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Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar: conflitos sociais no organizar do espaço urbano e a luta pela significação entre discursos e [r]existência

If this street were mine, I’d get it paved: social conflicts regarding the organization of urban space and the struggle for meaning between discourses and [r]existence

Resumo

Esse artigo é um estudo sobre a intervenção urbana de requalificação no porto Cais Mauá, localizado em uma das grandes metrópoles brasileiras, Porto Alegre. O objetivo é compreender como os conflitos sociais são descritos segundo uma prática discursiva de caráter social no organizar do espaço urbano no Cais Mauá. Nossa abordagem é qualitativa e a corrente pós-estruturalista encaminhou todo o percurso metodológico do trabalho na perspectiva da teoria do discurso de Laclau e Mouffe. Foi montado um arquivo de pesquisa contendo 147 itens, entre os quais reportagens, entrevistas, imagens e documentos, que foram analisados a fim de desvelar os discursos à luz da análise do discurso foucaultiana. Para apoiar a investigação utilizou-se o software de análise qualitativa NVivo para decodificar as informações e organizar os dados do arquivo. Os resultados apontam quatro formações discursivas: de um lado, duas formações favoráveis à requalificação, ancoradas na concepção de modernização e desenvolvimento da cidade; de outro, um posicionamento contrário a este, com também duas formações discursivas, embasadas na convicção de que o projeto não atende aos anseios sociais e fere a identidade gaúcha. As cadeias de equivalências e diferenças demonstram que o Cais Mauá disputa significados por suas peculiaridades, mas compartilham algo em comum: um conceito de cidade multifacetado. Por um lado, um conceito baseado em megaestruturas, grandes empreendimentos e valor econômico, e do outro lado um modelo baseado em participação, transparência, convívio e preservação através de denúncias em forma de resistência. Chegamos à conclusão de que as perspectivas discutidas no trabalho trazem novas orientações para a discussão do organizar de cidades sob o contexto discursivo, crítico e simbólico.

Palavras-chave:
Cais Mauá; Gestão do Espaço; Conflitos Sociais; Teoria do Discurso; Direito à Cidade

Abstract

This paper analyzed the urban intervention of requalification in Porto Cais Mauá, located in one of Brazil’s greatest metropolis, Porto Alegre, in order to verify how social conflicts are described according to a discursive practice of social character in the organization of Cais Mauá’s urban space. Our approach was qualitative in nature and poststructuralist in scope, and it was based on the perspective of Laclau and Mouffe’s Theory of Discourse. A research archive containing 147 items was produced, among them: reports, interviews, images and documents that were analyzed in order to reveal discourses with help of Foucauldian discourse analysis. The NVivo qualitative analysis software was used to decode the information and organize the file data. The results indicate that the conflicts point to four discursive formations: on the one hand, two formations favorable to requalification, anchored in the conception of modernization and development of the city; on the other, a position opposed to it, with two discursive formations, based on the conviction that the way in which the project is being proposed does not meet social needs. Chains of equivalence and differences show disputes of Cais Mauá meanings according to their peculiarities, nevertheless, they share some commonalities: a multifaceted concept of city. On the one hand, a concept based on megastructures, great ventures and economic value, and on the other hand, a model based on participation, transparency, conviviality and preservation through social actions in the form of resistance. The perspectives discussed provide new guidelines for the debate on city organization under discursive, critical and symbolic contexts.

Keywords:
Cais Mauá; Space Management; Social Conflicts; Discourse Theory; Right to the City

Introdução

As áreas de centros históricos ao longo dos anos foram perdendo, por inúmeras razões, seu valor econômico, social e cultural. Essas áreas possuem um valor simbólico e atualmente tem se percebido uma retomada desses espaços através de intervenções urbanísticas, requalificando a cidade e fazendo com que a sociedade volte a utilizar o lugar. Entretanto, questiona-se: que tipo de requalificação estão propondo? Essa discussão se mostra intrigante por uma administração na esfera pública e social pautada em um modelo sistêmico de administração de forma descentralizada, ou seja, voltado para a participação popular, integrando os atores públicos (Angnes, Mattos, Klozovski, & Sturm, 2013Angnes, J. S., Mattos, S. M. M., Klozovski, M. L., & Sturm, M. I. (2013). Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF): Descrevendo as principais ações voltadas ao desenvolvimento regional a partir da perspectiva do poder público municipal. Revista de Administração Pública, 47(5), 1165-1188. doi:10.1590/S0034-76122013000500005
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; Freitas, Freitas, & Dias, 2012Freitas, A. F., Freitas, A. F., & Dias, M. M. (2012). O colegiado de desenvolvimento territorial e a gestão social de políticas públicas: O caso do Território Serra do Brigadeiro, Minas Gerais. Revista de Administração Pública , 46(5), 1201-1223. doi:10.1590/S0034-76122012000500002
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; Klering & Porsse, 2014Klering, L. R., & Porsse, M. C. S. (2014). Em direção a uma administração pública brasileira contemporânea com enfoque sistêmico. Desenvolvimento em Questão, 12(25), 41-80. doi:10.21527/2237-6453.2014.25.41-80
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), além de não ignorar os aspectos sociais e as demandas da sociedade em favor dos aspectos privados (Escobar, 2010Escobar, A. (2010). Latin America at a crossroads: Alternative modernizations, post-neoliberalism, or post-development? Cultural Studies, 24(1), 1-65. doi:10.1080/09502380903424208
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).

Atualmente muitos projetos de intervenção urbanística têm sido idealizados na busca de progresso e modernização, além de colocar as cidades no eixo econômico promissor, impulsionando os movimentos de melhoria dos espaços públicos no que diz respeito ao planejamento urbano, a gestão nas cidades e o desenvolvimento regional (Braun, Meiriño, Oliveira, & França, 2017Braun, F., Meiriño, M. J., Oliveira, P. R., & França, S. L. B. (2017). Porto Maravilha: Os impactos das obras de revitalização na percepção dos empresários da região. Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional, 5(1), 93-110. doi:10.7867/2317-5443.2017v5n1p093-110
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). Nesse sentido, o porto Cais Mauá, localizado no espaço geográfico de Porto Alegre, é um espaço público com inúmeras peculiaridades e atualmente é alvo de recuperação pelo poder privado e público para preservação e, ao mesmo tempo, fomento ao turismo da localidade.

A importância histórica do Cais Mauá reside no fato de sua construção resultar de um grande esforço conjunto entre o governo e a sociedade gaúcha, que se empenhavam, no início do século XX, para modernizar a capital e incrementar a economia. O Cais Mauá faz parte da história da cidade e a localização do porto é motivo de interesse da iniciativa privada, pois se encontra em local estratégico para atrair turistas (Vieira, 2012Vieira, O. A. (2012). A revitalização do Cais Mauá: Por uma outra possibilidade. Revista Rosa dos Ventos, 4(1), 25-39.). Ao longo dos anos o Cais foi perdendo sua função portuária, o que levou à sua desativação desde o ano de 2005, deixando de existir atividades no local.

Em 2010 foi o lançado Edital de Concorrência 001/2010 para aprovação das propostas de requalificação do Cais Mauá. De acordo com o edital, o projeto vencedor da concorrência deveria observar e priorizar a acessibilidade, o restauro do patrimônio histórico e a realocação dos prédios públicos atualmente existentes. No final do citado ano foi assinado um contrato entre a Cais Mauá do Brasil S.A. e o governo do estado para a requalificação do cais, enfatizando que o novo Cais Mauá é um ícone de modernidade para a cidade de Porto Alegre. Assim, configurou-se uma parceria público-privada com participação de capital estrangeiro. O projeto proposto para requalificar o Cais prevê a construção de torres comerciais, shopping center, um grande estacionamento, centro de eventos, hotel, centro empresarial e espaços voltados para negócios, consumo e comércio. O contrato é considerado um arrendamento com prazo de 25 anos renováveis. Em contrapartida o estado receberá do consórcio o valor de R$ 2,5 milhões anuais pelo arrendamento, como exposto no edital.

Após essa ação, o espaço foi alvo de polêmicas devido à proposta de requalificação por grupos da sociedade civil organizada, bem como ativistas, universidades e grupos de profissionais liberais como, por exemplo, o movimento Cais Mauá de Todos, que apresenta diversas agendas e demandas, entre as quais a ampla participação popular na discussão do Cais, espaço de vivência social, total transparência em relação à parceria público-privada e plena legalidade do processo (da licitação e concorrência até a celebração dos contratos). Exemplos desse tipo de movimento podem ser percebidos em outras articulações, como o caso Estelita na cidade de Recife (PE) e o porto do Jaraguá na cidade de Maceió (AL). Percebe-se a problematização em torno da área, onde diversos atores disputam espaços de convivência na tentativa de os organizar e utilizar. Nesse caso, a cidade é percebida como um grande organismo que precisa de políticas públicas para seu efetivo funcionamento, atendendo o maior número possível de demandas sociais.

