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Estágio supervisionado: a relação teoria e prática reflexiva na formação de professores do curso de Licenciatura em Pedagogia

Supervised internship: the relation between theory and reflective practice in the teacher training of a Bachelor of Education programme

Resumo:

O estágio supervisionado é um componente curricular obrigatório nos cursos de formação de professores que estabelece um diálogo entre a teoria apreendida no curso de formação e a prática nas escolas-campo de estágio. Trata-se do relato de uma experiência vivenciada no contexto do estágio supervisionado de um curso de Licenciatura em Pedagogia, cujas etapas foram construídas por observações e participação no cenário escolar e na sala de aula, inclusive a elaboração e a aplicação de projeto didático a uma turma do ensino fundamental. As etapas foram registradas nos diários de formação como recurso que possibilita a reflexão mediante a escrita, estabelecendo diálogo entre o saber da experiência e o saber formal. O estágio revelou-se um rico espaço de reflexões e descobertas, em que teoria e prática foram instrumentos inseparáveis e indispensáveis à prática docente.

Palavras-chave:
estágio supervisionado; formação docente; prática reflexiva.

Abstract:

The supervised internship is a compulsory curricular component in teacher-training courses that establishes a dialogue between the theory learnt in the teacher-training course and the practice in teacher-training schools. Thus, this paper portrays an experience carried out in a supervised internship of a Bachelor of Education programme, whose steps were developed through observation and participation in the school scene and in the classroom, including the didactic project preparation and implementation in an elementary school class. The stages were recorded in a teacher-training diary as a device that allows for reflection through writing, promoting a dialogue between experience-based knowledge and formal knowledge. The supervised internship proved to be a rich environment for reflections and discoveries, in which theory and practice were essential and inseparable instruments for the act of teaching.

Keywords:
supervised internship; teacher training; reflective practice

Introdução

O estágio supervisionado é um espaço de aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade profissional. Assim, ele é compreendido como campo de conhecimento e a ele deve ser atribuído um estatuto epistemológico indissociável da prática, concebendo-o como práxis, o que o define como uma atitude investigativa que envolve a reflexão e a intervenção em questões educacionais.

Visto desse modo, o estágio apresenta uma singularidade por se situar no mundo da academia e se estender para o mundo do trabalho (Reichmann, 2015REICHMANN, C. L. Letras e letramentos: a escrita situada, identidade e trabalho docente no estágio supervisionado. Campinas: Mercado de Letras, 2015.), dando suporte para o estabelecimento da relação entre teoria e prática. Tratar o estágio como o espaço para essa relação é compreendê-lo como momento de reflexão sobre as aprendizagens no contexto institucional, ou seja, com base nas disciplinas vivenciadas durante o curso de formação.

Concordamos com Pimenta e Lima (2008PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez , 2008.) ao afirmarem que o estágio oferta novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão docente, inclusive para os professores formadores, convidando-os a rever suas concepções sobre o ensinar e o aprender. É importante registrar também que, para a realização desse componente, todas as disciplinas que envolvem o currículo são fundamentais, uma vez que trabalham conhecimentos e métodos (subsídios) a serem desenvolvidos durante a prática e ao longo da carreira profissional.

Vemos, dessa forma, que o estágio é o lócus onde “a identidade profissional do aluno é gerada, construída e referida” no entrecruzamento dos percursos individuais e institucionais no âmbito do trabalho e da formação; uma ação vivenciada reflexiva e criticamente, em que aprender a ser professor vai além da compreensão teórica, adentrando as paredes da sala de aula, aproximando alunos da realidade em que irão atuar (Buriolla, 1999BURIOLLA, M. A. O estágio supervisionado. São Paulo: Cortez, 1999., p. 13).

É inquestionável, portanto, a importância desse componente para o currículo de formação docente inicial, por possibilitar o diálogo entre a teoria e a prática, mas esse olhar que se entrecruza possui estreita relação com a forma de compreender a dimensão formadora do componente, que não se deu por acaso, mas a partir das inquietações de quem pratica, pensa e teoriza a educação, demandando diretrizes e regulamentações para os cursos de formação de professores.

Nesse sentido, destacamos as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Brasil. CNE, 2002aBRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de professores da Educação Básica, em nível superior. Brasília, Diário Oficial da União, 4 mar. 2002a. Seção 1, p. 8.), aprovadas em 2001 e regulamentadas em 2002 pelas Resoluções nº 1 e nº 2 do Conselho Nacional de Educação (CNE). A Resolução nº 1 trata das diretrizes para os cursos de formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena; já a Resolução nº 2 (Brasil. CNE, 2002bBRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Duração e carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores para Educação Básica, em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 4 mar. 2002b. Seção 1, p. 9.), no Art. 1º, especifica a carga horária dos cursos de formação de professores da educação básica, estabelecendo 2.800 horas, com 400 horas destinadas ao estágio curricular supervisionado, na segunda metade do curso. De acordo com Pimenta e Lima (2008PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez , 2008.), essa resolução vai na contramão de uma formação que evidencia a teoria e a prática como dimensões indissociáveis, ao estabelecer carga horária para cada dimensão, ou seja, uma proposta fragmentada do currículo.

