude.

Quanto aos idosos, esses representam 7,69% da amostra de entrevistados. Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. apontou para 10,5% em Porto Alegre. Em Belo Horizonte, chegou a 6,1% em 1994 (SOMARRIBA; DULCE, 1997SOMARRIBA, M.; DULCI, O. A democratização do poder local e seus dilemas: a dinâmica atual da participação popular em Belo Horizonte. In: DINIZ, E.; AZEVEDO, S. D. Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 391-425.). Segundo o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), considera-se idoso um indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos. Conforme pesquisa elaborada por Marquetti et al. (2008)MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008., em São Paulo, entre as experiências de 2001 e 2003, houve um aumento da população idosa participando do movimento, de 7% para 13% em 2003. Dessa forma, os números de Ceilândia não parecem tão distantes de outras experiências.

Em que pese a presença de negros, índios e moradores de rua, entre os delegados do OPDF 2012/2013 em Ceilândia, entre os delegados entrevistados, 20,51% se declaram negros enquanto 5,13% se declaram indígenas. Em Porto Alegre, no ano de 2002, um total de 26% dos delegados se declaravam negros, enquanto 3,1% se declaravam índios (FEDOZZI, 2007FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007.). É importante ressaltar que a configuração institucional, às vezes, pode ser capaz de gerar oportunidades, constrangimentos relacionados à participação nas decisões políticas e, dessa forma, favorecer determinados atores em detrimento de outros (CORTES; SILVA, 2010CORTES, S. M.; SILVA, M. K. Sociedade civil, instituições, e atores estatais: interdependência e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos. Estudos de Sociologia, v. 29, p. 425-445, 2010.). Assim, não foi possível observar a presença de moradores de rua, nem nas plenárias de base nem compondo o fórum dos delegados. A coordenadora de relações comunitárias afirmou que não se lembra da presença de moradores de rua nas assembleias em Ceilândia. Considerando que a participação está condicionada ao cadastramento e o endereço é necessário, esse tipo de regra pode estar criando restrições a esse tipo de ator social.

Outro fator analisado nessa ligação é a capacidade de o governo organizar e conduzir o OP. Destaca-se que, embora no arranjo institucional do OP exista previsão de uma construção conjunta das decisões entre atores no mesmo nível, na prática, ainda prevalece a visão dicotômica (estado e sociedade) na participação e deliberação política do OP em estudo. Observou-se que a pouca participação das equipes técnicas do governo no momento da deliberação fez com que muitas das demandas fossem tecnicamente inviabilizadas pelas secretarias do governo, mesmo depois de o governador ter se comprometido com a sua execução. Isso também mostra a complexidade da dinâmica do processo e que, embora o arranjo institucional possa criar oportunidades de participação, as configurações sociais, nesse caso agentes do estado e membros da sociedade civil, surgem como mecanismos de constrangimento ao processo político. Portanto, a participação ativa e a forma com que o estado se relaciona com a sociedade civil podem ser determinantes para que de fato mudanças sociais possam ocorrer (FERNANDES; BONFIM, 2005FERNANDES, A. S.; BONFIM, W. A democratização da gestão municipal no Brasil: a abordagem teórica do objeto. In: LUBAMBO, C. W.; COELHO, D. B.; MELO, M. A. Desenho institucional e participação política no Brasil: experiências no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2005.; CORTES; SILVA, 2010CORTES, S. M.; SILVA, M. K. Sociedade civil, instituições, e atores estatais: interdependência e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos. Estudos de Sociologia, v. 29, p. 425-445, 2010.).

