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O homem cordial em tempos de covid-19: Elites, conflitos no espaço público e caráter nacional

The Cordial Man in Covid-19 Times: Elites, Conflicts in the Public Space and National Character

Resumos

Com base em uma releitura crítica dos postulados de dois importantes nomes do assim chamado pensamento social brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta, o nosso propósito é discutir alguns episódios recentes de repercussão nacional envolvendo conflitos no espaço público brasileiro, assim como determinadas interações pautadas pela adoção de práticas autoritárias (como, por exemplo, as “carteiradas”). Entre as conclusões apresentadas no artigo está a de que, ao contrário do que sugere DaMatta, o “Você sabe com quem está falando?” corresponde a uma das faces da cordialidade, não à sua negação.

Palavras-chave:
homem cordial; elites; conflitos; caráter nacional; dilema brasileiro


Based on a critical rereading of the postulates of two important names of the so-called Brazilian social thought, Sérgio Buarque de Holanda and Roberto DaMatta, our purpose in The Cordial Man in Covid-19 Times: Elites, Conflicts in the Public Space and National Character is to discuss some recent episodes of national repercussion involving conflicts in the Brazilian public space, as well as interactions guided by the adoption of authoritarian practices (for example: “pull rank”). One of the conclusions offered, contrary to what DaMatta suggests, is that “Do you know who you are talking to?” corresponds to one of the faces of cordiality, not to its negation.

Keywords:
cordial man; elites; conflicts; national character; Brazilian dilemma


Introdução

Atemática do “caráter nacional” tornou-se objeto de interesse e elaboração de diferentes disciplinas acadêmicas, sobretudo, a partir do advento da Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, onde estudos a esse respeito alcançaram notória expressão, merecem destaque nomes como os dos antropólogos Ruth Benedict (1887-1948), Margaret Mead (1901-1978) e Gregory Bateson (1904-1980)1 1 Conferir, entre outros títulos dos autores relacionados ao tema, Bateson (1942), Benedict (1972) e Mead (1962). . Já nas ciências sociais brasileiras, suas raízes deitam-se na produção “científica” relativa à transição entre os séculos XIX e XX, quando as discussões giravam em torno da problemática envolvendo questões raciais e identidade nacional (CUNHA, 1902CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1902.; NINA RODRIGUES, 1935NINA RODRIGUES, Raimundo. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1935[1896-97].; ROMERO, 1943ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943[1888].). Os estudos sobre “caráter nacional” propriamente ditos só aparecerão um pouco mais tarde, tendo um importante ponto de inflexão na década de 1930 e início da seguinte (FREYRE, 2003FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Recife: Global, 2003[1933].; HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995[1936].; PRADO JR., 1961PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961[1942].), vindo a se desenvolver até, pelo menos, os anos 1980 (DAMATTA, 1997DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997[1979].; FAORO, 2000FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo/Publifolha, 2000[1958].; FERNANDES, 1975FERNANDES, Florestan. Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.; RAMOS, 1960RAMOS, Guerreiro. O problema nacional do Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1960.; RIBEIRO, 1980RIBEIRO, Darcy. Os brasileiros: teoria do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980[1965].). Foram inúmeros os autores que se dedicaram a caracterizar o país e sua população, ocupando-se da produção de diferentes sínteses nacionais nas quais, cada um à sua maneira, buscava elucidar o que, afinal, faz o Brasil Brasil.

Para os propósitos deste artigo, nossas atenções estarão voltadas para dois desses trabalhos que, separados por um interregno de quatro décadas, vieram a se constituir em importantes referências nos debates acerca do “caráter nacional” brasileiro. Trata-se, no caso, do clássico Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), cuja primeira edição data de 1936, e do não menos reverenciado Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, do antropólogo Roberto DaMatta (1936-), que acaba de completar quatro décadas de existência. Interessa-nos, particularmente, no caso da primeira obra, explorar o conceito central do seu mais citado e controverso capítulo: “O homem cordial”. No que tange à segunda, nosso olhar incidirá sobre o capítulo intitulado “Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil”. Para caracterizar o homem cordial, celebrado como a principal contribuição que o Brasil teria a dar à civilização, Holanda (1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995[1936]., p. 146) faz referência a “virtudes” como “a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade” que, segundo ele, representariam “um traço definido do caráter brasileiro”. DaMatta (1997)DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997[1979]., por sua vez, apresenta o “Você sabe com quem está falando?” como a negação do jeitinho, da malandragem e da própria cordialidade, razão pela qual tal expressão constituiria um aspecto da cultura brasileira que costuma ser excluído das representações sobre o nosso caráter enquanto povo e nação. Embora, num primeiro momento, tais interpretações do Brasil possam parecer antitéticas, entendemos que, na verdade, elas são complementares, o que esperamos esclarecer ao longo da presente discussão. Com base nessa perspectiva, gostaríamos de lançar mão das formulações teóricas dos referidos autores, a fim de analisar determinadas situações conflitivas que tiveram lugar no espaço público e, ao longo de 2020, ganharam notável destaque nos principais veículos de comunicação do país.

‘Elites’ e ‘barracos’ no contexto da pandemia

Como bem sabemos, a pandemia da covid-19 impactou profundamente a vida dos brasileiros. Desde a gripe espanhola, responsável pela morte de 35 mil pessoas, entre 1918 e 1920 - incluindo a do presidente eleito Rodrigues Alves (1848-1919) -, nunca se teve notícia de que algo parecido tenha ocorrido no Brasil. Passados pouco mais de dois anos e meio desde o início da proliferação do novo coronavírus (Sars-Cov-2), o país já contabilizou mais de 34 milhões de casos e quase 690 mil mortes por covid-19. Ao longo desse período, ações de combate à doença adotadas pelos poderes públicos estadual e municipal geraram polêmicas e suscitaram calorosos embates entre aqueles que se diziam favoráveis e os contrários à implementação de medidas protetivas, dentre as quais destaca-se o isolamento social. Enquanto uma parcela da população buscava (não sem sacrifícios!) respeitar normas de convivência social próprias do que se convencionou denominar “novo normal”, a outra encarava com relutância, ceticismo e, muitas vezes, com indignação a adoção de tais medidas e o controle social exercido tendo em vista o seu cumprimento. Muitos alegavam que a normatização implementada em diferentes localidades do país contrariava o princípio da liberdade individual, razão pela qual adotavam posturas que iam do descumprimento parcial ao total desprezo pelas orientações sanitárias e, consequentemente, pelo trabalho que as autoridades públicas procuravam realizar.

