TRABALHO EM SAÚDE E AS REPERCUSSÕES DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: UM ESTUDO DOCUMENTAL

TRABAJO EN SALUD Y LAS REPERCUSIONES DURANTE LA PANDEMIA DE COVID-19: UN ESTUDIO DOCUMENTAL

RESUMO

Objetivo:

identificar as repercussões do trabalho em saúde durante a pandemia de covid-19.

Método:

estudo documental de abordagem qualitativa. O corpus foi composto por matérias jornalísticas nacionais e internacionais. A busca ocorreu de forma online, de fevereiro a junho de 2020, com análise de conteúdo.

Resultados:

foram identificadas 10 manchetes, das quais emergiram quatro diferentes núcleos de sentido: 1) Realidade vivida pelos profissionais de saúde pela insuficiência de Equipamento de Proteção Individual em tempos de pandemia; 2) Risco de contaminação pelo novo coronavírus sofrida pelos profissionais de saúde; 3) Esgotamento físico e emocional dos trabalhadores de saúde que atuam na linha de frente ao novo coronavírus; e 4) Responsabilidade das instituições governamentais frente à saúde e segurança do trabalhador durante a pandemia de covid-19.

Conclusão:

o estudo contribui ao compreender a experiência dos profissionais e proporcionar essa perspectiva para a tomada de decisão na gestão, assistência e pesquisa em saúde.

DESCRITORES
Infecções por Coronavírus; Pandemias; Saúde do Trabalhador; Enfermagem; Saúde Pública

RESUMEN

Objetivo:

identificar las repercusiones del trabajo en salud durante la pandemia de COVID-19.

Método:

estudio documental con enfoque cualitativo. El corpus estuvo compuesto por materiales periodísticos nacionales a internacionales. La búsqueda tuvo lugar en línea entre febrero y junio de 2020, con análisis de contenido.

Resultados:

se identificó un total de 10 titulares, de los cuales surgieron cuatro núcleos de sentido diferentes: 1) Realidad vivida por los profesionales de salud por la insuficiencia de Equipos de Protección Personal en tiempos de pandemia; 2) Riesgo de infección con el nuevo coronavirus sufrido por los profesionales de salud; 3) Agotamiento físico y emocional de los trabajadores de la salud que se desempeñan en la la primera línea de la lucha contra el nuevo coronavirus; y 4) Responsabilidad de las instituciones gubernamentales en relación con la salud y la seguridad de los trabajadores durante la pandemia de COVID-19.

Conclusión:

el estudio contribuye a comprender la experiencia de los profesionales y a proporcionar esa perspectiva para tomar decisiones en las áreas de gestión, asistencia e investigación en salud.

DESCRIPTORES
Infecciones por Coronavirus; Pandemias; Salud Laboral; Enfermería; Salud Pública

ABSTRACT

Objective:

to identify the repercussions of the work in health during the COVID-19 pandemic.

Method:

a documentary study with a quantitative approach. The corpus consisted in national and international journalistic materials. The search was conducted online from January to June 2020, with content analysis.

Results:

a total of 10 headlines were identified, from which four different units of meaning emerged: 1) The reality experienced by the health professionals due to the insufficiency of Personal Protective Equipment in pandemic times; 2) Risk of contamination by the new coronavirus suffered by the health professionals; 3) Physical and emotional exhaustion of the health workers in the front line against the new coronavirus; and 4) Responsibility of the governmental institutions regarding workers’ health and safety during the COVID-19 pandemic.

Conclusion:

the study contributes by understanding the professionals’ experience and providing this perspective for decision-making in health management, assistance and research.

DESCRITORES
Infections by Coronavirus; Pandemics; Workers’ Health; Nursing; Public Health

INTRODUÇÃO

O surgimento do vírus SARS-CoV-2 em Wuhan, China, em dezembro de 2019, levou a uma epidemia local que se espalhou rapidamente em escala global, com 29.155.581 casos da covid-19 confirmados no mundo e 926.544 mortes até 15 de setembro de 2020⁽1⁾.

Estima-se que, na ausência de intervenções para interrupção da transmissão, a covid-19 resultaria em 7,0 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes globalmente em 2020, comprometendo a capacidade de resposta dos sistemas de saúde de todos os países afetados⁽2⁾.

Com a rápida disseminação da doença, existe uma importante preocupação com os profissionais de saúde, que enfrentam um elevado risco de exposição ao novo coronavírus, por atuarem na linha de frente no combate e no controle da propagação do vírus⁽3⁾.