O Cais projetado pelo grupo vencedor pretende dar à cidade de Porto Alegre uma característica mais moderna no sentido de atração turística. A proposta de requalificação procura agregar novos usos para este local, partindo de um espaço sem utilidade para um de consumo, e colocar Porto Alegre no contexto de modernidade cultural, turística e concorrência intercidades através da política de intervenção no Cais, a fim de projetar uma imagem de cidade inovadora e integrante das tendências do mundo globalizado, interconectando a cidade com outros modelos de gestão do território e utilização do espaço público.

Diante dessa proposta de requalificação vários questionamentos começam a emergir no campo discursivo ao discutir um conceito de cidade e de gestão pública. Todos esses questionamentos se agrupam na seguinte questão de pesquisa: como os conflitos sociais situados no domínio do direito à cidade e nos propósitos da produção do espaço urbano são descritos segundo uma prática discursiva de caráter social?

Percebe-se que existem esses conflitos em relação às tendências mais participativas, gestão eficiente do espaço público, planejamento e urbanização, cidadania, parcerias público-privadas e transparência nas ações, passando a dar mais atenção à relação nos segmentos como a sociedade e as entidades privadas, ou seja, como um networking (Ashworth, Ferlie, Hammerschmid, Moon, & Reay, 2013Ashworth, R., Ferlie, E., Hammerschmid, G., Moon, M. J., & Reay, T. (2013). Theorizing contemporary public management: International and comparative perspectives. British Journal of Management, 24(51), S1-S17. doi:10.1111/1467-8551.12035
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; Kjaer, 2011Kjaer, A. M. (2011). Rhode’s contribution to governance theory: Praise, criticism and the future governance debate. Public Administration, 89(1), 101-113. doi:10.1111/j.1467-9299.2011.01903.x
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). Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como os conflitos sociais são descritos segundo uma prática discursiva de caráter social no organizar do espaço urbano no Cais Mauá.

O enfoque foi a partir da teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, uma teoria pós-estruturalista que problematiza os discursos, utilizando como base para acesso o método foucaultiano na sua arqueologia do saber. Paralelamente essa discussão também foi realizada com apoio na teoria do direito à cidade de Henri Lefebvre e nos estudos sobre a produção capitalista do espaço de David Harvey, que abordam a construção da cidade como algo coletivo.

O contexto do espaço urbano: urbanização e a cidade pós-moderna

No Brasil, a urbanização ocorreu em meados do século XX. Por meio da industrialização houve um deslocamento da população das áreas rurais para os grandes centros, movimento conhecido como êxodo rural. Esse deslocamento trouxe para as cidades mudanças consideráveis no que diz respeito à qualidade de vida e ao processo de trabalho, saindo de um modelo agrário-exportador para urbano-industrial. O processo se iniciou a partir de 1930 com a industrialização, e já em 1950 o processo se intensificou. Nos anos 1970, mais da metade da população no Brasil já se encontrava nas cidades (Deák & Schiffer, 2004Deák, C., & Schiffer, S. T. R. (Orgs.). (2004). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, SP: Edusp.).

De acordo com Martine, Camarano, Neuperi e Beltrão (1988Martine, G., Camarano, A. A., Neuperi, R., & Beltrão, K. (1988). A urbanização no Brasil: Retrospectiva, componentes e perspectivas. Anais do Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 6(2), 19-64.), entre os fatores responsáveis pela urbanização no Brasil estão a concentração fundiária, fruto do processo de colonização, as condições de vida na zona rural e a modernização oriunda das grandes cidades. Além disso, o setor de café deixou de ser rentável e existia muita dificuldade nas exportações ocasionadas pela Primeira e Segunda Guerra Mundial, dessa forma, o setor industrial nas cidades acabou sendo uma saída para a população agrícola do campo.

Com o aumento da população vivendo em cidades por meio da urbanização, gerir democraticamente esses espaços (que são territórios de riqueza e diversidade) é um desafio para os gestores na atualidade, ainda mais com o crescimento da problemática urbana em relação à organização do espaço para o bem comum. Entre os principais problemas urbanos destacam-se: a urbanização acelerada e desordenada, a falta de planejamento urbano, o crescimento de áreas periféricas sem o mínimo de infraestrutura, a desigualdade social, a violência urbana, a poluição, o trânsito caótico e outros. A rápida urbanização, modernização e crescimento da população que ocorreu no Brasil acarretaram alguns desses problemas nas cidades.

Com o passar das épocas observamos as discussões inerentes à modernização das cidades. A industrialização tornou a cidade mais moderna e cheia de aparatos tecnológicos. Harvey (2013Harvey, D. (2013). A condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (23a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola .) apresenta o caminho de passagem da modernidade para a pós-modernidade por meio da substituição do modelo fordista pelo da acumulação flexível, da ética pela estética, mas dá ênfase às transformações na compreensão dos conceitos de espaço e tempo como base de todas as demais alterações. Em relação às cidades, a modernidade foi de certa forma um fenômeno devido ao processo de urbanização e às novas condições de produção da industrialização. De acordo com Harvey (2013)Harvey, D. (2013). A condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (23a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola ., foi uma reação às condições de circulação, produção em larga escala, luta de classes, avanço nos transportes e consumo pela ascensão dos mercados de massa e da publicidade, ou seja, uma cidade industrial.

Entretanto, essa ideia de modernidade foi aos poucos fracassando, devido às novas demandas sociais, dando lugar a uma nova era, a pós-modernidade. Nesse período existe um desencanto social em relação à política e à ciência, em que a ideia de verdade e de progresso é questionada, apresentando novas propostas e outra(s) verdade(s), como as subjetividades, o multiculturalismo e a questão das pluralidades, além de outra fase na revolução industrial (3ª fase) pautada pela informática, nanotecnologia e biotecnologia. Nesse contexto, as cidades também passaram por um processo de remodelagem: na política, na gestão, na base econômica e na cultura. De acordo com Mendes (2011Mendes, L. (2011). Cidade pós-moderna, gentrificação e a produção social do espaço fragmentado. Cadernos Metrópole, 13(26), 473-495.), já é consensual entre os autores que existe a formatação de um novo tipo de cidade conceituada por “pós-moderna”, “pós-fordista” ou “pós-industrial”.

Para Milton Santos (1996Santos, M. (1996). Metamorfose do espaço habitado. São Paulo, SP: Hucitec .) o processo é bem mais complexo e amplo ao mesmo tempo. O autor discute que para desmistificar é preciso levar em consideração dois dados essenciais: de um lado a paisagem, funcionalização da estrutura tecnoprodutiva e lugar de verificação; de outro lado a sociedade total e a formação social que anima o espaço (Cardoso, 2007Cardoso, J. J. (2007). Patrimônio ambiental urbano e requalificação: Contradições no planejamento do núcleo histórico de Santos. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Assim, percebem-se as tramas que estão por todo o conceito de cidade, por meio das suas hierarquias, relações de poder e formas de organizar. Discutir a cidade por esse viés implica pensar como ela é significada, quais os sentidos produzidos nela e quais os discursos que a interpretam (Lefebvre, 2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.). Nesse sentido, a temática sobre a requalificação de espaços urbanos tem se tornado algo frequente diante das novas configurações em torno da cidade.

Cada vez mais as áreas centrais estão se requalificando por conta do esvaziamento de suas funções, do abandono de algumas edificações históricas e pela mudança de hábito da sociedade (Kruse, 2011Kruse, F. (2011). Intervenções em centros urbanos: O caso da antiga área portuária de Porto Alegre. (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.). No entanto, esses espaços ainda possuem relevância simbólica e fazem parte de um imaginário popular, gerando expectativas na imagem do centro (Del Rio, 1993Del Rio, V. (1993). Revitalização de centros urbanos: O novo paradigma de desenvolvimento e seu modelo urbanístico. Pós, (4), 53-64. doi:10.11606/issn.2317-2762.v0i4p53-64
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). A questão da requalificação de espaços urbanos é uma temática que já vem sendo discutida e inserida no planejamento urbano de algumas experiências recentes. No Brasil, por exemplo, há o caso das cidades de Salvador (BA), Recife (PE), Maceió (AL) e Vitória (ES), além de experiências no exterior como Bolonha, Barcelona e Buenos Aires (Cardoso, 2007Cardoso, J. J. (2007). Patrimônio ambiental urbano e requalificação: Contradições no planejamento do núcleo histórico de Santos. (Tese de Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.).

A cidade como organismo vivo: o direito à cidade e a produção capitalista do espaço

Lefebvre (2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.) observa a cidade como laboratório do homem. Para o autor, antes era a terra a centralidade desse laboratório e só depois a cidade tomou esse lugar. Dessa forma, a problemática urbana surge como uma ideologia e prática, e o ponto de partida para a discussão seria a industrialização e a urbanização através da produção do espaço (Lefebvre, 1974Lefebvre, H. (1974). The production of space. Oxford: Blackwell.).