A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008 (Brasil, 2008BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes. Diário Oficial da União, Brasília, 26 set. 2008. Seção 1, p. 3.), estabelece a normatização do estágio dos estudantes, discorrendo sobre o obrigatório e o não obrigatório (Art. 2º). De acordo com a lei, o estágio é um “ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo do estudante”. No que diz respeito aos envolvidos nesse processo, a lei evidencia a articulação entre ensino e campo de trabalho para a realização do estágio, ressaltando a participação das instituições concedentes (campo do estágio), visto que este é um “compromisso formalizado entre o estagiário, a instituição de ensino e a empresa com base em um plano de atividade que materializa a extensão ao ambiente de trabalho do projeto pedagógico desenvolvido nas disciplinas do currículo escolar”. É importante salientar que essa lei traz, nos Arts. 2º e 16, o termo de compromisso entre a instituição de formação profissional e a instituição concedente do estágio, garantindo, assim, a realização deste, pois estabelece as atividades a serem desenvolvidas pelo aluno estagiário.

No espaço/tempo do estágio são reveladas as inquietações, descobertas, certezas e incertezas da escolha profissional, momento em que se descortinam as problematizações de um cenário complexo e de busca de soluções, num movimento de reflexão-ação-reflexão (Shön, 2000SCHÖN, D. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.). Os alunos interagem com a realidade, refletem sobre as ações observadas e partilhadas no contexto em que estão inseridos, criando suas próprias formas de ser e agir, como futuros pedagogos. Trata-se de um momento fundamental da formação, capaz de explorar as demandas impostas diariamente na sala de aula.

Assim, propomos refletir sobre o estágio, entrecruzando os olhares de uma professora orientadora desse componente e de sua aluna estagiária. Como professora orientadora, é fundamental uma escuta sensível, tal qual nos fala Barbier (2007BARBIER, R. A pesquisa-ação. Tradução: Lucie Didio. Brasília: Liber Livro, 2007. (Série Princípios, v. 3).), atenta aos desafios e às inquietações de seus alunos, seja no experienciar o contexto escolar, seja no escrever sobre essa experiência; e, como aluna estagiária, é importante lançar-se nessa vivência para que se torne uma situação formadora.

A experiência se deu no componente curricular “Estágio Supervisionado II - Ações Docentes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental” do curso de Licenciatura em Pedagogia, realizado no segundo semestre de 2015, na Universidade de Pernambuco (UPE). O objetivo era construir uma reflexão acerca da primeira etapa do ensino fundamental, com uma postura investigativa, de modo a destacar a nossa atuação em sala de aula como alunos-estagiários, o funcionamento didático-pedagógico e os princípios norteadores que regem a etapa inicial do ensino fundamental no Brasil.

No curso de Licenciatura em Pedagogia, o estágio cumpre as normativas expressas nos documentos atrás citados, com sua oferta na última metade do curso. O campo de sua realização está caracterizado no §2º do Art. 6° da Resolução n° 117/2015 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), podendo o estágio obrigatório ser feito em instituições da rede pública ou particular, de acordo com o estabelecido na ementa. No momento, o estágio vincula-se, apenas, a três segmentos1 1 Em 2017, a matriz curricular do curso de Licenciatura em Pedagogia encontrava-se em processo de reformulação para unificação institucional, acrescentando o estágio em gestão; cada estágio com carga horária de cem horas e a seguinte organização: Estágio I - Intervenção Pedagógica na Educação Infantil e Creches; Estágio II - Ações Docentes do 1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental; Estágio III - Gestão das Organizações Escolares; e Estágio IV - A Atuação do Pedagogo em Espaços Não Escolares. em que o pedagogo poderá atuar: Estágio Supervisionado I - Intervenção Pedagógica na Educação Infantil e Creches (130 horas); Estágio Supervisionado II - Ações Docentes do 1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental (130 horas); e Estágio Supervisionado III - A Atuação do Pedagogo em Espaços Não Escolares (140 horas), seguindo o que determina o Art. 1º da Resolução nº 2/2002, que estipula 400 horas para o estágio curricular. É importante salientar que 30 horas de cada estágio são destinadas às discussões no espaço da formação profissional - a universidade.