Diante do contexto da pandemia, faz-se necessário garantir a segurança dos profissionais de saúde que estão atuando diretamente no cuidado às pessoas infectadas, não apenas para salvaguardar o atendimento contínuo aos pacientes, mas também para assegurar que os profissionais não disseminem o vírus, que pode ser transmitido através da tosse, gotículas e aerossóis respiratórios, ou contato com fluidos corporais e superfícies contaminadas⁽4⁾.

Desde o início da epidemia, em dezembro de 2019, mais de 3.000 profissionais de saúde foram infectados com a covid-19, apenas na China⁽5⁾. Baseada em evidências recentes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou orientações para serviços de saúde de atenção às doenças infectocontagiosas como a covid-19, com o objetivo de possibilitar o controle da infecção e a prevenção de contaminação⁽1⁾.

Essa publicação recomenda aos trabalhadores que atuam nos serviços de atendimento aos pacientes com a covid-19 o uso de luvas, avental impermeável, proteção respiratória eficaz como a máscara respirador N95 e proteção para os olhos com óculos de proteção ou protetor facial⁽1⁾. Porém, à medida que a pandemia se espalha globalmente, aumenta a utilização e a escassez de equipamentos de proteção individual (EPI).

Além da preocupação com a escassez de EPI, outros dilemas são vivenciados diariamente pelos profissionais da saúde atuando durante a pandemia de covid-19, tais como conhecer os riscos de contrair a doença, a preocupação de transmitir aos membros de suas famílias, sentimentos de incapacidade quando confrontados com pacientes gravemente enfermos e a intensa jornada de trabalho⁽3⁾, gerando reflexos físicos e psicológicos.

Observa-se que esses fatores acarretam conflitos e um processo de adoecimento complexo, materializados através de sintomatologias diversas e de sofrimento psíquico, incidindo negativamente no processo saúde-doença, e na baixa qualidade de vida dos profissionais. Diante deste contexto, objetivou-se com esse estudo identificar as repercussões do trabalho em saúde durante a pandemia de covid-19.

MÉTODO

Trata-se de um estudo documental de abordagem qualitativa. A pesquisa documental corresponde a uma modalidade de estudo que utiliza fonte ampla de documentos considerados primários ou matérias-primas, ou seja, documentos que não passaram por um tratamento analítico⁽5⁾.

A busca por materiais de pesquisa se desenvolveu nos arquivos dos jornais de abrangência Nacional (O Globo, UOL, O Estadão de S. Paulo, Brasil de Fato, Folha de São Paulo, Diário de Pernambuco, Jornal Brasiliense); e jornais de abrangência internacional (Medical News Today, BBC News, Euro News), disponíveis no formato online, a partir da reprodução das falas dos profissionais entrevistados por meio do entendimento e capacidade de síntese do repórter. Essa pesquisa foi empreendida entre os meses de fevereiro a junho de 2020.

Ao acessar os bancos de dados dos jornais, foi necessário determinar uma palavra-chave para a pesquisa. Ao utilizar o termo “adoecimento dos profissionais”, nenhuma matéria foi localizada. Porém, quando utilizado o termo “Adoecimento psicológico nos trabalhadores da saúde”, foi possível encontrar o material correspondente à busca.

Durante a leitura e triagem do material, foram excluídos artigos e textos opinativos de colunistas, uma vez que a opinião dos autores já estaria evidenciada. Também foram eliminadas as matérias menos expressivas, que traziam informações desprovidas de fontes ou pequenas notas. Ao final do processo de seleção, foi possível arrecadar 10 matérias para análise.

Foram utilizados os descritores “Saúde do trabalhador “ e “Coronavírus”, controlados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), e o descritor não controlado “ Infecções por coronavírus”.

O critério de seleção envolveu a escolha de matérias que tratassem diretamente do assunto “Adoecimento dos trabalhadores da saúde”; das que abordassem questões relacionadas a possíveis repercussões e sofrimento psicológico em decorrência da atuação dos profissionais de saúde durante a pandemia de covid-19.

A pesquisa documental foi realizada por mestrandos e doutorandos. Para norteá-la, foi construído um protocolo de pesquisa, validado por duas das autoras com doutoramento. A coleta de dados foi realizada em pares. O protocolo, intitulado “Protocolo da Pesquisa Documental”, é composto pelos seguintes elementos: nome do jornal e as principais manchetes que envolvessem o tema.