Nesse caso, a cidade é discutida sob a ótica de uma grande rede técnica, social e política, onde o capital e o Estado estabelecem suas relações. O núcleo urbano é apontado como um produto de consumo, assumindo um “duplo papel: lugar de consumo e consumo de lugar” (Lefebvre, 2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora., p. 20). É nesse mesmo sentido que Harvey (1980Harvey, D. (1980). A justiça social e a cidade. São Paulo, SP: Hucitec., 2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume.) apresenta as contradições do modo capitalista de produção nas relações de classe em comparação ao socialismo e a discussão da justiça social na cidade. Assim, o modo de produção do espaço começa a ser compreendido por meio das várias demandas inerentes a ele, que é caracterizado por sua transformação (Gomes, 1990Gomes, H. (1990). A produção do espaço geográfico no capitalismo. São Paulo, SP: Contexto.).

O urbanismo por meio da venda de mercadoria é uma temática expressiva nos estudos de Lefebvre (2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.) e Harvey (2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume.). Para o primeiro autor, o urbanismo, nesse caso, concebe a cidade para o mercado, visando o valor de troca apenas, o lucro. Dessa forma, não se vende moradia, e sim um estilo novo de residir por meio de uma cidade feliz, segura e longe da desordem. Ainda para Lefebvre (2008)Lefebvre, H. (1974). The production of space. Oxford: Blackwell. a cidade contemporânea está nas condições de arquitetos formais e administradores estratégicos, o que para ele é uma problemática, pois traz tipologias urbanas excludentes.

Por essa compreensão, a cidade emite e recebe mensagens. Numa análise semiológica, compreende-se a fala da cidade, a língua da cidade, a linguagem urbana e a escrita da cidade, em que os signos são gerados e compartilhados, trazendo a produção e consumo desses signos na cidade. É nesse contexto que Gehl (2013Gehl, J. (2013). Cidade para pessoas (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.) apresenta uma discussão sobre as cidades vivas, que são aquelas em que as pessoas conseguem interagir umas com as outras em um sistema de sociabilidade, com algum grau de experiências sob o conceito de cidades para pessoas.

Dessa forma, o direito à cidade se apresenta como o próprio direito à vida. A cidadania integral de forma totalizante a todos os habitantes é reivindicada todo o tempo como forma de expressar um direito aos cidadãos, fazendo emergir a humanização como uma necessidade do direito à liberdade. Em outras palavras, o espaço urbano é produzido pelo homem a partir da forma como ele o percebe (experimenta), concebe (pensa sobre) e vive (age) (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume.; Lefebvre, 2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.).

A “modernização” concebida no projeto de um “porto alegre” é vista nas contribuições desses autores. Harvey (2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume., 2015Harvey, D. (2015). Os limites do capital. São Paulo, SP: Boitempo Editorial.) chama atenção para este tipo de modernização, pois salienta que o processo de feitura da cidade, no capitalismo tardio, é tanto produto quanto condição dos processos de transformação da governança urbana, tecendo considerações sobre os limites do capital, ou seja, de acordo com o autor a atividade é mostrada como espetáculo para aqueles que estão excluídos dela e se legitima configurando um novo imaginário de integração e memória. Dessa maneira, o paradoxo entre o percebido e o vivido (Lefebvre, 1999Lefebvre, H. (1999). A revolução urbana. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG.) está ligado à prática, como as diferenças no cotidiano do cidadão, que baliza ainda mais os conflitos e contradições.

Pós-estruturalismo e a teoria do discurso de Laclau e Mouffe

Origens do que Howarth (2013Howarth, D. (2013). Poststructuralism and after: Structure, subjectivity and power. New York: Springer.) aponta como um projeto pós-estruturalista remetem às décadas de 1960 e 1970 na França, em que se verifica um engajamento de intelectuais em questionar premissas associadas ao pensamento estruturalista e formalista. Entre as obras que fomentaram os eventos de maio de 1968 em Paris e a emergência desta nova corrente estão: Écrits, de Jacques Lacan, e As palavras e as coisas, de Michel Foucault, em 1966; A escritura e a diferença e Gramatologia, de Jacques Derrida, assim como Diferença e repetição, de Gilles Deleuze, em 1968; A arqueologia do saber, de Foucault, e Semiotike, de Julia Kristeva, em 1969; S/Z, de Roland Barthes, e O Anti-Édipo, de Deleuze e Guattari, em 1970. O fio que os une é a crítica ao existencialismo, à fenomenologia e ao marxismo, assim como a reelaboração de temáticas associadas ao estruturalismo, além da crítica às noções de verdade e sua ênfase na pluralidade da interpretação e da linguagem.

A concepção pós-estruturalista nasce como uma tentativa de desconstruir essa linguagem como central. Qualquer que seja a temática não existe algo universal, pelo contrário, eles têm conceitos inter-relacionados. Isso quer dizer que o modelo saussuriano e sua semiótica na linguagem começam a sofrer críticas por um tipo de desconstrução abordada por Jacques Derrida que busca os momentos de ruptura e mudanças. De acordo com Williams (2012Williams, J. (2012). Pós-estruturalismo. Petrópolis, RJ: Vozes .), Derrida desconstrói e critica a ideia da linguagem centrada, sem um significado original ou transcendental, e de um sistema linguístico completamente constituído e fechado. No limiar dessa discussão, a constituição do discurso social em Derrida (1978)Derrida, J. (1978). Éperons: Les styles de Nietzsche. Paris: Flammarion. e o descentramento da estrutura são reelaborados por meio de ausências e lapsos na concepção do discurso do(s) outro(s) como participante de uma comunidade social. O autor amplia o conceito de estrutura, fazendo uma crítica paralelamente. Ainda continua com a concepção estruturalista de observar o sujeito como um elemento governado por sistemas e estruturas, entretanto essas estruturas seriam móveis e contingentes (Peters, 2000Peters, M. (2000). Pós-estruturalismo e filosofia da diferença: Uma introdução. Belo Horizonte, MG: Autêntica.).

Todos os seus pensadores problematizam o sujeito cartesiano - kantiano humanista (sujeito autônomo, livre e autoconsciente). Isso quer dizer que o sujeito é construído a partir de práticas socioculturais, submetido a práticas e estratégias de normalização e individualização que caracterizam as instituições modernas (Peters, 2000Peters, M. (2000). Pós-estruturalismo e filosofia da diferença: Uma introdução. Belo Horizonte, MG: Autêntica.). Para Sarup (1993Sarup, M. (1993). An introductory guide to post-structuralism and postmodernism (2a ed.). London: Harvester Wheatsheaf.), o pós-estruturalismo, ao efetuar uma crítica política dos valores iluministas, representa um aprofundamento da noção de democracia através dos discursos, pois critica que as democracias liberais constroem a identidade política em oposições binárias, com o efeito de excluir certos grupos culturais.

Diante das abordagens concentradas para a utilização e o entendimento do discurso nas ciências sociais, a teoria do discurso (TD) nasce como uma alternativa epistemológica para a análise de eventos políticos, sociais e culturais (Delagnello & Böhm, 2010Dellagnelo, E., & Böhm, S. (2010). Empirical studies and political discourse theory: a critical analysis of resistance from an organisational perspective. Artigo apresentado no VI Encontro de Estudos Organizacionais, Florianópolis, SC.; Howarth, 2000Howarth, D. (2000). Discourse. New York: Open University Press.; Howarth & Stravakakis, 2000Howarth, D., & Stavrakakis, Y. (2000). Introducing discourse theory and political analysis. In D. Howarth, A. J. Norval, & Y. Stavrakakis, Discourse theory and political analysis: Identities, hegemonies and social change (pp. 1-37). Manchester: Manchester University Press.; Mendonça, 2009Mendonça, D. (2009). Como olhar “o político” a partir da teoria do discurso. Revista Brasileira de Ciência Política, (1), 153-169.). O analista do discurso Ernesto Laclau, com a colaboração de Chantal Mouffe na Escola de Essex (Inglaterra), desenvolveram sua teoria a partir da obra seminal Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics publicada em 1985. Essa abordagem é de fundamento pós-estruturalista, pois tiveram pensadores como Lacan e Derrida, numa releitura do conceito sobre hegemonia de Gramsci. A TD problematiza a forma como as práticas sociais se articulam nos discursos que fazem parte da realidade social, pois essas práticas são aceitáveis à medida que os significados são contingentes (Laclau & Mouffe, 1985Laclau, E., & Mouffe, C. (1985). Hegemony and socialist strategy. London: Verso.).

