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Governança pública em três dimensões: conceitual, mensural e democrática

Public governance in three dimensions: conceptual, measurement and democratic

Resumo

O objetivo deste trabalho é identificar e avaliar comparativamente iniciativas de definição e mensuração de governança pública. Para tanto, foi realizada uma metanálise de artigos voltados à construção ou crítica aos índices de governança pública. O conteúdo dos artigos foi analisado por meio da técnica de análise categorial, com base em três dimensões de governança: conceitual, mensural e democrática. Os resultados indicam grande diversidade de conceitos de governança pública, de instrumentos utilizados para a sua mensuração e de atores institucionais que a exercem. Observou-se também dissonância entre os indicadores e os conceitos de governança pública. Por fim, propõe-se uma definição para governança pública a partir da identificação e análise dos conceitos apresentados nos artigos.

Palavras-chave:
Governança Pública; Mensuração; Indicadores de Governança; Democracia

Abstract

This paper sought to identify and evaluate initiatives to define and measure public governance. Therefore, a meta-analysis of articles aimed at the construction or critique of public governance indices was performed. The contents of the articles was analyzed by categorical analysis, based on three dimensions of governance: conceptual, measurement and democratic. The results indicate a great diversity of concepts, of instruments used to measure public governance, and of institutional actors that carry it out. Dissonance was also observed between the indicators and the concepts of public governance. Lastly, a definition was proposed for public governance based on the identification and analysis of the concepts presented in the articles.

Keywords:
Public Governance; Measurement; Governance Indicators; Democracy

Introdução

O conceito de governança é polissêmico, multidimensional e carregado de ambiguidade (Rose-Ackerman, 2017Rose-Ackerman, S. (2017). What does “governance” mean? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 23-27. doi:10.1111/gove.12212
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). Em termos normativos, boa governança representa condições ideais de governança a serem perseguidas, condições estas que têm sido cada vez mais infladas, a ponto de se tornarem uma panaceia para diversos males sofridos ao redor do globo. Assim, os desafios relacionados à boa governança não se restringem apenas a efetividade, accountability, transparência e legalidade, mas passaram a abranger também condições de equidade, participação social, democracia, inclusão, respeito aos direitos humanos etc. (Grindle, 2017Grindle, M. S. (2017). Good governance, R.I.P.: A critique and an alternative. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 17-22. doi:10.1111/gove.12223
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). Uma questão essencialmente problemática no que se refere aos aspectos normativos de governança são os diferentes significados e operacionalizações do seu conceito, o que provoca comparações entre diversos objetos (Gisselquist, 2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
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).

As escalas de mensuração de governança não são unânimes. Por um lado, argumenta-se que elas produzem formas de conhecimento convenientes e moldam a maneira como os formuladores de políticas e o público em geral percebem o mundo. Ao estabelecerem padrões segundo os quais os indivíduos, organizações ou nações devem se comportar, os indicadores tendem a inspirar aqueles que são avaliados a melhorarem seu desempenho (Merry, 2011Merry, S. E. (2011). Measuring the world indicators, human rights, and global governance. Current Anthropology, 52(S3), S83-S95. doi:10.1086/657241
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). Por outro lado, representam formas implícitas de poder (Löwenheim, 2008Löwenheim, O. (2008). Examining the state: A foucauldian perspective on international “governance indicators”. Third World Quarterly, 29(2), 255-274. doi:10.1080/01436590701806814
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) e possuem acurácia muitas vezes questionável (Apaza, 2009Apaza, C. R. (2009). Measuring governance and corruption through the worldwide governance indicators: Critiques, responses, and ongoing scholarly discussion. Political Science and Politics, 42(1), 139-143. doi:10.1017/S1049096509090106
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; Thomas, 2010Thomas, M. A. (2010). What do the worldwide governance indicators measure? European Journal of Development Research, 22(1), 31-54. doi:10.1057/ejdr.2009.32
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).

Nesse sentido, o problema que norteia esta pesquisa está relacionado às iniciativas de mensuração de governança pública relatadas na literatura acadêmica. Este problema pode ser descrito em três perguntas a serem respondidas ao longo do texto: como os estudos têm definido governança pública? Quais os indicadores utilizados para medir governança pública? Quais atores exercem a governança? A presente reflexão busca identificar e avaliar comparativamente iniciativas de definição e mensuração de governança pública. Esta avaliação se baseia em três dimensões: conceitual, mensural e democrática. Assim, a partir de uma análise de pesquisas voltadas à construção e à crítica de índices de governança, pretende-se contribuir para o debate sobre tais índices de forma propositiva.

Para contemplar tais desafios, o texto está estruturado em quatro partes, além desta introdução. A primeira é dedicada ao referencial teórico, em que são abordadas as dimensões conceitual, mensural e democrática da governança. Em seguida, são apresentados os aspectos metodológicos utilizados na condução do estudo. Posteriormente, são discutidos e analisados os resultados da pesquisa. Por fim, são apresentadas as conclusões e indicativos de novas agendas de pesquisa.

Governança pública e suas dimensões

O vocábulo governança apresenta diversos significados. A origem do conceito remonta aos estudos da teoria da agência, os quais analisam a separação entre as funções de propriedade e controle como forma de tornar a organização mais eficiente. Essas duas funções, anteriormente atribuídas à mesma pessoa, o gerente-proprietário, passam a ser tratadas como separadas. A firma, assim, é vista como um conjunto de contratos voltados para a combinação e compartilhamento de recursos para criar e dividir os resultados (Fama, 1980Fama, E. F. (1980). Agency problems and the theory of the firm. The Journal of Political Economy, 88(2), 288-307. doi:10.1086/260866
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). A questão principal, do ponto de vista da teoria da agência, está justamente na relação entre proprietários e gerentes. Tal relação envolve a delegação do gerenciamento de recursos, com poder de decisão, dos proprietários para os gerentes, os quais nem sempre agirão conforme os interesses daqueles que os empregaram (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360. doi:10.1016/0304-405X(76)90026-X
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).

A partir dos estudos sobre a relação de agência, emerge o conceito de accountability, que se refere à responsabilidade de uma pessoa ou organização perante outra por algum tipo de resultado esperado (Mosher, 1968Mosher, F. C. (1968). Democracy and the public service. New York: Oxford University Press.). É um processo que envolve a responsividade do poder público sobre seus atos, compreendendo a prestação de informações e de justificações à sociedade, assim como a responsabilização por atos em desacordo com o interesse público (Schedler, 1999Schedler, A. (1999). Conceptualizing accountability. In A. Schedler, L. Diamond, & M. F. Plattner, The self-restraining state: Power and accountability in new democracies (pp. 13-28). Boulder: Lynne Rienner Publishers.).

A teoria dos custos de transação, por sua vez, trata o conceito de governança sob outra perspectiva. Nela, o interesse está nas transações em nível individual. A forma de organização econômica, assim, estaria voltada para identificar e mitigar as diversas possibilidades de riscos contratuais (Williamson, 1996Williamson, O. E. (1996). Prologue: The mechanisms of governance. In O. E. Williamson, The mechanisms of governance (pp. 3-20). New York: Oxford University Press .). Essas teorias possuem pontos comuns entre si e partem de pressupostos semelhantes, como a tendência dos agentes ao oportunismo, bem como sua racionalidade limitada. Como consequências dessas premissas, as contratações apresentam propensão a serem complexas, incompletas e com riscos duradouros (Williamson, 1998Williamson, O. E. (1998). Corporate finance and corporate governance. The Journal of Finance, 43, 567-591. doi:10.1111/j.1540-6261.1988.tb04592.x
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).

O foco, tradicionalmente colocado nos proprietários e acionistas, toma uma maior amplitude a partir da abordagem teórica dos stakeholders1 1 Stakeholders são aqueles atores, individuais ou coletivos e passíveis de identificação, afetados pela ação de uma organização, ou capazes de influenciá-la (Freeman & Reed, 1983). . Nesse sentido, a organização econômica é vista como um sistema aberto, com responsabilidade não apenas pelos acionistas, mas por grupos de atores sem os quais sua existência não seria possível. Assim, o conceito de governança deve levar em conta o envolvimento desses grupos de atores na tomada de decisões (Freeman & Reed, 1983Freeman, R. E., & Reed, D. L. (1983). Stockholders and stakeholders: A new perspective on corporate governance. California Management Review, 25, 88-106. doi:10.2307/41165018
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).

Essa acepção de governança, baseada no gerenciamento de relações entre as partes interessadas, é o ponto fundamental a partir do qual se desenvolve o conceito de governança pública. Com efeito, uma característica particularmente importante da governança pública é a cooperação entre atores públicos e privados para a elaboração das políticas públicas (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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). Por conseguinte, envolve não apenas formas de gerenciar ações individuais, mas um governo cooperativo, do qual participam atores públicos e privados, construindo redes mistas de políticas públicas com o fito de produzir consensos acerca de problemas comuns e a entrega de políticas públicas legítimas e aceitáveis (Mayntz, 1998Mayntz, R. (1998). New challenges to governance theory. Recuperado de https://bit.ly/2I1I3NX
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).

