Resumo:
Atualmente, educação científica e alfabetização científica estão estritamente relacionadas. Mesmo não sendo expressões sinônimas, nem mutuamente exclusivas, a correlação é enfatizada ao tratar-se do ensino de ciências. Assim, supõe-se que uma educação científica ideal pode promover a alfabetização científica. Entretanto, uma análise das principais referências da área mostra que tais conceitos não estão suficientemente claros quando é considerada a prática do professor. Neste artigo, apresentamos um estudo da literatura e mostramos que há uma lacuna entre propostas teóricas sobre alfabetização científica e ações reais do professor em aulas de ciências. Observamos ainda que não há consenso para afirmar quando um estudante pode ser considerado “cientificamente alfabetizado”.
Palavras-chave:
alfabetização científica; educação científica; avaliação
Abstract:
Nowadays, scientific education and scientific literacy are closely related, in spite of the fact that these expressions are not interchangeable or mutually exclusive. The correlation between these expressions lies on the fact that both deal with science teaching. Thus, it is the general belief that an ideal science education promotes scientific literacy. However, from the perspective of the educator’s practice, an analysis of the main references in the field show that such concepts are not properly defined. This paper presents a study of the literature and demonstrates that there is a gap between theoretical propositions on scientific literacy and educators’ real-life actions in class. This study also demonstrates that there is no consensus in establishing when a student may be qualified as ‘scientific literate’.
Keywords:
scientific literacy; science education; evaluation
Introdução
De acordo com documentos da Organization for Economic Cooperation and Development (OECD, 2001)ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Knowledge and skills for life: first results from PISA 2000. Paris: OECD Publications, 2001., promover a alfabetização científica implica criar alternativas para o ensino e a aprendizagem das ciências de forma contextualizada, por meio de situações-problema que valorizem os conhecimentos prévios e fatos do cotidiano dos alunos. É oferecer oportunidades para construção de senso crítico e autônomo do estudante, visando prepará-lo para enfrentar os desafios da sociedade moderna dentro e fora da escola.
Do ponto de vista de documentos pedagógicos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as diretrizes curriculares, a alfabetização científica se expressa mediante o desenvolvimento de competências e habilidades argumentativas, que permitem ao estudante questionar a ciência e a tecnologia no contexto em que vive, e está diretamente relacionada à educação em ciências.
De maneira geral, a hipótese assumida por documentos econômicos e/ou pedagógicos é que uma educação em ciências de forma contextualizada levaria o estudante a entender os conceitos científicos, aplicá-los em seu dia a dia e questionar a utilização da ciência e da tecnologia em políticas públicas ou outras ações que envolvam responsabilidade social. Assim, é dado ao ensino de ciências um papel emancipatório e ao mesmo tempo influenciável por políticas governamentais de ciência, educação e tecnologia.
Sendo a alfabetização e a educação científica tão importantes, a pesquisa acadêmica atual tem se dedicado ao estabelecimento de definições e parâmetros que possam delimitar melhor, teoricamente, ideais para o ensino de ciências com vistas à alfabetização científica preconizada. No entanto, uma análise dos trabalhos relacionados a esse tema mostra que ainda há várias lacunas, principalmente no que diz respeito às ações práticas e sua avaliação.
Neste trabalho, apresentamos uma revisão da literatura que buscou encontrar os consensos e as controvérsias entre os diferentes teóricos da área, considerando os ideais de ensino de ciências implícitos no conceito de alfabetização científica adotado.
Alfabetização científica ou letramento científico
A expressão scientific literacy pode ser traduzida no Brasil como alfabetização científica ou letramento científico. Enquanto o termo scientific permanece relacionado à ciência mesmo após sua tradução, tendendo a diferentes interpretações de cunho histórico e epistemológico, a importação do termo literacy da literatura estrangeira trouxe consigo problemas, uma vez que pode ser traduzido como alfabetização ou letramento. Literacy significa, no dicionário, a habilidade para ler e escrever.1 1 Cambridge International Dictionary of English and Oxford Thesaurus Dictionary. No entanto, no contexto atual em que vivemos, a habilidade para ler e escrever carrega vários significados que perpassam tanto os diferentes modos pelos quais a comunicação é feita quanto as circunstâncias em que ela se dá.
Segundo Kress (2005KRESS, G. Before writing: rethinking the paths to literacy. London: Routledge, 2005.), a comunicação se dá além da linguagem comum, mas de forma múltipla (multimodo), por meio do visual e do sinestésico, pela ação. Não é possível desvincular esses modos do contexto em que ocorrem, uma vez que a comunicação é por si própria uma prática social. Para Street (1984STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984., 2009STREET, B. V. The future of ’social literacies’. In: BAYNHAM, M.; PRINSLOO, M. The future of literacy studies. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009. p. 21-37.), ensinar a habilidade de ler e escrever (literacy) - ou seja, ensinar a se comunicar usando os diferentes modos - carrega as intenções daquele que promove o ensino. Essas intenções podem ser de forma velada, num processo autônomo, disfarçando suas hipóteses culturais e ideológicas sob o argumento de que aprender a ler e escrever é neutro e universal. Também podem ocorrer de forma ideológica, entendendo que o comunicar-se é uma prática social que acontece sob diferentes princípios, socialmente construídos (Street, 2009)STREET, B. V. The future of ’social literacies’. In: BAYNHAM, M.; PRINSLOO, M. The future of literacy studies. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009. p. 21-37.. Ao tratarem de um nível de comunicação acadêmico, Lea e Street (2006LEA, M. R.; STREET, B. V. The "academic literacies" model: theory and applications. Theory Into Practice, Columbus, v. 45, n. 4, p. 368-377, 2006.) argumentam que o comunicar-se pela leitura e escrita carrega questões referentes à posição social.2 2 Soares (2004) apresenta as diferenças entre os termos inglês e francês e o contexto em que ocorreram.
