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Abordagem formal e multimodal da notícia como gênero, estrutura e metalinguagem em contextos de mídia social e digital. O exemplo do Twitter

RESUMO

O objetivo do artigo é aperfeiçoar heurísticas para o discurso das notícias por meio do desenvolvimento de um modelo cognitivo de abstração, em contextos de mídia social. Para tal, discute-se a notícia como gênero, estrutura e metalinguagem, partindo da noção formal de modo semiótico. A anotação sob essa visada é uma tecnologia bem-sucedida para controlar os efeitos das restrições de gênero, revelar relações e inquirir sobre dados e documentos. Procede-se à anotação da notícia na interface do Twitter, caracterizada em termos de suas regularidades formais e materiais empregadas recursivamente. Demonstra-se a formalização de uma semântica para o discurso da notícia nas chamadas formas lógicas, adaptada de ferramentas desenvolvidas pela Segmented Discourse Representation Theory (SDRT), a fim de construir novas hipóteses sobre coerência em diferentes níveis de detalhe. Por fim, discute-se a implicação desta abordagem como disciplina na produção de conhecimento transversal com vistas à literacia digital, em tempos urgentes1 1 O artigo é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado realizado na Bremen Universität (2018-2019), Alemanha, sob a supervisão do Prof. Dr. John Arnold Bateman. .

PALAVRAS-CHAVE:
Semântica do discurso multimodal; SDRT; Anotação; Métodos digitais; Notícia

ABSTRACT

The goal of this paper is to improve heuristics for hard news discourse by proposing a cognitive model of abstraction, regarding social media contexts. To this end, hard news is discussed as a genre, structure and metalanguage, under the formal definition of a semiotic mode. Annotation is a successful technology to control the effects of genre operations, reveal relations, and to inquire about data and documents. It proceeds to characterize Twitter’s interface, in terms of formal and material regularities, employed recursively. It further demonstrates the formalization of a semantics for hard news discourse in the so-called logical forms, which has been adapted from analytical tools developed by the Segmented Theory of Discourse Representation (SDRT) in order to examine coherence in different levels of detail. Finally, the implication of this approach as a discipline is discussed, regarding the production of transversal knowledge aiming at digital literacy, which urges in present times.1 1 The paper results from postdoctoral research conducted at Bremen Universität (2018-2019), Germany, under the supervision of Prof. Ph.D. John Arnold Bateman. The article was carried out with support from the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Funding Code (001).

KEYWORDS:
Multimodal discourse semantics; SDRT; Annotation; Digital methods; Hard news

Introdução: A abordagem formal em multimodalidade

A multimodalidade é uma abordagem semiótica de inspiração linguística, definida em termos formais como “maneiras de caracterizar situações comunicativas, consideradas aqui de maneira ampla, constituídas a partir da combinação de diferentes formas de comunicação para que sejam efetivas” (BATEMAN; WILDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017., p.7)2 2 Tradução nossa. No original, em inglês: “a way of characterizing communicative situations (considered very broadly) which rely upon combinations of different ‘forms’ of communication to be effective”. . A orientação multimodal requer observação minuciosa sobre o contexto das práticas circundantes à produção de artefatos ou situações comunicativas neles inscritas. Implica o exame sobre o uso “consciente” e “controlável” das combinações de distintos recursos de expressão, de maneira transversal e interdisciplinar.

A definição de modo semiótico é um componente essencial sob a visada formal. Embora as definições de modo semiótico variem conforme diferentes abordagens e os métodos que a empregam, este artigo se ancora em uma definição operacional abstrata e formal. De acordo com tal definição, todos os modos semióticos combinam três níveis interdependentes: o substrato ou dimensão material (também intitulado canvas, percebidos pelas regularidades da forma), as características técnicas organizadas ao longo de vários eixos de descrição (sintagma e paradigma) e o nível da semântica do discurso (BATEMAN, 2016BATEMAN, J. A. Methodological and Theoretical Issues in Multimodality. In: KLUG, N-M.; STÖCKL, H. (org) Handbuch Sprache im multimodalen Kontext. Berlin: De Gruyter, 2016. pp.36-73.; BATEMAN; WILDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.).

Um modo semiótico também é definido segundo essa abordagem como uma constelação de práticas compartilhadas entre uma comunidade de usuários, que possibilita a constituição de significado em uma maneira codescritível em três níveis semióticos abstratos, como mostra a figura 1: uma materialidade perceptível e deformável, que potencialmente envolve canais sensoriais múltiplos (canvas); 2) uma classificação (paradigmática) de unidades formais e estruturas (sintagmática), que define as deformações materiais pertinentes para o modo semiótico (gramática); e 3) o nível de semântica do discurso, que fornece mecanismos dinâmicos para a construção abdutiva de hipóteses e para o controle dos processos de interpretação, designando interpretações contextuais para as classificações da forma implantável e computável (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.1).

Figura 1
Representação esquemática de um modo semiótico (versão em português). Fonte: Bateman, 2017BATEMAN, J. A. Triangulating Transmediality: A Multimodal Semiotic Framework Relating Media, Modes and Genres. Context & Media, n. 20, pp.160-174, 2017., p.168, atualizada do artigo por concessão do autor.

Ainda segundo a abordagem, o discurso é definido em um nível operacional e aplicado, isto é, comumente equivalente ao “texto” ou resultante da organização de unidades em um artefato - que aqui denominaremos cláusulas, proposições ou eventualidades.

Tais estratos que compõem um modo semiótico serão tratados com escrutínio, tomando a notícia que circula no Twitter como objeto empírico de análise. A primeira seção busca discutir a notícia como gênero em contextos de mídia digital e de mídia social. Se os gêneros de discurso podem mudar, hibridizar e colonizar uns aos outros, a visada formal e multimodal dispõe de episteme e metodologia para construir modelos cognitivos de abstração para caracterizar o espaço do gênero multimodal, visando a controlar os efeitos das restrições de gênero, com detalhes suficientes para tornar visíveis suas variações no tempo e no espaço.

Na segunda seção, busca-se caracterizar o Twitter, no papel de leitor/usuário, em termos de sua materialidade (canvas), modularidade (ontologia) e affordances, isto é, como a interface funciona ou como suas propriedades comunicativas são reguladas. A terceira seção discute a anotação como caminho metodológico profícuo para projetar e computar relações (nos eixos sintagmático e paradigmático) e para inquirir sobre os elementos (registros) da notícia que circulam no Twitter, ancorados em princípios de composição e design. Uma vez empregada recursivamente, tal tecnologia permite produzir modelos cognitivos de abstração escaláveis.

Uma vez caracterizadas as regularidades materiais e formais na interface do Twitter na quarta seção, procede-se, na seção 5, à formalização de uma semântica para o discurso das notícias, com base na semântica (e semiótica) do discurso multimodal, que vem adaptando e ampliando ferramentas analíticas desenvolvidas pela Teoria da Representação do Discurso Segmentado (SDRT) para fornecer mecanismos e operações precisos e computáveis sobre os aspectos dinâmicos do discurso multimodal. Propõe-se então adaptar a teoria e a metodologia vinculada a esta abordagem para formalizar uma semântica para o discurso das notícias, nas chamadas formas lógicas, a fim de construir novas hipóteses sobre sua coerência em diferentes níveis de detalhe.

Por fim, a última seção discute a importância e validação desta abordagem como disciplina, tendo em vista os desafios na inovação, produção e disseminação de conhecimento transversal voltados à literacia digital e multimodal.

1 A notícia como gênero e estrutura

Sob a visada formal e multimodal, importa discutir a notícia como gênero, uma vez que este constitui uma categoria de ordem superior, seja como texto da cultura, destinado a orientar possíveis interpretações (BATEMAN, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre. A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008.), seja como um conjunto de enunciados relativamente estáveis ou ainda “formas de combinações dessas formas [da língua]” (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.277-326., p.285).

Bateman discute a existência dos gêneros multimodais em diálogo com tradições sócio-linguísticas e sócio-semióticas, que tomam o gênero em termos de estratégia comunicativa relativamente estável, dotada de funções psicológicas e estratégicas, com vistas “a alcançar algum propósito social relevante, ao permitir que seus praticantes demonstrem que estão tentando alcançar esses propósitos” (BATEMAN, 2014BATEMAN, J. A. Genre in the Age of Multimodality. Some Conceptual Refinements for Practical Analysis. In: EVANGELIST, P. A.; BATEMAN, J.; BHATIA, V. K. (Org.) Evolution in Genre. Emergence, Variation, Multimodality. Bern: Peter Lang, 2014. pp.237-170., p.239)3 3 Tradução nossa. No original, em inglês: “for achieving some relevant social purpose for allowing its practitioners to display that they are attempting to achieve those purposes”. .

Uma vez que os gêneros podem mudar, hibridizar e colonizar uns aos outros (FAIRCLOUGH; BAZEMAN apud BATEMAN, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre. A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008., p.10), importa então dispor de modelos com vistas a “caracterizar as regiões do espaço do gênero multimodal pelos traços que deixam nas formas particulares e nos recursos expressivos empregados pelos documentos que as ocupam”4 4 Tradução nossa. No original, em inglês: “We can characterize regions of the multimodal genre space in terms of the traces that they leave in the particular forms and expressive resources employed by the documents that occupy them”. .

Controlar os efeitos das restrições de gênero demandaria então uma caracterização (conduzida pela anotação como tecnologia ou método) das formas e dos conteúdos concretos inscritos em documentos multimodais (e aqui, mais especificamente, da notícia que circula no Twitter) “com detalhes suficientes para tornar visíveis as suas variações” (BATEMAN, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre. A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008., p.19)5 5 Tradução nossa. No original, em inglês: “in sufficient details to make genre variations visible”. .

Se o gênero aponta para as regularidades das formas, a visada formal e multimodal fornece operações e mecanismos precisos para reconstituir camadas de representações ao agrupar elementos regulares presentes no discurso da notícia, aqui denominados registros de discurso, em configurações genericamente reconhecíveis, que possibilitam distinguir gêneros particulares e tipos de documentos (BATEMAN, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre. A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008.).