No estágio, realizamos atividades de observação e participação que auxiliaram a pensar sobre a futura atuação dos alunos como docentes, momentos singulares de implicações pela aproximação com o grupo de alunos e a professora regente de sala. Esses momentos deram suporte para a elaboração e a aplicação do “projeto didático”, que se amparou em uma perspectiva interdisciplinar, baseado na leitura literária.

Assim, para orientar o leitor sobre a interpretação da nossa experiência no estágio supervisionado, trouxemos, primeiramente, o desafio da escrita do diário de formação, momento de revivermos o ser/estar no contexto escolar; em seguida, situamos as relações estabelecidas entre o saber da experiência e o saber formal, refletindo sobre a necessidade de interação entre esses saberes para a atuação docente no desenvolvimento do projeto didático; e, por fim, tecemos algumas considerações acerca desse processo para destacar a importância da relação estabelecida entre teoria e prática no âmbito da formação profissional.

A escrita do diário no estágio supervisionado

O registro escrito, tanto das vivências pessoais como das práticas profissionais, é essencial para que cada um adquira uma maior consciência de seu trabalho e da sua identidade como professor. (Nóvoa, 2009NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Porto: Ed. Porto , 2009. , p. 182).

A escrita é uma poderosa arma de comunicação, capaz de estabelecer vínculos e importantes relações sociais. Escrever é expressar ideias, conceitos, informações, sentimentos e sensações. É eternizar no papel palavras que permanecerão gravadas ao longo do tempo.

Essa visão coloca a escrita autobiográfica como um caminho para se pensar a formação do professor que reflete sobre sua prática e sua formação profissional, tal qual nos diz Nóvoa (2009NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Porto: Ed. Porto , 2009. ), ao defender o registro escrito como essencial para a consciência do trabalho e da identidade docente. Em obra anterior, de 1992, o autor pondera, oportunamente, que a formação docente deve desenvolver a epistemologia da prática reflexiva do professor, tanto nas práticas cotidianas como mediante narrativas de suas histórias de vida.

Nóvoa (1992NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. Porto: Ed. Porto, 1992.), Passeggi (2008PASSEGGI, M. da C. Mediação biográfica: figuras antropológicas do narrador e do formador. In: PASSEGGI, M. C.; BARBOSA, T. M. N. (Org.). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docentes. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. p. 43-58.) e Souza (2010SOUZA, E. C. Acompanhar e formar: mediar e iniciar: pesquisa (auto)biográfica e formação de formadores. In: PASSEGGI, M. C.; SILVA, V. B. (Orgs.). Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. Natal: EDUFRN ; São Paulo: Paulus , 2010. p. 157-179.) defendem a importância de registros escritos que versem sobre a reflexão no trabalho e na formação docente. Esse discurso tem se evidenciado em encontros que tratam da importância da reflexão sobre si por meio de narrativas, mas, apesar dessa defesa, ainda são restritos, no cenário atual, os cursos de formação docente que atentam efetivamente para a reflexão do aluno sobre sua prática. Segundo Souza (2010SOUZA, E. C. Acompanhar e formar: mediar e iniciar: pesquisa (auto)biográfica e formação de formadores. In: PASSEGGI, M. C.; SILVA, V. B. (Orgs.). Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. Natal: EDUFRN ; São Paulo: Paulus , 2010. p. 157-179., p. 157), as produções em encontros sobre formação de professores e os fóruns ainda apresentam “poucas aproximações com as histórias de vida em formação”. Portanto, é inquestionável a necessidade de formar professores que venham a refletir sobre sua própria atuação.

Assim, com o interesse de proporcionar atividades que objetivem o refletir sobre si e as práticas docentes, foi solicitada a produção do diário de formação durante a realização do estágio. Essa escrita foi tratada como um desafio, uma vez que no curso superior somos apresentadas a uma visão da escrita pautada pela formalidade, em textos científicos que nos exigem maior rigor. Ter que minimizar essas exigências na escrita não foi simples. Como revela Passeggi (2008PASSEGGI, M. da C. Mediação biográfica: figuras antropológicas do narrador e do formador. In: PASSEGGI, M. C.; BARBOSA, T. M. N. (Org.). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docentes. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. p. 43-58., p. 36), escrever sobre si não é uma tarefa fácil, pois “fixar na escrita o que se tenta pegar no ar, o que foge e escapa a cada tentativa é um trabalho ao mesmo tempo laborioso, sedutor e consideravelmente formador”. O diário de formação nos foi apresentado como um espaço possível de reflexão sobre nós mesmas e as personagens que compuseram a nossa prática.