No Brasil, os termos letramento e alfabetização, quando relacionados à linguística e à educação da língua materna, mesclam-se e confundem-se sob diferentes circunstâncias (Soares, 2004SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf>.
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). Apesar de os dois processos - letramento e alfabetização - ocorrerem de forma simultânea e serem produto do contexto social, Soares (2004)SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf>.
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argumenta que são de natureza distinta, exigindo diferentes competências. Assim, no âmbito da aprendizagem inicial da língua, a alfabetização pode ser entendida como aquisição e apropriação em um contexto social, enquanto o letramento, como o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita nas práticas sociais (Kleiman, 1995KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.; Grando, 2012GRANDO, K. B. O letramento a partir de uma perspectiva teórica: origem do termo, conceituação e relações de escolarização. In: ANPED SUL: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9.,2012, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2012. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/3275/235>.
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). Soares (2009SOARES, M. O que é letramento e alfabetização. In: SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 27-60, p. 39-40) retoma
a grande diferença entre alfabetização e letramento, entre alfabetizado e letrado [se necessário, reveja as p. 36, 38]: um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita [grifo do autor].
Ainda que em desacordo com a literatura sobre literacy no campo da educação e linguística, a comunidade de pesquisa em ensino de ciências apropriou-se do termo, atribuindo-lhe um significado de “competência em determinado campo”, no caso, as ciências naturais. Nesse sentido, traduziram-no como alfabetização ou letramento científicos.
Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
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) argumenta que as expressões alfabetização científica e letramento científico têm significados diferentes e estão de acordo, por exemplo, com os interesses tanto dos autores que escrevem a respeito quanto da política e economia vigentes. Mas, para esse mesmo autor, o letramento científico vai além do domínio da linguagem científica, o que ele alega ser a única proposta da alfabetização científica.
Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
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) considera, ainda, que por meio do letramento científico é destacada a função social das ciências e das tecnologias, pois é dito que o conhecimento científico está entrelaçado com os aspectos sociais e ambientais e que o desenvolvimento de uma educação científica acontece pelas influências entre as ciências, as tecnologias e a sociedade. Portanto, percebemos em Santos (2007)SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
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uma similaridade com a afirmação de Soares (2009SOARES, M. O que é letramento e alfabetização. In: SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 27-60), ao compreender o conhecimento científico como a competência a ser apropriada pelo aluno.
A alfabetização baseada na leitura de Paulo Freire está relacionada à necessidade emancipatória das classes dominadas (Maciel, 2011MACIEL, K. F. O pensamento de Paulo Freire na trajetória da educação popular. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 2, n. 2, p. 326-344, 2011.; Freire, 2015). Nesse sentido, o indivíduo alfabetizado precisa conhecer e dominar a linguagem para poder interpretar o sentido explícito e implícito dela no seu contexto social. Alguns autores se apropriam desse significado de alfabetização para o ensino de ciências, associando-o à necessidade de inclusão dessas classes no desenvolvimento técnico-científico vigente, evitando que essas sejam dominadas pela falta de conhecimento. Nesse caso, a alfabetização científica acaba por assumir intenção ideológica e de status, mencionadas na literacy de Street (1984STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984., 2009STREET, B. V. The future of ’social literacies’. In: BAYNHAM, M.; PRINSLOO, M. The future of literacy studies. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009. p. 21-37.).
O trabalho de Lorenzetti e Delizoicov (2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001.), em que foi adotada a expressão alfabetização científica, apresenta uma abordagem direcionada para um contexto de letramento, pois os autores argumentam que esse seria o uso que as pessoas fazem em seu contexto social da leitura e da escrita e que não é preciso saber ler e escrever para que se construam conhecimentos científicos na educação básica. Acrescentam, ainda, que o letramento transcende a alfabetização e que o letramento científico se refere “à forma como as pessoas utilizarão os conhecimentos científicos, melhorando a sua vida ou auxiliando na tomada de decisões frente a um mundo em constante mudança” (Lorenzetti; Delizoicov, 2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001., p. 8). Portanto, para esses autores, no campo das ciências naturais, alfabetização e letramento são independentes e não precisam, necessariamente, ocorrer simultaneamente.
Sasseron e Carvalho (2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008., 2011a) consideram que o ensino de ciências precisa estar voltado para a construção de conhecimentos práticos que tragam benefícios aos indivíduos, à sociedade e ao ambiente, por meio da alfabetização científica ou do letramento científico.
De acordo com Teixeira (2013TEIXEIRA, F. M. Alfabetização científica: questões para reflexão. Ciência & Educação , Bauru, v. 19, n. 4, p. 795-809, 2013.), essas expressões são apenas variações de vocábulos para se referir ao ensino de ciências na educação básica, portanto, não apresentam diferenças entre si, seja de sentidos, seja de especificidades, isto é, o próprio ensino de ciências já pressupõe alfabetização e letramento acerca da área.
Entendemos que scientific literacy é um conceito específico da área de ensino de ciências, que se apropria das discussões da área de linguística e ensino de língua materna, adotando o termo literacy como discutido por Street (1984STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.) e Kress (2005KRESS, G. Before writing: rethinking the paths to literacy. London: Routledge, 2005.), juntamente com as demandas atuais acerca do conhecimento sobre ciências. Desse modo, transforma-se num conceito que expressa uma educação científica com pretensões de que o aluno entenda a ciência e se aproprie dela. Porém, não se trata apenas de uma educação científica neutra e autônoma. O conhecimento científico precisa estar inserido num contexto sócio-histórico, de forma a tornar explícitas a ideologia e as consequências das ações que envolvem decisões técnico-científicas.
Na perspectiva de Soares (2004SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf>.