A notícia é assim um gênero intrinsecamente transmídia (que varia entre as mídias), transmodal (que varia entre os modos semióticos). Decorre daí que “qualquer gênero tem o potencial de encontrar realização em uma gama de mídias; logo, a transmidialidade não significa de forma alguma a preservação exclusiva da narratividade” (BATEMAN, 2017BATEMAN, J. A. Triangulating Transmediality: A Multimodal Semiotic Framework Relating Media, Modes and Genres. Context & Media, n. 20, pp.160-174, 2017., p.168)6 6 Tradução nossa. No original, em inglês: “any genre may potentially find realization in a range of media and so transmediality is by no means the sole preserve of narrativity”. .

A notícia como gênero de discurso se configura ainda como produto industrial (LAGE, 1981LAGE, N. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1981., 1987LAGE, N. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1987.; GENRO FILHO, 1987), resultante de processos de seleção e de tradução de aspectos da “realidade”, em conformidade com um conjunto de práticas e processos compartilhados e reiterados pelas comunidades interpretativas e profissional. A notícia é ancorada em contextos e discursos primários e comumente, em situações comunicativas caracterizadas pelos diálogos e conversação face a face ou mediada, pelo que o resultado desta seleção e tradução conformam um discurso secundário/reportado (PONTE, 2005PONTE, C. Para entender as notícias: linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular, 2005.).

Seixas (2013)SEIXAS, L. Teorias de jornalismo para gêneros jornalísticos. Galaxia, n. 25, p.165-179, jun. 2013. tensiona propósito, lead e enfoque como categorias e noções capitais discutidas nas teorias do jornalismo e na relação com os estudos de gêneros jornalísticos. Na abordagem formal e multimodal, tais noções podem tangenciar as condições de produção da notícia (ex.: estratégia retórica, lead, relações temporais e enquadramento). A autora discute ainda como as noções de atualidade, instantaneidade, periodicidade, valor-notícia, fato e acontecimento podem operar na análise dos gêneros jornalísticos, que podem ser úteis para formalizações (virtual) futuras, pois estão implicadas na presente discussão. Para compreender o percurso desta caracterização, parte-se então da definição de modo semiótico, portanto, na relação com suas manifestações materiais.

Regularidades materiais extraídas das “formas” (de produção e circulação) da notícia podem ser mapeadas (anotadas) recursivamente em torno dos elementos pertinentes ao canvas, às formas ou estrutura, aos registros de discurso da notícia (e. g. título/chamada, legenda, foto, crédito etc.) e até mesmo aos efeitos cognitivos, e.g. priming (IYENGAR; KINDER, 1987IYENGAR, S., KINDER, D. News that Matters: Television and American Opinion. Chicago: University of Chicago Press, 1987.), agenda-setting (McCOMBS, 2006McCOMBS M. Estableciendo la agenda. El impacto de los médios en la opinión pública y en el conocimiento. Barcelona: Ediciones Paidós, 2006.) etc.

Em contextos de mídia digital e de mídia social, uma instância escalável da notícia como gênero torna-se reconhecível no diagrama (estrutura retórica)7 7 Os registros do discurso da notícia (ex.: olho, título, chamada etc.) orientam, portanto, a interpretação, uma vez que compreendem determinadas regularidades formais inscritas nos eixos sintagmático e paradigmático da notícia. , isto é, como um “padrão” de significados deformável e computável, à medida que a notícia se desdobra no ou através do tweet para cumprir seu propósito retórico.

Angular ou enquadrar os fatos ou acontecimentos8 8 Seixas (2013) tensiona este aspecto em termos de enfoque. como parte do processo de produção e/ou composição da notícia requereria ainda a ativação de estratégias discursivas, quais sejam habilidades argumentativas9 9 As habilidades retóricas (discursivas e argumentativas) são tratadas aqui principalmente como metalinguagem, e não a priori como techné. (SEIXAS, 2013SEIXAS, L. Teorias de jornalismo para gêneros jornalísticos. Galaxia, n. 25, p.165-179, jun. 2013.) intertextuais, interdiscursivas, a fim de enquadrar, isto é, “selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e torná-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma determinada definição de problema, interpretação causal, avaliação moral e/ou recomendação de tratamento para o item descrito” (ENTMAN, 1993ENTMANN, R. M. Framing: Towards Clarification of a Fractured Paradigm. Journal of Communication, v. 43, n. 4, p.51-58, 1993., p.52)10 10 Tradução nossa. No original, em inglês: “to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation”. e posteriormente na relação entre a mídia noticiosa e seus efeitos (REESE, 2001REESE, S. D. Prologue - Framing Public Life: A Bridging Model for Media Research. In: REESE, S., GANDY JR. O., GRANT, A. (ed.). Framing Public Life. Mahwah: Lawrence Erlbaum, 2001. pp.7-31.)11 11 Ainda em sua definição, Entman (1993) aponta algumas das possíveis funções do enquadramento (framing), a saber, promover a definição de um problema específico, interpretação causal, entre outras. Muitos autores têm se dedicado a sistematizar as estratégias discursivas empregadas na produção de notícias e gêneros afins, a exemplo de Van Dijk (1988), mas que não vamos detalhar aqui, por razões de contenção de espaço. .

Dado que a pirâmide invertida é estruturada a partir do lead e mapeada ao redor e para além de seus aspectos técnicos12 12 No jargão jornalístico, a pirâmide invertida consiste em uma técnica para angular o discurso da notícia, com base na hierarquização/relevância de uma questão ou acontecimento (issue/event). , decodificá-la em termos de metalinguagem parece um caminho “natural” de transcodificação13 13 Como modelo cognitivo de abstração (metalinguagem), em contextos de mídia digital e de mídia social, a anotação do discurso da notícia acontece na esfera da sua estrutura, por meio de princípios ontológicos subjacentes ao raciocínio computacional, mediados por processos de tradução e codificação do “texto”. A textualidade transmidiática é ainda definida sob a perspectiva de que todo texto, físico ou digital, tem autoria, conteúdo, estilo e uma audiência pretendida (imaginada). em contextos das mídias sociais e digitais. Para tal, postula-se o eixo sintagmático do lead como resultante da combinação de referentes discursivos da notícia, estruturados e/ou combinados em torno de seis perguntas que precisam ser articuladas coerentemente: o quê, quem, onde, quando, como e por quê (LAGE, 1981LAGE, N. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1981., 1987LAGE, N. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1987.)14 14 O verbete “Lide (jornalismo)” da Wikipedia (disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lide_(jornalismo). Acesso em: 25 jun. 2022) sintetiza aspectos importantes para compreender o contexto em que o lead é discutido nos estudos de jornalismo. Mais especificamente, merecem destaque as revisões que (in)diretamente dizem de sua práxis, história, função e estrutura básica, que pode ser adaptada para diferentes linguagens, (sub)gêneros jornalísticos e canvases. .

Em contextos de mídia digital e de mídia social, dos quais a interface do Twitter é um exemplo, o lead é tomado como estrutura de discurso, considerando as estratégias retóricas fornecidas pelo contexto em que os enquadramentos são percebidos. A abordagem formal é adaptada, então, como modelo cognitivo de abstração com vistas a compreender aspectos do enquadramento da notícia com lentes mais precisas, que vão desde as estratégias contextualmente motivadas, passando pelas regularidades da forma (notícia como gênero e estrutura), e chegando até as variações de recursos expressivos, como se pretende demonstrar.

A abordagem formal e multimodal orienta ainda a caracterização da notícia como gênero que participa e circula na interface do Twitter, para além de outras dimensões materiais e formais ancoradas em princípios ontológicos que regulam os modos semóticos programáticos da plataforma, como veremos adiante.

2 A materialidade no Twitter

Do ponto de vista metodológico, um modo semiótico é uma hipótese dedicada a conhecer/explicar como certas regularidades materiais produzem determinados efeitos (BATEMAN; WILDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.). Não se trata apenas de uma materialidade física, mas o substrato dinâmico da atividade perceptiva na qual estamos inseridos ou com a qual nos engajamos. Segundo esta abordagem, nenhum modo semiótico pode ser considerado sem atenção a seu material.

A falta de uma consideração adequada não apenas da materialidade dos artefatos semióticos, mas dos sistemas semióticos que empregam formas distintas de materialidade, trabalhou contra uma semiótica da multimodalidade suficientemente poderosa que pudesse ser apropriadamente estendida ao visual (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.182)15 15 Tradução nossa. No original, em inglês: “The lack of a proper consideration not only of the materiality of semiotic artefacts, but of the semiotic systems employing distinct forms of materiality, has worked against a sufficiently powerful semiotics of multimodality that can be appropriately extended to the visual”. .

Perceber as affordances (GIBSON, 1979GIBSON, J. J. The Theory of Affordances. The Ecological Approach to Visual Perception. Boston: Hough Mifflin, 1979.) na interface do Twitter (sub-canvas) nos permite entender o que fazer com ele ou como manipulá-lo. Diferentes canvases são capazes de suportar diferentes usos e affordances, inscritos em diferentes tipos de traços/rastros.

O canvas contribui para a interpretação das maneiras pelas quais o material pode ser acessado e manipulado. Em outras palavras, das affordances decorre que usuários e leitores constroem estratégias, interagem com a interface e seus participantes, conforme a possibilidades (programas) de ação16 16 Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017) utilizam a expressão “modos semióticos programáticos” para nomear esta instância de regulação. , inscritos na e através da plataforma, a exemplo dos comentários que permitem aos participantes acrescentarem notas e fazer suas contribuições em determinadas situações comunicativas. Muito importante é atentar para as affordances que empregam possibilidades associativas com o canvas e que podem ser percebidas e anotadas transversalmente. Isso quer dizer que um chatbot incorpora a propriedade de alternância (turn-taking) da comunicação dialógica, largamente estudada em interações face a face.