Em meio a esse contexto, diferentes veículos de comunicação noticiaram uma série de situações conflitivas que, não raro, remetiam a vestígios de um Brasil que muitos de nós gostaríamos de ver esquecidos no passado, tais como o mandonismo, a patronagem, o autoritarismo e o racismo que, apesar do que dizem os cínicos e pensam os espíritos obtusos, se mostram vivamente presentes entre os brasileiros. Veiculadas em número considerável, as notícias, eram apresentadas sob a forma de reportagens, entrevistas e textos para colunas sociais. Entre elas, pode-se mencionar títulos como os seguintes: “'Cidadão não, engenheiro': elites e autoritarismo no Brasil” (LIMA, 07/07/2020LIMA, Juliana Domingos de. “‘Cidadão não, engenheiro’: elites e autoritarismo no Brasil”. Nexo Jornal, 07 jul. 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/07/07/%E2%80%98Cidad%C3%A3o-n%C3%A3o-engenheiro%E2%80%99-a-elite-e-o-autoritarismo-no-Brasil. Acesso em: 08 out. 2020.
https://www.nexojornal.com.br/entrevista...
), “Falar mal da elite carioca é uma delícia” (JORGE, 08/07/2020JORGE, Mariliz Pereira. “Falar mal da elite carioca é uma delícia”. Folha de S. Paulo, Colunas e Blogs, 08 jul. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2020/07/a-sindrome-do-cidadao-nao.shtml. Acesso em: 08 out. 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ma...
), “Uma elite sem modos e sem atitude” (JIMENEZ, 20/07/2020JIMENEZ, Carla. “Uma elite sem modos e sem atitude”. El País, Opinião, 20 jul. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-07-21/uma-elite-sem-modos-e-sem-atitude.html. Acesso em: 08 out. 2020.
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-0...
), “A elite do atraso: Patricinha da Zona Sul humilha funcionários de quiosque no Leblon” (SBT TV, 21/08/2020SBT TV. “A elite do atraso: Patricinha da Zona Sul humilha funcionários de quiosque no Leblon”. SBT Rio, 21 ago. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VrqlOSl9xx8. Acesso em: 08 out. 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=VrqlOSl9...
), “Como é tosqueira a elite brasileira” (SANTOS, 27/09/2020SANTOS, Joaquim Ferreira dos Santos. Como é tosqueira a elite brasileira”. O Globo, Crônica de Segunda, 27 set. 2020. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/joaquim-ferreira-dos-santos/post/como-e-tosqueira-elite-brasileira.html. Acesso em: 08 out. 2020.
https://blogs.oglobo.globo.com/joaquim-f...
), “Motoboy humilhado por 'branco da elite' cria empresa para ajudar jovens a achar trabalho” (SOUZA, 28/09/2020SOUZA, Thiago de. “Motoboy humilhado por ‘branco da elite’ cria empresa para ajudar jovens a achar trabalho”. Topmídia News, 28 set. 2020. Disponível em: https://www.topmidianews.com.br/geral/motoboy-humilhado-por-branco-da-elite-cria-empresa-para-ajudar/135432/. Acesso em: 08 out. 2020.
https://www.topmidianews.com.br/geral/mo...
), “Elite brasileira é selvagem demais para frequentar restaurantes” (NOGUEIRA, 28/09/2020NOGUEIRA, Marcos. “Elite brasileira é selvagem demais para frequentar restaurantes”. Folha de S. Paulo, Cozinha Bruta, 28 set. 2020. Disponível em: https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/09/28/elite-brasileira-e-selvagem-demais-para-frequentar-restaurantes/. Acesso em: 08 out. 2020.
https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.b...
) e “Barracos sempre foram comuns entre a elite brasileira, mas antigamente não havia celular” (GOES, 28/09/2020GOES, Tony. “Barracos sempre foram comuns entre a elite brasileira, mas antigamente não havia celular”. Folha de S. Paulo, F5 Colunista, 28 set. 2020. Disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2020/09/barracos-sempre-foram-comuns-entre-a-elite-brasileira-mas-antigamente-nao-havia-celular.shtml. Acesso em: 08 out. 2020.
https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/t...
)2 2 Cabe esclarecer que a seleção das referidas notícias teve por critério fundamental a sua similitude temática e que, para fins analíticos, recorreremos a apenas uma delas, que será discutida na próxima seção. Acrescente-se a isso que não houve o emprego de técnicas ou recursos especializados para se chegar às mesmas. Na verdade, em boa parte dos casos, o conhecimento da sua existência se deu pela habitual consulta dos autores ao noticiário veiculado em diferentes meios de comunicação, prática que vem se tornando cada vez mais comum nos mais diversos contextos sociais mediante as transformações relativas à produção, armazenamento e fluxo de informações da contemporaneidade. .

É evidente que a escolha desses títulos não foi casual. Como se pode notar com um simples passar de olhos, todos empregam as palavras “elite” ou “elites”. Não bastasse a menção a tais termos, os conteúdos apresentados também fazem referência a outro vocábulo, mais coloquial, porém não menos expressivo do ponto de vista simbólico: “barraco”. Decerto que, quando lemos um jornal ou acessamos qualquer veículo informativo, não esperamos que, para tratar desse tipo de assunto, os jornalistas se utilizem de termos como conflito, altercação ou choldraboldra. Salvo melhor juízo, palavras como discussão, desentendimento e até mesmo confusão bastariam para comunicar o que se passou nos episódios descritos. Não obstante, nota-se uma recorrente opção dos jornalistas pelo uso da expressão “barraco”. Mas, por quê? O que isso significa?

Conforme mencionado, todas as matérias citadas contam com a enunciação da posição social dos envolvidos, ao que se segue uma espécie de avaliação moral dos jornalistas acerca dos fatos noticiados, algo que pode ser depreendido, por exemplo, do “ar de surpresa”, “choque” ou “aversão” que acompanha suas análises. Por definição, elites são minorias compostas por agentes que ocupam posição privilegiada no mundo social, de modo que, idealmente, existe certa expectativa de que elas apresentem comportamento condizente com sua condição. Em outras palavras, delas se espera o exercício da capacidade de autocontrole e regulação das próprias emoções, o que demarcaria, aliás, sua distinção em relação aos membros de segmentos e classes considerados inferiores. Como assinala Elias (1993ELIAS, Norbert. O processo civilizador, vol. 2: Formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993[1939]., p. 231), “a racionalidade e a modelação de sentimentos de alguém que cresceu numa família de classe operária são diferentes daquele[s de] que[m] cresceu num ambiente seguro e abastado”. A julgar, porém, pelo que era veiculado no noticiário, nossas “elites” não pareciam andar tão ciosas assim no que tange à observação ou ao cumprimento da etiqueta típico-ideal que delas se espera. Muito pelo contrário. Daí seus atos serem categorizados pelo uso de um vocábulo originariamente concebido para fazer referência a camadas sociais marcadas pela precariedade material e social.

Em sua acepção literal, a palavra “barraco” corresponde a uma habitação modesta, tosca, geralmente construída com barro e outros materiais improvisados, cuja finalidade consiste em abrigar pessoas provenientes de populações de baixa renda. Em um sentido mais coloquial, todavia, o uso do termo faz referência a um “ato espalhafatoso de indignação que contraria as regras de civilidade e decoro; escândalo, revertério”3 3 Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?id=Lj5Z#:~:text=2%20coloq%20Ato%20espalhafatoso%20de,dar%20vexame%20ou%20fazer%20esc%C3%A2ndalo. Acesso em: 04 nov. 2020. . Trata-se, pois, de uma simplificação da expressão “armar um barraco” que, por sua vez, significa “criar confusão, dar vexame ou fazer escândalo”4 4 Idem. . Em consonância com a máxima de que “a classificação das coisas reproduz a classificação dos homens” (DURKHEIM, MAUSS, 2001DURKHEIM, Émile; MAUSS, Marcel. Algumas formas primitivas de classificação: contribuição para o estudo das representações coletivas. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim: sociologia. 9.ed. São Paulo: Ática, 2001[1903]. p. 183-203., p. 184), uma vez que “barraco”, enquanto moradia, constitui algo próprio de classes e segmentos subalternos, ações classificadas como “armar um barraco” também o seriam. Idealmente falando, esse tipo de comportamento não diria respeito aos membros de outros estratos sociais, sobretudo os mais elevados, haja vista que, ao menos em tese, estes seriam portadores do que Wagner (2010WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010[1975]., p. 54) chama de cultura no sentido ‘sala de ópera’, a que se costuma associar “uma imagem de controle, refinamento e ‘domesticação’ do homem por ele mesmo”. Definitivamente, não é isso o que se verifica nos conteúdos jornalísticos difundidos. Antes, o que se noticia é a apresentação de um comportamento que, de certo modo, leva as elites a se confundir com aquele que, por contraste, as definem: o “povo”. Destarte, ao classificar determinados cursos de ação como “barracos”, os jornalistas parecem não ter outro objetivo senão explicitar a “falta de civilidade” das nossas “elites” que, em momentos mais “calorosos”, como os que envolvem tensões no espaço público, tenderiam a agir de modo semelhante às camadas populares, mostrando-se, assim, incapazes de conter suas paixões e de esconder o que, muitas vezes, há sob a polidez e suas “boas maneiras”.

‘Você está falando com alguém que tem berço’: carteiradas na Paulicéia ou a hierarquia em múltiplos eixos

Evidentemente, quando a “elite” “arma barraco”, ela não o faz de qualquer modo e, sim, nos seus próprios termos. Para desenvolver esse ponto, gostaríamos de voltar nossa atenção para um episódio ocorrido em 25 de setembro de 2020 que, a princípio, foi largamente veiculado na internet e, por essa razão, veio a se tornar tema de reportagem em um dos mais prestigiados programas de jornalismo e entretenimento do país: o Fantástico, da Rede Globo de Televisão5 5 Haja vista a sua considerável reverberação em diferentes veículos de comunicação, a escolha desse episódio para ilustrar a discussão proposta tem a ver, também, com dois outros critérios. O primeiro, como será evidenciado adiante, é que ele concentra diversos aspectos dos modos de navegação social analisados por DaMatta. O segundo é que, como ensina o jargão jornalístico, ele extrapola o meramente factual, servindo de subsídio ao estabelecimento de uma discussão mais ampla, na qual, além de descrever o que acontece, os agentes midiáticos atuam no sentido de prescrever o que entendem como o comportamento adequado a ser adotado pelos brasileiros em tempos de pandemia, sejam eles quem forem, isto é, independentemente da classe social a que pertençam. . O foco da notícia incidia sobre o suposto contraste entre o acontecimento relatado e seus protagonistas, o que se fez notar, também, pela ênfase conferida ao fato de o “barraco” ter ocorrido na cidade de São Paulo, mais precisamente em um de seus mais conhecidos “bairros de elite”, a saber: o Jardins.