Sob essa perspectiva, os atores estatais estão em um contínuo processo de negociação com a sociedade. Tal negociação ocorre em condição de igualdade, envolvendo a combinação de recursos públicos e privados para a formulação da ação pública (Peters & Pierre, 1998Peters, B. G., & Pierre, J. (1998). Governance without government? Rethinking public administration. Journal of Public Administration Research and Theory, 8(2), 223-243. doi:10.1093/oxfordjournals.jpart.a024379
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). Tais negociações se dão em múltiplos níveis territoriais e em diversas esferas federativas, com abrangência supranacional, nacional, regional ou local, além de arranjos cooperativos com atores não estatais (Chowdhury & Wessel, 2012Chowdhury, N., & Wessel, R. A. (2012). Conceptualising multilevel regulation in the EU: A legal translation of multilevel governance? European Law Journal, 18(3), 335-357. doi:10.1111/j.1468-0386.2012.00603.x
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). Em suma, governança pública abrange noções relativas ao processo de tomada de decisões de caráter coletivo ou comum. Envolve igualmente as formas de funcionamento do governo, além das instituições formais e informais que regulam o relacionamento entre Estado e sociedade (Grindle, 2017Grindle, M. S. (2017). Good governance, R.I.P.: A critique and an alternative. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 17-22. doi:10.1111/gove.12223
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).

São necessárias algumas condições prévias para o funcionamento da governança pública. A primeira condição é a de que o poder esteja disperso na sociedade de modo eficiente e não fragmentado, que os representantes sejam eleitos democraticamente, refletindo os interesses dos principais grupos sociais, e aceitos como guardiões dos interesses públicos. Ademais, é preciso que as autoridades públicas disponham de competências e recursos que as permitam executar as decisões tomadas democraticamente. No que se refere à sociedade, são condições necessárias para a governança: (1) que a sociedade civil seja forte e bem organizada; (2) que os cidadãos gozem de igualdade perante a lei e disponham de direitos fundamentais que os protejam; (3) que as organizações sociais sejam autônomas e capazes de negociar com as autoridades estatais (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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).

Nesse contexto, emerge uma comparação normativa acerca das definições e condições ideais de governança (Grindle, 2017Grindle, M. S. (2017). Good governance, R.I.P.: A critique and an alternative. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 17-22. doi:10.1111/gove.12223
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). Entidades que atendem a determinadas condições têm a si atribuído um rótulo de “boa governança”. Assim, há inúmeros instrumentos de avaliação do desempenho de governos voltados para análise de seu comportamento em relação à governança. O resultado desse exame é visto como produto da capacidade do ente avaliado, sendo este considerado responsável por sua classificação e melhoria futura. Há, portanto, uma expectativa de que os entes avaliados melhorem sua conduta com base na avaliação (Löwenheim, 2008Löwenheim, O. (2008). Examining the state: A foucauldian perspective on international “governance indicators”. Third World Quarterly, 29(2), 255-274. doi:10.1080/01436590701806814
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).

No entanto, há inúmeras críticas aos índices e mecanismos de avaliação de governança no nível internacional. Do ponto de vista político, argumenta-se que esses instrumentos fortalecem as visões de grupos dominantes, embora as análises pareçam neutras e apolíticas (Erkkilä & Piironen, 2014Erkkilä, T., & Piironen, O. (2014). (De)politicizing good governance: The World Bank Institute, the OECD and the politics of governance indicators. Innovation: The European Journal of Social Science Research, 27(4), 344-360. doi: 10.1080/13511610.2013.850020
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). Eles são também vistos como inseridos em relações de poder e dominação, em que poder e conhecimento circulam entre Estados hegemônicos e alguns atores não estatais (Löwenheim, 2008Löwenheim, O. (2008). Examining the state: A foucauldian perspective on international “governance indicators”. Third World Quarterly, 29(2), 255-274. doi:10.1080/01436590701806814
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), firmando preferências políticas e normativas que influenciam os resultados finais (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
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). Do ponto de vista metodológico, várias críticas têm sido levantadas acerca da forma de construção e agregação dos indicadores e da transparência das informações fornecidas pelas fontes de dados (Apaza, 2009Apaza, C. R. (2009). Measuring governance and corruption through the worldwide governance indicators: Critiques, responses, and ongoing scholarly discussion. Political Science and Politics, 42(1), 139-143. doi:10.1017/S1049096509090106
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).

Diversos aspectos são considerados cruciais nos índices de governança, dentre os quais: formação do conceito, validade do conteúdo, confiabilidade, robustez e relevância das medidas, complexidade descritiva, ajuste teórico, precisão dos estimadores e correta ponderação (Gisselquist, 2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
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). Não é objeto deste estudo, no entanto, a análise das escalas de governança a partir de todos esses aspectos. O foco está em três dimensões de análise: conceitual, mensural e democrática.

No que se refere à dimensão conceitual, cumpre reafirmar que governança possui diversos significados, e é foco de várias abordagens teóricas. O termo é utilizado com frequência para substituir outro, de modo que problemas de governança passou a ser um eufemismo para corrupção, fraude, incompetência ou desperdício (Rose-Ackerman, 2017Rose-Ackerman, S. (2017). What does “governance” mean? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 23-27. doi:10.1111/gove.12212
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). Desse modo, distintos estudos podem atribuir significados diversos ao investigar a mesma pergunta de pesquisa (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
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). Isso é um problema ao se tratar da construção de índices de governança pública. Destaca-se que diversos desses índices não especificam o conceito que visam medir, definindo governança apenas com base em sua operacionalização. Como governança é um significante com diversas possibilidades de significado, é fundamental que se tenha cautela ao analisar esses índices, uma vez que podem estar mensurando conceitos diversos de governança (Gisselquist, 2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
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).

A dimensão mensural, por sua vez, abrange o conteúdo dos índices de governança. Trata-se de uma análise dos componentes incluídos nas medidas no que se refere a sua consistência em relação ao construto governança, além das lógicas institucionais subjacentes a esses indicadores. Pode-se compreender lógicas institucionais como um conjunto de práticas materiais e construções simbólicas (Friedland & Alford, 1991Friedland, R., & Alford, R. R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions. In W. W. Powell, & P. J. DiMaggio, The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232-266). Chicago: University of Chicago Press.), com base nas quais os indivíduos atribuem sentido à realidade e orientam suas ações coletivas. Elas refletem valores, crenças e normas socialmente estabelecidas (Thornton & Ocasio, 2008Thornton, P. H., & Ocasio, W. (2008). Institutional logics. In R. Greenwood, C. Oliver, R. Suddaby, & K. Sahlin, The Sage handbook of organizational institutionalism (pp. 99-128). London: Sage.), e manifestam-se materialmente em estruturas e práticas organizacionais (Cloutier & Langley, 2013Cloutier, C., & Langley, A. (2013). The logic of institutional logics: Insights from French pragmatist sociology. Journal of Management Inquiry, 22(4), 360-380. doi:10.1177/1056492612469057
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).

Sob essa ótica, a partir dos critérios utilizados para mensurar governança pública, diferentes lógicas institucionais podem ser identificadas, algumas das quais conflitantes. Por exemplo, participação social é um aspecto importante de governança (Martínez, 2005Martínez, A. C. (2005). La gobernanza hoy: Introducción. In A. C. Martínez, La gobernanza hoy: 10 textos de referencia (pp. 11-35). Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública.). Contudo, esse aspecto pode ser percebido por diversas lógicas institucionais. Mello e Slomski (2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
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) percebem este aspecto por meio da facilidade de acesso dos cidadãos a portais eletrônicos e da capacidade desses portais de permitirem a interação dos cidadãos. Já Yong e Wenhao (2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
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) percebem este aspecto por meio da participação do setor privado na economia local. Em suma, o conteúdo dos índices de governança nem sempre tratam das mesmas lógicas institucionais.

Já no que se refere à dimensão democrática, é forçoso ressaltar que democracia e governança estão intrinsecamente ligadas, sendo a democracia representativa uma solução de governança para as falhas inerentes à democracia direta. No sistema atual de democracia representativa, não são apenas os representantes eleitos os detentores de autoridade pública, mas atores nomeados por esses e burocratas escolhidos por critérios estabelecidos (Mosher, 1968Mosher, F. C. (1968). Democracy and the public service. New York: Oxford University Press.). Com efeito, a formulação e implementação de políticas públicas não é monopólio dos representantes eleitos. O poder para tanto muitas vezes é delegado aos burocratas (Sweet & Thatcher, 2002Sweet, A. S., & Thatcher, M. (2002). Theory and practice of delegation to nonmajoritarian institutions. West European Politics, 25(1), 1-22. doi:10.1080/713601583
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), os quais devem prestar conta aos representantes eleitos ou à sociedade (Tomic, 2018Tomic, S. (2018). Legal independence vs. leaders’ reputation: Exploring drivers of ethics commissions’ conduct in new democracies. Public Administration, 96(3), 1-17. doi:10.1111/padm.12411
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).