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, 2009), o conceito corresponderia a tornar o aluno alfabetizado e letrado em ciências, uma vez que ele não só saberia acerca da área, como também a utilizaria para tomar decisões que afetem sua prática social. Dessa maneira, scientific literacy seria assegurar que todas as pessoas se apropriassem da ciência, independentemente de seu status social. Na verdade, assinala-se que o conhecimento científico deveria ser um meio para atingir a formação de indivíduos críticos com capacidades de analisar e relacionar informações e encontrar alternativas mais adiante (Teixeira, 2013TEIXEIRA, F. M. Alfabetização científica: questões para reflexão. Ciência & Educação , Bauru, v. 19, n. 4, p. 795-809, 2013.).
Por que e para quem promover a alfabetização científica?
Há várias inquietações no que diz respeito à renovação no ensino de ciências, divergências relacionadas, por exemplo, a por que, para quem e como oferecer ou promover seja a alfabetização científica, seja o letramento científico. Essa ideia tem que ser adotada como uma situação de urgência, pois a aprendizagem das ciências, no contexto da alfabetização científica, é considerada um direito de todos, tanto dos alunos da educação básica quanto da população em geral (Importância..., 2005IMPORTÂNCIA da educação científica na sociedade actual. In: CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. p. 19-34. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Perez36/publication/291833015_A_Necessaria_Renovacao_do_Ensino_das_Ciencias/links/572b4e5608ae2efbfdbdd2f7.pdf>.
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). Seguindo nessa direção, teríamos uma alternativa de construir um futuro desenvolvido e sustentável.
A proposta de alfabetização científica é, portanto, a de construir conhecimentos científicos numa perspectiva mais ampla e interessante e, por meio disso, formar indivíduos com condições de discutir sobre vários assuntos e tomar decisões diante dos fatos (polêmicos) apresentados.
Para a participação de cidadãos em debates diversos - por exemplo, que versem acerca dos avanços científicos e tecnológicos e suas influências na sociedade e no ambiente - e para seu posicionamento crítico diante dos problemas apresentados, é necessário apenas um mínimo de conhecimentos específicos, com abordagens gerais e éticas, sem a exigência de alguma especialização. Além disso, vários casos na história da ciência3
3
Na página 124 de Garcia Palacios et al. (2003), é possível encontrar uma lista de problemas trazidos à tona pela ciência.
demonstram que ser dotado de conhecimentos científicos específicos, como os que têm os especialistas em uma determinada área, não é garantia de decisões adequadas ou coerentes (Importância..., 2005IMPORTÂNCIA da educação científica na sociedade actual. In: CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. p. 19-34. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Perez36/publication/291833015_A_Necessaria_Renovacao_do_Ensino_das_Ciencias/links/572b4e5608ae2efbfdbdd2f7.pdf>.
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).
Segundo Hurd (1958HURD, P. D. Scientific literacy: its meaning for American schools. Educational Leadership, Washington, n. 16, p. 13-16, Oct. 1958. ),4 4 Segundo Laugksch (2000), esse seria o primeiro artigo em que a expressão scientific literacy aparece. o futuro do progresso em ciência e em tecnologia na década de 1960 seria dependente de uma educação apropriada ao conhecimento de mudanças de uma revolução científica emergente. Os avanços da ciência conduziam para novos horizontes e estabeleciam novas áreas para conquistas intelectuais, o que exigiria um plano educacional para sustentar o ciclo de conquistas.
Mais esforços são demandados para escolher experiências de aprendizagem que tenham valor particular para o desenvolvimento de uma apreciação da ciência como conquista intelectual e procedimento para exploração e descobertas, ilustrando o espírito do esforço científico (Hurd, 1958HURD, P. D. Scientific literacy: its meaning for American schools. Educational Leadership, Washington, n. 16, p. 13-16, Oct. 1958. ).
Em outro trabalho, Hurd (1998HURD, P. D. Scientific literacy: new minds for a changing word. Science Education, n. 82, p. 407-416, 1998.) também argumenta que a alfabetização científica (scientific literacy) representa capacidades cognitivas para a utilização de informações da ciência e tecnologia em esforços humanos e para o progresso social e econômico, pois a natureza da pesquisa em ciência e tecnologia estaria focada principalmente no uso funcional em termos de aplicação para o bem-estar humano e o bem comum.
Ainda que em épocas distintas, num intervalo de 40 anos, os argumentos de Hurd (1958HURD, P. D. Scientific literacy: its meaning for American schools. Educational Leadership, Washington, n. 16, p. 13-16, Oct. 1958. , 1998) representam uma visão de ciência diferente da que temos atualmente. Uma alfabetização científica que tem implícita uma visão de ciência voltada para o progresso e o avanço carrega em si um ideal positivista. Trabalhos recentes envolvendo alfabetização científica numa perspectiva crítica incluem em sua pauta o questionamento da ciência como propulsora do avanço da sociedade, diante dos males que a mesma ciência causou após a Segunda Guerra Mundial, principalmente (Santos, 2008SANTOS, W. L. P. Educação científica humanística em uma perspectiva freireana: resgatando a função do ensino de CTS. Alexandria: Revista de Educação em Ciências e Tecnologia, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 109-131, 2008.). Essa diferença de compreensão da expressão alfabetização científica em Hurd (1958HURD, P. D. Scientific literacy: its meaning for American schools. Educational Leadership, Washington, n. 16, p. 13-16, Oct. 1958. , 1998HURD, P. D. Scientific literacy: new minds for a changing word. Science Education, n. 82, p. 407-416, 1998.) e Santos (2008)SANTOS, W. L. P. Educação científica humanística em uma perspectiva freireana: resgatando a função do ensino de CTS. Alexandria: Revista de Educação em Ciências e Tecnologia, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 109-131, 2008. exemplifica a intenção ideológica contida numa das formas de literacy discutidas por Street (1984STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984., 2009STREET, B. V. The future of ’social literacies’. In: BAYNHAM, M.; PRINSLOO, M. The future of literacy studies. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2009. p. 21-37.)