A análise das matérias jornalísticas foi realizada por meio da análise de conteúdo descrita por Bardin⁽6⁾, que incorpora um conjunto de técnicas de análise das comunicações, por meio de procedimentos temáticos e objetivos para descrever o conteúdo das falas e obter indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às suas condições de produção/recepção. O percurso analítico-interpretativo desdobrou-se nas etapas de pré-análise (leitura flutuante, constituição do corpus - leitura compreensiva - e formulação e reformulação de hipóteses e objetivos), exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação⁽6⁾.

Conforme Minayo, Assis e Souza⁽7^-8⁾, o processo de interpretação se deu pela leitura compreensiva do material obtido, visando impregnação e construção das categorias empíricas, que abrangem elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si, agrupadas em núcleos de sentido que são uma classificação dessas categorias, em um agrupamento de elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito, procurando estabelecer articulações entre os dados e os referenciais teóricos.

A eleição das categorias analíticas ou estruturas de análise foi realizada por meio da ancoragem da leitura, e o substrato, extraído dos dados empíricos, produziu compreensão ao significado atribuído às contradições, diversidades e tensões que foram norteados pelo referencial teórico. Após a imersão na leitura das transcrições, foram feitos recortes temáticos, que culminaram na identificação das categorias analíticas com seus respectivos núcleos de sentido.

A escolha do período para coleta das matérias correspondeu a um momento de grande disseminação da covid-19 nos países da Europa, América do Norte e América Latina, que resultou em um aumento expressivo de matérias jornalísticas sobre a cobertura da disseminação da pandemia. A escolha desses jornais aconteceu devido ao fato de eles possuírem grande impacto e circulação em todo o estado.

O estudo não requer aprovação do comitê de ética, uma vez que os dados utilizados são de domínio público, porém, atesta que todos os princípios éticos foram seguidos conforme a resolução 466/2012.

RESULTADOS

A amostra final das manchetes jornalísticas foi composta por 10 notícias vinculadas a jornais nas versões online, disponibilizadas entre os meses de fevereiro e junho de 2020 As informações estão demonstradas no Quadro 1.

Quadro 1
Relação das manchetes. Natal, RN, Brasil, 2020

NÚMERO	JORNAIS E DATAS	MANCHETES
1	EURO NEWS 2/14/2020	“Falta de equipamento contra o Coronavírus”
2	UOL 2/14/2020	“Coronavírus gera impacto crescente sobre trabalhadores da área da saúde”
3	O ESTADÃO DE S. PAULO 3/21/2020	“Na linha de frente, médicos e enfermeiros relatam apreensão no trabalho e em casa”
4	MEDICAL NEWS TODAY 3/25/2020	“Trabalhadores da linha de frente da covid-19 em risco de problemas de saúde mental”
5	BBC NEWS 4/1/2020	“Coronavírus: por que a covid-19 afeta tanto os profissionais de saúde?”
6	BRASIL DE FATO 4/20/2020	“Profissionais com covid-19 denunciam falta de EPIs em hospital privado de SP”
7	FOLHA DE S. PAULO 5/7/2020	“Sobrecarga e riscos pioram saúde mental de médicos e enfermeiros na pandemia”
8	O GLOBO 5/14/2020	“Brasil registrou 31,7 mil profissionais de saúde infectados pela covid-19”
9	Correio Braziliense 6/1/2020	“Covid-19: 485 profissionais de saúde de hospitais públicos estão infectados”
10	Diário de Pernambuco 6/1/2020	“Pernambuco tem quase 10 mil profissionais de saúde infectados por covid-19”

• Fonte: Autores (2020)

As matérias jornalísticas 08, 09 e 10 apresentavam como manchete os elevados índices de contaminação por profissionais de saúde pelo novo coronavírus, retratando uma realidade vivida por países como Espanha, Itália e China, enquanto as manchetes 01 02, 03, 05 e 06 evidenciam a escassez de EPI, a sobrecarga de trabalho e a desarticulação das instituições responsáveis pelo gerenciamento do combate à pandemia.

Já as manchetes 04 e 07 retratavam a angústia e o medo dos trabalhadores, que precisam conviver com a ideia de ser o principal grupo de risco atuando na linha de frente, sabendo que podem ser os próximos a compor as estatísticas de infectados. Enfatizavam ainda as alterações psicológicas decorrentes de uma série de fatores agravantes enquanto realidade experimentada por muitos que estão na assistência aos contaminados, fragilizando a integridade do cuidado em saúde.