A tipologia que Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017)BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017. desenvolvem para caracterizar a materialidade de um modo semiótico é usada como uma espécie de cálculo para decidir quais ferramentas multimodais são possíveis usar para então caracterizar um canvas específico, isto é, compreender como ele funciona e para quais propósitos.

O fluxo de leitura na interface do leitor/usuário do Twitter, por exemplo, deve ser caracterizado em termos de como os leitores/usuários “navegam” para interpretar as informações no texto (no caso, rolando na tela linearmente ou verticalmente, da esquerda para a direita)17 17 O fluxo de leitura das imagens é diferente do fluxo de leitura de textos verbais, de acordo com esta abordagem. . À tipologia desenvolvida para o canvas convém ainda o exame de situações comunicativas na interface do Twitter, que podem ser caracterizadas em termos de permanência, em oposição à transiência18 18 Um canvas pode ainda ser classificado como transiente, isto é, uma vez que algo foi dito ou gesticulado (por exemplo, o “material” se pode ou não ser novamente inspecionado), ou permanente, que pode ser inspecionado, uma vez manifestado. Quando as marcas inscritas desaparecem imediatamente (e.g. linguagem falada) ou variam conforme tipos intermediários até deixarem marcas ‘permanentes’ (e.g. papel) etc. A transiência é importante porque pode regular propriedades de atenção e memória durante a atividade interpretativa. Para conhecer mais sobre as propriedades dos canvases, ver Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017). .

A interface oferece ainda o papel de participante ou observador ao leitor/usuário do Twitter, caracterizado em termos de diegético (imerso, envolvido), extra-diegético (internalizado, distante). Os (sub)canvases da interface são considerados no presente artigo em termos de sua bidimensionalidade19 19 A caracterização do Twitter no eixo da materialidade é complexificada devido à modularidade. Por princípios ontológicos subjacentes ao raciocínio computacional e à Programação Orientada a Objetos (POO), o Twitter é modular em essência, isto é, estruturado em bases de dados e, por essa razão, carece de discussões à parte. .

Na interface, a tipologia se estende para especificações em termos de trabalho ergódico, que designa se o leitor/usuário tem trabalho a desempenhar no canvas em questão. Ergódico imutável designa a “quantidade” de trabalho que o leitor/usuário deve fazer para se envolver com o texto. O ergódico mutável, por sua vez, diz de onde ou como o usuário/leitor pode alterar o texto como o qual está engajado.

Tais tipologias sugerem unidades norteadoras para a caracterização da estrutura da notícia no Twitter, a saber, perfis de jornalistas e de organização jornalística como publicadores de notícias para uma audiência pretendida (perfil de leitor/usuário), isto é, para quem se está falando. O trabalho micro-ergódico empreendido no canvas em questão, supõe a leitura com espaços dimensionados para arquivos (hiperlinks), que podem variar entre textos de até 280 caracteres, imagem, vídeo, diagramas, gráficos etc., como recursos expressivos regulares (registros de discurso da notícia), que também participam (virtualmente) de outros (sub)gêneros jornalísticos.

Embora a falta de uma caracterização mais aprofundada dos sub-canvases do Twitter em termos de sua modularidade tenha sido devidamente justificada, defende-se que a compreensão das chamadas “materialidades digitais” deve ser guiada por princípios subjacentes ao raciocínio computacional (MANOVICH, 2001MANOVICH, L. The Language of New Media. Cambridge, Massachussets: MIT Press, 2001.)20 20 A esse respeito, Manovich (2001) traduz tais princípios ao afirmar que as bases de dados como forma cultural e os algoritmos são entidades ontológicas constitutivas do software, no que pese a importância de disciplinas constitutivas das ciências da computação (e áreas correlatas) como campo e formação discursiva apropriada para compreender e caracterizar as chamadas materialidades digitais. , mais especificamente à ontologia (OOO) e à programação orientada a objetos (POO) (YORAN, 2018YORAN, G. Objects in Object-Oriented Ontology and Object-Oriented Programming. Interface Critique Journal, v. 1, pp.120-133, 2018.), pelas razões explicitadas adiante.

3 Anotação do discurso multimodal

Caracterizada a notícia como gênero e estrutura sob a visada formal e multimodal, torna-se fundamental discutir a anotação como tecnologia adequada empreendida na análise semiótica do discurso multimodal (BATEMAN; WILDFEUER; HIIPPALA, 2017) para a construção de metalinguagem. De maneira geral, a anotação perfaz uma tecnologia e um caminho metodológico profícuo para projetar e computar relações em diagramas (ou inquirir sobre os elementos da notícia e documentos em geral), ancorados em princípios de composição e design.

Na linguística computacional e ciências da computação, anotar significa rotular dados - imagens, texto ou áudio - para fins de identificação, categorização e treinamento de sistemas de aprendizagem de máquinas. A rotulagem, nesse sentido, se refere a métodos computacionais usados em pesquisa científica e ciência de dados (KALIR; GARCIA, 2019KALIR, R.; GARCIA, A. Annotation. MIT Press Open, 2019.).

Como tecnologia subjacente ao raciocínio computacional, a anotação é empregada recursivamente de maneira a projetar lógicas associativas diagramáticas, escaláveis e programáticas. A anotação implica então fornecer uma rotulagem mais ou menos sofisticada, contendo a descrição de elementos da situação comunicativa/artefato em questão, que podem ser combinados, apresentados ou compreendidos (manipulados) conforme distintos níveis de abstração (BATEMAN, 2021BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021.).

Tais esquemas interpretativos devem demonstrar como as várias contribuições modais e semióticas trabalham em articulação para criar o significado percebido ou ainda as relações “invisíveis a olho nu”. Rotular constitui um caminho para produzir metalinguagem, assim como o é também escrever código de computador, analisar jogos de xadrez, interpretar letras de músicas, tecer comentários ou identificar dispositivos de enredo e estrutura dos diálogos (KALIR; GARCIA, 2019KALIR, R.; GARCIA, A. Annotation. MIT Press Open, 2019.).

O uso de anotações tem sido elaborado principalmente no contexto de análises linguísticas e de rotulagem de dados, graças ao uso de ferramentas desenvolvidas e aperfeiçoadas, a fim de anotar arquiteturas e dados complexos, para então derivar esquemas interpretativos escaláveis (BATEMAN, 2021BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021.). Formar-se-ia assim a base material das camadas de anotação dos modos semióticos da estrutura do discurso da notícia que circula no Twitter, organizada em termos de regularidades materiais significativas do plano de expressão, considerando variações dos registros de discurso da notícia combinadas sob forma de diagramas ou estruturas de discurso (cf. SDRT).

É possível encontrar aspectos relevantes sobre os dados brutos se estes tiverem sido codificados ou anotados21 21 Dentre os tipos mais frequentes de anotação, Kalir e Garcia (2019) sistematizam três, que funcionam para diferentes propósitos e fornecem diferentes tipos de informação, adotados também neste artigo recursivamente (ver as seções 4 e 5): 1) Rubrica: definida historicamente como marcas de tinta (…) para identificar ou realçar capítulos, seções e cabeçalhos. 2) Scholia: definida como um tipo de anotação que introduz novas informações a um texto, como uma ideia, exemplo ou referência histórica; 3) Glosa (gloss): um tipo de anotação que traduz ou explica. , de maneira que o fenômeno se torne acessível para as categorias de codificação e anotação derivadas de um esquema interpretativo escalável e computável (BATEMAN; WIDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.).

A abordagem formal parte dos modos e recursos semióticos de artefatos complexos. Dentre esquemas de “medições” possíveis estão: gravação de vídeo, transcrição/descrição verbal/textual, mocap22 22 Abreviação para motion capture (captura de movimento). , fotografia, imagem, digitalização da página de um livro, modelo geométrico de um layout de página, postura, gesto, desde que estes sejam livres de interpretação (interpretation-free), isto é, precisam se abrir à articulação como objetos semióticos em seus próprios termos: apoiam-se (stand for) ao objeto empírico, em algum respeito, para alguém. Isso significa que podemos explorar explicitamente as perdas e ganhos com relação aos seus objetos (BATEMAN, 2021BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021., online).

Por fim, Bateman (2021)BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021. explica que boas medidas ou bons esquemas precisam maximizar sua indexicalidade. Para uma anotação formalmente coerente, tais esquemas também devem ser construídos ou desenhados/esboçados de maneira a alcançar a forma de diagramas, no sentido peirceano do termo23 23 A este respeito, é útil recorrer à sistematização de Machado (2016, p.19): “Peirce entende que a lógica diagramática se refere a qualquer sistema icônico porque passível de realizar gestos gráficos escritos, desenhados e até mesmo rabiscados (...). Nesse sentido, um diagrama equivale a um ‘ícone de um conjunto de objetos racionalmente relacionados’ (MS 492:1, c. 1902; apud Pietarinen 2003, p.8), o que imprime na lógica diagramática a capacidade de estabelecer e desenvolver relações capazes de operar expansões sob forma de um sistema de associações possíveis de serem representadas sob forma de grafos. O adjetivo ‘existencial’ que qualifica o grafo se justifica por sua condição de ato que emerge das relações num presente, fora de qualquer dimensão apriorística. Com isso, os grafos existenciais são propostos como notações topológicas que incorporam o movimento de suas evoluções, sobretudo porque se trata de modelos de auto-desenvolvimento”. Para conhecer de modo mais aprofundado o papel dos diagramas na epistemologia Peirceana, ver Stjernfelt (2007). . Sob o ponto de vista formal, a anotação pode ser codificada em termos de regularidades observadas nos eixos sintagmático e paradigmático (BATEMAN, 2016BATEMAN, J. A. Methodological and Theoretical Issues in Multimodality. In: KLUG, N-M.; STÖCKL, H. (org) Handbuch Sprache im multimodalen Kontext. Berlin: De Gruyter, 2016. pp.36-73.), que devem ser organizadas em termos de “propriedades”, “entidades” e “relações”24 24 Por padrão, é assim que uma base de dados deve ser estruturada no software. (BATEMAN, 2021BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021.) e em termos de quais regularidades materiais são relevantes, isto é, que fazem a diferença para a produção do significado.