Sasseron e Carvalho (2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008.) argumentam que o ensino de ciências deve ser promovido na perspectiva de formar cidadãos para a atual realidade, portanto, é preciso oferecer muito mais que noções ou conceitos científicos. Os alunos precisam ter a oportunidade de aprender mais sobre a ciência e a tecnologia e suas relações com a sociedade e com o meio ambiente, bem como aprender a discutir, pensar e se posicionar de forma crítica diante dos fatos demonstrados.
Apesar de feitos em diferentes momentos históricos, os argumentos de Hurd (1958HURD, P. D. Scientific literacy: its meaning for American schools. Educational Leadership, Washington, n. 16, p. 13-16, Oct. 1958. , 1998) e Sasseron e Carvalho (2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008.) para a alfabetização científica necessária são semelhantes quanto ao caráter utilitário e progressista do conhecimento científico.
Já para Auler e Delizoicov (2001AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001.), a alfabetização científica e tecnológica tem se apresentado por meio de vários significados ou abordagens, como os seguintes: popularização da ciência, divulgação científica, entendimento público da ciência e democratização da ciência. Contudo, promover a alfabetização científica na sociedade torna-se necessário em razão dos avanços científicos e tecnológicos, e democratizar esses conhecimentos é considerado fundamental.
Para Chassot (2003CHASSOT, A. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 22, p. 89-100, 2003.), entender a ciência ajudaria a ter controle e fazer previsões das transformações que acontecem na natureza, de modo que seria possível viabilizar ações em prol de uma melhor qualidade de vida. A alfabetização científica é uma forma de potencializar alternativas que busquem promover uma educação com compromisso, principalmente no ensino fundamental. Para o autor, corroborando nossa conjectura, a ciência é uma linguagem. Então, uma pessoa alfabetizada cientificamente saberia fazer uma leitura da natureza e, consequentemente, compreenderia melhor as manifestações do universo.
A alfabetização científica proporciona também a inclusão social, isto é, mediante esse processo a ciência seria entendida por todos, o que possibilitaria, portanto, que cada indivíduo fizesse parte do mundo, verdadeiramente. A alfabetização científica contribui para uma compreensão da ciência, dos seus procedimentos e valores, construindo uma percepção tanto das aplicações da ciência e da tecnologia, aumentando a qualidade de vida das pessoas, quanto dos seus impactos negativos, sobretudo na sociedade e no meio ambiente, facilitando, assim, a tomada de decisões diante dos fatos apresentados (Chassot, 2003CHASSOT, A. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 22, p. 89-100, 2003.).
Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.), condensando as opiniões anteriores, indica que há controvérsias quanto ao ensino de ciências e apresenta duas perspectivas relacionadas às suas finalidades: promover a alfabetização científica, buscando a formação, a inserção e o desenvolvimento de competências do cidadão na sociedade; e formar especialistas e cientistas ou construir carreiras envolvendo as ciências e as tecnologias. Porém, o autor afirma que essas duas perspectivas para o ensino de ciências - formar cidadãos ou cientistas -, apesar de serem frequentemente opostas, são consideradas complementares. Adota a opinião de que a melhor maneira para alcançar uma formação científica seria, talvez, priorizar a alfabetização científica.
Para Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.), busca-se por meio da alfabetização científica construir uma cultura de grupo ou uma cultura cidadã das coletividades, capacitando os indivíduos a se organizarem social e politicamente diante dos fatos científicos e tecnológicos expostos.
Uma conclusão parcial permite afirmar que os pesquisadores que adotaram a expressão alfabetização científica estão à procura de viabilizar a construção de conhecimentos referentes à ciência e à tecnologia, indo além da reprodução de conceitos científicos sem significados e sem utilidade, isto é, buscam apresentar e discutir cuidadosamente os assuntos da ciência, possibilitando a compreensão de sentidos e aplicações para entender o mundo (Lorenzetti; Delizoicov, 2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001.). Também visam a superar o desinteresse dos alunos pelos estudos científicos e as visões deformadas do processo de construção desse conhecimento (Importância..., 2005)IMPORTÂNCIA da educação científica na sociedade actual. In: CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. p. 19-34. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Perez36/publication/291833015_A_Necessaria_Renovacao_do_Ensino_das_Ciencias/links/572b4e5608ae2efbfdbdd2f7.pdf>.
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De acordo com Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.), a alfabetização científica poderia atingir os seguintes objetivos: desenvolver no discente competências de entendimento do mundo técnico-científico para saber usufruir desses conhecimentos e decodificar o próprio universo, tornando-o menos misterioso, como também construir uma autonomia crítica do indivíduo na sociedade e familiarizá-lo com os avanços da ciência (objetivos humanistas); minimizar as discrepâncias decorrentes da falta de entendimento das ciências e tecnologias, ajudando os sujeitos a se organizarem, e oferecer meios para a participação desses em debates que necessitam de conhecimentos e de um raciocínio lógico (objetivos sociais); e contribuir para a participação das pessoas na produção do mundo industrializado, assim como viabilizar o desenvolvimento de vocações científicas e tecnológicas consideradas importantes à produção de bens (objetivos econômicos e políticos).
Como promover e avaliar a alfabetização científica
Segundo a literatura da área, as propostas para desenvolver ou promover a alfabetização científica ou o letramento científico podem ser concretizadas por meio de práticas problematizadoras e investigativas, além da abordagem de aspectos históricos referentes à ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTSA), apontando os obstáculos encontrados durante o desenvolvimento da ciência (Importância..., 2005IMPORTÂNCIA da educação científica na sociedade actual. In: CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. p. 19-34. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Perez36/publication/291833015_A_Necessaria_Renovacao_do_Ensino_das_Ciencias/links/572b4e5608ae2efbfdbdd2f7.pdf>.
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).
Sasseron e Carvalho (2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008.) também apresentam as atividades investigativas e o trabalho com sequências didáticas interdisciplinares que levam à problematização, além da abordagem histórica e que envolva a relação CTSA, como ações que desenvolveriam a alfabetização científica.