A análise de conteúdo das entrevistas nas matérias jornalísticas investigadas permitiu a identificação de quatro núcleos de sentido: (1) Realidade vivida pelos profissionais de saúde pela insuficiência de EPI em tempos de pandemia, (2) O risco de contaminação pelo novo coronavírus sofrido pelos profissionais de saúde, (3) O esgotamento físico e emocional dos trabalhadores de saúde que atuam na linha de frente ao novo coronavírus, (4) Responsabilidade das instituições governamentais na atenção à saúde e segurança do trabalhador durante a pandemia de covid-19.

Núcleo de sentido 1: Realidade vivida pelos profissionais de saúde pela insuficiência de EPI em tempos de pandemia

Os profissionais entrevistados afirmaram que, apesar dos equipamentos serem fundamentais para garantir sua própria proteção, a quantidade é insuficiente para o uso contínuo, assim, a indisponibilidade de EPI foi citada na maioria das matérias, conforme ilustram os discursos a seguir:

Usar e reusar, várias vezes, acaba por inutilizar a máscara, ela vira um pedaço de papel na nossa cara.

(Enfermeira)

Como vai entubar um paciente sem proteção? Isso está acontecendo. Na porta dos hospitais da Prefeitura e do Estado, você pode ver funcionários terceirizados lavando a entrada com equipamentos melhores do que os dos médicos que estão lá dentro.

(Médico)

A falta de proteção está por toda a parte e o improviso parece ser generalizado.

(Médico)

Núcleo de sentido 2: Risco de contaminação pelo novo coronavírus sofrido pelos profissionais de saúde

O pouco conhecimento sobre o agente patológico, a superlotação dos hospitais e a falta de medidas farmacêuticas eficazes foram fatores agravantes na disseminação em larga escala do vírus entre os trabalhadores da saúde. Essa foi a realidade descrita nas manchetes, como observado a seguir:

Nosso trabalho é tratar dos outros e agora temos que ir para casa cuidar de nós mesmos.

(Médico)

Fizemos o que podíamos, demos o nosso melhor, mas infelizmente viramos estatística.

(Enfermeira)

Agora o Governo se vê nesse dilema: uma penca de profissionais com mais de 60 anos, que se colocam em risco por trabalhar na linha de frente com uma doença altamente contagiosa.

(Médico)

Núcleo de sentido 3: Esgotamento físico e emocional dos trabalhadores de saúde que atuam na linha de frente ao novo coronavírus

A constante exposição ao risco dos profissionais, o receio de ser foco de transmissão para os seus familiares e sobrecarga física, contribuem para potencializar o sofrimento captado através de sentimentos de medo, tensão, angústia, conforme ilustram as falas:

O que mudou na nossa rotina foi trabalhar com medo. O medo de se contaminar ou contaminar nossos familiares.

(Enfermeira)

Nosso ambiente de trabalho está tenso, pois estamos tendo conflitos. Os médicos estão assustados e cobrando mais de nós.

(Enfermeiro)

Eu sou uma espécie de pária na minha família. Estou mergulhando no pântano todos os dias.

(Médico)

A maioria dos médicos nunca viu esse nível de angústia e ansiedade em suas carreiras.

(Médico)

Núcleo de sentido 4: Responsabilidade das instituições governamentais frente à saúde e segurança do trabalhador durante a pandemia de covid-19

A partir do corpus analisado, foi possível perceber a compreensão dos profissionais relacionada ao dever do Estado no combate à pandemia. Foi evidenciada a necessidade de uma interlocução aberta entre os governantes e os profissionais de saúde, assim como o provimento de materiais adequados – desde EPI a equipamentos como ventiladores mecânicos – para a atuação do profissional na assistência ao paciente com covid-19, conforme os discursos:

Entendemos perfeitamente ao que estamos sendo expostos e vamos trabalhar todos os dias conscientes desse risco, mas queremos trabalhar com uma contrapartida de o hospital de garantir a nossa segurança.

(Médica)

O Estado está completamente despreparado, ele nos deve explicação.

(Médica)

Estão preocupados em informar, explicar quais são as fakes news, mas fazem questão de manter a distância na hora da conversa. (Enfermeira)

DISCUSSÃO

A falta de Equipamentos de Proteção Individuais adequados, que atendam às medidas de proteção, e a necessidade de um uso racional se configuram como uma ameaça aos trabalhadores que, diariamente, encontram-se nos mais diferentes serviços de assistência à saúde⁽9⁾.