Assim, um importante aspecto do debate sobre boa governança remete à tensão entre competência técnica e legitimidade procedimental, com destaque para o envolvimento social e a justificação das ações públicas. Ou seja, esta tensão está entre a necessidade de efetividade das políticas públicas e de procedimentos que sejam legitimados e controlados pelos cidadãos. Desse modo, a questão não está apenas na formulação de políticas cientificamente avançadas ou em decisões que soam técnicas, mas em políticas que respondam ao interesse público (Rose-Ackerman, 2017Rose-Ackerman, S. (2017). What does “governance” mean? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 23-27. doi:10.1111/gove.12212
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). A garantia de que o interesse público seja atendido na formulação e implementação das políticas públicas passa pelo controle dos conflitos de interesses entre políticos e burocratas e pela mitigação de problemas de assimetria de informação (Lupia & McCubbins, 2000Lupia, A., & McCubbins, M. D. (2000). Representation or abdication? How citizens use institutions to help delegation succeed. European Journal of Political Research, 37, 291-307. doi:10.1023/A:1007068904236
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).

Há uma relação importante entre as dimensões democrática e mensural. Trata-se do problema de se potencializarem déficits democráticos com a imposição de níveis de desempenho baseados em indicadores definidos sem abertura à participação popular. Corre-se o risco de uma democracia baseada em segredos de indicadores, acessíveis apenas a poucos especialistas. Estes passam a ser depositários de um conhecimento não acessível à massa, o qual mesmo se fosse acessível, não seria compreensível, nem passível de discussão (Bobbio, 1995Bobbio, N. (1995). Il futuro della democrazia. Torino: Einaudi.). A governança, porém, é democrática na medida em que estabelece meios para a participação social no planejamento e avaliação da ação pública (Martínez, 2005Martínez, A. C. (2005). La gobernanza hoy: Introducción. In A. C. Martínez, La gobernanza hoy: 10 textos de referencia (pp. 11-35). Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública.), sendo necessários para o funcionamento da democracia mecanismos de controle social sobre a ação de políticos e burocratas (Arantes, Loureiro, Couto, & Teixeira, 2010Arantes, R. B., Loureiro, M. R., Couto, C., & Teixeira, M. C. (2010). Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Tribunais de Contas, Judiciário e Ministério Público. In M. Loureiro, F. Abrucio, & R. Pacheco, Burocracia e política no Brasil: Desafios para a ordem democrática no século XXI (pp. 109-147). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.).

Procedimentos metodológicos

Este estudo traz uma metanálise de artigos publicados no âmbito nacional e internacional que propõem escalas para mensuração de governança ou críticas a índices já existentes. Para a coleta de dados, realizou-se um levantamento sistemático da literatura nas bases de dados JSTOR, SciELO, Sage, Wiley, Web of Science, Taylor & Francis Online e Spell. Essas bases de dados foram selecionadas por cobrirem juntas uma extensa parte da produção científica no campo de administração pública, abrangendo os periódicos de maior prestígio em âmbito nacional e internacional. As pesquisas foram realizadas pelos indexadores public governance, measurement/measure, scale e index/indicator nas palavras-chave dos artigos. Quando não foi possível pesquisar por palavras-chave, a pesquisa foi realizada pelo título dos artigos. A busca se limitou a artigos em periódicos com revisão às cegas. Após a busca, efetuou-se a leitura dos títulos e resumos dos artigos encontrados para selecionar aqueles que tratassem de indicadores ou medidas de governança pública em contexto supranacional, nacional, regional e local. Foram descartados artigos referentes a governança ambiental, transparência, rule of law2 2 Rule of law refere-se à supremacia da lei na determinação do comportamento social. Em uma definição mínima, significa que as pessoas e o governo devem seguir e se sujeitar às leis (Skaaning, 2010). Em português, o termo pode ser entendido como Estado de direito. , saúde, governança corporativa e educação, uma vez que o escopo desta pesquisa não abrange medidas de governança para setores específicos. Por fim, dos 38 artigos encontrados inicialmente, 21 foram selecionados, sendo 19 estrangeiros e dois nacionais.

Os artigos selecionados tiveram seus conteúdos analisados, com foco em três dimensões: conceitual, mensural e democrática do construto governança. Para a identificação da dimensão conceitual, foi verificada a definição de governança adotada em cada artigo. A análise foi realizada mediante a classificação de categorias de definição de governança conforme a literatura sobre o tema, baseando-se na técnica de análise categorial (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.). Trata-se de uma análise de conteúdo convencional (Hsieh & Shannon, 2005Hsieh, H.-F., & Shannon, S. E. (2005). Three approaches to qualitative content analysis. Qualitative Health Research, 15(9), 1277-1288. doi:10.1177/1049732305276687
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), na qual as categorias foram desenvolvidas a partir da leitura dos artigos, concomitantemente com a análise, permitindo que os principais aspectos de governança pública fluíssem a partir dos dados.

No caso da dimensão mensural, buscou-se os indicadores utilizados para medir governança. As categorias de análise foram as mesmas alvitradas na etapa anterior, uma vez que os indicadores são utilizados para mensurar o conceito, devendo ser adequados para a estimação de cada parâmetro (Hanlbleton, Swaminathan, & Rogers, 1991Hanlbleton, R. K., Swaminathan, H., & Rogers, D. J. (1991). Fundamentals of item response theory. California: Sage.). Já no que se refere à dimensão democrática, o foco foram os atores ou instituições que exercem governança, identificados mediante análise categorial (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.), de forma semelhante à utilizada para a dimensão conceitual supracitada.

Escalas de mensuração de governança

Os artigos considerados para a análise englobam tanto propostas de índices e dimensões para a mensuração de governança pública quanto críticas aos índices e escalas mais difundidos. Nesse sentido, diversos trabalhos se dedicam a criticar ou propor ajustes ao Worldwide Governance Indicators (WGI) (Ahmad, 2005Ahmad, N. (2005). Governance, globalisation, and human development in Pakistan. The Pakistan Development Review, 4(4), 585-594. doi:10.30541/v44i4IIpp.585-594
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; Apaza, 2009Apaza, C. R. (2009). Measuring governance and corruption through the worldwide governance indicators: Critiques, responses, and ongoing scholarly discussion. Political Science and Politics, 42(1), 139-143. doi:10.1017/S1049096509090106
https://doi.org/10.1017/S104909650909010...
; Buduru & Pal, 2010Buduru, B., & Pal, L. A. (2010). The globalized state: Measuring and monitoring governance. European Journal of Cultural Studies, 13(4), 511-530. doi:10.1177/1367549410377144
https://doi.org/10.1177/1367549410377144...
; Erkkilä & Piironen, 2014Erkkilä, T., & Piironen, O. (2014). (De)politicizing good governance: The World Bank Institute, the OECD and the politics of governance indicators. Innovation: The European Journal of Social Science Research, 27(4), 344-360. doi: 10.1080/13511610.2013.850020
https://doi.org/10.1080/13511610.2013.85...
; Löwenheim, 2008Löwenheim, O. (2008). Examining the state: A foucauldian perspective on international “governance indicators”. Third World Quarterly, 29(2), 255-274. doi:10.1080/01436590701806814
https://doi.org/10.1080/0143659070180681...
; McFerson, 2009McFerson, H. M. (2009). Measuring African governance by attributes or by results? Journal of Developing Societies, 25(2), 253-274. doi:10.1177/0169796X0902500206
https://doi.org/10.1177/0169796X09025002...
; Thomas, 2010Thomas, M. A. (2010). What do the worldwide governance indicators measure? European Journal of Development Research, 22(1), 31-54. doi:10.1057/ejdr.2009.32
https://doi.org/10.1057/ejdr.2009.32...
; Yong & Wenhao, 2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
https://doi.org/10.1007/s11205-011-9904-...
). Outros oferecem críticas ou ajustes ao Índice Ibrahim de Governança Africana (Farrington, 2009Farrington, C. (2009). Putting good governance into practice I: The Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies, 9(3), 249-255. doi:10.1177/146499340800900305
https://doi.org/10.1177/1464993408009003...
, 2010Farrington, C. (2010). Putting good governance into practice II: Critiquing and extending the Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies , 10(1), 81-86. doi:10.1177/146499340901000106
https://doi.org/10.1177/1464993409010001...
, 2011Farrington, C. (2011). Putting good governance into practice III: Measuring intrinsic and instrumental empowerment in local government contexts. Progress in Development Studies , 11(2), 151-161. doi:10.1177/146499341001100205
https://doi.org/10.1177/1464993410011002...
; McFerson, 2009McFerson, H. M. (2009). Measuring African governance by attributes or by results? Journal of Developing Societies, 25(2), 253-274. doi:10.1177/0169796X0902500206
https://doi.org/10.1177/0169796X09025002...
; Mitra, 2013Mitra, S. (2013). Towards a multidimensional measure of governance. Social Indicators Research, 112(2), 477-496. doi:10.1007/s11205-013-0256-4
https://doi.org/10.1007/s11205-013-0256-...
). Há também os que oferecem dimensões e indicadores para a mensuração de governança sem se basear em nenhum desses índices mais difundidos (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
https://doi.org/10.1111/gove.12035...
; Gani & Duncan, 2007Gani, A., & Duncan, R. (2007). Measuring good governance using time series data: Fiji Islands. Journal of the Asia Pacific Economy, 12(3), 367-385. doi:10.1080/13547860701405979
https://doi.org/10.1080/1354786070140597...
; Mello & Slomski, 2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
https://doi.org/10.4301/S1807-1775201000...
; Merry, 2011Merry, S. E. (2011). Measuring the world indicators, human rights, and global governance. Current Anthropology, 52(S3), S83-S95. doi:10.1086/657241
https://doi.org/10.1086/657241...
; Morrison, 2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2014....
; Oliveira & Pisa, 2015Oliveira, A. G., & Pisa, B. J. (2015). IGovP: índice de avaliação da governança pública: instrumento de planejamento do Estado e de controle social pelo cidadão. Revista de Administração Pública, 49(5), 1263-1290. doi:10.1590/0034-7612136179
https://doi.org/10.1590/0034-7612136179...
). Já Cruz e Marques (2013Cruz, N. F., & Marques, R. C. (2013). New development: The challenges of designing municipal governance indicators. Public Money & Management, 33(3), 209-212. doi:10.1080/09540962.2013.785706
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) e Gisselquist (2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
https://doi.org/10.1080/01442872.2014.94...
) propõem discussões acerca da elaboração e avaliação de índices de governança.