Essas autoras identificam alguns pontos comuns que devem ser considerados entre as diversas definições de alfabetização científica. Esses pontos são chamados de eixos estruturantes da alfabetização científica e envolvem uma compreensão básica dos termos, conhecimentos e conceitos científicos, da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circulam sua prática, e das relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente.
Já Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
), na perspectiva de letramento científico, argumenta que por meio do enfoque ciência-tecnologia-sociedade (CTS) é possível construir uma educação científica crítica e com função social. Essa abordagem viabiliza a formação de cidadãos para participarem de decisões democráticas referentes às ciências e às tecnologias e para questionarem a ideologia dominante do desenvolvimento tecnológico.
Ainda, para o autor citado, não se trataria apenas de preparar o indivíduo para aprender a lidar com ferramentas tecnológicas ou desenvolver representações que o preparem para absorver novas tecnologias. Muito embora seja o que se tem trabalhado nas escolas, esse tipo de metodologia de ensino restringe o ensino de ciências ao conhecimento de princípios de funcionamento de aparatos tecnológicos. Para que houvesse o letramento científico, segundo Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
), também seria necessária uma breve apresentação aos alunos de como o conhecimento científico está presente em diferentes recursos tecnológicos do seu dia a dia, influenciando em aspectos sociais, políticos e econômicos.
Por outro lado, Auler e Delizoicov (2001AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001., p. 123) falam em superação de mitos por meio da reflexão e problematização dessas “manifestações da concepção de neutralidade da ciência e tecnologia”, a qual os autores consideram equivocada. A adoção da neutralidade ou não neutralidade da ciência e tecnologia proporciona encaminhamentos diferenciados ao ensino de ciências, como também, se feita de maneira indevida, pode levar a alfabetização científico-tecnológica ao reducionismo (Auler; Delizoicov, 2001)AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001..
Tais mitos identificados por esses pesquisadores são: a superioridade do modelo de decisões tecnocráticas, a perspectiva salvacionista da ciência e tecnologia e o determinismo tecnológico. Sendo assim, a alfabetização científica e tecnológica pode ser desenvolvida ou numa perspectiva reducionista, ignorando, portanto, esses mitos, limitando-se ao ensino de conceitos e de informações técnicas; ou numa perspectiva ampliada, em que é considerada uma concepção progressista da educação, isto é, a problematização desses mitos permite uma compreensão mais consistente sobre a ciência e a tecnologia e suas relações com a sociedade e com o ambiente (Auler; Delizoicov, 2001AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001.).
De acordo com Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
), para uma educação científica na perspectiva de letramento científico, visando à prática social, são necessárias algumas mudanças no modelo atual de ensino de ciências que predomina nas escolas brasileiras. Tais mudanças, principalmente metodológicas, envolvem considerações relativas à natureza da ciência, à linguagem científica e aos aspectos sociocientíficos.
Contudo, implantadas essas modificações, torna-se um desafio medir o “grau” de alfabetização científica/letramento científico da população escolarizada, que precisaria ir além da aprovação em exames internacionais e convencionais. Seria preciso superar um ensino escolar das ciências descontextualizado e que trabalha por meio de resolução ritualística de exercícios, o que leva a uma maneira enfadonha e desinteressante de “aprender” sobre as ciências (Santos, 2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
).
De toda forma, os alunos têm o direito de saber, mais profundamente, sobre as ciências e as tecnologias, independentemente de suas limitações. Mesmo diante de muitos obstáculos, cabe ao professor firmar um compromisso e oferecer da melhor forma possível um ensino de ciências com qualidade e responsabilidade.
Apesar de apontar a possibilidade de uma abordagem que visa à alfabetização científica, os autores lidos não esclarecem a ação do professor para atingir esse objetivo. Do nosso ponto de vista, entendemos que trabalhar com os alunos textos científicos sobre assuntos que estejam relacionados com os conteúdos vivenciados durante a aula, além dos textos dos livros didáticos, é uma forma de aprofundar os conhecimentos científicos específicos e contemplar um contexto histórico do desenvolvimento da ciência.
Considera-se interessante ainda solicitar aos estudantes, com antecedência, matérias de jornais e revistas e notícias da internet acerca dos assuntos a serem estudados. Discutir com os alunos, durante as aulas, sobre os prós e contras do uso da ciência e tecnologia, fazendo uma abordagem comparativa entre os dias atuais e décadas anteriores, poderia suscitar a curiosidade e a formação de um pensamento crítico.
Nessas circunstâncias, a alfabetização científica torna-se um conjunto de alternativas que busca favorecer a aprendizagem das ciências na educação básica, que inclui desde assuntos de interesse dos estudantes até aulas dinâmicas e atrativas, possibilitando a participação de todos.
A escola deve viabilizar ações que permitam o acesso às informações científicas, buscando interagir com os espaços considerados não formais (museus, zoológico, programas de televisão, internet etc.), indo além das bibliotecas escolares e públicas, embora essas sejam igualmente importantes. Também deve desenvolver atividades pedagógicas como aulas práticas, saídas de campo, feiras de ciências, entre outras (Lorenzetti; Delizoicov, 2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001.).
Espera-se que tais práticas possam colaborar na construção de conhecimentos dos alunos de maneira ampliada e questionadora. Para os professores cabe elaborar estratégias que propiciem o entendimento das ciências como parte da realidade dos alunos, ou seja, fazer com que o estudante perceba que a ciência não é um assunto distante do seu mundo e que ele consiga entender e aplicar os conceitos científicos básicos no cotidiano, desenvolvendo hábitos de um indivíduo cientificamente instruído (Lorenzetti; Delizoicov, 2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001.).