Ainda sobre a participação de atores governamentais, a investigação empírica mostrou que membros do governo até estiveram presentes nas reuniões, mas pouco contribuíram. Segundo a diretora do OPDF, embora a participação dos órgãos tenha melhorado, ainda apresenta dificuldades, como a falta de habilidade desses membros do governo em lidar com os delegados do OP. De acordo com a coordenadora de relações comunitárias do OPDF, um dos objetivos da participação desses representantes seria compatibilizar as demandas da população com as ações do governo. Isso também está descrito no art. 9º do Decreto n. 33.721/2012, que estabelece as regras do OPDF (GDF, 2012GDF. Governo do Distrito Federal. Decreto 33.712, de 14 de junho de 2012. Dispõe sobre o Orçamento Participativo do Distrito Federal – OPDF e dá outras providências. Brasília: [s.n.], 2012.). Porém, segundo a coordenadora de assuntos comunitários, as pessoas enviadas pelo órgão “[...] não entendiam nem da política e nem do planejamento, então não contribuíram em nada”. Isso também pode ter gerado efeitos na capacidade de execução das demandas (Parâmetro 5). Uma evidência é a negativa da Secretaria de Segurança em implementar a demanda para a construção de um posto de policiamento em Ceilândia. Em resposta à solicitação, a referida secretaria afirmou que não faz parte da política de segurança a instalação de postos. Todavia, a demanda já havia sido ratificada e publicada como “prioridade” pelo GDF. Isso pode estar gerando um “círculo vicioso” no qual as secretarias do GDF estejam vendo o OP como um concorrente na disputa por recursos orçamentários, já que o OPDF não tem orçamento próprio, em consequência, os stakeholders passam a duvidar da capacidade de implementação das decisões e o movimento acabaria ficando dependente de atores externos com fraca capacidade de ação (ABERS; KECK, 2004ABERS, R.; KECK, M. Comitês de bacias no Brasil: uma abordagem política no estudo da participação social. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 6, n. 1, p. 55-68, 2004., p. 59).

Portanto, embora não se possa observar a efetiva participação, o OPDF em estudo apresentou medidas de igualdade compatíveis com outras experiências. Por outro lado, problemas na condução do processo podem estar contribuindo para a baixa capacidade de implementação das demandas pelo GDF, assim frustrando a expectativa dos participantes. Dessa forma, é possível observar problemas na dinâmica entre estado, sociedade e arranjo institucional, representando um ponto de atenção no que se refere à qualidade democrática do OP (CORTES; SILVA, 2010CORTES, S. M.; SILVA, M. K. Sociedade civil, instituições, e atores estatais: interdependência e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos. Estudos de Sociologia, v. 29, p. 425-445, 2010.).

Ligação III – Resultados do processo político: capacidade de execução do governo e responsividade pública

Na terceira ligação, embora exista um esforço da coordenação do OPDF em manter o cidadão atualizado sobre o andamento das ações, a capacidade de execução do governo se apresenta limitada, e isso pode estar influenciando a participação e comprometendo a credibilidade do processo. No que se refere à responsividade pública, também se observou pouca aderência entre o que foi deliberado no processo do OP e o que a população espera.

Primeiramente sobre a capacidade de execução, pode-se considerar que o GDF não está tendo êxito em atender às demandas do OPDF. A partir da Tabela 1 observa-se que grande parte das ações não está em execução, seja porque estão paradas ou em fase preparatória. Também, no OPDF 2012/2013, órgãos como a Secretaria de Esportes e a Secretaria de Educação declararam as demandas já aprovadas pelo processo do OPDF como inviáveis. Outras secretarias não informaram sobre o atendimento da demanda, tais como a mesma Secretaria de Esportes e a Secretaria de Obras. A Secretaria de Esportes foi apontada na entrevista com a coordenadora de relações comunitárias como uma das que menos participaram. Já a diretora do OPDF também afirmou que a Secretaria de Esportes “não compareceu” nas reuniões do fórum dos delegados. Isso contribui com a discussão apresentada sobre a influência da participação das equipes técnicas na execução das demandas, abordada na seção anterior.

Talvez a baixa capacidade de execução das demandas, como se observa na Tabela 1, também ajude a explicar a queda na participação. Embora o exercício cívico seja igualmente importante e, às vezes, até mais que os possíveis ganhos materiais, observa-se que o atendimento das demandas comunitárias foi uma forte motivação para a participação no OP de Porto Alegre (FEDOZZI, 2007FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007.). Segundo Marquetti et al. (2008, p. 17)MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008., “a atratividade do processo será nula se as decisões tomadas não forem realizadas”. Na mesma linha, Vitale (2004)VITALE, D. Democracia direta e poder local: a experiência brasileira do orçamento participativo. In: COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 239-269. afirma que a credibilidade do processo depende do efetivo cumprimento das reivindicações populares. Todavia, é claro que, além disso, a participação e a inclusão no processo de decisão de classes que antes não tinham acesso a essas arenas refletem em um grande exercício de inclusão e cidadania (FERNANDES; BONFIM, 2005FERNANDES, A. S.; BONFIM, W. A democratização da gestão municipal no Brasil: a abordagem teórica do objeto. In: LUBAMBO, C. W.; COELHO, D. B.; MELO, M. A. Desenho institucional e participação política no Brasil: experiências no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2005.).