De acordo com Laclau (2000Laclau, E. (2000). La guerre des identités: Grammaire de l’émancipation. Paris: La Découverte.), a TD é uma desconstrução da teoria marxista, ou seja, uma perspectiva de abordagem socioconstrutivista, pois a TD problematiza os sujeitos a partir das vozes (discurso). O discurso nessa perspectiva precisa ser entendido como um sistema de significados contingentes inerentes às estruturas sociais (Cordeiro & Mello, 2010Cordeiro, A. T., & Mello, S. C. B. (2010). Teoria do discurso laclauniana: Uma mediação entre teoria crítica e prática política. Artigo apresentado no XXXIV Encontro Nacional da Anpad, Rio de Janeiro, RJ.; Foucault, 1996Foucault, M. (1996). A ordem do discurso. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Laclau e Mouffe (2015Laclau, E., & Mouffe, C. (2015). Hegemonia e estratégia socialista: Por uma política democrática radical. São Paulo, SP: Intermeios.) discutem suas perspectivas por meio de três conceitos relevantes: discurso, noção de hegemonia e antagonismo social.

O discurso é um conjunto de elementos dados a partir de uma série de relações, compreendido pelas possibilidades de polissemia dos significantes (Laclau, 2011Laclau, E. (2011). Emancipação e diferença. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ.). Para Torfing (2005Torfing, J. (2005). Discoursetheory: Achievements, arguments, and challenges. In D. Howarth & J. Torfing (Eds.), DiscourseTheory in European Politics: Identity, policy and governance (pp. 1-32). Hampshire & New York: Palgrave.) o discurso pode ser entendido por meio da desconstrução da noção de estruturas totalitárias, assim estando inerente aos espaços representados por hegemonia e contra-hegemonia. Para o autor, o “outro” em relação ao “eu” é demonstrado por meio da negação de identidade, começando uma luta pela hegemonia. Esta e a exclusão provocam o surgimento de posições contrárias, que também se tornam um agente na busca pela nova posição hegemônica (Torfing, 2005Torfing, J. (2005). Discoursetheory: Achievements, arguments, and challenges. In D. Howarth & J. Torfing (Eds.), DiscourseTheory in European Politics: Identity, policy and governance (pp. 1-32). Hampshire & New York: Palgrave.).

Nesse esteio, a hegemonia significa uma dominação, em que certo grupo é subjugado a outro e passa a ser controlado pelas suas ideologias. Assim, compreende-se que não existe busca pela hegemonia sem uma luta (Mendonça, 2007Mendonça, D. (2007). A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, 43(3), 249-258.). De acordo com Howarth e Stavrakakis (2000Howarth, D., & Stavrakakis, Y. (2000). Introducing discourse theory and political analysis. In D. Howarth, A. J. Norval, & Y. Stavrakakis, Discourse theory and political analysis: Identities, hegemonies and social change (pp. 1-37). Manchester: Manchester University Press.), as práticas hegemônicas derivam das articulações das diferentes identidades através de suas atividades políticas que estão inseridas em um mesmo projeto, objetivando uma nova ordem social. Assim, as hegemonias são compreendidas por meio dessas articulações, e para isso ocorrer é preciso existir um antagonismo e a presença de atores com projetos políticos sobrepostos.

Em relação ao conceito de antagonismo social, na leitura de Laclau e Mouffe (1985Laclau, E., & Mouffe, C. (1985). Hegemony and socialist strategy. London: Verso.) a presença do “outro” previne que o eu seja totalmente o eu. Para a TD um antagonismo é o “limite de toda a objetividade. Isso deve ser entendido em seu sentido mais literal: como a afirmação de que o antagonismo não tem um sentido objetivo, de modo que é aquilo que impede a constituição da objetividade como tal” (Laclau, 1993Laclau, E. (1993). Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos Aires: Nueva Visión., p. 34). Isso significa que no antagonismo não existe nenhuma relação, ambos os lados são divergentes e não convivem entre si, diferentemente do conceito de agonismo (Mendonça, 2010Mendonça, D. (2010). Teorizando o agonismo: Crítica a um modelo incompleto. Revista Sociedade e Estado, 25(3), 479-497. doi:10.1590/S0102-69922010000300004
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), em que as partes são divergentes, mas reconhecem as demandas dos adversários (Mouffe, 2005Mouffe, C. (2005). On the political. London: Routledge.).

Também são apresentados os conceitos de cadeias de equivalência e diferença. Na visão dos autores, a cadeia de equivalência se dá através da lógica de simplificação do espaço político que expande o polo pragmático, assim reduzindo o número de possíveis posições do sujeito. Já na cadeia de diferença se representa uma lógica que expande o polo sintagmático, levando a um aumento da disparidade da posição do sujeito (Laclau & Mouffe, 2015Laclau, E., & Mouffe, C. (2015). Hegemonia e estratégia socialista: Por uma política democrática radical. São Paulo, SP: Intermeios.). Em outras palavras, as equivalências são os grupos que possuem o mesmo discurso e estão se articulando para atingir suas demandas, já as diferenças surgem depois que esses mesmos grupos alcançam a hegemonia e suas particularidades começam a ficar visíveis, ou seja, fazem parte de um mesmo grupo, entretanto com demandas e discursos diferentes.

Caminhos metodológicos

A corrente pós-estruturalista encaminhou todo o percurso metodológico do trabalho na perspectiva da TD de Laclau e Mouffe. Quanto à abordagem, o trabalho tem o caráter fundamentalmente qualitativo da pesquisa social por meio do aprofundamento da compreensão nos discursos, pois, como confirma Godoy (2010Godoy, A. (2010). Estudo de caso qualitativo. In C. K. Godoi, R. Bandeira-De-Mello, & A. B. Silva (Orgs.), Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos (2a ed., pp. 115-143). São Paulo, SP: Saraiva.), esse tipo de abordagem envolve a aquisição de dados descritivos sobre indivíduos, espaços e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com o contexto estudado (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto (3a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed/Bookman.; Yin, 2016Yin, R. K. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre, RS: Penso.).

Para operacionalizar a TD, foi utilizado o método da lógica da explanação crítica abordado por Glynos e Howarth (2007Glynos, J., & Howarth, D. (2007). Logics of critical explanation in social and political theory. Abingdon: Routledge.), também teóricos do discurso. Howarth, Glynos e Griggs (2016Howarth, D., Glynos, J., & Griggs, S. (2016). Discourse , explanation and critique. Critical Policy Studies, 10(1), 99-104. doi:10.1080/19460171.2015.1131618
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) apresentam que a lógica da explanação crítica se divide em cinco passos relevantes: problematização, retrodução, lógicas, articulação e crítica. Entretanto, pode-se considerar que estão aglutinados em três grandes momentos, sendo a problematização responsável pelo primeiro momento, a retrodução juntamente com as lógicas e a articulação pelo segundo, formando os ciclos retrodutivos, e por fim o momento da crítica, formado pela justificação e persuasão (Figura 1).

Figura 1
A lógica da explanação crítica

O acesso ao dado se deu por meio da análise do discurso foucaultiana em seu primeiro ciclo teórico, a arqueologia, uma vez que está alinhado à TD de Laclau e Mouffe. A arqueologia foucaultiana propõe as condições de possibilidades de como os saberes foram construídos ao longo da história, problematizando-os e desconstruindo o conceito de verdade e o poder nessas relações para compreender a formação dos discursos (Foucault, 2014aFoucault, M. (2014a). A arqueologia do saber (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária ., 2014bFoucault, M. (2014b). Microfísica do poder (28a ed.). São Paulo, SP: Paz e Terra.).

Para tanto, é necessário acessar o interior desses discursos que dão sustentação a certas formações discursivas. Essa abordagem se pauta nos discursos para entender como se deram as formações através da identificação de certos enunciados, funções e regras, que servem como seu interior (Quadro 1).

Quadro 1
Categorias do método em Foucault

Dessa maneira, a análise se iniciou pela identificação dos enunciados e suas relações. Após essa fase ficou mais sensível a identificação das funções por meio dos seus critérios. A terceira etapa são as regras de formação através dos critérios mencionados anteriormente e, por fim, essas etapas propiciam as formações de determinados discursos.

Outro detalhe se refere ao conjunto de dados utilizados para acesso aos discursos em Foucault, o qual ele denomina de arquivo. O arquivo é um termo empregado pelo filósofo para designar um conjunto de elementos discursivos e não discursivos do qual se pode extrair a ordem do discurso e equivale ao conceito de corpus. O arquivo é uma noção mais ampla que produz os enunciados e conduzirá a possibilidade de analisar as práticas discursivas de determinado contexto. Foucault (2008)Foucault, M. (2008). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. explica que não se refere à conservação e manutenção de documentos, e sim ao nível de uma prática que se faz. Esses dados devem conter as unidades dos discursos que serão analisadas por meio de uma ordem discursiva (Thiry-Cherques, 2008Thiry-Cherques, H. R. (2008). Métodos estruturalistas: Pesquisa em ciências de gestão. São Paulo, SP: Atlas.). Nesse sentido, o arquivo de pesquisa foi construído por dados coletados por meio de três técnicas: observação participante, entrevistas e dados documentais.