Para mergulharmos nesse processo de escrita, aliamo-nos a autores que compartilham de outra maneira de escrever, entre eles, Larrosa (2004LARROSA, J. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 29, n. 1, p. 27-43, jan./jun. 2004.) e Clarice Lispector (1978LISPECTOR, C. Um sopro de vida: pulsações. 3. ed. Nova Fronteira, 1978. ). Larrosa (2004LARROSA, J. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 29, n. 1, p. 27-43, jan./jun. 2004., p. 38) convida ao ensaio para aventurar-nos na escrita, pois “o sujeito do ensaio é uma primeira pessoa que se ensaia [...] experimentador e experimental”. Paralelamente, com Clarice Lispector, vimos que, ao escrever, a autora se apossa de todas as suas inquietações, como se ela fosse ao mais íntimo dos nossos sentimentos e pensamentos e desvendasse o que de mais singular e “secreto” estava escrito ali.

Partilhamos com Clarice (1978LISPECTOR, C. Um sopro de vida: pulsações. 3. ed. Nova Fronteira, 1978. , p. 11) os desafios da escrita: a demora de encontrar-se nas palavras, a necessidade de inspirações. Como bem nos afirma a autora, escrever não é tarefa fácil, é um ato perigoso que só quem tentou sabe, “em cada palavra, pulsa um coração”.

Desse modo, fomos apresentadas à escrita autobiográfica com o uso do diário de formação, registrando diariamente nossa vivência em sala de aula. Esses registros nos possibilitaram arquivar sentimentos e inquietações que poderiam ser esquecidos na dinâmica do tempo, permitindo-nos um olhar mais minucioso para a escrita do relatório final de estágio.

Para nós, a escrita do diário foi essencialmente íntima, interpretando um passado recente no presente, “onde os sentimentos, as sensações internas ocupam um grande lugar, uma escritura que rejeita uma organização formal, uma escritura essencialmente do registro do descontínuo, do efêmero” (Didier, 1992 apudCunha, 2007CUNHA, M. T. S. Do baú ao arquivo: escritas de si, escritas do outro. Revista Patrimônio e Memória, Assis, v. 3, n. 1, p. 45-62, maio 2007. Disponível em: <Disponível em: http://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/8/455 >. Acesso em: 19 set. 2016.
http://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/...
, p. 56).

Abraçamos a autobiografia, percebendo-a como mais um instrumento facilitador do nosso processo de aprendizagem. O sentimento de medo foi tomado pelo prazer, e as palavras começaram a fluir levemente, possibilitando-nos enxergar muito de nós que estava sendo escrito ali. Já não éramos apenas autoras, éramos autoras e atoras de nossa própria escrita. Como objeto de análise, foi-nos permitido analisar a nós mesmos.

O cenário do estágio supervisionado

O estágio supervisionado foi realizado no ensino fundamental de uma escola da rede pública municipal, localizada no interior da Zona da Mata Norte pernambucana. A prática foi ministrada no 5º ano, em uma turma composta por 23 alunos, com características de turma multisseriada, formada por alunos de diferentes faixas etárias (dos 10 aos 16 anos) e níveis de aprendizagem.

As observações e participações possibilitaram um olhar mais atento ao contexto da sala de aula, onde percebemos momentos particulares do que estava visível aos nossos olhos, bem como dos dizeres e fazeres expressos nesse ambiente. Esses momentos permitiram identificar a dificuldade dos alunos com a leitura e a escrita, realidade confirmada pela professora regente como um dos entraves para o avanço da aprendizagem de seus alunos.

Era notória a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas. Muitos deles afirmavam que só frequentavam as aulas por obrigação e que ao atingir a maioridade pretendiam abandonar a sala de aula. Essa situação não é nova, pois se trata de uma problemática que faz parte do cenário educacional brasileiro: a evasão escolar. De acordo com Silva (2015SILVA, H. F. As causas da evasão escolar: um estudo de caso numa unidade de ensino da rede municipal de Itupiranga: Pará nos anos de 2013 e 2014. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: FORMAÇÃO DE PROFESSORES, COMPLEXIDADE E TRABALHO DOCENTE, 12., 2015, Curitiba. Anais... Curitiba: PUC/PR, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/20957_11234.pdf >. Acesso em: 13 jul. 2017.
http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf20...
), essa problemática é um dos grandes desafios vivenciados pelas redes públicas de ensino, sendo explicada por fatores sociais, culturais, políticos, econômicos e também escolares. Na maioria dos casos, o abandono da escola tem relação com as experiências escolares frustradas, malsucedidas, dos estudantes (Fortunato, 2010FORTUNATO, I. Educação de jovens e adultos. REU, Sorocaba, v. 36, n. 3. p. 281-283, dez. 2010. ). Tais afirmações contribuem para caracterizar os altos índices de analfabetismo no Brasil - crianças e jovens que se evadem das salas de aula em idades consideradas adequadas para os estudos e que mais tarde retornam às instituições escolares em busca de completar o ensino fundamental nos programas destinados à educação de jovens e adultos (EJA).