Ao considerar a participação dos delegados como outro fator relevante para a mobilização da população para as plenárias de base (Ligação I), conforme já relatado em outros estudos como Somarriba e Dulce (1997), Silva (2003)SILVA, M. K. A expansão do orçamento participativo na região metropolitana de Porto Alegre: condicionantes e resultados. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. p. 157-185., Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. e Avritzer (2009a)AVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a., a desmotivação deles pode também ser responsável pelo esvaziamento das plenárias. Ao buscarem outros meios para atender suas demandas, os delegados passam a participar menos dos movimentos de base do OP e, dessa forma, a comunidade local pode também participar menos. Autores como Somarriba e Dulce (1997), Silva (2003)SILVA, M. K. A expansão do orçamento participativo na região metropolitana de Porto Alegre: condicionantes e resultados. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. p. 157-185., Fedozzi (2007)FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007. e Avritzer (2009a)AVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a. consideram esses agentes como elementos-chave para a mobilização da população.

Outro fator que pode ajudar a explicar a baixa capacidade de execução é a falta de orçamento próprio para atender às demandas do OPDF. Na verdade, trata-se de um OP sem orçamento. Como se comprova nas entrevistas e em análise documental, o GDF deixa a execução das demandas a cargo das secretarias e de seus orçamentos, dificultando a coordenação e a alocação de recursos para atendimento das prioridades, vez que nem sempre a agenda do OPDF bate com a agenda desses órgãos. Dessa forma, as demandas do OPDF concorrem com outras demandas políticas, podendo transformar a lista de prioridades em instrumento vazio e de pouca utilidade. Assim, a definição de prioridades não leva à alocação de recursos orçamentários específicos para as demandas da população, o que acaba por descaracterizar o próprio OP (AVRITZER, 2009aAVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009a.; SANTOS, 2002SANTOS, B. D. S. Democracia e participação: o caso do orçamento de Porto Alegre. Coimbra, PT: Afrontamento, 2002.; COSTA, 2010COSTA, D. M. D. Vinte anos de orçamento participativo: análise das experiências em municípios brasileiros. Caderno de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 15, n. 56, p. 8-28, 2010.; HOROCHOVSKI; CLEMENTE, 2012HOROCHOVSKI, R. R.; CLEMENTE, A. J. Democracia deliberativa e o orçamento público: experiências de participação em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 43, p. 127-157, out. 2012.; MARQUETTI et al., 2008MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008.).

No que diz respeito à responsividade pública, identificou-se, a partir do survey com 412 moradores da cidade, uma significativa discrepância entre as demandas apresentadas pelos moradores e os resultados do OPDF 2012/2013. Na verdade, as prioridades parecem estar invertidas. As prioridades para os moradores foram saúde, segurança e educação, respectivamente. Todavia, essas figuram o final da lista de prioridades do OPDF 2012/2013. Entre as demandas de saúde, a que teria maior prioridade, transformar o posto de saúde em unidade de pronto atendimento, figura o número 37 no ranking de 50 prioridades da região, além disso, ainda foi declarada inviável pela Secretaria de Saúde. A Tabela 2 apresenta o resultado do survey no que se refere às preferências dos cidadãos de Ceilândia.

Observa-se que, prioritariamente, as preferências estão relacionadas à saúde, à segurança e à educação. Entre as prioridades constantes na lista do OPDF 2012/2013 para aquela região, apenas sete das 150 estão relacionadas à saúde: 1) transformar o posto de saúde do Setor “O” em unidade de pronto atendimento; 2) reforma e ampliação de posto de saúde; 3) construção de posto de saúde na QNR; 4) construção de unidade básica de saúde no Pôr do Sol; 5) criação de posto de saúde no Condomínio Privê; 6) construção de posto de saúde 24 horas no Condomínio Palmeiras; c) construção de unidade de pronto atendimento no Incra 9. As outras prioridades foram categorizadas nas posições 39, 40, 42, 45, 46 e 49, respectivamente. Ao verificar o andamento das outras ações, observou-se que, além de não estarem entre as primeiras demandas, apenas duas relacionadas à saúde estão em andamento, quais sejam: construção da unidade de pronto atendimento no Incra 9, “em execução”, e a criação de posto de saúde no Condomínio Privê, declarada pela Secretaria de Saúde como demanda em fase preparatória. O restante dessas demandas foi declarado: “inviável” (2), sem área para construção (2) e sem resposta do órgão responsável (1).