Essa construção do arquivo de pesquisa ocorreu pela posição discursiva dos atores envolvidos na requalificação do Cais Mauá. Assim, foi preciso coletar as informações dos sites institucionais na posição do poder público, bem como as informações do site da empresa empreendedora. Para compreender os discursos dos grupos de manifestantes foi preciso acessar diversas páginas on-line que representam os movimentos de resistência como, por exemplo, Cais Mauá de Todos, além de entrevistas com pessoas ligadas aos movimentos. Foi preciso selecionar material que representa conteúdos importantes, com profundidade, que ao mesmo tempo tenha uma diversidade de vozes nas discussões sobre a tensão. Primeiramente se buscaram documentos produzidos que abordassem a temática escolhida e depois se fez uma série de entrevistas semiestruturadas.

A observação participante foi realizada por meio de visitas ao local do Cais Mauá no mês de outubro de 2016, onde o pesquisador fez anotações de campo (diário de campo), registro fotográfico e participou de passeios no objeto de estudo com a intenção de saber se aquele lugar seria desprovido de historicidade. No que diz respeito às entrevistas, os entrevistados foram pessoas ligadas aos movimentos de resistência, participantes de associações relevantes para o contexto urbano, social e ambiental, atores políticos envolvidos no caso que possuíam importância nessa situação e moradora do centro histórico onde se localiza o Cais Mauá, com a intenção de conhecer esse discurso (Quadro 2).

Quadro 2
Lista dos entrevistados

A forma de acesso foi por acessibilidade; o pesquisador agendou as entrevistas e coletou os dados no mês de novembro de 2016 na cidade de Porto Alegre. As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos, foram transcritas na íntegra pelo pesquisador e importadas para o software NVivo, no qual foram decodificadas e analisadas. O instrumento de coleta das entrevistas foi um roteiro semiestruturado dividido em três partes complementares: (1) caracterização dos entrevistados; (2) questões mais gerais sobre o uso do espaço no Cais Mauá; e (3) perguntas relacionadas aos principais conflitos, argumentos favoráveis e desfavoráveis e articulação dos movimentos sociais.

Foi realizada também uma análise documental (Cellard, 2008Cellard, A. (2008). A análise documental. In J. Poupart, J.-P. Deslauriers, L.-H. Groulx, A. Laperrière, R. Mayer, & A. P. Pires, A pesquisa qualitativa: Enfoques epistemológicos e metodológicos (pp. 295-314). Petrópolis, RJ: Vozes.), por meio de sites de diversas fontes: notas de repúdio, leis, ações judiciais, relatórios, instituições e reportagens. As reportagens tiveram recorte temporário entre 2011 e 2016, separadas e salvas na íntegra em PDF.

Assim, foi montado o arquivo de pesquisa com os seguintes dados: jornais eletrônicos (reportagens); documentos (leis e relatórios ambientais); grupo institucional referente ao poder público (notícias retiradas do site da prefeitura, governo do estado e do âmbito federal), pois é o canal que representa o discurso oficial dessa categoria; grupo institucional referente ao empreendedor (matérias vinculadas no site do consórcio Cais Mauá Brasil S.A.), pois é o canal que representa o discurso oficial dessa categoria; redes sociais referentes à sociedade civil organizada (blogs e Facebook); e entrevistas de cunho qualitativo (Poupart, 2008Poupart, J. (2008). A entrevista do tipo qualitativo: considerações epistemológicas, teóricas e metodológicas. InJ. Poupart , J.-P. Deslauriers , L.-H. Groulx , A. Laperrière , R. Mayer , & A. P. Pires, A pesquisa qualitativa: Enfoques epistemológicos e metodológicos (4ª ed., pp. 215-253). Petrópolis, RJ: Vozes .) realizadas com os representantes dos movimentos de resistência (Figura 2). A seleção dos itens que compõem o arquivo de pesquisa procurou ser significativa, abarcando os discursos dos diferentes atores envolvidos na problemática para se chegar na saturação dos dados.

Figura 2
Composição do arquivo de pesquisa

Com esse arquivo de pesquisa foi possível compreender os diversos conflitos em torno do Cais Mauá. As reportagens foram interessantes para entender as várias posições de sujeitos vinculados pela mídia. Os documentos foram a base para compreender questões legais e burocráticas. O discurso institucional permitiu problematizar sobre quais antagonismos envolviam a produção do espaço e os conflitos na luta por um significante.

Nas redes sociais foi possível localizar diversas páginas de grupos contrários à requalificação, além de compreender como esses grupos se articulavam e geravam significados nas suas lutas. Com o propósito de apresentar os eventos históricos inerentes ao porto do Cais foi criado um quadro com a linha do tempo mais detalhada, que demonstra os principais eventos até 2016, ano de realização da pesquisa (Quadro 3).

Quadro 3
Percurso histórico do Cais Mauá

Diante dessa gama de informações foi possível observar a arena discursiva que envolvia o Cais Mauá. Considerando tais informações, é possível observar a visão antagônica entre, de um lado, o poder público articulado com a iniciativa privada na posição do empreendedor, que buscam pela requalificação do Cais Mauá, e do outro diversos grupos contrários; todos em busca de significar de algum modo aquele espaço urbano.

As lutas se embasam em um mesmo modelo de cidade, ou seja, fazer com que aquele espaço seja habitado novamente, entretanto é questionada essa forma de utilização do espaço. Destarte, as lutas se deram por meio do antagonismo entre o moderno e a busca pelo progresso versus um espaço de vivência social para todos.

O trabalho de análise se iniciou logo após a organização do arquivo de pesquisa, quando os itens foram cautelosamente lidos e analisados. Em apoio as análises, foi utilizado o software NVivo para codificar as informações e organizar os dados do arquivo. O software é utilizado em pesquisas de cunho qualitativo, especialmente nas pesquisas sociais, sendo um dos mais utilizados no espaço acadêmico brasileiro (Lage, 2011Lage, M. C. (2011). Utilização do software NVivo em pesquisa qualitativa: Uma experiência em EaD. ETD, 12, 198-226. doi:10.20396/etd.v12i0.1210
https://doi.org/10.20396/etd.v12i0.1210...
).

A organização no software se deu da seguinte forma: na fonte interna foi criada uma pasta contendo todo o arquivo de pesquisa, o qual foi subdividido em cinco pastas (documentos, entrevistas, institucional, jornais eletrônicos e redes sociais), assim realizando a importação dos respectivos materiais em suas pastas. Inicialmente foram criados quatro nós (enunciados, funções, regras e formações) e feitas as descrições para cada nó criado. Também foram criados os casos subdivididos nos domínios discursivos inerentes ao poder público, à iniciativa privada e à sociedade civil organizada. A seguir apresentamos os resultados e discussões do trabalho.

Análise dos resultados e discussões

A sessão de análise e discussões dos resultados encontra-se estruturada em três etapas complementares: a primeira etapa corresponde ao mapeamento dos sujeitos políticos que orbitam em torno do Cais Mauá e suas demandas naquela região. Na segunda etapa são identificados os discursos sobre a requalificação do Cais Mauá pelo método foucaultiano (enunciado, funções, regras e formações discursivas). A terceira etapa demonstra as articulações que movimentam os diálogos por meio das categorias analíticas e os ciclos retrodutivos abordados na metodologia.

Etapa I: mapeamento dos sujeitos políticos

Realizou-se o mapeamento dos sujeitos políticos que foram retirados do arquivo de pesquisa, em que todos esses atores disputam o espaço e tentam gerar significado nas suas lutas pelo futuro do Cais Mauá. Verificou-se que os sujeitos políticos emergem de uma série de demandas. Percebe-se que em torno da requalificação do Cais Mauá existem variadas posições de sujeitos identificadas por seus grupos de representação: movimento Cais Mauá de Todos; movimento Ocupa Cais Mauá; movimento POA Resiste; iniciativa privada; estado; Instituto dos Advogados do Brasil (IAB); Estudantes pela Liberdade (EPL); Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades); Associação do Centro Histórico; Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). A Figura 3 apresenta os atores encontrados através dos discursos no arquivo da pesquisa.

Figura 3
Mapeamento dos sujeitos políticos

Etapa II: acessando os discursos por meio da arqueologia foucaultiana

O primeiro grupo desta etapa refere-se aos enunciados, que totalizaram 48. O segundo grupo de elementos são as funções enunciativas. Dos 48 enunciados foram identificadas sete funções através de suas relações.

Entre as sete funções foram identificadas quatro (F1, F2, F3 e F4) que se mostram favoráveis à requalificação, e as três restantes (F5, F6 e F7) se apresentam como antagônicas, demonstrando a insatisfação dos movimentos de resistência. O terceiro grupo de elementos são as regras. Das sete funções foram identificadas cinco regras de formação.

Existem duas regras (R1 e R2) que se mostram favoráveis à requalificação, e as três restantes (R3, R4 e R5) se apresentam como antagônicas, demonstrando a insatisfação dos movimentos de resistência. Foram identificadas quatro formações discursivas (FD), que dizem respeito ao resultado dos feixes de relações entre os elementos constitutivos. As figuras 4 e 5 demonstram os feixes de relações até chegar nas FD, perpassando os enunciados, as funções e as regras identificadas.