O “barraco” em questão dizia respeito a uma confusão irrompida no salão do restaurante Gero6 6 O estabelecimento faz parte do grupo empresarial Fasano, que o caracteriza nos seguintes termos: “O restaurante Gero é um marco gastronômico da capital paulista desde sua inauguração em 1994 no bairro do Jardins. A ideia era criar um restaurante que fosse o ‘filhote’ informal do sofisticado Fasano, um ‘bistrô à cotê’. O restaurateur Rogério Fasano está à frente de todos os empreendimentos da família, que conta com mais de cem anos de tradição em alta gastronomia na cidade de São Paulo. O projeto inovador do arquiteto Aurélio Martinez Flores mantém o aspecto moderno e arrojado até hoje” (FASANO, 2020). , um dos mais caros de São Paulo. Carlos Iglesias, irmão do proprietário de outro sofisticado restaurante da cidade, A Figueira Rubaiyat7 7 A Figueira Rubaiyat é um restaurante classificado como de “alta gastronomia”, que conta com a peculiaridade de ter sido construído em volta de uma árvore centenária tombada pelo patrimônio cultural da cidade de São Paulo. Pertence a um grupo empresarial com diversas outras casas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Chile, Argentina, Espanha e México. Além dos restaurantes, o grupo Rubaiyat dispõe de uma fazenda no Mato Grosso do Sul, de onde vem parte da carne servida nesses estabelecimentos (SãO PAULOCITY, 05/05/2020). , teria sido impedido de conseguir uma mesa para ele e dois amigos devido às limitações de horário impostas pela pandemia. Em entrevista concedida à Veja São Paulo (CARVALHO, 02/10/2020CARVALHO, Pedro. “Não tenho berço mesmo. Sou filho de garçom”, afirma Carlos Iglesias. Veja São Paulo, Cidades, 02 out. 2020. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/briga-restaurante-gero-carlos-iglesias/. Acesso em: 08 out. 2020.
https://vejasp.abril.com.br/cidades/brig...
), ele apresentou a sua versão pessoal da história:

- O que aconteceu? (Jornalista)

- Cheguei ao Gero às 21h20. Sentei na barra [balcão], convidado pelo Ismael [maître da casa]. Havia uma senhora loira a 1 metro de mim. Fiquei na barra uns trinta ou quarenta minutos, no celular. Não bebi. (Entrevistado)

- Por que começou a confusão? (Jornalista)

- Mariana Junqueira e José Inácio Araújo [que, no caso, eram aguardados por ele para jantar] chegaram às 21h50 e pediram mesa. O maître disse: não vamos servi-los [os restaurantes têm de fechar às 22h]. Acho errado, porque eu estava no bar desde as 21h20. O José Inácio começou a arrumar confusão. Na sequência, essa loira diz: “Vá para a sua casa!” - em voz alta. O restaurante parou, deu aquele silêncio. Eu falei: “Quem é a senhora?”. Ela respondeu: “Sou a dona, retire-se daqui”. Era a mulher de Fasano filho [Denise, esposa de Fabrizio Fasano Jr.]. (Entrevistado)

O vídeo da confusão mostra Iglesias visivelmente transtornado no salão do restaurante, bradando contra clientes e funcionários, o que acabou por suscitar reações hostis entre os presentes. Em meio aos vitupérios lançados de lado a lado, o médico afirmava aos gritos que, até então, havia se comportado como um cavalheiro, mas que teria sido desrespeitado pela proprietária do restaurante: “Esta senhora desrespeitou a mim e eu não admito isso”, queixava-se o médico, que logo em seguida vociferou: “A senhora é uma mal-educada. Você não é dona de espaço público”. A confusão prosseguiu e ganhou novos contornos quando Iglesias partiu para o lado de fora do restaurante. Lá, diante de alguém que parecia querer apaziguar os ânimos, ele afirmou haver recebido um chute, razão pela qual ameaçava registrar um Boletim de Ocorrência (BO) contra o agressor. “Vamos resolver isso na polícia”, bradou mais uma vez. “Deixa a polícia vir que eu vou resolver isso com você”. Ato contínuo, o esculápio pegou o celular e ligou para alguém a quem se referia como o “meu delegado”. Em contrapartida, o homem que tentava acalmá-lo afirmou ser irmão do delegado Marcelo Ivo8 8 Com a publicação da portaria no 12.526, de 24 de maio de 2020, o delegado de polícia federal Marcelo Ivo de Carvalho foi designado para o cargo de delegado regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Superintendência Regional de Polícia Federal em São Paulo, o que o levou a participar de programas de televisão e, com isso, se tornar relativamente popular. , o que o expôs ao seguinte questionamento: “E daí, você é melhor? Você não”. Na sequência, outro homem tentou intervir, o que parece ter deixado Iglesias ainda mais irritado: “Tira a mão de mim! Não encosta em mim que eu não estou encostando em você!”, reclamou. Nisso, o sujeito que dizia ser irmão do delegado, fez uma ameaça (“Você vai se arrepender”), recebendo de volta uma nova admoestação: “Você vai me dar uma porrada?”, o que veio a ser replicado nos seguintes termos: “A gente é educado, a gente tem berço. Você está falando com alguém que tem berço”. Indignado, o médico então perguntou: “E eu não tenho?”, ao que recebeu a taxativa resposta de um dos presentes: “Não, não tem!”. Diante de um quadro progressivamente marcado pela tensão, funcionários do restaurante tentaram dirimir o conflito, que dava sinais de se encaminhar para a agressão física. Nesse ínterim, um coro de mulheres, que àquela altura já tinham ciência da identidade socioprofissional de Iglesias, em tom jocoso, começou a lhe solicitar que informasse o número do seu registro (“CRM! CRM! CRM!”), a fim de, com isso, evitar cruzar o seu caminho como eventuais pacientes.

No dia seguinte (sábado, 26), o médico fez circular um novo vídeo na internet, no qual tecia alguns comentários sobre a confusão e fazia ameaças aos envolvidos (FOLHAPRESS, 28/09/2020FOLHAPRESS. “Médico de barraco no Gero diz que briga começou após restaurante se negar a atendê-lo”. Yahoo!, Finanças, 28 set. 2020. Disponível em: https://br.financas.yahoo.com/noticias/m%C3%A9dico-barraco-no-gero-diz-153000622.html. Acesso em: 08 out. 2020.
https://br.financas.yahoo.com/noticias/m...
):

Eu vou passar um recado pra vocês, seus playboys que estavam lá no Gero ontem embriagados e que não têm educação”, disse. “Eu, graças a Deus, conheço a família Fasano há muitos anos e, por onde ando, ando com orgulho e saúde. Por onde piso, piso com educação.” “Porque aqui teve educação, teve educação americana, teve educação europeia, e somos pessoas que viemos do trabalho, não dessas baixarias desses moleques filhinhos que ficam falando que o pai deles é médico”, afirmou. “Médico tem aqui, com CRM vigente. Vocês vão ver.” “Você, pessoalzinho do Gero, seus playboyzinhos que não valem nada, tomem vergonha na cara que a plaquinha do teu Mercedes já está gravada e você que se cuide e venha pedir desculpas se você é um homem decente e é filho de um médico.

O episódio em questão ilustra perfeitamente aquilo que DaMatta (1997)DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997[1979]. chama de “dilema brasileiro”. De acordo com o antropólogo, no Brasil, nós vivermos às voltas com duas lógicas distintas que permeiam nossas representações e práticas cotidianas. De um lado, estaria uma mais universalista e igualitária, que opera no nível da ideologia e do aparato constitucional e legal. De outro, convivendo lado a lado com ela, de forma simultânea e complementar, haveria uma segunda lógica, esta particularista e hierárquica, que se faz presente não só, mas sobretudo, nos casos concretos com que nos defrontamos no dia a dia. Segundo o esquema analítico proposto, o sistema sociocultural brasileiro comportaria duas éticas distintas: uma individualista, tida por muitos como ‘legiferante’, posto que atua por meio de princípios formais e leis globais, e outra holista, que particulariza as relações, elevando, assim, a interdependência e a hierarquia a um lugar de destaque no conjunto das práticas sociais. Uma importante característica de tal duplicidade reside na coexistência pervasiva das duas lógicas, o que permite aos sujeitos passar de uma à outra conforme o caso ou, dito de outro modo, conforme a conveniência. Salvo melhor juízo, parece ser esse o caso do “barraco” no Gero.