Ainda observando a Tabela 1, verifica-se que apenas sete dos 412 entrevistados colocaram esporte e lazer à frente de todas as outras prioridades, o que não se observa na lista de prioridades do OPDF 2012/2013 em Ceilândia, em que todas as prioridades relacionadas a esporte e lazer estão à frente de saúde, segurança e educação. Dessa forma, parece não haver coerência entre as agendas, ou seja, entre o que a população definiria como prioridade e o que de fato resultou do processo político do OPDF 2012/2013 em Ceilândia.

Como dito anteriormente, a responsividade democrática ocorre quando processos democráticos induzem o governo a implementar políticas que os cidadãos elegem. Também está relacionada com a satisfação real amplamente percebida pela sociedade civil. Nesse sentido, observa-se que o caso de Ceilândia ilustra bem que há uma quebra de responsividade no processo do OP 2012/2013, abalando, sobremaneira, a qualidade da democracia.

É possível, a partir deste estudo de caso e da apresentação dos diversos casos trabalhados por outros autores, pensar modelos de análise similares ao apresentado nesta pesquisa, inclusive com a mesma base teórica. Porém, seria necessário fazer recorte contextualizado e adaptado à realidade dos OP, contemplando os mesmos ou distintos elementos de ligação da cadeia de responsividade e parâmetros de qualidade da democracia.

Considerações finais

Esta pesquisa traz um achado importante: ao mesmo tempo em que o OPDF 2012/2013 em Ceilândia possui características de um OP padrão, principalmente no que se refere ao seu funcionamento, quando se trata da execução orçamentária, percebe-se uma baixa capacidade de execução, que pode estar condicionada à falta de orçamento próprio para atender às demandas definidas. Este fica a cargo das secretarias de governo e, consequentemente, de seus orçamentos, o que cria dificuldades na condução do processo e na alocação dos recursos direcionados às prioridades, enfraquecendo o processo democrático como um todo.

Essa situação, por si só, já leva a uma análise crítica do OPDF, mas, em se tratando de um estudo mais pormenorizado sobre a qualidade da democracia do OP em Ceilândia, pode-se identificar que há problemas em quatro dos seis parâmetros verificados: participação (Parâmetro 1); entraves na coordenação e organização das demandas – capacidade do governo de conduzir o processo (Parâmetro 4); baixa capacidade do governo em executar as ações (Parâmetro 5); e pouca responsividade pública (Parâmetro 6). Porém, não foram identificadas rupturas democráticas nos parâmetros participação das mulheres (Parâmetro 2) e igualdade entre os participantes (Parâmetro 3).

Em resumo, verifica-se que houve baixa participação da população, mas também inabilidade do GDF em conduzir o processo, sobretudo com a ausência de equipes técnicas qualificadas para conduzir o debate, afetando os resultados do OPDF Ceilândia. Também, a limitada capacidade do GDF em executar as demandas do OP contribui para a pouca responsividade democrática, configurada tanto pelas rupturas em cada uma das ligações quanto pela discrepância entre o que a população deseja e o que é deliberado. Dessa forma, apesar de o processo, de alguma forma, levar educação cívica aos cidadãos que participaram, sob a ótica da eficiência da gestão o orçamento participativo em estudo parece não ter agregado quase nada.

Quanto à aplicação do modelo de análise, o modelo de responsividade democrática de Powell (2005)POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81. permitiu estruturar os parâmetros em uma ordem processual com fases bem definidas, adequando-se ao ciclo do OPDF. Dessa forma, foi possível observar, tanto a partir da pesquisa empírica como da discussão teórica, problemas de qualidade da democracia que podem indicar rupturas no processo democrático. A abordagem comparativa dos resultados encontrados com resultados de outras pesquisas sobre OP auxiliaram na análise e discussão de cada parâmetro do modelo.

No geral, há que se considerar alguns aspectos, já tratados pela literatura, em relação aos OP: diferenças entre os diversos sistemas políticos, contextos sociais, políticos e econômicos, desenho institucional, modelos de gestão, representação política e nível de participação social. A depender de cada aspecto e da ligação entre eles, é preciso desenvolver um modelo que possa ajudar a pensar o orçamento participativo como um todo. Esta pesquisa traz um modelo que trabalhou com uma realidade complexa, conforme detalhamento metodológico, e que, por isso, pode ser aproveitado de diversas formas e com novas combinações.