Para Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.), são estratégias interessantes para a ação dos professores procurar diminuir a distância entre o mundo dos cientistas e a cultura popular, proporcionar experiências com a prática de debates e desenvolver competências para transpor uma situação para outra. As disciplinas científicas são marcadas como dominantes e gestoras racionais do mundo, o que está em desacordo com a visão contextualizada de ciência. O autor argumenta que as ciências precisam considerar mais as diferenças de contextos relacionadas às posições sociais e aos aspectos externos interligados, bem como superar um ensino que acumula resultados.
Precisamos, portanto, formar indivíduos com competências mais gerais, por exemplo, “‘saber construir uma representação clara [...] de uma situação concreta’, ‘saber cruzar [...] conhecimentos padronizados das ciências e das abordagens singulares de usuários’, [...] ‘saber utilizar os saberes estabelecidos para esclarecer uma decisão ou um debate’” (Fourez, 2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003., p. 117).
Outros julgamentos são feitos por Fourez (2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.), como a supervalorização das experiências científicas, ignorando, portanto, os aspectos teóricos das ciências. Na verdade, não se discutem os objetivos da abordagem experimental, mas talvez sua prática realizada de forma errônea. De maneira também equivocada, discute-se um ensino de ciências que não viabiliza uma formação para as tecnologias, pois se diz que o mundo em que os estudantes vivem é uma tecno-natureza. Sendo assim, considerar as tecnologias como mera aplicação das ciências é contribuir para um ensino desarticulado e limitado.
Levar em consideração ainda os debates sobre as visões epistemológicas relativas ao ensino de ciências, o conteúdo dos cursos de formação de professores da área e os assuntos de ciências a serem trabalhados com os alunos de um modo geral e viabilizar, de fato, uma prática interdisciplinar são ações julgadas pertinentes, logo, são possibilidades de renovar a educação científica (Fourez, 2003FOUREZ, G. Crise no ensino de ciências? Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 109-123, 2003.). Contudo, diante dos diversos conceitos apresentados sobre a alfabetização científica e das propostas de atividades para promovê-la, entre outros tópicos, identificamos uma lacuna na literatura, ou seja, a maioria dos trabalhos pesquisados não apresenta formas de avaliar uma pessoa como alfabetizada cientificamente e, segundo Santos (2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
), torna-se um grande desafio essa “medição”.
Alguns pesquisadores argumentam em seus trabalhos que, para esse tipo de análise, habilidades ou competências classificadas como indicadores da alfabetização científica podem ser conferidas por meio do discurso dos professores e dos estudantes durante o processo de ensino e aprendizagem das ciências (Sasseron; Carvalho, 2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008., 2011a; Souza; Sasseron, 2012SOUZA, V. F. M.; SASSERON, L. H. As interações discursivas no ensino de física: a promoção da discussão pelo professor e a alfabetização científica dos alunos. Ciência & Educação , Bauru, v. 18, n. 3, p. 593-611, 2012.). O que ainda não está claro é se a avaliação em estudos de casos específicos, utilizando os indicadores, pode ser generalizada para atitudes em sociedade, ou seja, se a averiguação da construção de argumentos em atividades de sala de aula significa que os alunos poderão estender sua compreensão em casos de decisões tecnocientíficas nacionais.
Estado da arte sobre alfabetização científica no Brasil
Além das principais referências sobre o tema já reconhecidas na literatura, discutidas anteriormente, foi realizado a partir de março de 2015 um levantamento de artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais que abordam a alfabetização científica entre os anos de 2010 e 2015, período em que não há registros de pesquisa semelhante à que propomos. As expressões utilizadas para a busca foram “alfabetização científica”, “scientific literacy” e “alfabetización científica”, procuradas em títulos, palavras-chave e resumos dos artigos.
A pesquisa foi feita em revistas classificadas em Qualis A1, A2, B1 e B2, de acordo com o triênio 2013-2015, avaliadas na área Educação, e que incluem a produção de trabalhos em educação, ensino de ciências, ensino por investigação, ciência e tecnologia, pesquisa e experiências/experimentação/experimentos.
Obtivemos um total de 11 revistas, entre as 35 acessadas, via Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que apresentaram os requisitos estabelecidos para a busca, e apenas 35 artigos, entre nacionais e internacionais, foram encontrados com as expressões mencionadas.
Destacamos que a maioria desses trabalhos5 5 Apresentamos aqui apenas a análise dos trabalhos em periódicos nacionais. A análise completa encontra-se na dissertação em desenvolvimento. apresenta propostas de atividades na justificativa de desenvolver a alfabetização científica. Identificamos ainda estudos de revisão bibliográfica que discutem as principais referências internacionais e esclarecem a origem da expressão alfabetização científica e suas características. Porém, são raras as pesquisas que refletem uma avaliação que acuse a alfabetização científica do aluno.
Vários trabalhos indicaram a abordagem CTS como promotora da alfabetização científica (Auler; Delizoicov, 2001AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001.; Importância..., 2005IMPORTÂNCIA da educação científica na sociedade actual. In: CACHAPUZ, A. et al. (Orgs.). A necessária renovação do ensino das ciências. São Paulo: Cortez, 2005. p. 19-34. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Perez36/publication/291833015_A_Necessaria_Renovacao_do_Ensino_das_Ciencias/links/572b4e5608ae2efbfdbdd2f7.pdf>.
https://www.researchgate.net/profile/Dan...
; Santos, 2007SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 12, n. 32, p. 474-492, set./dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a07v1236.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n36/a0...
; Sasseron; Carvalho, 2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008., 2011aSASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica: uma revisão bibliográfica. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 59-77, 2011a., 2011bSASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Construindo argumentação na sala de aula: a presença do ciclo argumentativo, os indicadores de alfabetização científica e o padrão de Toulmin. Ciência & Educação , Bauru, v. 17, n. 1, p. 97-114, 2011b.), na perspectiva de superar tanto o desinteresse dos alunos pelos estudos científicos quanto as visões deformadas do processo de construção do conhecimento científico e tecnológico. Porém, na busca feita entre 2010 e 2015, apenas o trabalho de Watanabe et al. (2010WATANABE, G. et al. Articulação centro de pesquisa: escola básica: contribuições para a alfabetização científica e tecnológica. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 1-9, 2010. Disponível em: <http://www.producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/11917/art_CARAMELLO_Articulacao_Centro_de_Pesquisa_Escola_Basica_contribuicoes_2010.pdf?sequence=1>.
http://www.producao.usp.br/bitstream/han...