Considerando os discursos obtidos na pesquisa, é possível evidenciar que a percepção de risco de contaminação entre os profissionais que atuam em serviços de saúde voltados para o tratamento da covid-19 apresenta-se diretamente relacionada à deficiência de recursos que tornam as condições de trabalho mais seguras, a exemplo dos EPI.

Esses achados corroboram com um estudo⁽10⁾ que assegura a existência de vários fatores no meio ambiente de trabalho que são nocivos ao organismo, tais como as condições físicas, biológicas e emocionais. Esses fatores ocasionam, na maioria das vezes, uma baixa qualidade dos serviços prestados, descontinuidade das ações, bem como outras repercussões como absenteísmo, presenteísmo, sobrecarga, burnout, abandono da profissão, dentre outros.

Os profissionais de saúde estão constantemente expostos a situações consideradas de risco para a sua saúde e segurança. Entre todos os agentes encontrados nos serviços de assistência à saúde que colocam em risco a integridade física do trabalhador, destacam-se as fontes biológicas, responsáveis por grande parte do adoecimento ocupacional que cerca a vida no trabalho⁽11⁾.

A utilização dos EPI se configura como uma importante estratégia no enfrentamento aos riscos biológicos presentes nos serviços de saúde. É responsabilidade das instituições proporcionar ao trabalhador o acesso constante a esses dispositivos, que atendam às realidades das unidades hospitalares, vislumbrando principalmente a diminuição do contágio por doenças infecciosas, promovendo segurança, saúde e bem-estar de seus colaboradores⁽12⁾.

Em um artigo publicado no Journal of Educational Evaluation for Health Professions, durante a pandemia de covid-19, médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde de vários países contaminaram-se com o Sars-Cov-2 por meio da assistência direta a pacientes diagnosticados com esse vírus⁽13⁾.

Entre os profissionais de saúde chineses, a letalidade da infecção da covid-19 foi menor do que entre a população geral da China. Entretanto, em relação à incidência, o Grupo Itália para Medicina de Evidência (Italy Group for Evidence Medicine) reportou que 8,3% do total de casos da covid-19 na Itália ocorreram em profissionais de saúde, o dobro do reportado na China (3,8%)⁽14⁾.

No Brasil, segundo dados divulgados no Observatório da Enfermagem, portal do Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), o número de profissionais de enfermagem contaminados já estava em 20.149, com 208 óbitos, até 18 de junho de 2020, data de finalização desse manuscrito⁽15⁾.

Mediante a situação imposta pelo novo coronavírus e o crescente número de profissionais da saúde infectados, é necessário que, além das medidas que viabilizem a diminuição da taxa de contaminação na população em geral, os órgãos governamentais possam promover medidas que busquem minimizar os riscos sofridos por estes, por se tratar de um grupo específico que possui maior risco de contato com vírus.

Nessa perspectiva, esta realidade pode resultar no desenvolvimento de uma perturbação psicológica nos profissionais que estão lidando diretamente com esse fenômeno epidemiológico, bem como na incerteza do que está por vir, uma vez que é uma situação ímpar no século. Essa contexto produz um impacto significativo na saúde mental das pessoas ligadas à assistência direta à população que, por sua vez, superlota os serviços de saúde, provocando um expressivo estresse ocupacional⁽16⁾.

As diferentes falas dos profissionais revelaram que há situações em que o trabalho provoca um aumento da carga psíquica, afetando a saúde mental do trabalhador; com isso, as doenças passam a assumir formas mais subjetivas, tornando difícil sua associação com a atividade profissional. A motivação, o interesse e o prazer são substituídos pelo medo, a incerteza, a ansiedade e o desprazer.

O risco aumentado de ser infectado, adoecer e morrer; possibilidade de infectar outras pessoas; sobrecarga e fadiga; exposição a mortes em larga escala; frustração por não conseguir salvar vidas, apesar dos esforços; afastamento da família e amigos são fatores estressores vivenciados pelos profissionais da saúde no contexto das pandemias⁽17⁾. Sobre a covid-19 em particular, os desafios enfrentados pelos profissionais da saúde podem ser um gatilho para o desencadeamento ou a intensificação de sintomas de ansiedade, depressão e estresse⁽18⁾.

Na China, equipes de saúde mental passaram a observar sinais de sofrimento psicológico, irritabilidade aumentada e recusa a momentos de descanso por parte de profissionais da saúde que trabalhavam na linha de frente⁽19⁾. No Brasil, em especial concernente aos profissionais de enfermagem, o COFEn desenvolveu um canal: a equipe é formada por enfermeiros voluntários especializados na assistência de saúde mental, para que os profissionais de Enfermagem possam procurar ajuda emocional em meio à situação de pandemia do coronavírus⁽20⁾.