4 Caracterizando regularidades materiais e formais na interface do Twitter

Uma das grandes vantagens da metodologia empregada nesta abordagem também pode ser percebida por meio dos resultados do acúmulo de mais de 30 anos de pesquisas sobre desenho de anotação linguística. A depender do que se deseja conhecer sobre o artefato/gênero em questão, considerações sobre o canvas podem prever condições em termos de suas affordances, recursos de expressão, (bi ou tri) dimensionalidade (BATEMAN; WIDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.; BATEMAN, 2008BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre. A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008.), e, no caso do Twitter, de sua modularidade, no papel de usuário/leitor. Para tal, procede-se à identificação deste sub-canvas e das características técnicas do conteúdo25 25 Na interface, aparecem como “arquivos” (multimodais), dispostos linearmente para leitura ou exploração. Em termos de sua modularidade, tais arquivos são acomodados, agrupados e organizados em bases de dados. acessado pelo referido participante, e pelas ações (representadas audio-verbo-visualmente26 26 O próprio Twitter permite aos usuários adicionar descrições de texto à imagem de um tweet, que pode ser lida em voz alta pela tecnologia de leitura assistida de tela. ), descritas abaixo.

Participantes

- Papel: No canvas, faz-se uma distinção entre participantes versus observadores. Os primeiros, como o próprio nome já diz, participam do mundo representado. Ao mencionar o perfil/id @UOLNoticias no corpo do texto verbal, o perfil do jornalista Ruben Berta (@ruben_berta)28 28 Na interface do Twitter, o papel é representado duplamente: 1) a logo (visual), seguida do nome do perfil por extenso escrito em texto verbal (Folha de S. Paulo e Ruben Berta); 2) o endereço do perfil em texto verbal, antecedido pelo símbolo @ (arroba). Ao mover o cursor sobre quaisquer destes itens, o Twitter exibe um outro sub-canvas (box), contendo informações adicionais sobre o perfil analisado. faz participar o referido perfil no mundo representado (Figura 2). Já com os observadores (leitores/usuários), por sua vez, a relação entre estes e o material interpretado pode ser parcialmente distante ou separada, conforme sejam os modos semióticos programáticos de acesso e interação inscritos na interface29 29 O perfil do jornalista ou organização em questão (participante) pode configurar as ações que regulam o acesso e a interação com demais leitores e usuários. .

Figura 2
Tweet original a partir do qual são mapeadas as regularidades formais da notícia27 27 A chamada publicada no perfil do Twitter do jornalista está ancorada na estratégia de reportar fatos/eventos que explicariam a omissão do Governo Federal ao não fornecer recursos e equipamentos suficientes para a prevenção de um desastre natural que ocorreu durante e após as fortes chuvas que atingiram a cidade de Petrópolis/RJ, Brasil, em meados de fevereiro de 2022, causando inundações e deslizamentos de terra que resultaram em mais de 240 mortes. Tweet original disponível em: https://twitter.com/ruben_berta/status/1496418417838108674?s=20&t=Y0jiDeIhLE7mgnEO5PvQ0Q. .

- Configurações de espaço e tempo

Data e hora da publicação do tweet: Esta ação permite controlar o fluxo temporal de publicação dos tweets e fios (threads)30 30 Para acompanhar o fluxo de leitura de uma thread, o leitor/usuário deve clicar no link (texto verbal) intitulado, por padrão, “Mostrar esta sequência”, logo abaixo das ações inscritas no canvas, citadas anteriormente, para visualizar a sequência de tweets publicados pelo perfil do produtor. Além disso, a interface representa visualmente a sequência de tweets que compõem a thread com um fio cinza, localizado do lado esquerdo da caixa (conteúdo). . Esta unidade é crucial para analisar situações comunicativas ou artefatos dinâmicos, à medida que o tempo e o discurso se desenrolam. Para o papel leitor/usuário, é caracterizado como micro-ergódico imutável. Grade/Grid: Característica técnica presente na interface que define as dimensionalidades por entre os conteúdos inscritos no Twitter. Variações desta unidade são comumente encontradas em diversas estruturas de organização e hierarquização das notícias em diferentes mídias, inclusive analógicas.

- Conteúdos/características técnicas

Conteúdo: Bateman e Wildfeuer (2014)BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014. fazem distinções entre as unidades do canvas e o que está inscrito no material (conteúdo). Contudo, o Twitter acomoda uma riqueza de conteúdos que podem ser acessados (no papel de leitor/usuário), podendo variar desde fotografia, ilustrações, linguagem escrita em mídia audiovisual, diagramas, entre outros, acomodando, portanto, variações no fluxo de leitura e de navegação. No sub-canvas do leitor/usuário, esta unidade pode ser caracterizada como linear (clique/leitura/navegação) ou micro-ergódico imutável.

URL: Hiperlink ao qual o conteúdo representado na interface está vinculado31 31 Na interface do Twitter, este item é representado duplamente por padrão (default): 1) como endereço eletrônico (URL) inscrito em texto verbal, por extenso; 2) como título/chamada para a notícia. . No subcanvas analisado, pode ser acessado e caracterizado como linear (leitura), ou microergódico imutável.

- Ações (quantidades)

Comentar: No papel de leitor/usuário, o sub-canvas em questão é caracterizado como ergódico mutável32 32 A esse respeito e usando o Instagram como exemplo, Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017) explicam que a ação de comentar acomoda uma situação comunicativa ergódica e mutável, que assume a forma de diálogo multimodal, em que é possível usar linguagem escrita, emojis, hashtags e, no caso do Twitter, gifs. .

Retuitar (Retweet): Este sub-canvas é caracterizado como ambos ergódico mutável e imutável, uma vez que o usuário pode adicionar conteúdos sobre a mensagem replicada, adicionando conteúdos/hiperlinks complementares.

Curtir: No papel do leitor/usuário, este sub-canvas é caracterizado como microergódico imutável, pois a ação do usuário se resume a curtir as postagens (através de um clique) que aparecem na tela.

Logo acima das ações citadas anteriormente, é possível visualizar a quantidade em que tais ações foram realizadas por outros participantes/seguidores do perfil em questão.

Regularidades formais da notícia na interface para o papel leitor/usuário são codificadas aqui considerando o emprego de combinações de recursos de expressão e mais especificamente de registros do discurso da notícia, que participam regularmente de outros (sub)gêneros jornalísticos. Nesse sentido, adicionam-se camadas de descrição em termos de unidades (entidades) regularmente empregadas nos eixos sintagmático e paradigmático inscritos no plano de expressão e de composição. Destacam-se as seguintes:

Perfil: Representado através do ícone do perfil: a) de jornalista (Figura 2); b) de empresas ou organizações jornalísticas (Figura 3).

Figura 3
Print da interface do Twitter, publicada no perfil da organização jornalística Folha de S. Paulo33 33 Segmentos da notícia foram estruturados a partir de um levantamento realizado por vereadores de São Paulo, que atesta irregularidades nos autos de funcionamento de metade dos 14 hospitais vinculados à operadora de saúde Prevent Senior, à época investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de São Paulo (Tweet original disponível em: https://twitter.com/folha/status/1496945310786015236?s=20&t=Y0jiDeIhLE7mgnEO5PvQ0Q. Acesso em: 12 jul 2022). para o papel de usuário/leitor e síntese das regularidades formais (registros de discurso) da notícia no Twitter. Fonte: elaboração própria.

Título ou chamada: Este item aparece duas vezes34 34 Quando aparece pela segunda vez, por padrão (default), o título/chamada é representado como hiperlink. na figura 3. Na figura 2, o título também é anotado como registro de discurso e parte da estrutura retórica do lead, uma vez que tais referentes consistem em componentes de acessibilidade para que o discurso possa então se atualizar, de acordo com o esquema e modelo aqui apresentado e do qual trataremos mais adiante com detalhes.

Fotografia/Imagem: Uma vez que as imagens proporcionam uma variedade de padrões de leitura e interpretação, este artigo propõe e adapta um modelo de descrição semântica para os quadrinhos (WILDFEUER, 2019WILDFEUER, J. The Inferential Semantics of Comics: Panels and Their Meanings. Poetics Today, v. 40, n. 2, pp.215-234, 2019.) e a arte sequencial (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.) para descrever o discurso das notícias nas chamadas formas lógicas, como se vê na seção 5.

(Partes do) lead: Do ponto de vista ontológico, em contextos de mídia digital e de mídia social, variações do lead podem ser modulares ou escaláveis (diagramáticas)35 35 Exemplos que explicam o fenômeno são descritos no artigo intitulado “Jornalismo em software”, publicado na coluna do jornalista Pedro Dória, no jornal O Globo, em 2012 (on-line). . Isso significa que uma estrutura retórica pode servir como eixo narrativo (diagrama) para a modelização de estruturas dinâmicas para o discurso das notícias36 36 A este respeito, ver o infográfico interativo produzido pelo jornal norte-americano The New York Times, intitulado Tracking the Oil Gulf Spill (“Rastreando o vazamento de petróleo no Golfo”, T. A.). A estrutura narrativa (de dados) da visualização é articulada através do uso de texto, imagem (mapa) e hiperlinks, que se desdobram dinamicamente. Disponível em: http://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/interactive/2010/05/01/us/20100501-oil-spilltracker.html?. Acesso em 25 fev.2022. O vídeo publicado no perfil do Instagram do jornal britânico The Guardian, por sua vez, combina recursos áudio-verbo-verbais e registros do discurso jornalístico, a saber: declarações do então Presidente dos EUA, Donald Trump (fonte), entre os dias 30 de janeiro e 17 de março de 2020, que se desdobram dinamicamente, em paralelo ao crescente número de casos de Coronavirus no país (partes do lead). Disponível em: https://www.instagram.com/tv/B97ENsnqaPm/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em 25 Fev.2022. .