) apresentou esse enfoque por meio de um exemplo prático. Outros propõem a realização de atividades extraclasse e a interdisciplinaridade (Lorenzetti; Delizoicov, 2001LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 37-50, jun. 2001.; Watanabe et al., 2010WATANABE, G. et al. Articulação centro de pesquisa: escola básica: contribuições para a alfabetização científica e tecnológica. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 1-9, 2010. Disponível em: <http://www.producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/11917/art_CARAMELLO_Articulacao_Centro_de_Pesquisa_Escola_Basica_contribuicoes_2010.pdf?sequence=1>.
http://www.producao.usp.br/bitstream/han...
; Milaré; Alves Filho, 2010MILARÉ, T.; ALVES FILHO J. P. Ciências no nono ano do ensino fundamental: da disciplinaridade à alfabetização científica e tecnológica. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 101-120, maio/ago. 2010.).
Já no trabalho de Aires e Lambach (2010AIRES, J. A.; LAMBACH, M. Contextualização do ensino de química pela problematização e alfabetização científica e tecnológica: uma possibilidade para a formação continuada de professores. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, jan./abr. 2010. Disponível em: <https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/article/download/2182/1582>.
https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/art...
), foram abordados os pressupostos da alfabetização científica e tecnológica numa perspectiva freireana em um curso de formação continuada de professores. Segundo os autores, trata-se de uma estratégia interessante para superar uma educação bancária - a memorização de conteúdo - e possibilitar a formação cidadã, assim como procurar valorizar as relações entre os conteúdos específicos e o contexto social, econômico, cultural do qual os estudantes fazem parte.
Por outro lado, outros pesquisadores (Oliveira, 2010OLIVEIRA, M. A. Alfabetização científica no clube de ciências do ensino fundamental: uma questão de inscrição. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 11-26, maio/ago. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epec/v12n2/1983-2117-epec-12-02-00011.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/epec/v12n2/1983...
; Buch; Schroeder, 2013BUCH, G. M.; SCHROEDER, E. Clubes de ciências e alfabetização científica: concepções dos professores coordenadores da rede municipal de ensino de Blumenau (SC). Experiências em Ensino de Ciências, Cuiabá, v. 8, n. 1, p. 72-86, abr. 2013.) destacam o desenvolvimento de um Clube de Ciências em que são realizadas atividades em laboratório didático ou experimentos em laboratório. As atividades fazem parte de uma proposta que reúne um conjunto de ações que visam à dinamização, buscando, portanto, proporcionar um espaço de oportunidades para os alunos desenvolverem habilidades científicas e construírem conhecimentos.
No trabalho de Gadéa e Dorn (2011GADÉA, S. J. S.; DORN, R. C. Alfabetização científica: pensando na aprendizagem de ciências nas séries iniciais através de atividades experimentais. Experiências em Ensino de Ciências , Cuiabá, v. 6, n. 1, p. 113-131, mar. 2011. Disponível em: <http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID136/v6_n1_a2011.pdf>.
http://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_I...
), há um incentivo para ensinar ciências por meio de atividades experimentais logo nas séries iniciais da educação básica a fim de viabilizar o desenvolvimento da alfabetização científica. Parte-se do pressuposto de que pelo processo interativo os conceitos são compreendidos de forma mais clara, mesmo nas séries iniciais.
Encontramos, ainda, trabalhos que se restringem à revisão de literatura (Sasseron; Carvalho, 2011aSASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica: uma revisão bibliográfica. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 59-77, 2011a.; Teixeira, 2013TEIXEIRA, F. M. Alfabetização científica: questões para reflexão. Ciência & Educação , Bauru, v. 19, n. 4, p. 795-809, 2013.) e outros que investigam os indicadores da alfabetização científica, propostos por Sasseron e Carvalho (2008SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências , Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 333-352, 2008., 2011bSASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Construindo argumentação na sala de aula: a presença do ciclo argumentativo, os indicadores de alfabetização científica e o padrão de Toulmin. Ciência & Educação , Bauru, v. 17, n. 1, p. 97-114, 2011b.), mediante a análise do discurso apresentado por estudantes e professores em sala de aula (Souza; Sasseron, 2012SOUZA, V. F. M.; SASSERON, L. H. As interações discursivas no ensino de física: a promoção da discussão pelo professor e a alfabetização científica dos alunos. Ciência & Educação , Bauru, v. 18, n. 3, p. 593-611, 2012.; Vilela-Ribeiro; Benite, 2013VILELA-RIBEIRO, E. B.; BENITE, A. M. C. Alfabetização científica e educação inclusiva no discurso de professores formadores de professores de ciências. Ciência & Educação , Bauru, v. 19, n. 3, p. 781-794, 2013.; Escodino; Góes, 2013ESCODINO, D. A.; GÓES, A. C. S. Alfabetização científica e aprendizagem significativa: situação de alunos de escolas estaduais do Rio de Janeiro com relação a conceitos de biologia molecular. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 563-579, 2013.; Ramos; Sá, 2013RAMOS, L. C.; SÁ, L. P. A alfabetização científica na educação de jovens e adultos em atividades baseadas no programa mão na massa. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências , Belo Horizonte, v. 15, n. 2, p. 123-140, maio/ago. 2013.; Vinturi et al., 2014VINTURI, E. F. et al. Sequências didáticas para a promoção da alfabetização científica: relato de experiência com alunos do ensino médio. Experiências em Ensino de Ciências , Cuiabá, v. 9, n. 3, p. 11-25, dez. 2014.).