Compreendendo o drama

O pequeno drama9 9 Como reconhece DaMatta (1997), a análise do “Você sabe com quem está falando?” como dramatização do mundo social é inspirada na obra de Victor Turner (1974, 2008), mais especificamente, na noção de dramas sociais. Tais quais definidos por Turner (2008), dramas sociais são “unidades de processo anarmônico ou desarmônico que surgem em situações de conflito” (p. 33), “episódios de irrupção pública de tensão” que se manifestam quando os interesses e atitudes de grupos e/ou indivíduos se encontram em franca oposição (p. 28). Esses episódios, que se situam “acima - além ou aquém - das rotinas que governam o mundo diário” (DaMatta, 1997, p. 207), têm a propriedade de fazer com que aspectos fundamentais da sociedade ganhem proeminência, trazendo à tona as estruturas ocultas e os domínios essenciais que “governam (ou deveriam, segundo os atores, governar) as interações sociais” (p. 208). que acabamos de narrar apresenta uma série de variantes do “Você sabe com quem está falando?”, expressão utilizada por DaMatta para analisar aquilo que, inspirado na obra de Louis Dumont (1911-1998), chama de universo ideológico brasileiro. Como costuma acontecer nesse tipo de situação, por meio dos mais diversos expedientes, os envolvidos buscaram estabelecer distinções entre si naquilo que para eles constituiria uma situação de “intolerável igualdade”. Conforme mencionado, o imbróglio teve início com a indignação de Iglesias em relação ao tratamento recebido no restaurante que, até onde sabemos, apenas cumpria o horário de funcionamento imposto a estabelecimentos desse tipo na capital paulista. A exemplo do que se passava com inúmeras outras localidades do país, também a cidade de São Paulo teve que se adaptar às novas rotinas trazidas pela pandemia de covid-19.

Ao que consta, Iglesias e seus convidados teriam deixado de ser atendidos porque chegaram ao restaurante próximo às 22 horas, contrariando com isso o disposto no decreto no 65.110, de 5 de agosto de 202010 10 Tal qual ocorria em todo o estado, a capital paulista seguia as orientações do “Plano São Paulo”, que avaliava a forma como cada região do estado vinha lidando com a pandemia de covid-19. As regiões eram então classificadas por cores (azul, verde, amarelo, laranja e vermelho), conforme o estágio em que se encontravam. Na fase 3 (amarela), de “flexibilização”, não haveria impedimento à realização de atividades econômicas, mas a imposição de certos protocolos ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes. Para tanto, eles eram obrigados a respeitar algumas determinações como, por exemplo, a de que o atendimento presencial ficasse restrito a 40% da capacidade e a de que o mesmo se encerrasse até as 22h. . Segundo a sua versão da história, no entanto, àquela altura, várias pessoas estavam sendo atendidas nas mesas, de modo que o tratamento conferido a ele e seus amigos não apresentaria uma razão minimamente plausível. Diante da negativa à sua solicitação, Iglesias teria tentado contornar a situação, alegando que chegara cedo ao local e que, no momento, ainda havia dezenas de clientes no salão do estabelecimento, o que não surtiu qualquer efeito a seu favor. Cabe ressaltar que, a despeito de eventuais controvérsias, ao menos formalmente, a situação era conduzida em conformidade com uma gramática moderna, na qual as ideias de igualdade e universalidade dos direitos pareciam figurar como referências centrais. Não obstante, numa sociedade rigidamente hierárquica e desigual como a brasileira, ser tratado como apenas mais um destinatário da fria e dura letra da lei corresponde a algo que é encarado por muitos como inapropriado ou fora de lugar. No caso, dada a iminência de que isso viesse a acontecer, não tardou para que irrompessem confrontos nos quais as partes envolvidas prontamente acionaram recursos que passavam, entre outros, pela revelação das suas respectivas identidades sociais.

Foi assim que ficamos sabendo, por exemplo, que Iglesias era médico, que seu principal interlocutor na discussão do lado de fora do restaurante era irmão de um delegado da polícia federal, que a dona do restaurante participou diretamente da confusão etc. Longe de se tratar de informações casuais ou gratuitas, naquele contexto, a explicitação das identidades tinha como função precípua projetar socialmente cada um dos contendores. Em meio ao jogo de projeções identitárias, cada qual procurava confrontar o outro com diacríticos que o deixassem a par da sua posição e, portanto, da sua pretensa estatura social. Não por acaso, quando o médico ameaçou chamar a polícia para registrar um boletim de ocorrência, ele não se limitou a dizer que recorreria à instituição, mas fez questão de explicitar que chamaria o seu delegado, numa inequívoca manifestação do entendimento de que, ao contrário do que se passa com a maioria dos brasileiros, alguns cidadãos são capazes de fazer valer mais rigorosamente a lei, desde que, é claro, isso seja feito em seu benefício. No caso, o acionamento da polícia não teria por objetivo a arbitragem dos direitos e interesses conflitantes e, sim, a garantia do tratamento diferenciado a uma das partes envolvidas, o que aponta para a existência de certa indistinção entre o exercício de direitos e de privilégios no Brasil (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. Concepções de igualdade e (des)igualdades no Brasil. In: LIMA, Roberto Kant de; EILBAUM, Lucia; PIRES, Lenin (Orgs.). Conflitos, direitos e moralidades em perspectiva comparada, vol. 1. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. p. 19-33.). A mesma consciência vertical de posição será também identificada no segundo vídeo, no qual, em reação às provocações recebidas na noite anterior (“Você está falando com alguém que tem berço”), Iglesias procura lançar mão de múltiplos marcadores sociais, como educação formal (“Porque aqui teve educação. Teve educação americana, teve educação europeia”) e ocupação profissional (“Somos pessoas que viemos do trabalho. Não é dessas baixarias, desses moleques (...) playboyzinhos que não valem nada!), a fim de, com isso, se afirmar hierarquicamente superior aos seus detratores.

Sem poder ser encarado como uma excepcionalidade, o caso em tela representa uma amostra de um amplo conjunto de situações que foram noticiadas pelos mais diferentes veículos de comunicação, sobretudo ao longo do segundo semestre de 2020. A esse respeito, como não lembrar e, ao mesmo tempo, não se indignar com episódios como o do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi flagrado humilhando um guarda municipal em Santos (SP) ao ser abordado por estar sem máscara no espaço público? Na ocasião, ele não só teria rasgado a multa que lhe foi entregue, como chamado o guarda de analfabeto, procurando, ainda, intimidá-lo mediante a apresentação de um documento de identificação profissional (GOMES, 19/07/2020GOMES, Letícia. “Desembargador que humilhou guardas em SP diz que foi ‘vítima de armadilha’”. G1, Santos e Região, 19 jul. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/07/19/desembargador-flagrado-ameacando-guardas-em-sp-diz-que-foi-vitima-de-armadilha.ghtml. Acesso em: 08 out. 2020.
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). E o que dizer do caso dos fiscais fluminenses que sofreram ataques e ameaças ao tentar separar multidões que, ignorando as medidas de prevenção contra o novo coronavírus, se formaram logo após a reabertura dos bares e restaurantes no Rio de Janeiro? O caso mais conhecido talvez seja o da mulher que, diante de um funcionário da Vigilância Sanitária, mostrou-se indignada ao ver o seu marido sendo tratado por cidadão, ao que prontamente respondeu: “Cidadão não. Engenheiro civil formado. Melhor do que você!” (LIMA, 07/07/2020LIMA, Juliana Domingos de. “‘Cidadão não, engenheiro’: elites e autoritarismo no Brasil”. Nexo Jornal, 07 jul. 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/07/07/%E2%80%98Cidad%C3%A3o-n%C3%A3o-engenheiro%E2%80%99-a-elite-e-o-autoritarismo-no-Brasil. Acesso em: 08 out. 2020.
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). A exemplo de outros tantos, tais casos ilustram uma prática recorrente em diferentes domínios da vida social brasileira, que consiste em, diante da rigidez das regras, tentar burlá-las ou fazê-las se curvar diante de si. Embora ritos de autoridade como as “carteiradas” não sejam algo exclusivo do período da pandemia, nele, se tornaram especialmente carregados de dramaticidade e simbolismo posto que, ao contrário do que se passa com sujeitos que se movem pelo mundo orientados por uma consciência vertical de posição social, o Sars-Cov-2 não reconhece nem discrimina classes, status ou qualquer outro marcador de distinção, podendo incidir sobre públicos múltiplos e variados, como de resto deixam ver os vultosos índices de casos e mortes por covid-19 no Brasil.