Sobre o WGI, é importante destacar que é o índice utilizado pelo Banco Mundial para mensurar o nível de governança dos países. Trata-se de uma escala de comparação bastante abrangente, cujos indicadores envolvem: voz e accountability; estabilidade política e ausência de violência ou terrorismo; efetividade governamental; qualidade regulatória; rule of law; controle e corrupção. Os dados são coletados desde 1996 e cobrem mais de duzentos países (Kaufmann, Kraay, & Mastruzzi, 2010Kaufmann, D., Kraay, A., & Mastruzzi, M. (2010). The worldwide governance indicators: Methodology and analytical issues. Recuperado de https://bit.ly/2T2aMsh
https://bit.ly/2T2aMsh...
). Este é o índice mais difundido e o mais criticado. Löwenheim (2008Löwenheim, O. (2008). Examining the state: A foucauldian perspective on international “governance indicators”. Third World Quarterly, 29(2), 255-274. doi:10.1080/01436590701806814
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) destaca que o WGI compõe um sistema de avaliação no qual se expressam relações de poder e dominação, nas quais os estados hegemônicos e certos atores não estatais detêm poder e conhecimento, e os estados mais fracos são responsabilizados pelos resultados do exame. Já Apaza (2009Apaza, C. R. (2009). Measuring governance and corruption through the worldwide governance indicators: Critiques, responses, and ongoing scholarly discussion. Political Science and Politics, 42(1), 139-143. doi:10.1017/S1049096509090106
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) questiona a acurácia da comparação da governança em perspectiva longitudinal, bem como o fato de os indicadores serem baseados em percepções, não em dados objetivos. Thomas (2010Thomas, M. A. (2010). What do the worldwide governance indicators measure? European Journal of Development Research, 22(1), 31-54. doi:10.1057/ejdr.2009.32
https://doi.org/10.1057/ejdr.2009.32...
) também critica a acurácia do WGI, destacando a necessidade de evidências de validade de seus indicadores. McFerson (2009McFerson, H. M. (2009). Measuring African governance by attributes or by results? Journal of Developing Societies, 25(2), 253-274. doi:10.1177/0169796X0902500206
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), por sua vez, defende que o índice representa um conjunto compreensivo e confiável de indicadores. Por fim, Yong e Wenhao (2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
https://doi.org/10.1007/s11205-011-9904-...
) também defendem a validade do WGI, e o utilizam como base para a criação de uma escala de governança para o contexto local.

O Índice Ibrahim de Governança Africana (IIAG), por sua vez, é utilizado para mensurar e monitorar o desempenho da governança nos países africanos. Este índice é composto por quatro categorias: (1) segurança e rule of law, que contém indicadores sobre rule of law, accountability, segurança pessoal e nacional; (2) participação e direitos humanos, que envolve indicadores de participação, direitos e gênero; (3) sustentabilidade econômica e oportunidade, abrangendo indicadores a respeito de gestão pública, ambiente de negócios, infraestrutura e setor rural; e (4) desenvolvimento humano, que contém indicadores de bem-estar social, educação e saúde. Este índice é publicado desde 2007 e fornece informações acerca de 54 países africanos (Mo Ibrahim Foundation, 2017Mo Ibrahim Foundation. (2017, 11 de dezembro). Index report. Recuperado de https://mo.ibrahim.foundation/iiag
https://mo.ibrahim.foundation/iiag...
). Embora tenha sido construído para a mensuração e monitoramento da governança em países africanos, o índice pode ser aplicado também em outros países e contextos (Farrington, 2010Farrington, C. (2010). Putting good governance into practice II: Critiquing and extending the Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies , 10(1), 81-86. doi:10.1177/146499340901000106
https://doi.org/10.1177/1464993409010001...
, 2011Farrington, C. (2011). Putting good governance into practice III: Measuring intrinsic and instrumental empowerment in local government contexts. Progress in Development Studies , 11(2), 151-161. doi:10.1177/146499341001100205
https://doi.org/10.1177/1464993410011002...
).

Acerca do IIAG, as críticas envolvem principalmente a sua pretensão de universalismo (Farrington, 2010Farrington, C. (2010). Putting good governance into practice II: Critiquing and extending the Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies , 10(1), 81-86. doi:10.1177/146499340901000106
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, 2011Farrington, C. (2011). Putting good governance into practice III: Measuring intrinsic and instrumental empowerment in local government contexts. Progress in Development Studies , 11(2), 151-161. doi:10.1177/146499341001100205
https://doi.org/10.1177/1464993410011002...
). Nesse sentido, é mencionado o excesso de variáveis na mensuração, as quais carecem de simplificação e aperfeiçoamento metodológico (McFerson, 2009McFerson, H. M. (2009). Measuring African governance by attributes or by results? Journal of Developing Societies, 25(2), 253-274. doi:10.1177/0169796X0902500206
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). Em particular, essas variáveis negligenciam a participação eleitoral em níveis subnacionais (Farrington, 2010Farrington, C. (2010). Putting good governance into practice II: Critiquing and extending the Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies , 10(1), 81-86. doi:10.1177/146499340901000106
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, 2011Farrington, C. (2011). Putting good governance into practice III: Measuring intrinsic and instrumental empowerment in local government contexts. Progress in Development Studies , 11(2), 151-161. doi:10.1177/146499341001100205
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). Já Mitra (2013Mitra, S. (2013). Towards a multidimensional measure of governance. Social Indicators Research, 112(2), 477-496. doi:10.1007/s11205-013-0256-4
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) critica a metodologia de agregação dos indicadores, além de propor uma nova metodologia que não vincula significados cardinais a variáveis ordinais e se apresenta robusta para o processo de normalização, o que não ocorreria com a metodologia atual (Mitra, 2013Mitra, S. (2013). Towards a multidimensional measure of governance. Social Indicators Research, 112(2), 477-496. doi:10.1007/s11205-013-0256-4
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).

Os trabalhos que relatam a construção de novos indicadores de governança pública, a seu turno, são bastante variados. Gani e Duncan (2007Gani, A., & Duncan, R. (2007). Measuring good governance using time series data: Fiji Islands. Journal of the Asia Pacific Economy, 12(3), 367-385. doi:10.1080/13547860701405979
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) alvitram escala contendo três dimensões principais: rule of law, efetividade governamental e qualidade regulatória, cada uma composta por um conjunto de indicadores. Mello e Slomsky (2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
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), por sua vez, elaboram um índice de governança eletrônica, composto por duas dimensões: governo eletrônico e democracia eletrônica. Fukuyama (2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
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) apresenta quatro dimensões para a avaliação da qualidade da governança: (1) medidas processuais, as quais envolvem condições relacionadas à estrutura das agências públicas, como hierarquia, meritocracia, carreira, controle e separação patrimonial; (2) medidas de capacidade, que abrangem a capacidade da atuação governamental para arrecadar e gerir recursos; (3) medidas de resultado, relacionadas à capacidade governamental para o fornecimento de serviços públicos; e (4) medidas de autonomia, relativas ao grau de autonomia burocrática dos diversos componentes do Estado. Já Morrisson (2014) apresenta um índice de governança regional composto por quatro dimensões: (1) níveis de engajamento em redes regionais; (2) diversidade e sinergia do conjunto de instrumentos voltados para a aplicação das políticas públicas; (3) níveis de adaptabilidade dos planos e abordagens adaptativas do governo; e (4) apoio fiscal administrativo e democrático dos cidadãos locais ao governo central. Finalmente, Oliveira e Pisa (2015Oliveira, A. G., & Pisa, B. J. (2015). IGovP: índice de avaliação da governança pública: instrumento de planejamento do Estado e de controle social pelo cidadão. Revista de Administração Pública, 49(5), 1263-1290. doi:10.1590/0034-7612136179
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) elaboram um índice para a mensuração da governança nos estados brasileiros com indicadores de efetividade, transparência e accountability, participação, equidade e legalidade.