De modo geral, os trabalhos analisados enfatizam que os professores precisam promover atividades que: viabilizem e incentivem a interdisciplinaridade e a investigação; contemplem assuntos atuais, mas valorizem o contexto histórico das ciências e das tecnologias; trabalhem conteúdos que façam parte da realidade do aluno; e permitam a discussão e a socialização de ideias. Tais ideias poderiam contribuir para uma prática diferenciada, transformadora e direcionada para uma educação científica de qualidade nas escolas públicas e particulares do Brasil, podendo, portanto, desenvolver um ensino de ciências no contexto da alfabetização científica.
Considerações finais
As leituras realizadas permitiram-nos estabelecer algumas conclusões sobre o tema alfabetização científica. Uma delas é quanto à diferenciação entre alfabetização e letramento. Percebemos que o letramento científico faz com que o indivíduo se torne participativo, ativo e crítico, com entendimentos básicos relacionados às ciências e às tecnologias e com domínio de conceitos científicos. Os pesquisadores que trabalham com a expressão alfabetização científica também consideram que uma pessoa alfabetizada cientificamente tem capacidade de atuar diante de situações polêmicas apresentadas que abrangem a ciência, a tecnologia e a sociedade.
Uma vez que a alfabetização científica envolve conhecer as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, ela deve ser entendida dentro de um contexto histórico. A natureza do conhecimento científico e os fins a que ele se propõe tiveram diferentes conotações em períodos em que o próprio ensino passou por reformulações. O ensino e a ciência estiveram imersos em paradigmas diferentes do que temos agora. Portanto, não é possível equiparar o estímulo à alfabetização científica da década de 1980, período de Guerra Fria, com o do século 21. Nesse século, a alfabetização científica pensada pelo ensino de ciências deve incluir as questões éticas relacionadas à ciência e enfatizar seus aspectos socioculturais e econômicos, sobrepondo-os aos conhecimentos de conteúdos científicos.
Especificamente no Brasil, a alfabetização científica também se mescla com a popularização da ciência, entendendo-se, dentro do referencial freireano, que alfabetizar é democratizar e democratizar é popularizar (Auler; Delizoicov, 2001AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001.; Santos, 2008SANTOS, W. L. P. Educação científica humanística em uma perspectiva freireana: resgatando a função do ensino de CTS. Alexandria: Revista de Educação em Ciências e Tecnologia, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 109-131, 2008.; Aires; Lambach, 2010AIRES, J. A.; LAMBACH, M. Contextualização do ensino de química pela problematização e alfabetização científica e tecnológica: uma possibilidade para a formação continuada de professores. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, jan./abr. 2010. Disponível em: <https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/article/download/2182/1582>.
https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/art...
).
Nesse sentido, a alfabetização científica encontra paralelos na abordagem CTS (ou CTSA) e na história da ciência, ao propor, como nessas outras duas abordagens, uma formação que questione a visão progressista e linear da ciência (Oliveira; Silva, 2012OLIVEIRA, R. A.; SILVA, A. P. B. História da ciência e ensino de física: uma análise meta-historiográfica. In: PEDUZZI, L. O. Q.; MARTINS, A. F. P.; FERREIRA, J. M. H. (Orgs.). Temas de história e filosofia da ciência no ensino. Natal: Ed. da UFRN, 2012. p. 41-64.; Santos; Mortimer, 2001SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de ciências. Ciência & Educação , Bauru, v. 7, n. 1, p. 95-111, 2001.; Gil Perez et al., 2001GIL PÉREZ, D. et al. Para uma imagem não deformada do trabalho científico. Ciência & Educação, Bauru, v. 7, n. 2, p. 125-153, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v7n2/01.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v7n2/01.p...
). Do mesmo modo, a alfabetização científica encontra as mesmas dificuldades que essas duas abordagens quando se trata da sala de aula.
Há várias propostas de como fazer, mas poucas efetivamente realizadas, e quase nada avaliado de forma a esclarecer se as ações locais intencionais, como intervenções em sala de aula, visitas a ambientes não formais etc., podem levar o estudante a estender seus conhecimentos para tomadas de decisões de cunho tecnocientífico.
Assim, ainda que haja consenso em torno da alfabetização científica e da educação científica enquanto possíveis caminhos para a formação de cidadãos, permanece vaga sua efetividade em sala de aula.
- AIRES, J. A.; LAMBACH, M. Contextualização do ensino de química pela problematização e alfabetização científica e tecnológica: uma possibilidade para a formação continuada de professores. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, jan./abr. 2010. Disponível em: <https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/article/download/2182/1582>.
» https://seer.ufmg.br/index.php/rbpec/article/download/2182/1582 - AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê?. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-13, jun. 2001.
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1
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2
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http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a0... apresenta as diferenças entre os termos inglês e francês e o contexto em que ocorreram.
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3
Na página 124 de Garcia Palacios et al. (2003)GARCIA PALACIOS, E. M. et al. Introdução aos estudos CTS (ciência, tecnologia, sociedade). 2003. Disponível em: <http://www.joinville.udesc.br/portal/professores/kenia/materiais/Livro_CTS_OEI.pdf>.
http://www.joinville.udesc.br/portal/pro... , é possível encontrar uma lista de problemas trazidos à tona pela ciência.
-
4
Segundo Laugksch (2000)LAUGKSCH, R. C. Scientific literacy: a conceptual overview. Science Education , v. 84, n. 1, p. 71-94, 2000., esse seria o primeiro artigo em que a expressão scientific literacy aparece.
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5
Apresentamos aqui apenas a análise dos trabalhos em periódicos nacionais. A análise completa encontra-se na dissertação em desenvolvimento.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2017
Histórico
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Recebido
06 Abr 2016 -
Revisado
08 Nov 2016 -
Aceito
29 Nov 2016