Apesar de sua indelével presença, o “Você sabe com quem está falando?” não foi o único a estampar as manchetes dos jornais no período da pandemia. Contrariando a máxima cunhada por McLuhan (1969MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969[1964]., p. 232) de que “notícia é sempre má notícia”, ações autoritárias, como as que acabamos de relatar, tiveram que dividir espaço no noticiário com outras bem mais amenas. Em meio a toda a crise social, política e econômica provocada pelo avanço do novo coronavírus, diferentes mídias mostraram que, nas mais diversas partes do planeta, sucederam-se ações beneficentes de apoio às pessoas mais necessitadas. O mesmo pode ser dito em relação ao Brasil. Ao longo de meses, ONGs, empresas, pessoas públicas e anônimas dedicaram-se à arrecadação de alimentos e produtos de higiene pessoal para doar a famílias mais vulneráveis. Bancos, indústrias, empresas e instituições comerciais realizaram doações materiais. Máscaras de pano foram confeccionadas e destinadas àqueles que não tinham condições de comprar. Sucessivas doações de equipamentos de proteção individual foram dirigidas a agentes da área da saúde pública. Tanto isolados quanto em grupo, voluntários espalhados pelas diferentes regiões do país se dedicaram a arrecadar alimentos e produtos de higiene para pessoas do grupo de risco. Anônimos se dispuseram a gentilmente fazer compras para idosos. Uma série de ações de acolhimento e solidariedade veio à tona no momento em que muitos realmente necessitavam, o que, de certo modo, corroborava a tese formulada em Raízes do Brasil de que a generosidade seria um dos principais traços característicos dos brasileiros.

Uma vez que os trabalhos de Holanda e DaMatta figuram entre as mais elaboradas interpretações acerca do “caráter nacional brasileiro”, o leitor poderia, então, se perguntar: como, olhando para uma mesma realidade sociocultural, teriam tais autores chegado a resultados tão distintos? Seriam as sínteses propostas pelos eminentes pesquisadores antitéticas e, portanto, inconciliáveis? A fim de oferecer uma resposta a tais indagações, faz-se necessário retomar, ainda que sucintamente, alguns pontos do amplo debate que, há tempos, envolve as suas obras e tem, entre as temáticas privilegiadas, questões relativas à modernidade e tradição. Senão, vejamos.

Controvérsias em torno do dilema brasileiro

Apesar de uma recepção inicialmente “limitada e fria”11 11 Como mostra a introdução de O Brasil não é para principiantes: Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois (GOMES, BARBOSA, DRUMOND, 2000), não se pode dizer que a obra de DaMatta tenha vindo a público num momento propriamente auspicioso. Publicado na virada das décadas de 1970/1980 - de forma concomitante, portanto, ao período final do regime militar no Brasil -, Carnavais, malandros e heróis foi lançado em meio a um contexto tido como fortemente marcado pela disputa de hegemonia acadêmica nas ciências sociais entre marxistas e não marxistas, o que, por corolário, relegava estudos sobre “cultura brasileira” a um lugar, para dizer o mínimo, secundário. , não tardou para que Carnavais, malandros e heróis se tornasse uma importante referência nas ciências sociais brasileiras, dispondo, aliás, de traduções nas línguas francesa, inglesa e espanhola12 12 Ao passo que ampliaram o seu alcance, as traduções possibilitaram que o trabalho dialogasse com a produção acadêmico-intelectual de contextos francófonos, anglófonos e hispanófonos. Entre as questões exploradas nessa rica e variada interlocução, pode-se mencionar, por exemplo, dilemas envolvendo a construção do espaço público no Brasil (VIDAL, 2014), relações entre miscigenação e identidade nacional (LAVELEYE, 2002), cultura e desigualdade social em El Salvador (RODRIGUEZ, 2016), cidadania e construção de identidade política no Peru (LLANOS, 2018), o caráter relacional da sociedade brasileira (FREEMAN, 2014), a busca de privilégios como traço presente nos diversos setores do nosso país (ROTH-GORDON, 2009), entre outras. . Muito antes, porém, da publicação de uma versão em espanhol13 13 A tradução em língua francesa data de 1983, a inglesa, de 1991. Já a espanhola é de 2002. , o pensamento de DaMatta já havia se tornado conhecido na América Latina, encontrando no pioneiro trabalho de O’Donnell (1984)O’DONNELL, Guillermo A.¿Y a mi qué me importa? Notas sobre sociabilidad y política en Argentina y Brasil. Buenos Aires: Cedes, 1984.14 14 Como mostram, entre outros, os trabalhos de Rabotnikof (1993) e Araujo (2012), o debate entre O’Donnell e DaMatta representa um ponto de inflexão nas análises comparadas envolvendo formas de sociabilidade, direito e identidade nacional na América Latina. um importante elemento de difusão. Ao analisar o comportamento de brasileiros e argentinos diante do emprego do “Você sabe com quem está falando?”, o cientista político observou que, enquanto os primeiros tendiam a se submeter diante da autoridade real ou imaginada do(s) seu(s) interpelante(s), os segundos reagiam de forma cínica e agressiva, lançando mão da contestação: “Y a mi que mierda me importa?”. O contraste entre as duas realidades o levou à conclusão de que, embora também se tratasse de uma sociedade profundamente hierárquica e violenta, a Argentina conservava um estilo de apresentação pública pessoal de caráter individualista e igualitário, o que diferia radicalmente daquilo que se verificava no Brasil, colocando, portanto, em questão os limites analíticos do encadeamento entre individualismo/igualitarismo, de um lado, e holismo/hierarquia, de outro.

Num sentido relativamente semelhante, a crítica de Cabral (2007)CABRAL, João de Pina. A pessoa e o dilema brasileiro: Uma perspectiva anticesurista. Novos Estudos Cebrap, v. 78, p. 95-112, 2007. também vai incidir sobre os pressupostos teóricos herdados de Dumont. Tendo por objetivo manifesto a compreensão do conceito de “dilema brasileiro” à luz da polaridade indivíduo/pessoa, o antropólogo português nos convida a repensar o que chama de lugares-comuns maussianos e dumontianos acerca das dicotomias individualismo/holismo e igualitarismo/hierarquia. Recusando-se a atribuir primazia explicativa à “cesura” moderno/tradicional, ele se dedica a problematizar as bases da concepção binarizante “que posiciona um ‘Ocidente’ - esse conceito-expectativa - em face de todo o resto da experiência histórica humana” (p. 97). Segundo tal linha de raciocínio, as inconsistências do conceito de “dilema brasileiro” adviriam, justamente, da adoção de premissas “cesuristas”, posto que, tendo em mente uma representação paradigmática do individualismo norte-americano, DaMatta teria sido levado a lançar um olhar distópico sobre o Brasil, de modo a interpretá-lo como incapaz de se decidir entre a modernidade e a tradição.

Justiça seja feita, cabe ressaltar que, se DaMatta opera analiticamente com uma antinomia que tem, de um lado, individualismo/igualitarismo e, de outro, holismo/hierarquia, não nos parece correto afirmar que o faz a partir de uma perspectiva meramente formal, do tipo “cesurista”. Longe disso, ao combinar a teoria da hierarquia de Louis Dumont com o processualismo de Victor Turner - outra referência central em sua obra -, ele constrói um esquema explicativo que, sem prescindir da noção de estrutura, confere centralidade à dinâmica social, aos dramas, ritos, conflitos, enfim, aos processos que, nos termos de Turner (2008)TURNER, Victor. Dramas, campos e metáforas: Ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Eduff, 2008[1974]., correspondem ao “curso geral da ação social” (p. 27). Inspirado pela perspectiva processualista que atravessa a “antropologia da ambiguidade” do consorte britânico15 15 Sem esconder a sua admiração intelectual e pessoal por Turner, DaMatta (2005, p. 15) o define, na apresentação de Floresta de símbolos, como um dos “grandes mestres que modificaram o rumo da antropologia social [e, concomitantemente, como um] amigo e companheiro de aventura intelectual”. , DaMatta verifica que a ética individualista/igualitária e a holista/hierárquica não apenas coexistem no Brasil, mas convivem e se relacionam de forma dinâmica, numa alternância que, salvo engano, teria menos a ver com a incapacidade de se decidir entre o moderno e tradicional, e mais com a conveniência de ser uma coisa ou outra sem deixar de ser, conforme o caso, uma coisa e outra16 16 Seguindo a trilha aberta por DaMatta, outros pesquisadores têm se ocupado da complexa coexistência entre a ética individualista/igualitária e a holista/hierárquica no Brasil, o que vem contribuindo para o aperfeiçoamento do esquema analítico originalmente proposto para lidar com a questão. Nesse sentido, entre inúmeras outras, podem ser citadas as pesquisas desenvolvidas por Roberto Kant de Lima que, ao refletir sobre os efeitos de Carnavais, malandros e heróis em seu trabalho de antropólogo, constata que sua “trajetória profissional poderia ser resumida, de certa maneira, como uma continuação, ou desdobramento, de algumas questões colocadas neste livro” (KANT DE LIMA, 2000, p. 105). Considerando as especificidades do ordenamento jurídico brasileiro, ele chama a atenção para o fato de que a convivência entre princípios hierárquicos e igualitários se faz presente nos diversos domínios da vida social brasileira, incluído o plano normativo, contrariando, assim, a formulação de que este seria regido por princípios formais e leis globais. Prova disso reside no instituto da prisão especial e do foro privilegiado por prerrogativa de função, que concede a autoridades políticas a possibilidade de ser julgadas por um tribunal diferente daqueles destinados aos cidadãos comuns. .