Há também trabalhos que apresentam discussões e recomendações acerca da elaboração de escalas para a mensuração de governança pública. Cruz e Marques (2013Cruz, N. F., & Marques, R. C. (2013). New development: The challenges of designing municipal governance indicators. Public Money & Management, 33(3), 209-212. doi:10.1080/09540962.2013.785706
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) descrevem um modelo de avaliação sistemática de governança em um contexto municipal, concluindo que modelos de avaliação devem ser adaptados a cada país ou região específica onde será aplicado. Isso reduziria a complexidade, evitaria o excesso de generalização e levaria em consideração condições idiossincráticas de cada local. Ademais, o ideal é que as avaliações de governança sejam validadas pelos governos locais. Gisselquist (2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
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), por sua vez, propõe um modelo de dez questões relevantes a serem consideradas no processo de desenvolvimento ou avaliação de índices de governança, envolvendo: formação conceitual, validade de conteúdo, confiabilidade, transparência e replicabilidade, robustez, relevância das medidas, complexidade descritiva, ajuste teórico, precisão dos estimadores e correta ponderação. Já Merry (2011Merry, S. E. (2011). Measuring the world indicators, human rights, and global governance. Current Anthropology, 52(S3), S83-S95. doi:10.1086/657241
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) chama a atenção para a expansão do uso de indicadores de governança em nível global, sob a marcante influência de lógicas de gestão corporativa, moldando a forma como são elaboradas e controladas diversas políticas públicas.

Em resumo, os artigos analisados tratam principalmente de governança em âmbito internacional. São majoritariamente teóricos (60% dos casos), sendo que os empíricos utilizam metodologias que abrangem aspectos tanto qualitativos quanto quantitativos. Desse modo, é interessante notar que a produção de conhecimento sobre o tema ainda carece de maior validação empírica. Cerca de 60% dos estudos tratam de governança em nível internacional, enquanto aproximadamente 25% tratam de governança em nível local, e o restante aborda governança em nível nacional. Neste ponto, é interessante notar que os dois artigos que abordam o caso brasileiro tratam de governança em nível nacional, propondo índices para a comparação dos estados federados. Por fim, vale ressaltar que apenas um artigo não aborda governança como temática principal. Trata-se do trabalho de Minassians (2015Minassians, H. P. (2015). Network governance and performance measures: Challenges in collaborative design of hybridized environments. International Review of Public Administration, 20(4), 335-352. doi:10.1080/12294659.2015.1088689
https://doi.org/10.1080/12294659.2015.10...
), que foca no desempenho de organizações públicas atuando em rede.

Os itens seguintes trazem uma análise mais detalhada, abrangendo as dimensões conceitual (relacionada às definições adotadas para o conceito de governança), mensural (relativa aos indicadores utilizados para a mensuração da governança) e democrática (referente aos aspectos de divisão de poder intrínsecos às medidas e definições adotadas).

Dimensão conceitual: como os estudos têm definido governança?

Uma vez que o conceito de governança não está bem estabelecido, distintos estudos podem atribuir significados diversos quando investigam a mesma pergunta de pesquisa (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
https://doi.org/10.1111/gove.12035...
). Neste caso, uma questão crítica acerca dos índices de governança é a especificação do conceito que pretendem medir (Gisselquist, 2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
https://doi.org/10.1080/01442872.2014.94...
). Como se trata de um conceito polissêmico e lastreado em diversas correntes teóricas, as definições adotadas tendem a ser variadas.

Por um lado, definições baseadas nas teorias da agência e dos custos de transação tenderiam a valorizar aspectos relacionados ao monitoramento e controle da Administração Pública, bem como à promoção de transparência como forma de redução da assimetria de informações. Isso porque tais teorias partem do pressuposto de racionalidade limitada e tendência dos agentes a agir de modo oportunista. As consequências dessas premissas envolvem contratações incompletas e riscos contratuais (Williamson, 1998Williamson, O. E. (1998). Corporate finance and corporate governance. The Journal of Finance, 43, 567-591. doi:10.1111/j.1540-6261.1988.tb04592.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1988...
). Por outro lado, a abordagem teórica dos stakeholders e as teorias de governança pública conferem maior importância à diversidade das partes interessadas (Freeman & Reed, 1983Freeman, R. E., & Reed, D. L. (1983). Stockholders and stakeholders: A new perspective on corporate governance. California Management Review, 25, 88-106. doi:10.2307/41165018
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) e à necessidade de que sua opinião seja ouvida no decorrer do processo de tomada de decisões, assim como à capacidade dos governos de ofertarem bens e serviços públicos de qualidade (Mayntz, 1998Mayntz, R. (1998). New challenges to governance theory. Recuperado de https://bit.ly/2I1I3NX
https://bit.ly/2I1I3NX...
, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
https://bit.ly/2wSY5re...
).

Desse modo, nota-se que essas diversas perspectivas compõem, muitas vezes, as mesmas definições. Percebe-se também que grande parte das definições de governança adotadas estão relacionadas à coordenação dos diversos atores interessados (públicos e privados), que cooperam para a formulação e implementação das políticas públicas, bem como à participação social na tomada de decisões. Outro ponto interessante é que algumas definições abordam não apenas o conceito de governança, mas as condições básicas para que haja governança. Como forma de facilitar a visualização, o Quadro 1 apresenta as definições de governança encontradas e as categorias em que foram classificadas.

Vale destacar que as categorias foram definidas de modo concomitante com a análise. Assim, a categoria “Coordenação de stakeholders” representa as definições que enfocam a capacidade de conjugar os interesses dos diversos atores (públicos e privados), que cooperam entre si para a formulação e implementação das políticas públicas. As definições de governança que enfatizam a participação social na tomada de decisões do governo foram classificadas sob a categoria “Participação”. As definições que denotam preocupação com a efetividade governamental, a seu turno, compõem a categoria “Capacidade governamental”. As definições que sinalizam preocupação com o controle social sobre a ação pública foram classificadas na categoria “Monitoramento e controle”. Por fim, as definições que abrangem condições essenciais para que os mecanismos de governança possam prosperar inserem-se na categoria “Condições para governança”.

Quadro 1
Definições de governança

Observa-se que todas as categorias constam em mais de uma definição, mas não há um consenso sobre a definição de governança. A quantidade de observações de cada uma das categorias varia pouco, sendo que “Coordenação de stakeholders” e “Capacidade governamental” foram observadas em cinco definições, e as demais, em quatro definições. Desse modo, é possível inferir que todas as categorias são importantes para o conceito de governança, com destaque para “Coordenação de stakeholders” e “Capacidade governamental”.

De fato, a governança moderna é tratada como uma nova forma de governar, mais participativa, em que atores públicos e privados cooperam para a formulação e aplicação das políticas públicas (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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). Nessa nova forma de governar, o Estado exerce a função de coordenador das várias partes interessadas, sendo responsável por reunir recursos públicos e privados em um arranjo que o torna menos autossuficiente (Peters & Pierre, 2015Peters, B. G., & Pierre, J. (2015). Governance and policy problems: Instruments as unitary and mixed modes of policy intervention. Asia Pacific Journal of Public Administration, 37(4), 224-235. doi:10.1080/23276665.2015.1117179
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) no provimento de serviços públicos. Vale ressaltar a importância dos aspectos relativos ao monitoramento e controle dos diversos atores envolvidos nesses ajustes, conforme as teorias que deram origem à discussão sobre governança (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360. doi:10.1016/0304-405X(76)90026-X
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; Fama, 1980Fama, E. F. (1980). Agency problems and the theory of the firm. The Journal of Political Economy, 88(2), 288-307. doi:10.1086/260866
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; Williamson, 1996Williamson, O. E. (1996). Prologue: The mechanisms of governance. In O. E. Williamson, The mechanisms of governance (pp. 3-20). New York: Oxford University Press ., 1998). As diversas condições institucionais para que os arranjos de governança pública possam florescer (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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) também são tratadas nas definições encontradas, embora sejam condições necessárias, mas não suficientes para que haja governança pública.