Figura 4
Mapa de relações da FD1 e FD2

Figura 5
Mapa de relações das formações FD3 e FD4

Algo chama atenção para os enunciados 44 e 46, pois, como demonstrado, apresentam várias interrogações, devido à sua incapacidade de relação com as funções. Isso acontece porque eles ficam orbitando no campo discursivo em busca de significados, denotando, inclusive, as descontinuidades do discurso. Portanto, foram evidenciadas quatro formações discursivas, apresentadas a seguir pelos ciclos retrodutivos.

Etapa III: articulações que movimentam os diálogos por meio das categorias analíticas e os ciclos retrodutivos

Primeiro ciclo: o Cais Mauá como ícone de modernidade

Durante as análises foram identificadas duas cadeias de equivalências com poder de articulação na postura hegemônica, que seria o poder público e a própria iniciativa privada, que fundamentam a sustentação dessa formação discursiva. Elas se articulam de tal modo que formam uma cadeia individual. O discurso dessa cadeia defende uma requalificação por uma cidade mais humanizada, mais orgânica, integrada com seu centro, representando a modernidade.

No que diz respeito aos momentos e às articulações, observa-se que eles procuram criar pontos nodais com os significados ligados a acessibilidade, convivência, reintegração e consumo cultural. O elemento nesse caso são as empresas participantes do consórcio que se articulam para formar os momentos, que são as ações na tentativa de convencimento da sociedade.

Essa formação está ancorada a um ideal de modernização, favorecendo o mercado de turismo do estado de Porto Alegre. A requalificação está servindo como principal vetor para alcançar o objetivo de colocar a região na concorrência intercidades, conforme apresentam os trechos do arquivo a seguir.

José Fortunati parabenizou a união de esforços dos governos municipal e estadual para viabilizar projetos que colocam a Capital dos gaúchos em outro patamar de desenvolvimento. Fortunati ponderou que a revitalização do Cais Mauá somasse às iniciativas da prefeitura de qualificação do Centro Histórico, elevando o patamar de desenvolvimento econômico e do turismo da cidade. “A cidade de Porto Alegre vai entrar para a história. Estamos operando uma transformação fantástica na cidade, um espaço nobre para a cultura, gastronomia e turismo” . . . tornando o Cais um ponto de referência para o Brasil e o Mundo. (Área do”, 2011Área do Cais Mauá é entregue aos responsáveis pela revitalização. (2011, 23 de novembro). Porto Alegre, RS: Prefeitura Municipal. Recuperado de https://bit.ly/2ZUhm7K
https://bit.ly/2ZUhm7K...
)

A questão da infraestrutura é condição necessária para a ideia da modernidade nas premissas do Estado moderno, dessa forma, o Estado que tem o poder de promover essas mudanças acredita que a modernidade se dá através dessas infraestruturas. Entretanto, questiona-se a premissa da “modernização a qualquer custo”. Para Harvey (2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume.), Lefebvre (2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.), Gehl (2013Gehl, J. (2013). Cidade para pessoas (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.) e tantos outros teóricos que discutem a cidade, esse espaço é considerado como um organismo vivo, eles buscam uma modernidade levando em consideração o equilíbrio entre a relevância dos elementos naturais e a dos elementos urbanos. Dessa forma, é preciso que exista uma integração do moderno se relacionando com o tradicional de forma harmônica, ou seja, não se abandona o passado, se integra.

Como pode ser observado, os trechos do arquivo exemplificam o discurso hegemônico sobre a requalificação a partir de posicionamentos “saudáveis” e “positivos” para a população. Até aqui, quando a proposta orbitava no campo das ideias era aceitável por parte da sociedade, mas qual seria o custo e como esse projeto estava pautado?

As cadeias de equivalências na posição do poder público e da iniciativa privada se articulavam e tinham a necessidade inicial de convidar a sociedade para participar do projeto, demonstrando que existia participação social, mas logo em seguida o custo seria a construção de empreendimentos para atração turística ou uma cidade-mercadoria (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume., 2015Harvey, D. (2015). Os limites do capital. São Paulo, SP: Boitempo Editorial.). Dessa forma, foi questionado em que momento da elaboração do projeto a participação social foi levada em consideração. As inferências que podem ser percebidas entendem que os significados ligados a convivência, reintegração, modernidade, consumo cultural e melhorias na cidade fazem parte de um discurso maior baseado apenas em atividades lucrativas e empreendedoras.

Segundo ciclo: parceria público-privada no novo Cais

Essa formação está ancorada em uma promoção positiva da iniciativa privada e do poder público, demonstrando o compromisso do consórcio na execução das obras no Cais em discurso articulado com a instância estatal. O governo apoia essa ideia com ações que demonstram positivamente a reputação do consórcio empreendedor, com um discurso de respeito à cultura local, à preservação do patrimônio e a uma democracia participativa, seguindo questões técnicas dentro da legalidade.

Quando a população começou a questionar sobre o destino da área tombada pelo patrimônio histórico, o poder público se mobilizou nas mídias sociais para defender esse significado ligado a “continuidade da historicidade local” (uma vez que Porto Alegre teria se originado do porto Cais Mauá), ou seja, essa função se materializou na preservação do espaço, como indicam trechos do arquivo a seguir.

Nesta sexta-feira, 30, esteve em Porto Alegre o arquiteto catalão Fermín Vásquez, que, juntamente com o arquiteto Jaime Lerner, é responsável pelo projeto do Cais Mauá. Ele apresentou ao grupo, que integra representantes da prefeitura e do Porto Cais Mauá, os estudos sobre o restauro dos armazéns tombados pelo patrimônio histórico. Na ocasião, Vásquez mostrou como vem sendo pensado o projeto, sempre com a preocupação de preservar a história, agregando modernidade. (Rimolo, 2013Rimolo, A. (2013, 30 de agosto). Arquiteto catalão apresenta estudos de restauro do Cais Mauá. Porto Alegre, RS: Conselho Municipal de Cultura. Recuperado de https://bit.ly/2CD2fa2
https://bit.ly/2CD2fa2...
)

Percebe-se que uma quantidade de matérias tentava articular um significado de compromisso do consórcio a fim de conquistar a confiança da sociedade desde a licitação até a execução das obras. O processo licitatório carregou consigo debate na sociedade, uma vez que foi de concorrência única. Dessa forma, as ações do consórcio se pautavam na promoção da sua imagem expandindo que os rigores legais estavam sendo cumpridos em todas as etapas do projeto. Trechos do arquivo evidenciam esse discurso:

O presidente da NSG, Luiz Eduardo Abreu anunciou a entrega do EVU e disse que foi um trabalho árduo, tanto o EIA-RIMA quanto o EVU. “Sempre procuramos atender a todas as exigências da prefeitura. Temos a satisfação de cumprir todas as etapas e é muito gratificante chegar ao final do ano com estas etapas cumpridas. . . . “O que nos dá segurança de fazer com que o trabalho evolua de forma tranquila é a certeza de que, tecnicamente e juridicamente, estamos progredindo sempre de forma correta, como deve ser”, finalizou parabenizando a direção da Cais Mauá do Brasil pelo trabalho. (“Cais Mauá”, 2015Cais Mauá encerra ano com EIA-RIMA aceito e EVU entregue na Prefeitura. (2015, 23 de dezembro). Porto Alegre, RS: Viva Cais Mauá. Recuperado de https://bit.ly/39opnVD
https://doi.org/https://bit.ly/39opnVD...
)

A emissão de relatórios (EIA/Rima e EVU) e intervenções políticas serviam como apoio para justificar o contexto da revitalização e se apresentam como momentos na TD. Vale salientar que o Estado (investimento público) surge como um elemento muito bem articulado dentro da cadeia de equivalência quando é enfatizado que ele terá “gasto zero” na execução da requalificação e na publicação de relatórios, o que isenta o consórcio de qualquer suposta irregularidade. Verifica-se então um aliado com bastante poder, que compartilha significados comuns, que o tornam discursivamente com laços fortes e com interesses individuais particulares.

É relevante mencionar que em algumas situações o Estado exige do empreendedor ações quando é pressionado pela população no que diz respeito ao direito à cidade, ou seja, a posição dele se configura no campo de conflito entre o consórcio e as demandas da sociedade. O que parecia uma cadeia de equivalência muito bem articulada parece ser agora uma cadeia de diferença, de acordo com Laclau e Mouffe (2015Laclau, E., & Mouffe, C. (2015). Hegemonia e estratégia socialista: Por uma política democrática radical. São Paulo, SP: Intermeios.), que desarticula o discurso hegemônico.