No Brasil, ao longo das últimas décadas, as críticas ao trabalho de DaMatta têm partido, sobretudo, de Jessé de Souza (2000SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília: UnB, 2000., 2001, 2015). De modo geral, tais críticas estão relacionadas à identificação de DaMatta com "a interpretação dominante" acerca dos processos de modernização e desigualdade social do Brasil: o “paradigma teórico do personalismo”. Partindo dessa identificação, o sociólogo se coloca contra a tese sócio-histórica que, carecendo de uma teoria da estratificação social, teria imputado à herança ibérica portuguesa a condição de traço estruturante capaz de explicar o caráter hierárquico e desigual da sociedade brasileira. De acordo com tal perspectiva, DaMatta seria responsável pela (re)produção de uma compreensão do Brasil na qual, por contraposição à concepção típico-ideal de modernidade ocidental, o País se vê representado como uma sociedade relacional, que tenderia a refratar os estímulos de instituições fundamentais do mundo moderno, tais quais o Estado e o mercado (SOUZA, 2001SOUZA, Jessé. A sociologia dual de Roberto Da Matta: descobrindo nossos mistérios ou sistematizando nossos auto-enganos? Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 45, p. 47-67, 2001.).

Sobre as raízes e o futuro do Brasil: um consenso no dissenso

Críticas semelhantes serão também dirigidas à obra de Holanda, num tom não menos elevado. Embora reconheça Freyre como o pai-fundador da vertente culturalista que serviu de base ao “paradigma teórico do personalismo”, Souza (2015)SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. Ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015. atribui ao historiador a responsabilidade por sua consagração no meio acadêmico brasileiro. Segundo o sociólogo, apesar de propalar uma tese equivocada, Raízes do Brasil teria assumido, ao longo dos anos, a condição de mais prestigiosa interpretação do Brasil, gozando de ampla aceitação entre intelectuais tanto de esquerda quanto de direita17 17 Prova do sucesso da obra de Holanda encontra-se no expressivo número de edições e traduções de Raízes do Brasil. O livro já conta com cerca de 30 edições, além do que, como aponta Costa (2014), “foi traduzido para o espanhol, o italiano, o francês, o japonês e o alemão; em 2012, foi publicada uma versão em inglês” (p. 823). O historiador goza também de considerável prestígio internacional. Mesmo com algumas críticas à ausência da herança africana na sua definição do “caráter nacional” brasileiro (OWENSBY, 2005) ou a uma essencialização da “cordialidade” como imagem da nação (JOHNSON, 2001), pode-se afirmar que Holanda tem sido reconhecido como um dos grandes intérpretes do país (MORSE, 1982; OWENSBY, 2005). . O segredo desse sucesso decorreria, entre outros fatores, do tipo de análise empreendido sobre determinados aspectos da nossa “pré-modernidade”, o que veio a fazer com que a obra assumisse contornos de uma teoria social crítica na qual o passado português figura como elemento primordial na definição dos destinos da Nação.

Apesar das discordâncias acerca das premissas, conclusões e argumentos apresentados por Souza, gostaríamos de nos ater aqui a um ponto da sua crítica que encontra consonância com uma leitura relativamente comum da obra de Holanda. Nela, um aspecto específico da influência weberiana tende a ser acentuado: a construção de tipos ideais. É por meio de tal construção que somos conduzidos à representação do homem cordial como aquele para quem, por força da tradição, as relações pessoais e de afeto se sobrepõem à impessoalidade da lei e à norma social. Produto da combinação de nossas raízes ibéricas, patriarcais e escravocratas, ele corresponderia à expressão de uma sociedade carente de coesão social, de uma clara separação entre o público e o privado, de organização formal eficiente, de um aparato burocrático regido por princípios racionais-legais... Enfim, nessa leitura de Raízes do Brasil, prevalece a lógica da falta, e as tradições nacionais são definidas como um obstáculo à modernização, quadro que só pode ser revertido se o país “criar o seu próprio mundo e (...), para fazê-lo, terá de romper com o seu passado português” (REIS, 1999REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: FGV, 1999., p. 122).

Na contramão dessa perspectiva, encontra-se a linha de interpretação que sustenta que Holanda nunca teria afirmado a impossibilidade de uma transição para a modernidade, recusando-se, assim, “a afiançar, sem apelo, a incompatibilidade absoluta entre o brasileiro e os ideais democráticos” (MOREIRA, 1999MOREIRA, Roberto S. C. Weber e o mal-estar colonial. In: SOUZA, Jessé (Org.). O malandro e o protestante: a tese weberiana e a singularidade cultural brasileira. Brasília: UnB, 1999. p. 195-210., p. 206). Se, de fato, ele vislumbrava essa possibilidade para o Brasil, caberia, então, indagarmos: e qual o caminho da modernidade? De onde, afinal, ela adviria? Considerando-se os seus comentários acerca do caráter “epidérmico” da civilidade, não restam dúvidas de que, para o historiador, a importação de modelos se afigurava como insuficientemente capaz de levar a cabo tal empresa. Assim sendo, a modernidade teria que brotar do próprio país, da “nossa revolução”. Como esclarece Waizbort (2011)WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, p. 39-62, 2011., essa revolução “lenta e gradual” implicaria um movimento conjunto que, sem desconsiderar nossa individualidade histórica, articulasse a transformação da estrutura de personalidade brasileira à transformação da estrutura da sociedade18 18 De acordo com Piva (2000), Holanda chega a ver em “curso processos que autorizam certo otimismo. Mas, cauteloso, temendo o peso de estruturas arraigadas, alerta para possíveis dificuldades e barreiras capazes de impedir que ‘nossa revolução’ se realize” (p. 182). . No caso, a tradição viria a cumprir um papel fundamental ao criar o “ambiente adequado” para a articulação entre o passado, o presente e o futuro.

Em interessante análise contrastiva de duas das mais importantes vertentes sociológicas brasileiras - a abordagem da “dependência” e a vertente “patrimonial-patriarcal” - Tavolaro (2008)TAVOLARO, Sérgio B. F. “Neither traditional nor fully modern...”: two classic sociological approaches on contemporary Brazil. International Journal of Politics, Culture, and Society, v. 19, n. 3/4, p. 109-128, 2008. assevera que, desde o início, a questão da “modernidade” ocupou o centro das atenções da sociologia em nosso país. É evidente que uma obra da grandiosidade de Raízes do Brasil não teria como ficar alheia a esse debate. Não obstante, apesar (ou por causa) das ambiguidades contidas em diversas partes do livro, não foram poucos os equívocos e/ou dissensos suscitados por sua leitura19 19 Os mal-entendidos e dissensos interpretativos em relação ao conceito de homem cordial, por exemplo, podem ser depreendidos do modo como este tem sido apropriado no sentido de reforçar visões estereotipadas dos brasileiros a partir de um suposto “traço psicológico positivo” (COLI, 2013). A menção ao termo também costuma ser feita como recurso para exemplificar a existência de um tipo ideal histórico portador de múltiplas contradições (ZAMANT, 2016) e, mais frequentemente, como forma de mobilizar uma autoimagem genérica da população brasileira (CHIRIO et al., 2018; DE MATOS, 2016; GEFFRAY, 1997; SILVA, 2010). . No caso das linhas interpretativas há pouco referidas é possível identificar uma controvérsia que tem, de um lado, um Holanda notadamente normativo, para quem nossas vetustas tradições constituiriam um obstáculo à expansão da atividade política no país, e, de outro, um Holanda mais compreensivo que, inspirado por nomes como Franz Boas (1858-1942), Wilhelm von Humboldt (1767-1835) e Johann Gottfried von Herder (1744-1803), tomaria o “gênio”, o geist do povo brasileiro como condição sine qua non da nossa modernização20 20 Silva (2005) identifica na leitura de Raízes do Brasil a potencialidade de se pensar uma modernidade específica, situada na fronteira móvel da tradição-modernidade, naquilo que chama de interstício das diferenças. Nesse sentido, diz ele, “se o Homem Cordial representa, de certa forma, nosso não lugar na modernidade, ele constitui ainda um híbrido entre a tradição e a modernidade. Seus rompantes modernos, apesar de sufocados pelos traços tradicionais, são latentes, o que evidencia um sujeito singular, criatura nacional” (Silva, 2005, p. 130). .