Figura 4
Anotação do sub-canvas da interface do Twitter, para o papel de leitor/usuário, conforme a taxonomia de affordances (BATEMAN; WILDFEUER; HIIPPALA, 2017BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.), em 24 de Fev. 2022. Fonte: elaboração própria.

Data e hora em que o tweet foi publicado: Tais referentes discursivos são condições de controle fundamentais para inferir heurísticas para o discurso das notícias, como se vê na seção 5, pois estes dependem de referências concretas sobre os contextos temporais e espaciais da notícia publicada como tweet ou como thread.

Ao caracterizar as regularidades materiais localizadas no perfil leitor/usuário da interface e das formas da notícia (ou de segmentos dela), produz-se a base material e metodológica de tudo o que se segue, de acordo com esta abordagem.

5 Descrição semântica para o discurso das notícias

A semântica do discurso multimodal é uma “teoria pragmaticamente fundamentada de discurso multimodal” (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.185)37 37 Tradução nossa. No original, em inglês: “a pragmatically-grounded theory of multimodal discourse”. que vem adaptando e ampliando ferramentas analíticas desenvolvidas pela Teoria da Representação do Discurso Segmentado [Segmented Discourse Representation Theory - SDRT, cf. ASHER; LASCARIDES, 2003ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.), como um caminho “para explorar como o significado pode ser dinamicamente construído no discurso, mesmo quando esse discurso envolve múltiplas modalidades” (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.194)38 38 Tradução nossa. No original, em inglês: “exploring how meaning can be dynamically constructed in discourse, even when that discourse involves multiple modalities”. .

Porque a SDRT dispõe de um conjunto mais ou menos estável de relações temporais do discurso como ferramenta analítica, ela fornece mecanismos e operações precisos sobre aspectos dinâmicos do discurso (e aqui adaptado à notícia), a fim de viabilizar a construção de formas lógicas para a construção de novas hipóteses sobre coerência em diferentes níveis de detalhe.

Esta teoria está ancorada em processos de raciocínio abdutivo e revogável sobre a melhor interpretação (ou interpretação pragmática preferida, cf. SDRT), com base na capacidade cognitiva do destinatário de combinar logicamente a informação disponível no discurso com outras fontes de informação. A lógica da interpretação do discurso multimodal baseia-se em uma estrutura semiótica geral que suporta o exame de como vários recursos semióticos operam intersemioticamente e do significado particular que cada recurso separado tem para o processo de inferência (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.).

Esse quadro semiótico geral é chamado de lógica do conteúdo da informação, a primeira lógica individual e o foco principal da presente seção. Essa lógica fornece uma linguagem formal para construir analiticamente uma representação semântica do discurso das notícias no Twitter nas chamadas formas lógicas.

A SDRT fornece ferramentas lógicas e analíticas descritivas para formalizar e computar padrões de construção de significado, dando origem a ‘estruturas’ produzidas dinamicamente, que permitem testar e prever consequências para a interpretação do discurso, particularmente em termos de acessibilidade dos referentes do discurso, ou seja, quais referentes devem ou não estar acessíveis ou que fazem a diferença para a inferência.

Esta teoria foi concebida/desenhada com base em várias lógicas distintas, que se combinam de maneira a formar “uma ‘lógica de interpretação do discurso como um todo’” (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.186)39 39 Tradução nossa. No original, em inglês: “An overall ‘logic of discourse interpretation’”. , capaz de produzir modelos cognitivos de abstração linguística, realizadas por meio de operações simples e complexas e para a resolução de problemas de modo geral.

A interpretação do discurso consiste em uma série de tarefas distintas: construir uma forma lógica do discurso; raciocinar sobre as consequências dessa forma lógica; raciocinar sobre o significado lexical; raciocinar sobre as consequências (em termos das atitudes proposicionais do falante) de o falante ser um agente racional e cooperativo. Acreditamos que a interpretação do discurso é mais bem modelada por várias lógicas que “interagem” entre lógicas projetadas para realizar uma dessas tarefas específicas (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.80)40 40 Tradução nossa. No original, em inglês: “Discourse interpretation consists of a number of distinct tasks: building a logical form of the discourse; reasoning about the consequences of that logical form; reasoning about the lexical meaning; reasoning about the consequences (in terms of the speaker’s propositional attitudes) of the speaker being a rational and cooperative agent. We believe that discourse interpretation is best modeled by having several logics that ‘interact’ with each other logic being designed to do one of these particular tasks”. .

A forma lógica da notícia (hard news) - “primeira lógica”, cf. SDRT - e foco principal desta seção - é construída como raciocínio abdutivo, revogável41 41 Peirce (CP 5.171) discorre sobre tantas definições de abdução quanto necessárias. No entanto e considerando o contexto e a área de pesquisa com a qual este artigo dialoga, convém mencionar a seguinte definição, na relação e comparação com outros tipos de raciocínio sistematizados pelo autor: “Abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa. É a única operação lógica que introduz qualquer ideia nova; pois a indução não faz nada além de determinar um valor, e a dedução apenas desenvolve as consequências necessárias de uma hipótese pura. (…) A dedução prova que algo deve [must] ser; A indução mostra que algo realmente é operante; A abdução apenas sugere que algo pode [may] ser”. Tradução nossa. No original, em inglês: “Abduction is the process of forming an explanatory hypothesis. It is the only logical operation which introduces any new idea; for induction does nothing but determine a value, and deduction merely evolves the necessary consequences of a pure hypothesis. (…) Deduction proves that something must be; Induction shows that something actually is operative; Abduction merely suggests that something may be”. Decorre daí portanto o raciocínio revogável, cf. SDRT. , isto é, dentro de lógicas e abordagens não monotônicas, à medida que mais informações se tornam disponíveis e interpretações dinâmicas do discurso podem mudar. A primeira lógica do conteúdo da notícia é formulada então, considerando um princípio mais geral segundo o qual os leitores de notícias, ao longo da leitura e do processo de interpretação, vão construindo hipóteses, inferências e representações que vão sendo confirmadas ou não à medida que o discurso se desdobra dinamicamente.

Dado que o objetivo desta seção é focar na interação de inferências e unidades materiais (WILDFEUER, 2019WILDFEUER, J. The Inferential Semantics of Comics: Panels and Their Meanings. Poetics Today, v. 40, n. 2, pp.215-234, 2019.) inscritas no discurso da notícia que circula no Twitter, levam-se em consideração as unidades materiais por vezes muito pequenas, como é o caso da notícia formatada como um tweet e sua interpretação pelo destinatário. Neste caso, pode-se calcular o caminho da interpretação de forma mais detalhada e explícita, descrevendo as inferências necessárias para a interpretação, a fim de especificar e restringir as relações com suas unidades materiais.

Na SDRT, uma forma lógica para a interpretação do discurso opera construindo uma representação semântica (dinâmica) para cada contribuição discursiva recebida e especificada como cláusulas ou eventualidades, conectadas por meio de um conjunto mais ou menos estável de relações discursivas - isto é, relações temporais ou ainda relações retóricas - dispostas sob forma de axiomas padrão (default axioms) em uma estrutura discursiva crescente.

Em outras palavras, caracteriza-se a construção progressiva da notícia no Twitter (regularmente materializada como thread/fio, ou seja, como uma sequência de tweets inter-relacionados), combinando especificações semânticas individuais com relações retóricas apropriadas, fornecidas pela SDRT como axiomas padrão. Esta é a primeira ferramenta analítica com a qual especificamos as regras para inferir as relações retóricas (relações temporais) que conectam as eventualidades, à medida que o discurso é ou pode ser acrescentado, como formulam Asher e Lascarides (2003, p.199)ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.: “Esses esquemas de axiomas em geral assumem a forma de (7): (7) (? (Α, β, λ) ∧ algum material)> R (α, β, λ)”42 42 Tradução nossa. No original, em inglês: “These axiom schemata in general take the form of (7): (7) (?(α, β, λ) ∧ some stuff ) > R(α, β, λ)”. Os autores usam “some stuff” como condição existente para que uma relação retórica entre α e β se mantenha, a fim de afirmar uma evidência para a relação. .

Esta regra pode ser descrita da seguinte forma: se existe uma relação não específica, representada por “?”, entre os segmentos α e β no contexto λ43 43 λ representa o contexto semântico no qual α e β estão inseridos, que inclui o conhecimento do leitor sobre o mundo quando β é apresentado. , em conjunção (∧) com algum material, então normalmente44 44 “Então normalmente” é uma operação representada por > que caracteriza a inferência por raciocínio abdutivo. a relação retórica entre α e β pode ser inferida no contexto λ45 45 Um exemplo de como este axioma se aplica ao discurso da notícia no Twitter será discutido adiante. .

Para construir uma primeira forma lógica da notícia, o axioma padrão especifica precisamente quais informações o contexto deve fornecer (ou estar acessível) para inferir relações retóricas entre as eventualidades e especificar as propriedades dos elementos do discurso que estão sendo relacionados: “O alcance semântico de uma pressuposição depende de a qual parte do contexto a pressuposição se liga com uma relação retórica” (LASCARIDES; ASHER, 2007LASCARIDES, A.; ASHER, N. Segmented Discourse Representation Theory: Dynamic Semantics with Discourse Structure. In: H. Bunt and R. Muskens (org) Computing Meaning. V. 3, Springer, 2007. pp.87-124., p.12)46 46 Tradução nossa. No original, em inglês: “So the semantic scope of a presupposition depends on which part of the context the presupposition binds to with a rhetorical relation”. . Os mecanismos e operações de inferência são então descritos como raciocínio abdutivo, ao ‘colarem’ as formas lógicas, com o objetivo de maximizar a coerência do discurso (ASHER; LASCARIDES, 2003ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., p.184, 230).

Os postulados de significado são outra ferramenta analítica aplicada aqui para formalizar a descrição semântica da notícia (primeira lógica), ao postularmos variações do lead como referentes do discurso e estrutura retórica (postulado de significado, cf. SDRT). Com essa ferramenta, podemos especificar restrições “rígidas” que precisam ser atendidas a partir do contexto e relacionadas por meio de uma relação retórica.