Referências

  • ABERS, R.; KECK, M. Comitês de bacias no Brasil: uma abordagem política no estudo da participação social. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 6, n. 1, p. 55-68, 2004.
  • ALTMAN, D.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Assessing the quality of democracy: freedom, competitiveness and participation in eighteen latin american countries. Democratization, Londres, v. 9, n. 2, p. 85-100, 2002.
  • AVRITZER, L. Participação em São Paulo São Paulo: Unesp, 2004.
  • AVRITZER, L. Experiências nacionais de participação social São Paulo: Cortez, 2009a.
  • AVRITZER, L. Participatory institution in democratic Brazil Washington, DC: Jons Hopkins University Press, 2009b.
  • AVRITZER, L. A dinâmica de participação local no Brasil São Paulo: Cortez, 2010a.
  • AVRITZER, L. (Org.). Experiências nacionais de participação social São Paulo: Cortez, 2010b.
  • AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003.
  • BUHLMANN, M. et al. The democracy barometer: a new instrument to measure the quality of democracy and its potential for comparative research. European Political Science, Europa, v. 11, p. 519-536, dez. 2011.
  • CODEPLAN. Companhia de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa de Domicílio Brasília, 2010.
  • COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004.
  • CORTES, S. M.; SILVA, M. K. Sociedade civil, instituições, e atores estatais: interdependência e condicionantes da atuação de atores sociais em fóruns participativos. Estudos de Sociologia, v. 29, p. 425-445, 2010.
  • COSTA, D. M. D. Vinte anos de orçamento participativo: análise das experiências em municípios brasileiros. Caderno de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 15, n. 56, p. 8-28, 2010.
  • DAHL, R. Poliarquia São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012a.
  • DAHL, R. A democracia e seus críticos São Paulo: Martins Fontes, 2012b.
  • DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy Baltimore: John Hopkins University Press, 2005.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Condomínio Privê em Ceilândia, 25 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012a.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Sul em Ceilândia, 24 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012b.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 21 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012c.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Norte em Ceilândia, 13 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012d.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012e.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 15 mar. 2012. Brasília: GDF, 2012f.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor P Sul, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012g.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor O de Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012h.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Incra 9 em Ceilândia, 19 maio 2012. Brasília: GDF, 2012i.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Ceilândia Norte em Ceilândia, 12 abr. 2012. Brasília: GDF, 2012j.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Guariroba em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012k.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Expansão do Setor O em Ceilândia, 5 maio 2012. Brasília: GDF, 2012l.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Sol Nascente – Trecho I em Ceilândia, maio 2012. Brasília: GDF, 2012m.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor QNQ 16 a 20 em Ceilândia, abr. 2012. Brasília: GDF, 2012n.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Por do Sol em Ceilândia, 31 maio 2012. Brasília: GDF, 2012o.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Nova Guariroba em Ceilândia, 4 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012p.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Núcleo Rural Boa Esperança em Ceilândia, 2 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012q.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da plenária de base realizada no setor Sol Nascente – Trecho III e QNR 1 a 5 em Ceilândia, 5 jun. 2012. Brasília: GDF, 2012r.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 13 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012s.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, ago. 2012. Brasília: GDF, 2012t.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 15 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012u.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do OPDF, 20 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012v.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Ata da reunião de conselheiros do PDF, 30 ago. 2012. Brasília: GDF, 2012x.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de prioridades do orçamento participativo do Distrito Federal. Brasília: GDF, 2012y.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Manual do Delegado do OPDF 2012 /2013. Brasília: GDF, 2012z.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de andamento das prioridades do OPDF 2011 e 2012/2013. Brasília: GDF, 2014a.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de plenárias de base em Ceilândia 2012. Brasília: GDF, 2014b.
  • DIROP. Diretoria do Orçamento Participativo do DF. Relatório de plenárias de base no Distrito Federal 2012. Brasília: GDF, 2014c.