Lefebvre (2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.), quando discute sobre o direito à cidade, argumenta que esse direito é muito mais que a liberdade individual, e sim uma liberdade coletiva de fazer a cidade por meio da reinvenção da vida social. A crítica gira em torno de um modelo de circulação através de uma lógica de mercado hegemônica, e na atuação do Estado sobre a utilização do espaço. Nesse caso, a propriedade privada e o lucro superam as noções mais básicas do direito, comprometendo a essência do serviço público; assim, muitas vezes representa a privatização desses serviços públicos, beneficiando apenas um tipo de interesse por um Estado que é (ou deveria ser) em sua essência social.

Terceiro ciclo: a requalificação fere a identidade gaúcha

Essa formação está ancorada no argumento pelos movimentos de resistência de que o projeto de requalificação do Cais Mauá contradiz a identidade gaúcha, ou seja, de acordo com eles, o gaúcho não poder ser gaúcho nesse tipo de modificação no Cais. Durante as análises foram identificadas oito cadeias de equivalências que fazem parte da postura contra-hegemônica: (1) Cais Mauá de Todos; (2) Ocupa Cais Mauá; (3) coletivo “A cidade que queremos”; (4) IAB; (5) EPL; (6) Gades; (7) intelectuais; e (8) Agapan. Todos esses grupos são contra o projeto atual e lutam por outra possibilidade de requalificação.

A lógica de equivalência entre esses grupos consiste na defesa de maior transparência, participação e democracia, se posicionando contra qualquer obra no local que tente elitizar o espaço público e que modifique o cotidiano da população (tradição gaúcha) que frequenta o centro histórico. Foi percebido que esse discurso está na maioria das falas dos entrevistados, demonstrando o descontentamento dessa obra que pretende gerar vida no centro histórico da cidade, mas que não carrega atividades lúdicas e exclui a identidade gaúcha. Trechos das entrevistas evidenciam esse discurso.

É um projeto que descaracteriza a cidade, Porto Alegre tem o nome de Porto Alegre atribuído a esse porto Cais Mauá, né. O cartão postal da cidade, o mais famoso deles é onde aparece o Cais, aparece todo o porto, parte do centro, aparece a cúpula da catedral, aparece a cúpula da Igreja das Dores, a chaminé da usina no canto, então é uma paisagem que de fato retrata a cidade. Imagina como ficará essa imagem depois dessa requalificação? Não é essa imagem que reflete o nosso dia a dia, o jeito de ser gaúcho. A cidade nunca mais vai ser a mesma, essa fotografia não vai mais existir, rasguem! (Entrevistado 6, 2016)

A forma como está estruturado os armazéns tem toda uma simbologia que faz parte do dia a dia da forma de viver do gaúcho, né . . . .

(Entrevistado 5, 2016)

Percebe-se que as falas dos entrevistados orbitam no campo discursivo na tentativa de gerar um significado para a população de Porto Alegre. O gaúcho parece se preocupar bastante com sua identidade e por isso resiste dessa forma. Entretanto, se o projeto de requalificação no porto contradiz a identidade gaúcha, qual seria um projeto alternativo que retratasse esse tipo de demanda? Como o gaúcho precisa ser significado nesse espaço público? Como os hábitos gaúchos não se sustentam no projeto atual? E como o antigo Cais representa o gaúcho que não é resgatado no novo Cais? Nesse caso, a identidade é do lugar.

Os elementos são as entidades que fazem parte dos movimentos contrários à requalificação e procuram fazer momentos para desarticular a postura hegemônica por meio das cadeias de equivalências. Os momentos se apresentam como as ações para dificultar o andamento das obras, exigindo mais participação social, entre outras coisas. Aliás, falando em democracia, essa questão foi pouco vista pelo discurso da resistência, como evidenciado no trecho da entrevista a seguir, observando também as articulações dos movimentos para se chegar a uma nova hegemonia.

A própria empresa organizou toda a audiência que definiu um local num clube superchique, cheio de trâmites inacessíveis à população mais carente, e foi apresentado com um vocabulário super-rebuscado. Então, em resistência os movimentos chamaram outra audiência pública, ou seja, a sociedade iria ser lesada. Se formou uma frente parlamentar, juntou vereadores, com deputados, então essa foi uma ação importante. Não houve a participação popular em nenhuma etapa, embora eles afirmem ter havido uma audiência pública à época da mudança da lei para permitir as concessões à empresa. (Entrevistado 4, 2016)

É observada a luta pelo significante vazio (razão pela qual os sujeitos se articulam) a partir de articulações e das variadas posições do sujeito. Laclau menciona que o sujeito resiste e se articula nos procedimentos que compõem as relações sociais, e dentro desse movimento articula-se e transforma-se, criando novas formas de ver o mundo (Santos & Mello, 2014Santos, J. M. L., & Mello, S. C. B. (2014). Os significados de Belo Monte no discurso das mídias sociais. Comunicação, Mídia e Consumo, 11(30), 13-36.). A questão da identidade gaúcha surge como um argumento que sistematiza os pontos nodais inseridos no discurso.

Nesse momento vale uma ressalva para o conceito de identidade, apontada na TD como uma identidade política, que não está fixa no sujeito, ou seja, ela é passageira e contingente. Quando se discute algo no sentido político, significa problematizar sobre a coletividade, então a questão da identidade é, sobretudo, pensar na relação eu/outro na teoria social e política. As identidades são construções contingentes com as funções e posições de sujeitos disponibilizados pelos discursos produzidos historicamente (Howarth, 2013Howarth, D. (2013). Poststructuralism and after: Structure, subjectivity and power. New York: Springer.).

Quarto ciclo: a requalificação representa a elitização do espaço

Os movimentos de resistência exaltam um discurso enfatizando que o atual projeto de requalificação do Cais Mauá é um projeto elitizado, que beneficia um grupo específico. Foi observado que esse discurso tem um significado muito forte e todo o tempo estava sendo defendido e debatido pela resistência. Trechos das entrevistas a seguir indicam esse discurso.

O poder público garante privilégios para um certo grupo, entendeu? Quando a gente vê um projeto dessa dimensão e tanta dedicação do poder público para esse projeto em específico, a gente questiona: é isso mesmo que a cidade precisa? É colocar a cidade num mero plano de negócios, existe uma demanda por megainvestimentos na cidade num circuito mundial. (Entrevistado 4, 2016)

. . . apesar de não ter uma catraca, uma cobrança para entrar, mas a forma como ele está estruturado acaba restringindo o tipo de pessoas que vão compartilhar esse espaço que é do povo. (Entrevistado 5, 2016)

Como pode ser observado, as falas indicam a revolta diante desse projeto de requalificação. Os argumentos eram os mesmos: elitização, segregação e gentrificação, cada um com seu ponto de vista. Os grupos se mostravam favoráveis a uma requalificação, mas que não fosse da forma como estava sendo gerenciada. Eles têm consciência que o Cais precisa ser reativado, mas com atividades culturais e lúdicas, onde a população não se sinta excluída e, sim, incluída em todo o processo. Outra questão muito observada nos discursos foi sobre a sobrevivência do comercio próximo ao Cais, no centro histórico.

Bem, a nossa hotelaria do centro histórico na melhor das hipóteses, ela consegue 50% de ocupação nos grandes eventos. Aí tu colocas um edifício de hotel com 80 metros de altura na frente do pôr do sol, então é uma concorrência desleal e massacradora, muito injusta e, pior, numa área pública. Tu pega uma área pública e entrega de mãos beijadas para um particular pra fazer uma concorrência que é desleal. (Entrevistado 6, 2016)

Parece que existem várias demandas em busca de significados nessa requalificação do Cais Mauá. Entretanto, a crítica que se faz é: como aliar as demandas, fazendo com que a sociedade seja a única beneficiada? Muitas das vezes os discursos se polarizavam em uma lógica de um contra o outro, em que a sociedade ficava nesse embate, muitas vezes sem ser ouvida. Quando questionados sobre os possíveis benefícios que esse projeto vai trazer à população, as respostas foram:

Se tem benefícios? Sim, um pequeno benefício e uma extrema exclusão, então questiona-se: benefício mesmo? Se tivesse somente esse projeto, não tem nenhuma outra alternativa, ah, não, então tá, é melhor o uso do que o desuso, mas não é o caso. (Entrevistado 5, 2016)

A análise do discurso dos que estão a favor do projeto atual de requalificação se apresenta como um articular em favor do sentido de que a requalificação é relevante para o progresso da cidade. Como está sendo observado, esse discurso disputa espaço com aqueles que são contra o projeto pela maneira como está sendo imposto, sem levar em consideração o “sentir” da cidade (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, SP: Annablume.; Lefebvre, 2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.). Essa cadeia de equivalência compartilha de muitos significados comuns, o que os torna politicamente fortes. Nesse sentido, esses diálogos são como práticas articulatórias que pretendem fixar sentidos em torno do Cais.