Os postulados de significado são definidos, portanto, como restrições monotônicas (ou seja, não abdutivas) para a primeira lógica (first logics), a saber, do conteúdo da informação, como Asher e Lascarides (2003ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., p.159) especificam: “Todos os postulados de significado serão da forma dada em (27) (para vários valores de R), onde as condições (α,β) expressarão algumas condições particulares em Kα e Kβ, ou em referentes discursivos introduzidos por Kα e Kβ: φR ( α,β) ⇒ condições (α,β)”47 47 Tradução nossa. No original, em inglês: “All the meaning postulates will be of the form given in (27) (for various values of R), where conditions (α,β) will express some particular conditions on Kα andKβ, or on discourse referents introduced by Kα and Kβ: φR (α,β) ⇒ conditions (α,β)”. .

Embora o foco da seção não seja dedicado à segunda lógica (empacotamento da informação e atualização do discurso), é importante mencionar que a formalização do discurso da notícia em sua primeira lógica permite-nos formulações adicionais em termos de procedimentos de atualização do discurso (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.212), que toma segmentos do discurso como insumos a serem adicionados, considerando as relações retóricas que podem se estabelecer na produção de estruturas de representação de discurso segmentado individuais (SDRS), que computam o resultado da atualização.

Utiliza-se a sintaxe e a semântica de uma linguagem formal para construir e representar as formas lógicas e especificar os constrangimentos ao conhecimento do contexto ao computar as relações retóricas por entre os segmentos e estrutura. As formas lógicas são representadas como Estruturas de Representação do Discurso (DRS), geralmente rotuladas como Ki e escritas usando a notação DRT ‘estilo caixa’, como sintetiza o Quadro 1. DRSs são equivalentes às cláusulas e resumidas como minitextos. Essas estruturas agrupam os referentes discursivos, mostrados como variáveis na parte superior de cada caixa, em únicos ‘domínios de acessibilidade’ para operações discursivas posteriores, à medida que o discurso pode se desenvolver em procedimentos que se atualizam.

Quadro 1
Descrição semântica da notícia (tweet) publicada no perfil do Twitter da Folha de S. Paulo (relativa à Figura 2). Fonte: Elaboração própria.

A descrição semântica é então estendida para computar modalidades visuais e é sempre descrita como uma eventualidade revogável, inferida abdutivamente, formalizada como eπn (WILDFEUER, 2019WILDFEUER, J. The Inferential Semantics of Comics: Panels and Their Meanings. Poetics Today, v. 40, n. 2, pp.215-234, 2019.). Para a descrição, as sub-eventualidades são as unidades semânticas mínimas que podem ser tomadas como ponto de partida para formalizar a lógica do conteúdo informacional do discurso da notícia.

Em síntese, especificam-se cinco sub-eventualidades que formam a eventualidade eπ1, como mostra o Quadro 1, rotuladas como eπ1a, eπ1b, eπ1c, eπ1d, eπ1e, representação abstrata da inferência sobre o conteúdo das sub-eventualidades do discurso. A notação [t] de eπ1b |~ especifica que é na modalidade textual que “metade dos hospitais da Prevent Senior” é descrito com o operador lógico ∣ ∼, como relação de narração. O referente temporal t é rotulado como desconhecido.

eπ1b é descrito de acordo com o referente discursivo marcado em uma modalidade textual (t), rotulados como (g) e assim sucessivamente para as demais subeventualidades. Isso significa que é na modalidade textual que a cláusula inscrita no tweet promove a inferência do predicado |~ “funciona sob liminar”, representando assim, de forma abstrata, a proposição de eπ1b. A forma lógica dessa inferência é codificada na linha da tabela como g |~ funciona sob liminar (eπ1b). Novamente, o operador lógico |~ indica que o consequente (raciocínio) da equação lógica é revogável (não monotônica).

Unidades analíticas potenciais são percebidas na imagem da miniatura para construir novas hipóteses para a interpretação do discurso multimodal, a fim de colocar essas unidades visuais em uma estrutura motivada (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.). Assim, adotamos o modelo de descrição semântica para quadrinhos desenvolvido por Wildfeuer (2019)WILDFEUER, J. The Inferential Semantics of Comics: Panels and Their Meanings. Poetics Today, v. 40, n. 2, pp.215-234, 2019., a fim de mapear e formalizar os recursos expressivos inscritos na fotografia analisada. É útil destacar que os referentes (k) e (l) não são componentes visuais relevantes para o contexto em que aparecem, visto que não fazem diferença para inferir eπ1e considerando os segmentos que o antecedem na chamada. Por outro lado, os rótulos (i) e (j), representados na modalidade visual [v], são mobilizados por princípios de gestalt para a fachada de um prédio (i), em cuja placa se vê inscrito “REVENT SENIOR” de baixo para cima (j), ou seja, um material semiótico icônico, convencionalizado (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.) para inferir eπ1e. A relação temporal entre as sub-eventualidades é especificada no quadro 1, em uma sequência de narração49 49 Narração. “Informalmente, essa relação temporal é válida se os constituintes que expressam eventualidades ocorrem na sequência em que foram descritos. Tal relação pode conectar indicativos ou imperativos. Exemplo: Narração (10a, 10b) e Narração (10b, 10c). (10) a. Max entrou na sala. b. Ele se sentou. c. Ele acendeu um cigarro” (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.462). Tradução nossa. No original, em inglês: “Informally, this relation holds if the constituents express eventualities that occur in the sequence in which they were described. It can connect indicatives or requests”. , elaboração50 50 Elaboração. Para conhecer a descrição formal e a consequência temporal desta relação subordinada, ver: Asher e Lascarides, 2003, p.461. Exemplo: (8) “Max fez uma bela refeição ontem à noite. Ele comeu muito salmão”. Tradução nossa. No original, em inglês: “Max had a lovely meal last night. He ate lots of salmon”. , background51 51 Background. “Esta relação se mantém sempre que um constituinte fornece informação sobre o estado de coisas circundante em que ocorreu a eventualidade mencionada num outro constituinte” (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.460). Tradução nossa. No original, em inglês: “This relation holds whenever one constituent provides information about the surrounding state of affairs in which the eventuality mentioned in the other constituent occurred”. e narração (eπ1).

Com a análise semiótica e semântica do discurso multimodal, podemos demonstrar como a semântica dinâmica é acoplada a variações de estruturas da notícia, em articulação com os registros do discurso e com os modos semióticos que acomodam (sub)gêneros jornalísticos, demarcando o alcance pretendido de interpretação dessas formas. Estendemos a notação no estilo de caixa SDRT para computar informações fornecidas visualmente, como resultado do processamento visual da Gestalt e da identificação abdutiva dos recursos expressivos (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.). Os referentes discursivos dados em eπ1e listam explicitamente a composição multimodal e contribuição das modalidades visuais, marcadas como [v], a fim de especificar o caminho de interpretação dos elementos abduzidos.

Considerações finais

A última seção resume aspectos importantes sobre como a abordagem formal desempenha um papel muito mais amplo do que o que foi explorado anteriormente, no que concerne ao aperfeiçoamento heurístico para o discurso multimodal das notícias.

Se as abduções sobre a notícia como gênero deveriam variar em termos de relações pragmaticamente conscientes entre materiais “carregados semioticamente”, é possível afirmar que o artigo faz um esforço considerável ao precisar e mapear mecanismos e operações que permitem virtualmente projetar, controlar/restringir e computar efeitos e o percurso de interpretação da notícia, de maneira a tornar visíveis suas variações (sub)genéricas.

Para tal, localiza-se e mapeia-se um sub-canvas da interface no Twitter, no perfil leitor/usuário, com vistas a projetar combinações e configurações multimodais que regulam o funcionamento e as ações engendradas na/através da plataforma, mas sem perder de vista sua condição ontológica, empregada recursivamente como modelo cognitivo de abstração escalável para o discurso das notícias.

Mapeiam-se em seguida as regularidades da forma, inscritas na interface como registros de discurso da notícia, que participam de outros (sub)gêneros jornalísticos. Como estrutura de discurso, hipóteses testadas empiricamente podem ser construídas a partir de procedimentos de atualização do discurso, como previsões experimentais e analíticas para interpretação, empacotamento e atualização do conteúdo da informação (cf. SDRT).

Por fim, demonstra-se a formalização de uma semântica para o discurso da notícia nas chamadas formas lógicas, adaptada de ferramentas analíticas desenvolvidas pela Segmented Discourse Representation Theory (SDRT), a fim de construir novas hipóteses sobre coerência da notícia em diferentes níveis de detalhe. Até aqui, espera-se não haver dúvidas sobre a contribuição inovadora da semiótica e semântica do discurso multimodal ancorada na SDRT. Tal abordagem fornece mecanismos interpretativos pragmáticos e empiricamente testáveis e operações necessárias para “relacionar as formas que um modo semiótico distingue com seus contextos de uso e demarcar o escopo pretendido de interpretação dessas formas” (BATEMAN; WILDFEUER, 2014BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014., p.183)52 52 Tradução nossa. No original, em inglês: “(…) for relating the forms a semiotic mode distinguishes to their contexts of use and for demarcating the intended range of interpretation of those forms”. .

Como estrato mediador do discurso da notícia, a semântica do discurso multimodal dispõe de mecanismos refinados a fim de relacionar segmentos particulares de material “semioticamente carregado” aos seus contextos de uso, de maneira que seja possível obter mecanismos e operações precisas sobre as estratégias retóricas fornecidas pelo contexto em que o discurso e os enquadramentos das notícias são ou foram percebidos.

Em síntese, a abordagem formal é adaptada aqui visando a compreender aspectos do enquadramento da notícia com lentes mais precisas, que vão desde estratégias contextualmente motivadas, passando pelas regularidades da forma, e chegando até as variações de recursos expressivos, no que tal abordagem tem provado ser bem-sucedida. Particularmente importante aqui é a validação de níveis e contextos adequados de enquadramentos (força argumentativa) da notícia.