A realidade apresentada nos levou a elaborar atividades tendo por base o processo de alfabetização e letramento. Objetivamos a formação do aluno não apenas para a decodificação/codificação dos textos escritos, mas como uma aprendizagem pautada no uso da leitura e da escrita para as diversas situações sociais que poderão existir ao longo da vida (Maciel; Lúcio, 2008MACIEL, F. I. P.; LÚCIO, I. S. Os conceitos de alfabetização e letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento na sala de aula. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 13-33.).

No decorrer da vivência, diversos foram os conhecimentos aprendidos, entre eles, o uso do Currículo com Orientações para o Ensino Fundamental Anos Iniciais (Pernambuco. Secretaria de Educação, 2015PERNAMBUCO. Secretaria de Educação. Currículo com orientações para o Ensino Fundamental Anos Iniciais - 5º Ano. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/upload/galeria/4171/CURR%C3%8DCULO%20CI%C3%8ANCIAS.pdf >. Acesso em: 19 set. 2016.
http://www.educacao.pe.gov.br/portal/upl...
). Esse documento é responsável por coordenar os conteúdos ministrados em sala de aula, orientando para que o trabalho do professor seja sempre apoiado por um gênero textual distinto, que deverá ser explorado semanalmente e de forma interdisciplinar - integrando todas as disciplinas curriculares. Geralmente, a ênfase é dada às disciplinas língua portuguesa e matemática por se destacarem no currículo, o que pode ter relação com a dificuldade dos professores para alfabetizar e letrar a partir das diversas áreas curriculares, e por estarem associadas às avaliações (nacionais, estaduais e municipais) a que os alunos são submetidos, tendo em vista o foco exaustivo nessas disciplinas.

Considerado um importante instrumento tecnológico, o letramento é um grande desafio institucional, pois, como afirma Freire (1991FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez , 1991. ), é preciso que se observem as possíveis consequências da inserção do aprendiz no mundo das letras.

Nessa perspectiva, para letrar, o professor precisa assumir certas posturas, de modo que sua prática vise à formação completa do sujeito. É necessário trabalhar a escrita somada aos diferentes textos que são produzidos socialmente, aproximando o educando de seu uso real, dentro e fora do contexto escolar (Maciel; Lúcio, 2008MACIEL, F. I. P.; LÚCIO, I. S. Os conceitos de alfabetização e letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento na sala de aula. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 13-33.). De forma complementar à visão das autoras, Kleiman (2005KLEIMAN, A. B. Preciso “ensinar” o letramento?: não basta ensinar a ler e a escrever? Campinas: Cefiel/ IEL/Unicamp, 2005. ) defende que o letramento escolar implica o ensino de estratégias e capacidades adequadas aos variados tipos de textos que circulam em outras instituições além dos espaços escolares, onde as práticas sociais são verdadeiramente concretizadas. Portanto:

Nesse contexto, introduzir diferentes gêneros textuais no processo de ensino, refletindo sobre as relações entre suas características composicionais e suas funções, passa a ser visto como condição para que o aluno tenha acesso às práticas de produção, uso e consumo de textos que circulam em diferentes esferas sociais. (Maciel; Lúcio, 2008MACIEL, F. I. P.; LÚCIO, I. S. Os conceitos de alfabetização e letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, M. L.; MACIEL, F. I. P.; MARTINS, R. M. F. Alfabetização e letramento na sala de aula. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 13-33., p. 25).

Nesse cenário, os gêneros literários surgem como importantes ferramentas para o trabalho de letramento em sala de aula. São textos que despertam o prazer e facilmente podem ser incrementados aos projetos didáticos por abrir espaço para uma abordagem interdisciplinar, proporcionando o despertar para a leitura prazerosa e servindo de facilitadores durante a apropriação da lógica do sistema da escrita.

Essa visão nos remeteu à construção do projeto didático intitulado “Contação de história: o conto que ninguém contou!”, cujo objetivo foi desenvolver a aprendizagem da leitura e da escrita de forma lúdica e prazerosa, utilizando a interdisciplinaridade por meio da contação de histórias.

Contação de história: o conto que ninguém contou! - um olhar interdisciplinar

Entrar no mundo imaginário das histórias infantis é tornar-se ator do dizer do outro: envolver, indagar, gesticular, cantar, dançar com as palavras, dando sentido e sentimento a elas. Esse é o professor que conta histórias e cumpre, nas palavras de Pietro (1999PIETRO, H. Quer ouvir histórias?: lendas e mitos do mundo da criança. São Paulo: Angra, 1999.), um papel milenar, “um desígnio ancestral”, pois passa a ser porta-voz, isto é, passa a dar voz àqueles que detêm a sabedoria e o encanto.