Dimensão mensural: quais os indicadores utilizados para medir governança?

Indicadores podem ser utilizados para diversos propósitos. Na medida em que são elaborados, sintetizam dimensões técnicas e políticas, permitem a compreensão de fenômenos em diferentes campos de saber e ampliam o entendimento acerca do mundo ou de uma situação em particular. A partir da aplicação e utilização de indicadores, é possível não apenas assimilar conhecimentos e moldar percepções, mas também criar oportunidades de interferência e modificação da realidade (Merry, 2011Merry, S. E. (2011). Measuring the world indicators, human rights, and global governance. Current Anthropology, 52(S3), S83-S95. doi:10.1086/657241
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).

O estabelecimento de indicadores é uma forma de mensurar aspectos relacionados à noção de governança pública, vale dizer, uma forma de operacionalização do seu conceito. Assim, a observação dos indicadores propostos nos diferentes artigos selecionados, bem como sua categorização, foi feita com base nas categorias alvitradas na dimensão conceitual de governança. Como destacado anteriormente, há um conjunto de artigos construídos com base em índices de governança amplamente difundidos. Por conseguinte, para avaliar a abrangência dos diversos índices encontrados na literatura acadêmica, é importante cautela para não superestimar os indicadores utilizados no WGI e IIAG. O Quadro 2 apresenta, de modo condensado, os indicadores de governança utilizados nos diferentes estudos.

Quadro 2
Indicadores de governança utilizados/analisados

Em primeiro lugar, cumpre destacar que a categoria “Coordenação de stakeholders”, embora tenha sido a mais observada na dimensão conceitual, foi pouco observada na dimensão mensural. Apenas o índice proposto por Morrison (2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
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) compreende indicadores relacionados a essas categorias, a saber, “níveis de engajamento em redes regionais”, que abrange o envolvimento de indivíduos e organizações na coordenação de metas e políticas; e “níveis de diversidade e sinergia”, relacionado à coordenação transversal desses atores para a consecução dos objetivos das políticas públicas (Morrison, 2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
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). Esse resultado reforça a recomendação de Gisselquist (2014Gisselquist, R. M. (2014). Developing and evaluating governance indexes: 10 questions. Policy Studies, 35(5), 513-531. doi:10.1080/01442872.2014.946484
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) quanto à cautela na definição do conceito de governança e na forma como essa definição é operacionalizada.

A categoria “Participação”, por sua vez, possui grande quantidade de indicadores, demonstrando a preocupação com a participação social na tomada de decisões do governo. De fato, trata-se de um conjunto de indicadores quase unânime nos variados índices de mensuração de governança. Em alguns índices, este aspecto é observado vinculado a indicadores relacionados à categoria “Monitoramento e controle”, a exemplo do WGI, que une indicadores dessas duas categorias em “voz eaccountability”, que abrange percepções acerca da capacidade de participação dos cidadãos na eleição de seus representantes, bem como liberdade de expressão, de associação e de imprensa (Kaufmann et al., 2010Kaufmann, D., Kraay, A., & Mastruzzi, M. (2010). The worldwide governance indicators: Methodology and analytical issues. Recuperado de https://bit.ly/2T2aMsh
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). Outras vezes, os indicadores desta categoria surgem vinculados aos da categoria “Condições de governança”, como ocorre no IIAG, em “participação e direitos humanos”, que abrange aspectos relacionados a participação, direitos e gênero (Mo Ibrahim Foundation, 2017Mo Ibrahim Foundation. (2017, 11 de dezembro). Index report. Recuperado de https://mo.ibrahim.foundation/iiag
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).

É importante ressaltar que participação social está, necessariamente, relacionada ao controle da administração pública. As eleições são apenas o início do processo democrático, o qual continua por meio do controle dos representantes eleitos de modo a garantir que a vontade popular seja respeitada. Assim, são necessários mecanismos de controle social sobre a ação dos políticos e burocratas para o bom funcionamento da democracia (Arantes et al., 2010Arantes, R. B., Loureiro, M. R., Couto, C., & Teixeira, M. C. (2010). Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Tribunais de Contas, Judiciário e Ministério Público. In M. Loureiro, F. Abrucio, & R. Pacheco, Burocracia e política no Brasil: Desafios para a ordem democrática no século XXI (pp. 109-147). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). Frise-se também que a participação social está relacionada às condições institucionais necessárias para que haja governança, uma vez que depende da existência de direitos, garantias e liberdades que permitam e estimulem a organização social (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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). Contudo, indicadores voltados à mensuração de mais de uma ideia fere o critério da simplicidade, ou unidimensionalidade, para a construção de escalas de medida, segundo o qual apenas um aspecto deve ser mensurado por cada indicador em um teste (Hanlbleton et al., 1991Hanlbleton, R. K., Swaminathan, H., & Rogers, D. J. (1991). Fundamentals of item response theory. California: Sage.).

Ainda sobre a categoria “Participação”, é interessante destacar o trabalho de Yong e Wenhao (2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
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), os quais desenvolveram uma escala para a mensuração de governança local. Tal escala foi validada em cinco grandes cidades chinesas, e a dimensão “Participação” foi a de maior pontuação em todas as cidades avaliadas. Ao olhar de perto a operacionalização do aspecto “Participação” nessa escala, verifica-se que alguns dos indicadores utilizados não se referem à participação social na tomada de decisão governamental, mas a questões diversas relativas à economia local, como a participação das contribuições do setor privado para o produto interno bruto local, e a participação do setor privado na prestação de serviços públicos.

Em outro vértice, a categoria “Capacidade governamental” compreende os indicadores relacionados à efetividade do governo, à qualidade regulatória, ao desempenho das agências públicas, à produção e ao resultado das políticas públicas. Embora a “Capacidade governamental” não seja uma categoria unânime quando se trata da dimensão conceitual, todos os índices dos artigos analisados possuem um indicador relacionado a essa categoria. Trata-se não apenas da produção de serviços de qualidade pelo Estado, mas de sua atuação na promoção de políticas que permitam o desenvolvimento do setor privado. Na verdade, a discussão sobre governança pública está inserida em um contexto de perda da capacidade estatal de controle direto sobre os bens e serviços públicos, substituída pela capacidade de influenciar uma rede de atores que combinam recursos para a produção desses serviços (Peters & Pierre, 1998Peters, B. G., & Pierre, J. (1998). Governance without government? Rethinking public administration. Journal of Public Administration Research and Theory, 8(2), 223-243. doi:10.1093/oxfordjournals.jpart.a024379
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).

No que se refere à categoria “Monitoramento e controle”, emergem principalmente noções relacionadas a accountability. Este conceito representa um processo que compreende a prestação de informações, apresentação de justificação e a responsabilização dos agentes públicos por seus atos e omissões (Schedler, 1999Schedler, A. (1999). Conceptualizing accountability. In A. Schedler, L. Diamond, & M. F. Plattner, The self-restraining state: Power and accountability in new democracies (pp. 13-28). Boulder: Lynne Rienner Publishers.). Nesse sentido, os aspectos de transparência e corrupção podem ser reduzidos e inseridos no “guarda-chuva” da accountability, uma vez que se trata de aspectos altamente relacionados. Ademais, partindo do pressuposto de informação imperfeita, a transparência é essencial para o exercício do poder e um importante elemento anticorrupção (Schedler, 1999Schedler, A. (1999). Conceptualizing accountability. In A. Schedler, L. Diamond, & M. F. Plattner, The self-restraining state: Power and accountability in new democracies (pp. 13-28). Boulder: Lynne Rienner Publishers.).

Merecem também atenção especial as medidas de autonomia burocrática colocadas por Fukuyama (2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
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). Nessa linha, a burocracia estaria a três passos de distância da democracia direta. O primeiro passo seria a eleição de representantes do povo; o segundo, a delegação de poderes dos representantes eleitos a terceiros, mediante cargos públicos de livre nomeação; já o terceiro passo representa a designação de pessoas não eleitas, tampouco nomeadas politicamente, mas escolhidas com base em determinados critérios estabelecidos por esses (Mosher, 1968Mosher, F. C. (1968). Democracy and the public service. New York: Oxford University Press.). Assim, é importante que haja um equilíbrio das medidas de autonomia, uma vez que a burocracia não deveria se isolar da sociedade de modo a tomar decisões em desacordo com as demandas sociais, tampouco deveria subordinar-se completamente sem margem para qualquer julgamento discricionário ou independente (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
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). Nesse sentido, o ideal é que os políticos eleitos deleguem para a burocracia apenas a quantidade de poder necessária para que ela alcance resultados mais próximos das políticas preferidas pelos representantes eleitos (Sweet & Thatcher, 2002Sweet, A. S., & Thatcher, M. (2002). Theory and practice of delegation to nonmajoritarian institutions. West European Politics, 25(1), 1-22. doi:10.1080/713601583
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).