Apesar da articulação na contra-hegemonia, ainda é possível observar algumas individualidades, deixando transparecer as diferenças. Dessa forma, a falta da cadeia de equivalência aparece como uma cadeia de diferença que muitas vezes desarticula o significado de “preservação cultural, ambiental e identitária”, desocupando suas posições, conforme evidenciado no trecho a seguir.

Acredito que esse projeto vai melhorar muita coisa aqui no centro histórico. As ruas a noite são perigosas, então tu revitalizando iria trazer as pessoas de outros lugares para desfrutar, né, do espaço, e se ninguém tá ali o espaço fica abandonado, então é melhor que o povo habite, e assim, mais opções de restaurante e mais espaços de lazer. Isso falta muito na cidade e vai mudar a ideia de centro abandonado e perigoso, vamos povoar mais o centro, então é isso, estou ansiosa por esse progresso que eles tanto falam. (Entrevistado 8, 2016)

Essa fala evidencia as várias demandas para o Cais Mauá, em que parte da população quer a requalificação do jeito que está sendo proposta e várias outras camadas assumem outras posições. Os conflitos são evidentes perante um projeto que pretende gerar uma nova vivência para a população de Porto Alegre, mas as críticas se pautam em como essa vivência é percebida pela população. Nesse sentido, foi criada uma representação gráfica em que se buscou ilustrar alguns elementos, alguns momentos, significantes vazios, as cadeias de equivalência e lógicas de diferenças presentes em torno do ponto nodal requalificação do Cais Mauá (Figura 6).

Figura 6
Arena discursiva antagônica em torno do Cais Mauá

A interpretação da representação gráfica denota o campo da discursividade por meio da arena discursiva antagônica e dos conceitos que fazem parte da TD: no centro, o próprio espaço de disputa, o Cais Mauá, e nas laterais os sujeitos políticos em busca de trazer significado ao espaço do significante vazio.

Na postura hegemônica, vê-se a presença do Estado e do capital privado numa cadeia de equivalência com sua formação discursiva identificada nas análises por meio de convivência, reintegração, acessibilidade e consumo cultural, e o lado antagônico representado pela contra-hegemonia denota algumas cadeias de equivalências (1, 2 e 3) com discursos de maior transparência e democracia sem elitização do espaço através de tentativas de desarticulação do discurso hegemônico e indícios de propostas alternativas, além de algumas cadeias de diferenças devido a interesses individuais e desarticulações. Por isso, os números 4, 5, 6, 7 e 8, representando os grupos políticos, estão na interseção dos globos, demonstrando em alguns momentos equivalências e em outros as diferenças, e a seta para esquerda e para direita indica que todos os elementos, dependendo do contexto, podem modificar seus discursos, alcançando variadas posições de sujeito.

Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo compreender como os conflitos sociais são descritos segundo uma prática discursiva de caráter social no organizar do espaço urbano no Cais Mauá. Os conflitos sociais em torno da requalificação do Cais Mauá são descritos através do processo de significação para um conceito de cidade e sua gestão numa prática articuladora do organizar através da democratização do uso daquele espaço. Foi percebido que os conflitos em torno do espaço público visam reintegrar a cidade ao planejamento moderno através de uma gestão eficiente. Entretanto, essa reintegração contradiz a identidade cultural do lugar e reforça mais uma lógica de mercado, empresariamento urbano e consumo.

A investigação apontou quatro formações discursivas em torno do Cais: de um lado, duas formações favoráveis à requalificação, ancoradas na concepção de modernização e vocação do espaço para negócios lucrativos para o desenvolvimento da cidade de Porto Alegre; de outro, um posicionamento contrário, com também duas formações discursivas, embasadas na convicção de que projeto não atende aos anseios sociais e fere a identidade gaúcha. Para esse último discurso, o Cais Mauá deveria ser mais humano, com espaços sociais e públicos de encontros, algo que corrobora as perspectivas do direito à cidade de Lefebvre (2008Lefebvre, H. (2008). O direito à cidade. São Paulo, SP: Centauro Editora.) e de cidades para pessoas de Gehl (2013Gehl, J. (2013). Cidade para pessoas (2a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.). Os posicionamentos parecem disputar um conceito de cidade “ideal” que Porto Alegre deveria se tornar.

Os sujeitos envolvidos na requalificação do Cais Mauá buscam, através das articulações, hegemonizar seus valores por meio de seus discursos e ações, todos em busca de uma mesma hegemonia urbana no sentido de Laclau e Mouffe (2015Laclau, E., & Mouffe, C. (2015). Hegemonia e estratégia socialista: Por uma política democrática radical. São Paulo, SP: Intermeios.). Essa dualidade de questionamentos e opiniões acabam por mostrar uma lógica polarizada e maniqueísta de “bem versus mal”, mas essa não foi a intenção deste trabalho, pois apenas foram observadas posições antagônicas e os discursos em torno do Cais Mauá, problematizando-os.

Refletindo sobre as teorias de direito à cidade e produção capitalista do espaço, é possível concluir que o discurso da iniciativa privada e do poder público é elaborado por meio de uma visão de desenvolvimento muitas vezes eurocêntrica. Essa questão é observada na inspiração de modelo de requalificação dos espaços europeus (Espanha, Polônia, Itália, Finlândia etc.), que é visto como adequado, sem que exista uma adaptação crítica a cada contexto específico.

Esse é mais um exemplo de entender a cidade como produto, em que a gestão pública é mais uma idealizadora em busca de progresso e modernidade, ignorando os aspectos sociais e as demandas da sociedade em favor dos aspectos privados. Assim, é possível estabelecer uma crítica aos pressupostos da modernidade através da análise do modelo de circulação e de uma lógica de mercado.

Os achados também refletem o conceito de democracia, que tanto foi observada nos discursos contra-hegemônicos. A reflexão que se faz é que esse conceito também é um significante vazio, que diversos sujeitos políticos tentam significar a partir de demandas próprias e excludentes. A requalificação do Cais Mauá aparece como apenas uma fração desse discurso maior sobre a questão da mobilidade, privatização de espaços públicos, planejamento urbano, potencial dano ao patrimônio cultural, uso eficiente do espaço, engajamento político e participação popular com consequências positivas quando balizadas na elaboração de políticas públicas urbanas.

Dessa forma, o esboço de resposta à pergunta de pesquisa se pauta em refletir sobre a seguinte colocação: tanto o discurso hegemônico como a postura da contra-hegemonia possuem suas peculiaridades, mas compartilham algo em comum - o conceito de cidade. Por um lado, um conceito de cidade baseado em grandes empreendimentos e empreendedorismo urbano e, do outro lado, um modelo baseado em participação e preservação através de denúncias, resistência e estratégias.

Essas discussões reforçam as evidências sobre a importância de se compreender a relação governo-sociedade nas metrópoles urbanas, destacando as parcerias público-privadas, a participação social, a utilização do espaço público, a eficiência econômica do espaço e a transparência nas ações públicas. Esses diferentes pontos estimulam e sustentam as questões de cidadania e política dos sujeitos através de práticas discursivas nos diferentes equipamentos urbanos. Nesse caso, é interessante discutir políticas públicas para que o espaço urbano não se transforme apenas numa esfera mercadológica e de consumo.

O presente trabalho pretendeu contribuir para o campo da gestão e dos estudos organizacionais das cidades ao realçar diferentes análises de aspectos sociais, culturais, políticos e ambientais sob uma perspectiva crítica, simbólica e imaterial dos espaços nas metrópoles urbanas. Além disso, a pesquisa avança ao relacionar um caso público com as teorias e conceitos aqui debatidos na organização das cidades a partir da lógica de análise da teoria do discurso, da análise do discurso foucaultiana e das teorias auxiliares, admitindo que os estudos organizacionais problematizam determinado fenômeno sob diferentes olhares, contextos e abordagens. Estas perspectivas trazem novas orientações para a discussão do organizar de cidades sob o contexto discursivo, crítico e simbólico.

Vale salientar que a luta estabelecida no Cais Mauá não tem previsão de término e o futuro dele permanece indefinido. Em contextos mais recentes (2018 e 2019), uma nova estratégia de destravar os conflitos na requalificação do Cais Mauá foi o projeto Cais Embarcadeiro, uma iniciativa de curto prazo para trazer o funcionamento do Cais para a população. Entretanto, após pressões dos grupos contrários e vários debates houve rescisão do contrato entre a iniciativa privada e o governo por falta de cumprimento das ações estabelecidas contratualmente. A iniciativa privada denominou a ação de decisão unilateral e afirma que buscará suporte jurídico para preservar os direitos dos investidores. Assim, os conflitos pelo uso do espaço e abertura do Cais Mauá para a população tendem a ser uma disputa contínua e complexa.

O novo Cais está longe de ser consenso naquela realidade. Portanto, o espaço e a luta pelo significado continuam entre conflitos, discursos e [r]existência, o que demanda novas pesquisas na intenção de problematizar os novos usos do Cais Mauá em Porto Alegre.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2017
  • Aceito
    29 Mar 2019
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