Em plena virada de milênio, quando o professor se senta no meio de um círculo de alunos e narra uma história, na verdade cumpre um desígnio ancestral. Nesse momento, ocupa o lugar do xamã, do bardo celta, do cigano, do mestre oriental, daquele que detém a sabedoria e o encanto, do porta-voz da ancestralidade e da sabedoria. (Pietro, 1999PIETRO, H. Quer ouvir histórias?: lendas e mitos do mundo da criança. São Paulo: Angra, 1999., p. 41).

Compartilhamos da ideia de que a contação de histórias é uma das principais formas de aproximar a criança do livro, conduzindo-a ao gosto pela leitura, pois as histórias propiciam prazer, cultura e comunicação, além de contribuir para o desenvolvimento da linguagem escrita e sua estrutura e o aumento do vocabulário e de seu campo semântico.

Celso Sisto (2001SISTO, C. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Chapecó: Argos, 2001.) diz que contar história é uma arte e, como toda arte, exige beleza e harmonia - o contador de história deve aportar, além da habilidade, a facilidade da comunicação. As histórias devem ser contadas com prazer, pois agregam experiências, ampliam o horizonte e proporcionam conhecimento sobre o mundo.

Foi com esse olhar que nosso projeto “Contação de história: o conto que ninguém contou!” buscou traduzir um pouco a visão da leitura prazerosa, capaz de fazer sonhar, mas também de informar e propagar o conhecimento. Como Abramovich (2005ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5. ed. São Paulo: Scipione, 2005., p. 17), acreditamos que

[...] ler histórias para crianças, sempre, sempre... É poder sorrir, rir, gargalhar com as situações vividas pelas personagens, com a ideia do conto ou com o jeito de escrever dum autor e, então, poder ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de brincadeira, de divertimento... É também suscitar o imaginário, é ter curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, é encontrar outras ideias para solucionar questões (como as personagens fizeram...). É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções que todos vivemos atravessando - dum jeito ou de outro [...].

Nosso projeto se desenvolveu em uma sequência didática de três etapas, utilizando a obra O Grúfalo, de Julia Donaldson e Axel Scheffler (2014DONALDSON, J.; SCHEFFLER, A. O Grúfalo. São Paulo: Brinque-Book, 2014. ). Essa obra foi escolhida por ser um texto voltado ao “público infantil”, mas também por possibilitar “sentir” o desejo de saborear as entrelinhas da história, uma vez que a literatura, seja ela qual for, tem esse poder de contribuir para o desenvolvimento da sensibilidade, da fruição da imaginação, da educação estética.

Figura 1
O Grúfalo

Trata-se da história de um ratinho que, usando de astúcia e imaginação, cria um monstro terrível e assustador - o Grúfalo. O personagem diverte-se espantando seus predadores, mas é surpreendido ao ver sua imaginação personificada à frente. Trata-se de uma divertida história sobre os poderes da nossa imaginação.

Contudo, essa história não poderia ser contada em qualquer lugar. Ela foi revelada por porta-vozes que buscaram dar o tom do encanto às palavras lidas. Nesse momento, o silêncio dos alunos foi um convite para “cumprir um desígnio ancestral”, tal qual nos fala Pietro (1999PIETRO, H. Quer ouvir histórias?: lendas e mitos do mundo da criança. São Paulo: Angra, 1999.), em um espaço particular em que as cadeiras em fileiras foram colocadas de lado, deixando espaço para outra maneira de ouvir: deitados para sonhar e interagir com a história contada sob a luz tênue da sala, no “contar e ouvir às escuras”.

Assim foi desenvolvido o nosso projeto, utilizando a dinâmica do “conto às escuras”, cujo objetivo foi narrar a história sem mostrar as ilustrações, incluindo um momento de antecipação com discussão sobre o tema, baseada no título da obra, buscando resgatar dos alunos os conhecimentos prévios que eles possuíam (ou não) sobre a narração.

Figura 2
Conto às Escuras

No “conto às escuras”, solicitamos aos alunos que, ao longo da narração, desenhassem o personagem principal da história: “Grúfalo”. Para tanto, eles utilizaram papel ofício e giz de cera.

Segundo Antunes (2003ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003., p. 112), “a atividade de ouvir constitui parte da competência comunicativa dos falantes, uma vez que ela implica um exercício de ativa interpretação, tal como acontece com o leitor em relação à escrita”. Ouvir histórias contadas pelo professor ou pelos colegas é um exercício que deve ser proporcionado sempre durante as aulas.