A exemplo de Freyre, que associou a “singularidade brasileira” às nossas raízes ibéricas, Holanda produziu uma obra cujos méritos se encontram não só na influência exercida sobre outros autores consagrados (como DaMatta, por exemplo), mas também (e não menos importante!) na sua capacidade de ir além dos círculos de leitores especializados21 21 Como apontam Schwarcz e Monteiro (2016, p. 24), “Raízes do Brasil se tornou um símbolo de prestígio, uma espécie de capital simbólico fundamental, e também uma marca. Uma forma de nos apalparmos e nos reconhecermos na diferença que deixa de ser histórica e passa a ser essencial. Em sites de turismo, os brasileiros são definidos como “cordiais”. Em programas de TV, sambas-enredo, até em novelas voltaríamos ao homem cordial como nossa melhor promessa. O conceito entrou no vocabulário do pensamento conservador, mas também recebeu aval da interpretação mais liberal”. , o que, evidentemente, surtiu efeitos diversos, como diversas têm sido as apropriações de Raízes do Brasil ao longo da história.

Publicado no ano imediatamente anterior à instauração do Estado Novo (1937), não tardou para que o livro se tornasse um potencial alvo de apropriação ideológica do governo. Segundo se supunha na época, a figura do homem cordial poderia vir a ser útil aos anseios de propaganda política da Era Vargas. Tal raciocínio encontrava lastro em interpretações que, por meio de um deslize semântico, aproximavam as representações de cordialidade e benfazer, gerando, assim, uma espécie de associação sinonímica entre homem cordial e homem bom. Tal perspectiva, que foi difundida, entre outros, pelo jornalista, poeta e ensaísta Cassiano Ricardo Leite (1894-1974) - tido à época como principal porta-voz do modernismo nacionalista - levaria Holanda (1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995[1936]., p. 25) a publicar uma segunda edição modificada de Raízes do Brasil, na qual se dispunha a alterar o livro “abundantemente onde pareceu necessário retificar, precisar ou ampliar sua substância”. Uma das mais importantes modificações - que vai diretamente ao encontro da temática de interesse deste artigo -, encontra-se na sexta nota de rodapé (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995[1936]., pp. 204-205), na qual, em reação à interpretação enviesada e reducionista do conceito que formulara, o historiador explica que, para evitar mal-entendidos, a palavra “cordial” haveria de ser tomada “em seu sentido exato e estritamente etimológico”, dispensando-se, portanto, “juízos éticos” e “intenções apologéticas”. Segundo tal perspectiva, o homem cordial corresponderia àquele que pensa com o coração, sendo que a cordialidade não abrigaria, “apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia”, podendo, por conseguinte, a inimizade “ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração”.

Embora não possa ser depreendido do tom celebratório que, a princípio, define a cordialidade como virtude, o posterior recurso ao sentido etimológico do termo facultou o alargamento do seu alcance analítico, ensejando, assim, o surgimento de novas possibilidades interpretativas. No que nos interessa, mais particularmente, a compreensão alargada do termo permitiu que o rito de separação contido no emprego do “Você sabe com quem está falando?” deixasse de ser representado exclusivamente como negação da cordialidade, podendo vir a ser entendido, também, como o seu anverso, sua contraparte e, portanto, seu complemento. Dessa maneira, se o homem cordial seria aquele que age orientado pelo que vem do coração, tanto práticas baseadas em concepções igualitárias quanto descomposturas fundadas em visões hierárquicas viriam a se constituir em elementos de um mesmo conjunto (a cordialidade, em seu amplo sentido etimológico), o que permite a tais cursos de ação serem considerados elementos consubstanciais ou idênticos ao mesmo tempo que, do ponto de vista dos juízos morais, se oponham e distingam entre si (DUMONT, 1997DUMONT, Louis. Homo hierarchicus: o sistema de castas e suas implicações. São Paulo: Edusp, 1997[1966].). Em suma, consoante o princípio dumontiano de “englobamento do contrário”, pode-se dizer que, num primeiro nível, a cordialidade e o “Você sabe com quem está falando?” seriam considerados idênticos, ao passo que, num segundo, um representaria exatamente o oposto do outro.

Considerações finais

Lá se vai algum tempo desde que os estudos sobre “caráter nacional” deixaram de figurar entre os mais prestigiados das ciências sociais. Críticas apontando a necessidade de que suas análises levassem em conta questões como as mudanças nas estruturas sociais, o caráter dinâmico da história e, não menos importante, a diversidade interna das nações concorreram para que tais estudos se tornassem paulatinamente menos atraentes para pesquisadores tanto em âmbito nacional quanto internacional. Entre as críticas, uma das mais recorrentes diz respeito ao cariz ideológico que, não raro, se costuma imputar a esses trabalhos. No que concerne particularmente a Raízes do Brasil, tal acusação estaria relacionada à leitura de que a elaboração do conceito de homem cordial trazia consigo um tom de exaltação otimista ou, pode-se mesmo dizer, “romântica” (LEITE, 1968LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro: História de uma ideologia. São Paulo: Pioneira, 1968.) do Brasil e dos brasileiros. Ao lado de nomes como Gilberto Freyre (1900-1987) e Caio Prado Jr. (1907-1990), Holanda fez parte de uma geração cuja produção intelectual foi interpretada por muitos como uma tentativa de redescoberta positivada da identidade nacional, posto que esta contrastava frontalmente com visões hegemônicas entre o final do século XIX e início do XX, quando fundadores das ciências sociais brasileiras, como Euclides da Cunha (1866-1909), Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) e Sílvio Romero (1851-1914), procuravam explicar, à luz das doutrinas “científicas” da superioridade racial vigentes, o suposto “atraso brasileiro” em comparação ao estágio da evolução histórica alcançada pelos países europeus (ORTIZ, 2006ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006[1985].).

A despeito dos avanços em relação às perspectivas predecessoras, inúmeras foram as críticas dirigidas às imagens do Brasil forjadas a partir das obras de Holanda e Freyre, nas quais se alega que nós nunca vivemos em uma sociedade cordial, nem racialmente democrática. Isso, no entanto, não implica que, para usar uma expressão coloquial, devamos “jogar fora o bebê junto com a água do banho”. Ainda que, muitas vezes, os trabalhos sobre o “caráter nacional brasileiro” apresentem problemas analíticos e, por corolário, não ofereçam respostas satisfatórias às ambiciosas questões que propõem (como, por exemplo, a de definir o que faz o Brasil Brasil?), pode ser que aos menos uma parcela desses estudos ainda tenha algumas contribuições e até mesmo lições a nos dar. Para tanto, porém, faz-se necessário que consideremos os seus respectivos contextos de produção, os seus limites teórico-metodológicos e lhes sejam dirigidas as perguntas certas. Com isso, eles talvez possam fornecer pistas interessantes para a compreensão de determinadas situações vividas por nós, brasileiros, inclusive no cenário de pandemia. Até porque a forma como nos relacionamos uns com os outros não é orientada apenas por nossos hábitos mentais, mas também - para usar uma expressão tocquevilleana - pelos “hábitos do coração”, essas “segundas naturezas” que, ao contrário da exterioridade da polidez, guardam o que há de mais profundo em cada um de nós.

E quais seriam, então, os nossos “hábitos do coração”? Como deixam ver os casos elencados ao longo do texto, eles compreendem tanto a solidariedade, reciprocidade e empatia - que em tese nos igualam e aproximam uns dos outros - como as hierarquias contidas em ritos de autoridade como as “carteiradas” - que nos desigualam e distanciam. Longe de se tratar de práticas quaisquer, episódios como os referidos na primeira parte do artigo constituem exemplos inequívocos de modos de agir que têm íntima relação não só com modos de pensar, mas, sobretudo, com modos de sentir. Justamente por isso consideramos que o “Você sabe com quem está falando?” não deva ser interpretado como a simples negação da cordialidade. A não ser quando esta é tomada no seu sentido mais estrito, qual seja, o de associação à ideia de bondade e similares. Como vimos sustentando, o rito descrito por DaMatta parece corresponder à contraparte, ao anverso e, portanto, a um complemento do que viria a ser o homem cordial num sentido mais amplo. Isso posto, cabe advertir o leitor que tais afirmações não devem ser tomadas como uma pretensa “descoberta” das relações de continuidade entre as obras de Holanda e DaMatta ou ainda - para usar uma expressão feliz - do “parentesco epistemológico”22 22 Tomamos emprestada a formulação empregada por Tavolaro (2011) para fazer referência à proximidade nas maneiras como Gilberto Freyre e Roberto DaMatta “vislumbram os principais pilares da sociabilidade do Brasil contemporâneo e delineiam a aclamada particularidade dessa sociedade em contraste com outros cenários” (p. 219). Consideramos que tal proximidade também se verifica nas obras de DaMatta e Holanda. Daí o uso da expressão. que une tais autores, o que, de resto, já foi fartamente apontado em bibliografia especializada (cf., por exemplo, SCHWARCS, 2008SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sérgio Buarque de Holanda e essa tal de “cordialidade”. Ide, v. 31, n. 46, pp. 83-89, 2008.; SOUZA, 2015SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. Ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015., entre outros).