Por fim, o artigo busca demonstrar a validação, utilidade e inovação desta abordagem como disciplina, visando à produção e difusão de conhecimento transversal, bem como à (re)formulação de estratégias didático-pedagógicas voltadas à literacia digital, em tempos urgentes.

  • 1
    O artigo é resultado de uma pesquisa de pós-doutorado realizado na Bremen Universität (2018-2019), Alemanha, sob a supervisão do Prof. Dr. John Arnold Bateman.
  • 2
    Tradução nossa. No original, em inglês: “a way of characterizing communicative situations (considered very broadly) which rely upon combinations of different ‘forms’ of communication to be effective”.
  • 3
    Tradução nossa. No original, em inglês: “for achieving some relevant social purpose for allowing its practitioners to display that they are attempting to achieve those purposes”.
  • 4
    Tradução nossa. No original, em inglês: “We can characterize regions of the multimodal genre space in terms of the traces that they leave in the particular forms and expressive resources employed by the documents that occupy them”.
  • 5
    Tradução nossa. No original, em inglês: “in sufficient details to make genre variations visible”.
  • 6
    Tradução nossa. No original, em inglês: “any genre may potentially find realization in a range of media and so transmediality is by no means the sole preserve of narrativity”.
  • 7
    Os registros do discurso da notícia (ex.: olho, título, chamada etc.) orientam, portanto, a interpretação, uma vez que compreendem determinadas regularidades formais inscritas nos eixos sintagmático e paradigmático da notícia.
  • 8
    Seixas (2013)SEIXAS, L. Teorias de jornalismo para gêneros jornalísticos. Galaxia, n. 25, p.165-179, jun. 2013. tensiona este aspecto em termos de enfoque.
  • 9
    As habilidades retóricas (discursivas e argumentativas) são tratadas aqui principalmente como metalinguagem, e não a priori como techné.
  • 10
    Tradução nossa. No original, em inglês: “to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation”.
  • 11
    Ainda em sua definição, Entman (1993)ENTMANN, R. M. Framing: Towards Clarification of a Fractured Paradigm. Journal of Communication, v. 43, n. 4, p.51-58, 1993. aponta algumas das possíveis funções do enquadramento (framing), a saber, promover a definição de um problema específico, interpretação causal, entre outras. Muitos autores têm se dedicado a sistematizar as estratégias discursivas empregadas na produção de notícias e gêneros afins, a exemplo de Van Dijk (1988)VAN DIJK, T. A. News as Discourse. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1988., mas que não vamos detalhar aqui, por razões de contenção de espaço.
  • 12
    No jargão jornalístico, a pirâmide invertida consiste em uma técnica para angular o discurso da notícia, com base na hierarquização/relevância de uma questão ou acontecimento (issue/event).
  • 13
    Como modelo cognitivo de abstração (metalinguagem), em contextos de mídia digital e de mídia social, a anotação do discurso da notícia acontece na esfera da sua estrutura, por meio de princípios ontológicos subjacentes ao raciocínio computacional, mediados por processos de tradução e codificação do “texto”. A textualidade transmidiática é ainda definida sob a perspectiva de que todo texto, físico ou digital, tem autoria, conteúdo, estilo e uma audiência pretendida (imaginada).
  • 14
    O verbete “Lide (jornalismo)” da Wikipedia (disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lide_(jornalismo). Acesso em: 25 jun. 2022) sintetiza aspectos importantes para compreender o contexto em que o lead é discutido nos estudos de jornalismo. Mais especificamente, merecem destaque as revisões que (in)diretamente dizem de sua práxis, história, função e estrutura básica, que pode ser adaptada para diferentes linguagens, (sub)gêneros jornalísticos e canvases.
  • 15
    Tradução nossa. No original, em inglês: “The lack of a proper consideration not only of the materiality of semiotic artefacts, but of the semiotic systems employing distinct forms of materiality, has worked against a sufficiently powerful semiotics of multimodality that can be appropriately extended to the visual”.
  • 16
    Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017)BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017. utilizam a expressão “modos semióticos programáticos” para nomear esta instância de regulação.
  • 17
    O fluxo de leitura das imagens é diferente do fluxo de leitura de textos verbais, de acordo com esta abordagem.
  • 18
    Um canvas pode ainda ser classificado como transiente, isto é, uma vez que algo foi dito ou gesticulado (por exemplo, o “material” se pode ou não ser novamente inspecionado), ou permanente, que pode ser inspecionado, uma vez manifestado. Quando as marcas inscritas desaparecem imediatamente (e.g. linguagem falada) ou variam conforme tipos intermediários até deixarem marcas ‘permanentes’ (e.g. papel) etc. A transiência é importante porque pode regular propriedades de atenção e memória durante a atividade interpretativa. Para conhecer mais sobre as propriedades dos canvases, ver Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017)BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017..
  • 19
    A caracterização do Twitter no eixo da materialidade é complexificada devido à modularidade. Por princípios ontológicos subjacentes ao raciocínio computacional e à Programação Orientada a Objetos (POO), o Twitter é modular em essência, isto é, estruturado em bases de dados e, por essa razão, carece de discussões à parte.
  • 20
    A esse respeito, Manovich (2001)MANOVICH, L. The Language of New Media. Cambridge, Massachussets: MIT Press, 2001. traduz tais princípios ao afirmar que as bases de dados como forma cultural e os algoritmos são entidades ontológicas constitutivas do software, no que pese a importância de disciplinas constitutivas das ciências da computação (e áreas correlatas) como campo e formação discursiva apropriada para compreender e caracterizar as chamadas materialidades digitais.
  • 21
    Dentre os tipos mais frequentes de anotação, Kalir e Garcia (2019)KALIR, R.; GARCIA, A. Annotation. MIT Press Open, 2019. sistematizam três, que funcionam para diferentes propósitos e fornecem diferentes tipos de informação, adotados também neste artigo recursivamente (ver as seções 4 e 5): 1) Rubrica: definida historicamente como marcas de tinta (…) para identificar ou realçar capítulos, seções e cabeçalhos. 2) Scholia: definida como um tipo de anotação que introduz novas informações a um texto, como uma ideia, exemplo ou referência histórica; 3) Glosa (gloss): um tipo de anotação que traduz ou explica.
  • 22
    Abreviação para motion capture (captura de movimento).
  • 23
    A este respeito, é útil recorrer à sistematização de Machado (2016, p.19)MACHADO, I. Diagramas: explorações no pensamento-signo dos espaços culturais. São Paulo: Alameda Editorial, 2016.: “Peirce entende que a lógica diagramática se refere a qualquer sistema icônico porque passível de realizar gestos gráficos escritos, desenhados e até mesmo rabiscados (...). Nesse sentido, um diagrama equivale a um ‘ícone de um conjunto de objetos racionalmente relacionados’ (MS 492:1, c. 1902; apud Pietarinen 2003, p.8), o que imprime na lógica diagramática a capacidade de estabelecer e desenvolver relações capazes de operar expansões sob forma de um sistema de associações possíveis de serem representadas sob forma de grafos. O adjetivo ‘existencial’ que qualifica o grafo se justifica por sua condição de ato que emerge das relações num presente, fora de qualquer dimensão apriorística. Com isso, os grafos existenciais são propostos como notações topológicas que incorporam o movimento de suas evoluções, sobretudo porque se trata de modelos de auto-desenvolvimento”. Para conhecer de modo mais aprofundado o papel dos diagramas na epistemologia Peirceana, ver Stjernfelt (2007)STJERNFELT, F. Diagrammatology. An Investigation on the Borderlines of Phenomenology, Ontology, and Semiotics. Dordrecht: Springer, 2007..
  • 24
    Por padrão, é assim que uma base de dados deve ser estruturada no software.
  • 25
    Na interface, aparecem como “arquivos” (multimodais), dispostos linearmente para leitura ou exploração. Em termos de sua modularidade, tais arquivos são acomodados, agrupados e organizados em bases de dados.
  • 26
    O próprio Twitter permite aos usuários adicionar descrições de texto à imagem de um tweet, que pode ser lida em voz alta pela tecnologia de leitura assistida de tela.
  • 27
    A chamada publicada no perfil do Twitter do jornalista está ancorada na estratégia de reportar fatos/eventos que explicariam a omissão do Governo Federal ao não fornecer recursos e equipamentos suficientes para a prevenção de um desastre natural que ocorreu durante e após as fortes chuvas que atingiram a cidade de Petrópolis/RJ, Brasil, em meados de fevereiro de 2022, causando inundações e deslizamentos de terra que resultaram em mais de 240 mortes. Tweet original disponível em: https://twitter.com/ruben_berta/status/1496418417838108674?s=20&t=Y0jiDeIhLE7mgnEO5PvQ0Q.
  • 28
    Na interface do Twitter, o papel é representado duplamente: 1) a logo (visual), seguida do nome do perfil por extenso escrito em texto verbal (Folha de S. Paulo e Ruben Berta); 2) o endereço do perfil em texto verbal, antecedido pelo símbolo @ (arroba). Ao mover o cursor sobre quaisquer destes itens, o Twitter exibe um outro sub-canvas (box), contendo informações adicionais sobre o perfil analisado.
  • 29
    O perfil do jornalista ou organização em questão (participante) pode configurar as ações que regulam o acesso e a interação com demais leitores e usuários.
  • 30
    Para acompanhar o fluxo de leitura de uma thread, o leitor/usuário deve clicar no link (texto verbal) intitulado, por padrão, “Mostrar esta sequência”, logo abaixo das ações inscritas no canvas, citadas anteriormente, para visualizar a sequência de tweets publicados pelo perfil do produtor. Além disso, a interface representa visualmente a sequência de tweets que compõem a thread com um fio cinza, localizado do lado esquerdo da caixa (conteúdo).
  • 31
    Na interface do Twitter, este item é representado duplamente por padrão (default): 1) como endereço eletrônico (URL) inscrito em texto verbal, por extenso; 2) como título/chamada para a notícia.
  • 32
    A esse respeito e usando o Instagram como exemplo, Bateman, Wildfeuer e Hiippala (2017)BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis. A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017. explicam que a ação de comentar acomoda uma situação comunicativa ergódica e mutável, que assume a forma de diálogo multimodal, em que é possível usar linguagem escrita, emojis, hashtags e, no caso do Twitter, gifs.
  • 33
    Segmentos da notícia foram estruturados a partir de um levantamento realizado por vereadores de São Paulo, que atesta irregularidades nos autos de funcionamento de metade dos 14 hospitais vinculados à operadora de saúde Prevent Senior, à época investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de São Paulo (Tweet original disponível em: https://twitter.com/folha/status/1496945310786015236?s=20&t=Y0jiDeIhLE7mgnEO5PvQ0Q. Acesso em: 12 jul 2022).
  • 34
    Quando aparece pela segunda vez, por padrão (default), o título/chamada é representado como hiperlink.
  • 35
    Exemplos que explicam o fenômeno são descritos no artigo intitulado “Jornalismo em software”, publicado na coluna do jornalista Pedro Dória, no jornal O Globo, em 2012DÓRIA, P. Jornalismo em Software. O Globo, 23 de abril de 2012. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/jornalismo-em-software4718923#ixzz4NkkSFTwB . Acesso em: 27 fev. 2022.
    http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnol...
    (on-line).
  • 36
    A este respeito, ver o infográfico interativo produzido pelo jornal norte-americano The New York Times, intitulado Tracking the Oil Gulf Spill (“Rastreando o vazamento de petróleo no Golfo”, T. A.). A estrutura narrativa (de dados) da visualização é articulada através do uso de texto, imagem (mapa) e hiperlinks, que se desdobram dinamicamente. Disponível em: http://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/interactive/2010/05/01/us/20100501-oil-spilltracker.html?. Acesso em 25 fev.2022. O vídeo publicado no perfil do Instagram do jornal britânico The Guardian, por sua vez, combina recursos áudio-verbo-verbais e registros do discurso jornalístico, a saber: declarações do então Presidente dos EUA, Donald Trump (fonte), entre os dias 30 de janeiro e 17 de março de 2020, que se desdobram dinamicamente, em paralelo ao crescente número de casos de Coronavirus no país (partes do lead). Disponível em: https://www.instagram.com/tv/B97ENsnqaPm/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em 25 Fev.2022.
  • 37
    Tradução nossa. No original, em inglês: “a pragmatically-grounded theory of multimodal discourse”.
  • 38
    Tradução nossa. No original, em inglês: “exploring how meaning can be dynamically constructed in discourse, even when that discourse involves multiple modalities”.
  • 39
    Tradução nossa. No original, em inglês: “An overall ‘logic of discourse interpretation’”.
  • 40
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Discourse interpretation consists of a number of distinct tasks: building a logical form of the discourse; reasoning about the consequences of that logical form; reasoning about the lexical meaning; reasoning about the consequences (in terms of the speaker’s propositional attitudes) of the speaker being a rational and cooperative agent. We believe that discourse interpretation is best modeled by having several logics that ‘interact’ with each other logic being designed to do one of these particular tasks”.
  • 41
    Peirce (CP 5.171) discorre sobre tantas definições de abdução quanto necessárias. No entanto e considerando o contexto e a área de pesquisa com a qual este artigo dialoga, convém mencionar a seguinte definição, na relação e comparação com outros tipos de raciocínio sistematizados pelo autor: “Abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa. É a única operação lógica que introduz qualquer ideia nova; pois a indução não faz nada além de determinar um valor, e a dedução apenas desenvolve as consequências necessárias de uma hipótese pura. (…) A dedução prova que algo deve [must] ser; A indução mostra que algo realmente é operante; A abdução apenas sugere que algo pode [may] ser”. Tradução nossa. No original, em inglês: “Abduction is the process of forming an explanatory hypothesis. It is the only logical operation which introduces any new idea; for induction does nothing but determine a value, and deduction merely evolves the necessary consequences of a pure hypothesis. (…) Deduction proves that something must be; Induction shows that something actually is operative; Abduction merely suggests that something may be”. Decorre daí portanto o raciocínio revogável, cf. SDRT.
  • 42
    Tradução nossa. No original, em inglês: “These axiom schemata in general take the form of (7): (7) (?(α, β, λ) ∧ some stuff ) > R(α, β, λ)”. Os autores usam “some stuff” como condição existente para que uma relação retórica entre α e β se mantenha, a fim de afirmar uma evidência para a relação.
  • 43
    λ representa o contexto semântico no qual α e β estão inseridos, que inclui o conhecimento do leitor sobre o mundo quando β é apresentado.
  • 44
    “Então normalmente” é uma operação representada por > que caracteriza a inferência por raciocínio abdutivo.
  • 45
    Um exemplo de como este axioma se aplica ao discurso da notícia no Twitter será discutido adiante.
  • 46
    Tradução nossa. No original, em inglês: “So the semantic scope of a presupposition depends on which part of the context the presupposition binds to with a rhetorical relation”.
  • 47
    Tradução nossa. No original, em inglês: “All the meaning postulates will be of the form given in (27) (for various values of R), where conditions (α,β) will express some particular conditions on Kα andKβ, or on discourse referents introduced by Kα and Kβ: φR (α,β) ⇒ conditions (α,β)”.
  • 48
    Dado que o espaço dedicado a discutir cada uma destas relações retóricas em termos formais é insuficiente e visando a distingui-las de outras abordagens que empregam relações retóricas homônimas, para fins explicativos, define-se cada uma delas informalmente adiante.
  • 49
    Narração. “Informalmente, essa relação temporal é válida se os constituintes que expressam eventualidades ocorrem na sequência em que foram descritos. Tal relação pode conectar indicativos ou imperativos. Exemplo: Narração (10a, 10b) e Narração (10b, 10c). (10) a. Max entrou na sala. b. Ele se sentou. c. Ele acendeu um cigarro” (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.462). Tradução nossa. No original, em inglês: “Informally, this relation holds if the constituents express eventualities that occur in the sequence in which they were described. It can connect indicatives or requests”.
  • 50
    Elaboração. Para conhecer a descrição formal e a consequência temporal desta relação subordinada, ver: Asher e Lascarides, 2003ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., p.461. Exemplo: (8) “Max fez uma bela refeição ontem à noite. Ele comeu muito salmão”. Tradução nossa. No original, em inglês: “Max had a lovely meal last night. He ate lots of salmon”.
  • 51
    Background. “Esta relação se mantém sempre que um constituinte fornece informação sobre o estado de coisas circundante em que ocorreu a eventualidade mencionada num outro constituinte” (ASHER; LASCARIDES, 2003, p.460). Tradução nossa. No original, em inglês: “This relation holds whenever one constituent provides information about the surrounding state of affairs in which the eventuality mentioned in the other constituent occurred”.
  • 52
    Tradução nossa. No original, em inglês: “(…) for relating the forms a semiotic mode distinguishes to their contexts of use and for demarcating the intended range of interpretation of those forms”.
  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido pela Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • Parecer I
    O artigo é bastante relevante e atual, por apresentar uma proposta metodológica de análise multimodal de conteúdos jornalísticos publicados no Twitter. A proposta está muito bem formulada, ancorada em uma base teórica sólida e interessante, bem apropriada ao objeto. O texto, por vezes, até pela característica do modelo teóricometodológico, se torna um tanto abstrato, sendo interessante intensificar a associação com exemplos de análise, para torná-lo mais acessível. Ademais, vale ser feita uma revisão gramatical, para breves correções. APROVADO COM SUGESTÕES
    Kamila Bossato Fernandes - Universidade Federal do Ceará - UFC, Fortaleza, Ceará, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-9828-021X; kamila.fernandes@gmail.com
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais
    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