Durante a contação, íamos provocando a imaginação dos alunos com perguntas que lhes fizessem refletir sobre a confirmação, a rejeição ou a retificação das antecipações ou expectativas por eles criadas sobre a narração. Chamávamos atenção para a reformulação de conclusões que ainda estavam implícitas no texto - informações de outras leituras, características da narração, experiências de vida, crenças e valores foram fundamentais para essa etapa. As perguntas giravam em torno de: O que vocês acham que irá acontecer com a personagem? Será que o Grúfalo realmente existe? Vocês acham que o ratinho é realmente muito corajoso ou ele está usando da astúcia para afastar os outros animais?

Essas perguntas nos ajudaram a tornar os alunos ouvintes ativos, interagindo com a história ao expressarem, por exemplo: “O ratinho é muito esperto, professora, ele está inventando esse animal apenas para assustar os outros animais que querem comê-lo!”.

Esse momento permitiu ao aluno-leitor aventurar-se no texto fazendo inferências e estabelecendo relações e questionamentos acerca da história. Aprendemos com Solé (1998SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.) sobre a importância de atividades “depois da leitura”, como estratégias de avaliação do texto trabalhado. Buscamos dos alunos a troca de impressões sobre o texto lido, suas conclusões e avaliações acerca das informações ou opiniões emitidas no texto: “Eu gostei muito da história, achei que o ratinho realmente era muito esperto e que ele estava inventando um animal chamado Grúfalo só para assustar os outros animais que o queriam comer”, “Mas ele nem imaginava que o Grúfalo existia de verdade e, quando ele viu o Grúfalo ali na sua frente, ele quase morreu de medo, mas mesmo assim conseguiu ser esperto e inventou uma história para fugir dele”.

“Como será o Grúfalo?”, essa indagação aguçou a criatividade dos alunos para representarem com desenho o personagem principal da história. Muitos Grúfalos surgiram das mais variadas formas e cores: grandes, pequenos, magros, gordos, traçados coloridos e pretos foram expressos no papel.

Houve um momento para a exploração desses desenhos, logo depois da apresentação do Grúfalo da história. Indagamos: “Qual será o desenho que ficou mais parecido com o personagem da história?”

Figura 3
Representações do Personagem Principal

Várias respostas surgiram: “Professora, foi o meu, eu desenhei do jeito que a história descrevia que ele era... com espinhos nas costas, peludo, olhos alaranjados, etc.”; “Professora, o meu ficou parecendo com o lobo da Chapeuzinho Vermelho”.

Nas palavras de Abramovich (2005ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5. ed. São Paulo: Scipione, 2005., p. 23), “ouvir histórias pode estimular o desenhar, o musicar, o sair, o ficar, o pensar, o teatrar, o imaginar, o brincar, o ver o livro, o escrever, o querer ouvir de novo. Afinal, tudo pode nascer dum texto!”.

Para finalizar essa etapa do projeto, os alunos ainda criaram uma paródia tendo por base a literatura contada. Os trabalhos foram socializados para o grupo e expostos no varal de leituras da sala de aula.

Além da contação, a aula propiciou um momento de interação entre os alunos e as múltiplas obras literárias que fizeram parte do cenário montado em sala de aula. A literatura, como a arte da palavra, oferece momentos de descobertas, invenções e criações por se constituir como uma linguagem que transforma, cria e recria realidades (Faria, 2014FARIA, K. P. de M. Já li coisa, então, eu posso inventar mais!: a leitura literária e o desenvolvimento do pensamento criativo na infância. 2014. 263 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.).

As etapas seguintes do projeto foram voltadas para as áreas das ciências naturais e da matemática. A proposta interdisciplinar que caracteriza os projetos didáticos nos proporcionou o diálogo com outras disciplinas além de língua portuguesa. Na visão de Vilela e Mendes (2003VILELA, E. M.; MENDES, I. J. M. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, n. 4, p. 525-531, jul./ago. 2003.), a interdisciplinaridade é a inter-relação/interação entre as disciplinas, visando ao alcance de um único objetivo comum (a aprendizagem de um novo conhecimento). Vale salientar que o ensino não se constitui de disciplinas isoladas, mas de uma ação globalizada, em que as disciplinas dialogam entre si em integração.

Na segunda etapa do projeto, trabalhamos o conteúdo relacionado à disciplina de ciências naturais: animais vertebrados e invertebrados. A aula teve início com a retomada das características das personagens que compõem a história O Grúfalo. Exploramos os desenhos voltados ao equilíbrio do corpo, para, em seguida, utilizarmos para representar os animais vertebrados e invertebrados. Em determinado momento, solicitamos que alguns alunos fossem ao centro da sala de aula para a exploração da própria coluna vertebral, enfatizando a importância dela para a sustentação do corpo humano.