Em seguida, a categoria “Condições de governança” contempla indicadores relacionados aos requisitos institucionais necessários para que emerjam mecanismos de governança. Ressalta-se que esses requisitos são necessários, mas não suficientes para que haja governança. Trata-se das bases sobre as quais são construídos os instrumentos de governança, assim como proposto por Mayntz (2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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). De fato, apenas governos eleitos democraticamente que reflitam os interesses dos principais grupos sociais são capazes de perceber os interesses sociais de modo a produzir políticas públicas que resolvam problemas sociais importantes. Demais disso, para que haja participação social na tomada de decisões e no monitoramento e controle da ação pública, é necessário que os cidadãos sejam iguais perante a lei e tenham seus direitos protegidos pelo Estado. Por conseguinte, entende-se que a categoria “Condições de governança” seja composta por fatores que não integram o conceito de governança, mas que o antecedem.

Entre os indicadores contidos na categoria “Condições de governança”, rule of law traz uma noção bastante abrangente, capaz de envolver diversos outros indicadores. Em sentido amplo, esse conceito se refere não apenas à submissão do Estado e da sociedade às leis, mas à qualidade, à estabilidade e ao cumprimento dessas leis (Skaaning, 2010Skaaning, S. E. (2010). Measuring the rule of law. Political Research Quarterly, 63(2), 449-460. doi:10.1177/1065912909346745
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). Desse modo, as ideias de estabilidade política (Kaufmann et al., 2010Kaufmann, D., Kraay, A., & Mastruzzi, M. (2010). The worldwide governance indicators: Methodology and analytical issues. Recuperado de https://bit.ly/2T2aMsh
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), integridade (Yong & Wenhao, 2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
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), legalidade e ética (Oliveira & Pisa, 2015Oliveira, A. G., & Pisa, B. J. (2015). IGovP: índice de avaliação da governança pública: instrumento de planejamento do Estado e de controle social pelo cidadão. Revista de Administração Pública, 49(5), 1263-1290. doi:10.1590/0034-7612136179
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), direitos humanos e segurança (Mo Ibrahim Foundation, 2017Mo Ibrahim Foundation. (2017, 11 de dezembro). Index report. Recuperado de https://mo.ibrahim.foundation/iiag
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) poderiam ser agregadas pelo indicador rule of law.

Observe-se, por fim, que cada categoria elencada compreende indicadores lastreados em variadas lógicas institucionais. Subjacentes ao conceito de governança pública refletido nos indicadores apontados, reúnem-se crenças, valores e normas que consubstanciam construções simbólicas representativas de visões de mundo pautadas tanto em ideais democráticos quanto em perspectivas de desempenho (como eficiência, efetividade e capacidades estatais). Esse aspecto axiológico-normativo, abarcado pela dimensão mensural, também impacta na forma como os atores sociais e instituições exercem a governança pública. Mas quem são afinal esses atores e qual o papel a eles atribuído em um contexto democrático?

Dimensão democrática: quais atores e instituições exercem a governança?

O desafio fundamental de governança pública é balancear a expertise e a participação democrática além do processo eleitoral para produzir políticas públicas que resolvam problemas sociais importantes e sejam aceitas como legítimas pelos cidadãos (Rose-Ackerman, 2017Rose-Ackerman, S. (2017). What does “governance” mean? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions , 30(1), 23-27. doi:10.1111/gove.12212
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). Governança, nesse sentido, reclama que se considere como legítima a representação autônoma dos atores e interesses sociais, de modo que o conceito de representação democrática comporte meios para a participação popular nos processos de planejamento, implementação, prestação de contas e avaliação das ações públicas (Martínez, 2005Martínez, A. C. (2005). La gobernanza hoy: Introducción. In A. C. Martínez, La gobernanza hoy: 10 textos de referencia (pp. 11-35). Madrid: Instituto Nacional de Administración Pública.).

Nessa linha, a participação social é um aspecto presente em diversas definições de governança pública, bem como um indicador quase unânime nos variados índices de mensuração de governança. São vários os artigos que utilizam termos como cidadãos, sociedade ou eleitorado para indicar os agentes responsáveis por exercer a governança (Ahmad, 2005Ahmad, N. (2005). Governance, globalisation, and human development in Pakistan. The Pakistan Development Review, 4(4), 585-594. doi:10.30541/v44i4IIpp.585-594
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; Farrington, 2009Farrington, C. (2009). Putting good governance into practice I: The Ibrahim Index of African Governance. Progress in Development Studies, 9(3), 249-255. doi:10.1177/146499340800900305
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, 2010, 2011; Mello & Slomski, 2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
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; Morrison, 2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
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; Minassians, 2015Minassians, H. P. (2015). Network governance and performance measures: Challenges in collaborative design of hybridized environments. International Review of Public Administration, 20(4), 335-352. doi:10.1080/12294659.2015.1088689
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; Oliveira & Pisa, 2015Oliveira, A. G., & Pisa, B. J. (2015). IGovP: índice de avaliação da governança pública: instrumento de planejamento do Estado e de controle social pelo cidadão. Revista de Administração Pública, 49(5), 1263-1290. doi:10.1590/0034-7612136179
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; Yong & Wenhao, 2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
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).

Os significados dos termos cidadãos, sociedade e eleitorado, de modo geral, são bastante amplos, abrangendo um conjunto extenso de atores. Diante disso, a definição que inclui os principais stakeholders como os agentes de governança, conforme Cruz e Marques (2013Cruz, N. F., & Marques, R. C. (2013). New development: The challenges of designing municipal governance indicators. Public Money & Management, 33(3), 209-212. doi:10.1080/09540962.2013.785706
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), revela maior precisão. Tal perspectiva implica um resultado prático importante, já que, considerando que a governança está relacionada à solução coletiva de problemas, tal solução tente a ser mais efetiva quando envolve os atores que produzem o problema, aqueles que são afetados e aqueles com vontade de resolvê-lo (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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).

Com efeito, é importante que se desenvolvam condições institucionais fundamentais para a propagação de mecanismos de governança. Tais condições envolvem a dispersão do poder na sociedade, a eleição dos representantes de forma democrática, a capacidade de o governo implementar as decisões tomadas democraticamente, a habilidade da sociedade em se organizar de forma autônoma e de negociar com as autoridades estatais. Tudo isso depende de direitos fundamentais que garantam a igualdade dos cidadãos perante a lei, de sua proteção frente ao Estado (Mayntz, 2001Mayntz, R. (2001). El Estado y la sociedad civil en la gobernanza moderna. Revista del CLAD: Reforma y Democracia, 21. Recuperado de https://bit.ly/2wSY5re
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) e da capacidade do Estado de fazer valer a lei. Nesse sentido, alguns autores colocam o governo como agente de governança, pois é o responsável por garantir essas condições institucionais e facilitar a participação do cidadão na tomada de decisões (Mello & Slomski, 2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
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; Morrison, 2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
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), em especial o governo local, que se encontra mais próximo à população (Cruz & Marques, 2013Cruz, N. F., & Marques, R. C. (2013). New development: The challenges of designing municipal governance indicators. Public Money & Management, 33(3), 209-212. doi:10.1080/09540962.2013.785706
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; Yong & Wenhao, 2012Yong, G., & Wenhao, C. (2012). Developing a city governance index: based on surveys in five major Chinese cities. Social Indicators Research , 109(2), 305-316. doi:10.1007/s11205-011-9904-8
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).

Em uma perspectiva horizontal, alguns autores colocam agências ou entidades públicas como as responsáveis por exercer governança. Assim, ao abordar a governança em redes de políticas públicas, Minassians (2015Minassians, H. P. (2015). Network governance and performance measures: Challenges in collaborative design of hybridized environments. International Review of Public Administration, 20(4), 335-352. doi:10.1080/12294659.2015.1088689
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) destaca a importância da cooperação entre as diversas organizações do setor público, além das não públicas, para a produção de serviços de maior qualidade. Oliveira e Pisa (2015Oliveira, A. G., & Pisa, B. J. (2015). IGovP: índice de avaliação da governança pública: instrumento de planejamento do Estado e de controle social pelo cidadão. Revista de Administração Pública, 49(5), 1263-1290. doi:10.1590/0034-7612136179
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), por sua vez, destacam a importância dos conselhos de políticas públicas e dos tribunais de contas no controle dos agentes e instituições públicas. Nesse diapasão, a burocracia é também citada como responsável por exercer a governança (Morrison, 2014Morrison, T. H. (2014). Developing a regional governance index: The institutional potential of rural regions. Journal of Rural Studies, 35, 101-111. doi:10.1016/j.jrurstud.2014.04.004
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).