REFERÊNCIAS

  • ASHER, N., LASCARIDES, A. Logics of Conversation Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.277-326.
  • BATEMAN, J. A. Videoconferência no evento The Bremen-Groningen. Workshop Online. #Multimodality, 26 de fevereiro de 2021.
  • BATEMAN, J. A. Triangulating Transmediality: A Multimodal Semiotic Framework Relating Media, Modes and Genres. Context & Media, n. 20, pp.160-174, 2017.
  • BATEMAN, J. A. Methodological and Theoretical Issues in Multimodality. In: KLUG, N-M.; STÖCKL, H. (org) Handbuch Sprache im multimodalen Kontext Berlin: De Gruyter, 2016. pp.36-73.
  • BATEMAN, J. A. Genre in the Age of Multimodality. Some Conceptual Refinements for Practical Analysis. In: EVANGELIST, P. A.; BATEMAN, J.; BHATIA, V. K. (Org.) Evolution in Genre Emergence, Variation, Multimodality. Bern: Peter Lang, 2014. pp.237-170.
  • BATEMAN, J. A. Multimodality and Genre A Foundation for Systematic Analysis of Multimodality Documents. London: Palgrave McMillan, 2008.
  • BATEMAN, J. A.; WILDFEUER, J. A Multimodal Discourse Theory of Visual Narrative. Journal of Pragmatics, n. 74, p.180-208, 2014.
  • BATEMAN, J. A.; DELIN, J. HENSCHEL, R. Mapping the Multimodal Genres of Traditional and Electronic Newspapers. In: ROYCE, T. D.; BOWCHER, W. L. (eds). New Directions in the Analysis of Multimodal Discourse Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2007. pp.147-172.
  • BATEMAN, J.; WILDFEUER, J.; HIIPPALA, T. Multimodality. Foundations, Research and Analysis A Problem-Oriented Introduction. Berlin/Boston: De Gruyter Mouton, 2017.
  • DÓRIA, P. Jornalismo em Software. O Globo, 23 de abril de 2012. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/jornalismo-em-software4718923#ixzz4NkkSFTwB . Acesso em: 27 fev. 2022.
    » http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/jornalismo-em-software4718923#ixzz4NkkSFTwB
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2022
  • Aceito
    06 Set 2022
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