A vida profissional é cercada de atribuições e especificidades que exigem na maioria das vezes uma dedicação exaustiva do trabalhador. Esta condição expõe o profissional a um sofrimento claramente evidenciado pela Síndrome de Burnout, caracterizada por atitudes e sentimentos negativos que refletem nas pessoas que os cercam no trabalho, na realização de suas atividades laborais, bem como na percepção de si mesmo, desenvolvendo uma série de sinais e sintomas como exaustão emocional, despersonalização e falta de realização pessoal, afetando a saúde do indivíduo⁽21⁾.

Os riscos psicossociais têm contribuído diretamente para o surgimento de processos destrutivos no ambiente de trabalho, ocasionando a insatisfação do trabalhador, comprometendo a qualidade de vida e contribuindo para seu adoecimento⁽22⁾.

Soma-se a esta condição a seriedade de uma epidemia, a qual configura-se como uma ameaça à saúde pública, e cujas repercussões causam um impacto global. Gerenciar uma situação como essa torna-se ainda um desafio para as instituições governamentais, uma vez que vários fatores são determinantes para a garantia de uma assistência que atenda à necessidade vivida. Cabe ao gestor fortalecer e incentivar medidas de proteção que garantam a integridade das equipes durante a prestação do cuidado em saúde aos pacientes infectados⁽23⁾.

Apesar das repercussões negativas evidenciadas, vale mencionar que os profissionais de saúde acreditam possuir responsabilidades no âmbito profissional e social sobre o atendimento dos pacientes. Entretanto, quando somadas às preocupações a respeito da saúde e segurança dos seus familiares, a saúde mental passa a ser comprometida, principalmente por presenciarem complicações e mortes decorrentes da covid-19⁽24⁾.

A adoção de medidas protetoras sobre a segurança e saúde dos trabalhadores atuantes nos estabelecimentos de saúde é constituída pela Constituição Federal Brasileira de 1988 em conversão com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a construção de estratégias de promoção e prevenção sobre os agravos à saúde do trabalhador. Para que essas ações sejam alcançadas, é necessário compreender os fatores condicionantes do adoecimento psíquico dos trabalhadores de saúde em situação de pandemia, tais como a falta de EPI, sobrecarga de trabalho, medo de contaminação e infecção cruzada, falta de treinamento e informações sobre a proliferação do vírus⁽25⁾.

A Organização Mundial de Saúde⁽1⁾ alerta os países sobre a importância de um investimento emergencial de recursos financeiros, a fim de criar condições que propiciem um atendimento resolutivo aos casos de covid-19, de maneira que os riscos de infecções aos profissionais sejam reduzidos. Tendo como prioridade o investimento em medidas que visem ao controle de infecção, disponibilização de equipamentos para proteção individual e coletiva, além de valorização do trabalho, principalmente por parte de entidades governamentais e gestores de serviços de saúde, associada à concreta redução dos casos da doença, proporcionando benefícios sobre a saúde física e mental de toda equipe⁽26⁾.

Uma dessas medidas é garantir a segurança e o bem-estar dos trabalhadores que enfrentam a pandemia, garantindo condições de trabalho adequadas, com apoio não só tecnológico como também psicossocial, uma vez que esse é na realidade escasso.

Destaca-se, ainda, que as limitações na realização do estudo foram as questões de tempo, as mudanças rápidas de informações sobre as doenças e o acesso a matérias jornalísticas completas online.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As matérias de jornais deixam clara a exposição dos trabalhadores da saúde ao risco de contrair o SARS-CoV-2. Essa ameaça é agravada pelo pouco conhecimento sobre o agente patológico, a superlotação dos hospitais, a insuficiência de EPIs e a falta de medidas farmacêuticas eficazes.

Os relatos apresentados neste estudo retratam ainda que a exposição dos trabalhadores produz impactos emocionais e físicos resultantes da sobrecarga de trabalho, da preocupação de ser transmissor do vírus a membros da família e da insuficiência de equipamentos que visem à sua própria proteção. A pesquisa apresenta como contribuição que, a partir da história contada e escrita, pode se documentar as fragilidades e potencialidades da atenção em saúde.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

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Editado por

Editora associada: Luciana Puchalski Kalinke

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Out 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  13 Jul 2020
• Aceito
  30 Nov 2020