Percebe-se, portanto, a importância do envolvimento das diversas partes interessadas para produzir políticas capazes de lidar com a complexidade social. A construção de coalizões em torno de soluções, mesmo que subótimas, pode ser o único meio possível de produzir mudanças. Assim, é importante que atores diversos, tanto públicos quanto privados, participem da formulação e implementação de políticas públicas com vistas a torná-las mais inclusivas e democráticas (Peters & Pierre, 2015Peters, B. G., & Pierre, J. (2015). Governance and policy problems: Instruments as unitary and mixed modes of policy intervention. Asia Pacific Journal of Public Administration, 37(4), 224-235. doi:10.1080/23276665.2015.1117179
https://doi.org/10.1080/23276665.2015.11...
).

O trabalho de Fukuyama (2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
https://doi.org/10.1111/gove.12035...
) chama a atenção por oferecer uma análise sob uma perspectiva diferente. Há um enfoque no controle da burocracia pelos políticos, ou seja, os políticos fazendo as vezes de principal e os burocratas de agentes, em uma relação de agência entre políticos e burocratas. Dessa forma, uma medida relevante de governança seria o grau de autonomia da burocracia, o qual, quando apropriado, não significa isolamento entre burocratas e sociedade, tampouco tomada de decisões em desacordo com as demandas sociais. O ideal seria a manutenção do equilíbrio entre os extremos da completa subordinação e da completa autonomia da burocracia em relação aos políticos, de modo que aquela não seja completamente obrigada pelas regras impostas por estes, tampouco escape do controle político e defina seus próprios procedimentos e objetivos (Fukuyama, 2013Fukuyama, F. (2013). What is governance? Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, 26(3), 347-368. doi:10.1111/gove.12035
https://doi.org/10.1111/gove.12035...
).

De fato, a relação entre políticos e burocratas pode ser vista a partir de uma perspectiva principal-agente. Nessa relação, existe a possibilidade de que os interesses de políticos e burocratas sejam conflitantes, bem como de que haja assimetria de informações. Se ambas as possibilidades se realizarem, torna-se essencial que os políticos mantenham mecanismos de controle sobre os burocratas para que as decisões da burocracia permaneçam atendendo às demandas da sociedade. Tais mecanismos podem envolver o monitoramento direto das atividades da burocracia, a prestação de contas da burocracia aos políticos, e a possibilidade de canais para depoimentos de terceiros (Lupia & McCubbins, 2000Lupia, A., & McCubbins, M. D. (2000). Representation or abdication? How citizens use institutions to help delegation succeed. European Journal of Political Research, 37, 291-307. doi:10.1023/A:1007068904236
https://doi.org/10.1023/A:1007068904236...
). O Quadro 3 apresenta, de forma simplificada, os atores e instituições que exercem governança, com base nos artigos analisados.

Quadro 3
Atores e instituições que exercem governança

Constata-se que metade dos estudos coloca os cidadãos como o principal ator responsável pelo exercício da governança pública. Ao citar a sociedade ou eleitores, os cidadãos continuam como promotores implícitos do tema. Essa crença aposta em um movimento de fora para dentro e pressupõe a existência de direitos civis e liberdades políticas, tornando a participação possível (Ahmad, 2005Ahmad, N. (2005). Governance, globalisation, and human development in Pakistan. The Pakistan Development Review, 4(4), 585-594. doi:10.30541/v44i4IIpp.585-594
https://doi.org/10.30541/v44i4IIpp.585-5...
). Também se destaca o acesso a informações (transparência) e serviços públicos como instrumentos que modificam a lógica das relações entre sociedade e governos, especialmente quando considerada a ampliação das possibilidades de discussão e interação entre os diferentes atores sociais relevantes (Mello & Slomski, 2010Mello, G. R., & Slomski, V. (2010). Índice de governança eletrônica dos estados brasileiros (2009): No âmbito do Poder Executivo. Journal of Information Systems and Technology Management, 7(2), 375-408. doi:10.4301/S1807-17752010000200007
https://doi.org/10.4301/S1807-1775201000...
).

Conclusões

As escalas de mensuração de governança pública são muitas vezes vistas em sentidos controversos. Por um lado, podem ser tratadas como convenientes e capazes de gerar informações valiosas. Por outro lado, recebem críticas acerca de sua acurácia ou são tidas como expressões de dominação dos países hegemônicos sobre as nações menos desenvolvidas. Nesse contexto, este trabalho se propôs a identificar e avaliar comparativamente iniciativas de definição e mensuração de governança pública. Para tanto, foi realizada uma metanálise de artigos científicos voltados à construção ou à crítica aos índices de governança, tendo como base três dimensões: conceitual, mensural e democrática.

Observou-se uma diversidade tanto no que se refere ao conceito de governança quanto à disponibilidade de instrumentos utilizados para mensurá-la. Assim, na dimensão conceitual, as definições de governança foram classificadas em cinco categorias: coordenação de stakeholders, participação, capacidade governamental, monitoramento e controle e condições de governança. Esta última, no entanto, não se refere ao conceito de governança propriamente dito, mas ao conjunto de fatores institucionais necessários para o florescimento dos mecanismos de governança. A partir da identificação e análise desses conceitos, este estudo propõe a seguinte definição para governança pública: arranjos de natureza pública que permitem a participação de todos os interessados, sob a coordenação do Estado, na solução dos problemas comuns, possibilitando assim a entrega de serviços públicos de qualidade, bem como o controle social.

No que tange à dimensão mensural, os indicadores utilizados nas escalas de governança foram classificados nas mesmas categorias alvitradas na dimensão conceitual. Observou-se uma dissonância entre indicadores e conceitos de governança, uma vez que a categoria “Coordenação de stakeholders”, mais relevante para a dimensão conceitual, foi a que menos conteve indicadores a si relacionados nas análises da dimensão mensural.

É importante ressaltar que a natureza ampla e multidimensional de governança dificulta o esforço de mensuração desse conceito. Assim, muitos dos trabalhos que buscam construir escalas para tal mensuração pecam pela pretensão ao universalismo, o que leva a índices muito extensos e consequentemente pouco apurados. Nesse sentido, esforços voltados para aprofundar o entendimento de cada um dos aspectos de governança tenderiam a ser mais frutíferos.

Para a análise da dimensão democrática, foram definidas categorias distintas. O foco esteve em atores ou instituições responsáveis por exercer a governança. Assim, as categorias de análise foram: cidadãos, sociedade ou eleitorado; principais stakeholders; governo; agências ou entidades públicas; burocracia; e políticos. Sob esse ângulo, observou-se que a maior parte dos trabalhos colocam os cidadãos, sociedade ou eleitorado como principal responsável pelo exercício da governança. Em segundo lugar, o governo também foi bastante citado, seguido por agências ou entidades públicas. Políticos, burocracia e principais stakeholders foram pouco lembrados em seu papel de exercício da governança.

A pesquisa realizada, porém, apresenta limitações, dentre as quais o processo coleta de dados. Embora as bases investigadas sejam bastante abrangentes e reúnam grande parte dos periódicos dos diversos campos das ciências sociais aplicadas, inclusive os de maior prestígio, elas não compreendem o total das publicações sobre o tema, de modo que os resultados obtidos possuem apenas validade interna. Além disso, o conceito de governança é bastante amplo na literatura, de maneira que o escopo dos indicadores relacionados a cada uma das categorias de análise também se torna extenso, o que dificulta uma análise mais aprofundada de cada um desses indicadores.

Por fim, sugere-se que futuras pesquisas considerem a elaboração de escalas para a mensuração dos aspectos de governança de forma individual. Isso facilitaria o entendimento de cada um desses aspectos de maneira mais completa e apurada. Vale destacar que “Coordenação de stakeholders” é um aspecto de governança pública que possui indicadores estabelecidos em apenas um dos artigos analisados. Nesse caso, novas escalas poderiam dar preferência a formas de mensuração deste aspecto de governança. Ademais, é importante que as pesquisas não se limitem a apresentar aspectos teóricos envolvendo conceito e indicadores, mas que busquem validar empiricamente as escalas propostas.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor André Cavaller Guzzi, nosso colega da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, pelas valiosas sugestões para a realização deste trabalho.

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  • 1
    Stakeholders são aqueles atores, individuais ou coletivos e passíveis de identificação, afetados pela ação de uma organização, ou capazes de influenciá-la (Freeman & Reed, 1983Freeman, R. E., & Reed, D. L. (1983). Stockholders and stakeholders: A new perspective on corporate governance. California Management Review, 25, 88-106. doi:10.2307/41165018
    https://doi.org/10.2307/41165018...
    ).
  • 2
    Rule of law refere-se à supremacia da lei na determinação do comportamento social. Em uma definição mínima, significa que as pessoas e o governo devem seguir e se sujeitar às leis (Skaaning, 2010Skaaning, S. E. (2010). Measuring the rule of law. Political Research Quarterly, 63(2), 449-460. doi:10.1177/1065912909346745
    https://doi.org/10.1177/1065912909346745...
    ). Em português, o termo pode ser entendido como Estado de direito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2018
  • Aceito
    11 Abr 2019
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