  • FEDOZZI, L. Observando o orçamento participativo de Porto Alegre: análise histórica de dados, perfil social e associativismo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2007.
  • FERNANDES, A. S.; BONFIM, W. A democratização da gestão municipal no Brasil: a abordagem teórica do objeto. In: LUBAMBO, C. W.; COELHO, D. B.; MELO, M. A. Desenho institucional e participação política no Brasil: experiências no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 2005.
  • GDF. Governo do Distrito Federal. Decreto 33.712, de 14 de junho de 2012. Dispõe sobre o Orçamento Participativo do Distrito Federal – OPDF e dá outras providências. Brasília: [s.n.], 2012.
  • GDF. Anexo XXXI da Lei Orçamentária Anual do Distrito Federal – LOA. Brasília: GDF, 2013.
  • HABERMAS, J. Direito e democracia: entre a factilidade e a validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011. v. II.
  • HOROCHOVSKI, R. R.; CLEMENTE, A. J. Democracia deliberativa e o orçamento público: experiências de participação em Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Curitiba. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 43, p. 127-157, out. 2012.
  • LIJPHART, A. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
  • LUCHMANN, L. H. H. 25 anos de orçamento participativo: algumas reflexões analíticas. Revista Política & Sociedade, v. 13, n. 28, set./dez. 2014.
  • MARQUETTI, A. et al. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências do orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008.
  • MORAES, A. J. G. D. O processo redistributivo do orçamento participativo e do congresso da cidade em Belém do Pará. In: MARQUETTI, A.; CAMPOS, G. A. D. Democracia participativa e redistribuição: análise das experiências de orçamento participativo. São Paulo: Xamã, 2008. p. 113-139.
  • MORLINO, L. “Good” and “bad” democracies: how to conduct research into the quality of democracy. Journal of Communist Studies and Transition Politics, Florença, Itália, v. 20, n. 1, p. 5-27, mar. 2004.
  • NAVARRO, Z. O “orçamento participativo” de Porto Alegre (1989-2002): um conciso comentário crítico. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil São Paulo: Cortez, 2003. p. 89-128.
  • O’DONNELL, G.; CULLELL, J. V.; LAZZETTA, O. M. The quality of democracy: theory and applications. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame, 2004.
  • PATEMAN, C. Participação e teoria democrática Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • PEREZ, A. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
  • PIRES, R. R. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011. v. 7. 372 p.
  • PIRES, V.; MARTINS, L. D. J. Orçamento participativo (OP) após vinte anos de experiências no Brasil: mais qualidade na gestão orçamentária municipal?. Capital Científico, Guarapuava, PR, v. 9, n. 2, jul./dez. 2011.
  • POWELL, G. B., Jr. The chain of responsiveness. In: DIAMOND, L.; MORLINO, L. Assessing the quality of democracy Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. p. 62-81.
  • RENNÓ, L. R. et al. Legitimidade e qualidade da democracia no Brasil São Paulo: Intermeios, 2011.
  • RIBEIRO, U. C. Saúde é assunto para mulheres: um estudo sobre a dinâmica participativa de conselhos municipais de saúde no Brasil. In: AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil São Paulo: Cortez, 2010. p. 215-252.
  • RICHARDSON, R. J. Pesquisa social 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
  • SÁNCHEZ, F. Orçamento participativo: teoria e prática. São Paulo: Cortez, 2002.
  • SÁNCHEZ, F. O orçamento participativo em São Paulo (2001/2004): uma inovação democrática. In: AVRITZER, L. Participação em São Paulo São Paulo: Unesp, 2004. p. 409-470.
  • SANTOS, B. D. S. Democracia e participação: o caso do orçamento de Porto Alegre. Coimbra, PT: Afrontamento, 2002.
  • SILVA, M. K. A expansão do orçamento participativo na região metropolitana de Porto Alegre: condicionantes e resultados. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática no Brasil São Paulo: Cortez, 2003. p. 157-185.
  • SOMARRIBA, M.; DULCI, O. A democratização do poder local e seus dilemas: a dinâmica atual da participação popular em Belo Horizonte. In: DINIZ, E.; AZEVEDO, S. D. Reforma do Estado e democracia no Brasil Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 391-425.
  • SOROKA, S.; WLEZIEN, C. Degrees of democracy: politics, public opinion, and policy. New York: Cambridge University Press, 2010.
  • VANHANEN, T. Prospects of democracy London: Routledge, 1997.
  • VITALE, D. Democracia direta e poder local: a experiência brasileira do orçamento participativo. In: COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 239-269.
  • WAMPLER, B. Participatory budgeting in Brazil: contestation, and accountability. University Park, PA: Pennsylvania State University Press, 2007.
  • WAMPLER, B.; AVRITZER, L. Públicos participativos: sociedade civil no Brasil democrático. In: COELHO, V. S. P.; NOBRE, M. Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 210-238.
  • WHITAKER, F. Cidadão constituinte: a saga das emendas parlamentares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2014
  • Aceito
    15 Abr 2016
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia Av. Reitor Miguel Calmon, s/n 3o. sala 29, 41110-903 Salvador-BA Brasil, Tel.: (55 71) 3283-7344, Fax.:(55 71) 3283-7667 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revistaoes@ufba.br