Para melhor fixação do conteúdo, os alunos assistiram ao documentário educativo Classificação de animais, publicado no site YouTube, sobre o tema animais vertebrados e invertebrados. Em seguida, também realizamos um pequeno debate visando à discussão/troca de opiniões e informações sobre o tema.

O projeto culminou com o “Jogo da trilha matemático”, confeccionado com cartolina, tinta guache de várias cores e desenhos das personagens da história O Grúfalo, além de envelopes contendo problemas matemáticos associados às personagens da história.

Figura 4
Jogo da Trilha Matemático

Para a brincadeira, são necessários, inicialmente, dois participantes. O primeiro jogador responde à pergunta número 1; se acertar, joga o dado para cima e percorre o número de casas selecionadas; caso encontre novamente outra pergunta, torna a respondê-la; se errar, passa a vez a outro jogador. O segundo jogador segue os passos do primeiro. Vence o jogo aquele que conseguir chegar ao final da trilha, respondendo às perguntas corretamente.

A brincadeira “Jogo da trilha matemático” buscou associar os problemas matemáticos aos personagens da história contada, com o objetivo de aguçar nos alunos o raciocínio matemático de forma lúdica, divertida e prazerosa. Nessa brincadeira, a matemática foi redescoberta também por nós, pois começamos a deixar de lado o “bicho-papão” dos números e de suas associações. Embarcamos nas trilhas de descobertas juntamente com os alunos, buscando os caminhos para resolver as situações-problema que se apresentaram e, assim, ensinamos e aprendemos.

De acordo com Borba (2006BORBA, Â. M. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: BEAUCHAMP, J.; PAGEL, S. D.; NASCIMENTO, A. R. (Org.). Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão das crianças de seis anos de idade. Brasília: MEC/SEB, 2006. p. 33-44., p. 39), “os processos de desenvolvimento e de aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de apropriação de conhecimento”. Nessa perspectiva, o brincar apresenta-se como um momento de aprendizagem, ofertando oportunidade (mesmo que de modo inconsciente) de aprender sobre a linguagem e os valores sociais. Neste caso, em especial, o aprendizado sobre o raciocínio lógico-matemático.

Os projetos didáticos são importantes ferramentas de interação e aprendizagem. O trabalho com projetos em sala de aula relacionados a essa perspectiva interdisciplinar faz com que as aulas deixem de ser um mero espaço de memorização dos conteúdos e passem ao ensino significativo, aquele em que o conhecimento é construído com base na e para a necessidade real do aluno.

Nesse sentido, cada etapa vivenciada no estágio curricular até a elaboração e a efetivação do projeto didático não foi apenas um mero cumprimento de atividades a serem desenvolvidas durante a realização do componente; pelo contrário, tratou-se de um processo reflexivo, crítico e formador, em que pouco a pouco moldamos nossas ideias, baseadas nas verdadeiras necessidades de aprendizagens apresentadas pelos alunos.

Algumas considerações

O estágio curricular supervisionado se apresentou como uma importante ferramenta para a construção da identidade profissional, a qual é constituída em desenvolvimento com a ação. Lugar de interlocução entre o espaço de formação institucional e o campo de atuação profissional, em outras palavras, o estágio foi experienciado como espaço para entrecruzarmos a teoria e a prática.

No decorrer das orientações para o estágio supervisionado, sentimos a necessidade de buscar materiais diversificados, sobretudo textos e autores que tratassem das narrativas autobiográficas. Antes, não tínhamos formação para pesquisar sobre nós mesmas, nossas atitudes e ações, o que foi possível ocorrer com a escrita do diário de formação. Essa escrita tornou possível uma compreensão melhor do processo de reconstrução das experiências vivenciadas no estágio, pela criação de um espaço para reflexão sobre a prática docente, no que se refere à realização do projeto didático a partir de uma obra literária.

A experiência vivenciada contribuiu para um olhar mais atento às singularidades da formação, demandadas, muitas vezes, pela realização dos estágios, bem como uma escuta sensível das vozes sociais que constituem o ambiente da sala de aula, (re)construindo, assim, nossa forma de ver e sentir a docência.

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  • 1
    Em 2017, a matriz curricular do curso de Licenciatura em Pedagogia encontrava-se em processo de reformulação para unificação institucional, acrescentando o estágio em gestão; cada estágio com carga horária de cem horas e a seguinte organização: Estágio I - Intervenção Pedagógica na Educação Infantil e Creches; Estágio II - Ações Docentes do 1º ao 5º Ano do Ensino Fundamental; Estágio III - Gestão das Organizações Escolares; e Estágio IV - A Atuação do Pedagogo em Espaços Não Escolares.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2016
  • Revisado
    14 Ago 2017
  • Aceito
    04 Set 2017
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