Muito pelo contrário, o nosso objetivo, aqui, foi o de tão somente assinalar que, se a leitura convencional da obra de Holanda reconhece no homem cordial uma espécie de elogio à brasilidade, o “Você sabe com quem está falando?” chamaria a atenção para a sua face menos luminosa, da qual não temos lá tanto orgulho de exaltar, mas cuja presença se impõe, com maior ou menor intensidade, no dia a dia de cada um de nós! Assim como a “lhaneza de caráter”, a “hospitalidade” e a “generosidade”, de que tanto nos gabamos, nós brasileiros também trazemos nas relações cotidianas a forte marca das hierarquias excludentes e, por conseguinte, da ideia de que cada um deve permanecer no seu devido lugar. Esse é um importante aspecto do nosso modo de lidar com o “outro”, que tende a se fazer notar, mesmo publicamente, convidando-nos a colocar para dialogar nossas práticas e representações, aquilo que somos e o que idealmente gostaríamos de ser. Os últimos tempos parecem ter sido especialmente propícios para tal exercício. Afinal é, em contextos de excepcionalidade, como o da pandemia de covid-19, que se revela com mais nitidez o que há de melhor e pior em nós.

  • 1
    Conferir, entre outros títulos dos autores relacionados ao tema, Bateson (1942)BATESON, Gregory. Morale and national character. In: GOODWIN, Watson (Org.). Civilian morale: second yearbook of the Society for the Psychological Study of Social Issues. Boston/NewYork: Houghton Mifflin Company, 1942. p. 71-91., Benedict (1972)BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada: Padrões da cultura japonesa. São Paulo: Perspectiva, 1972[1946]. e Mead (1962)MEAD, Margaret. “National character”. In: TAX, Sol (Org.) Anthropology today: selections. Chicago: Chicago University Press, 1962[1953]. p. 396-421..
  • 2
    Cabe esclarecer que a seleção das referidas notícias teve por critério fundamental a sua similitude temática e que, para fins analíticos, recorreremos a apenas uma delas, que será discutida na próxima seção. Acrescente-se a isso que não houve o emprego de técnicas ou recursos especializados para se chegar às mesmas. Na verdade, em boa parte dos casos, o conhecimento da sua existência se deu pela habitual consulta dos autores ao noticiário veiculado em diferentes meios de comunicação, prática que vem se tornando cada vez mais comum nos mais diversos contextos sociais mediante as transformações relativas à produção, armazenamento e fluxo de informações da contemporaneidade.
  • 3
  • 4
    Idem.
  • 5
    Haja vista a sua considerável reverberação em diferentes veículos de comunicação, a escolha desse episódio para ilustrar a discussão proposta tem a ver, também, com dois outros critérios. O primeiro, como será evidenciado adiante, é que ele concentra diversos aspectos dos modos de navegação social analisados por DaMatta. O segundo é que, como ensina o jargão jornalístico, ele extrapola o meramente factual, servindo de subsídio ao estabelecimento de uma discussão mais ampla, na qual, além de descrever o que acontece, os agentes midiáticos atuam no sentido de prescrever o que entendem como o comportamento adequado a ser adotado pelos brasileiros em tempos de pandemia, sejam eles quem forem, isto é, independentemente da classe social a que pertençam.
  • 6
    O estabelecimento faz parte do grupo empresarial Fasano, que o caracteriza nos seguintes termos: “O restaurante Gero é um marco gastronômico da capital paulista desde sua inauguração em 1994 no bairro do Jardins. A ideia era criar um restaurante que fosse o ‘filhote’ informal do sofisticado Fasano, um ‘bistrô à cotê’. O restaurateur Rogério Fasano está à frente de todos os empreendimentos da família, que conta com mais de cem anos de tradição em alta gastronomia na cidade de São Paulo. O projeto inovador do arquiteto Aurélio Martinez Flores mantém o aspecto moderno e arrojado até hoje” (FASANO, 2020FASANO. Gero. Fasano, Gastronomia, s/d. Disponível em: https://www.fasano.com.br/gastronomia/gero-sao-paulo. Acesso em: 08 out. 2020.
    https://www.fasano.com.br/gastronomia/ge...
    ).
  • 7
    A Figueira Rubaiyat é um restaurante classificado como de “alta gastronomia”, que conta com a peculiaridade de ter sido construído em volta de uma árvore centenária tombada pelo patrimônio cultural da cidade de São Paulo. Pertence a um grupo empresarial com diversas outras casas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Chile, Argentina, Espanha e México. Além dos restaurantes, o grupo Rubaiyat dispõe de uma fazenda no Mato Grosso do Sul, de onde vem parte da carne servida nesses estabelecimentos (SãO PAULOCITY, 05/05/2020SãO PAULOCITY. “Figueira Rubaiyat, um dos mais belos restaurantes de São Paulo!”. Cultura, Dicas, Gastronomia, 5 maio 2022 . Disponível em: https://spcity.com.br/figueira-rubaiyat-um-dos-mais-belos-restaurantes-de-sao-paulo/. Acesso em: 08 out. 2020.
    https://spcity.com.br/figueira-rubaiyat-...
    ).
  • 8
    Com a publicação da portaria no 12.526, de 24 de maio de 2020, o delegado de polícia federal Marcelo Ivo de Carvalho foi designado para o cargo de delegado regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Superintendência Regional de Polícia Federal em São Paulo, o que o levou a participar de programas de televisão e, com isso, se tornar relativamente popular.
  • 9
    Como reconhece DaMatta (1997)DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997[1979]., a análise do “Você sabe com quem está falando?” como dramatização do mundo social é inspirada na obra de Victor Turner (1974TURNER, Victor. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974[1969]., 2008), mais especificamente, na noção de dramas sociais. Tais quais definidos por Turner (2008)TURNER, Victor. Dramas, campos e metáforas: Ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Eduff, 2008[1974]., dramas sociais são “unidades de processo anarmônico ou desarmônico que surgem em situações de conflito” (p. 33), “episódios de irrupção pública de tensão” que se manifestam quando os interesses e atitudes de grupos e/ou indivíduos se encontram em franca oposição (p. 28). Esses episódios, que se situam “acima - além ou aquém - das rotinas que governam o mundo diário” (DaMatta, 1997DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997[1979]., p. 207), têm a propriedade de fazer com que aspectos fundamentais da sociedade ganhem proeminência, trazendo à tona as estruturas ocultas e os domínios essenciais que “governam (ou deveriam, segundo os atores, governar) as interações sociais” (p. 208).
  • 10
    Tal qual ocorria em todo o estado, a capital paulista seguia as orientações do “Plano São Paulo”, que avaliava a forma como cada região do estado vinha lidando com a pandemia de covid-19. As regiões eram então classificadas por cores (azul, verde, amarelo, laranja e vermelho), conforme o estágio em que se encontravam. Na fase 3 (amarela), de “flexibilização”, não haveria impedimento à realização de atividades econômicas, mas a imposição de certos protocolos ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes. Para tanto, eles eram obrigados a respeitar algumas determinações como, por exemplo, a de que o atendimento presencial ficasse restrito a 40% da capacidade e a de que o mesmo se encerrasse até as 22h.
  • 11
    Como mostra a introdução de O Brasil não é para principiantes: Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois (GOMES, BARBOSA, DRUMOND, 2000GOMES, Laura Graziela; BARBOSA, Lívia; DRUMOND, José Augusto (Orgs.). O Brasil não é para principiantes: Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois. Rio de Janeiro: FGV, 2000.), não se pode dizer que a obra de DaMatta tenha vindo a público num momento propriamente auspicioso. Publicado na virada das décadas de 1970/1980 - de forma concomitante, portanto, ao período final do regime militar no Brasil -, Carnavais, malandros e heróis foi lançado em meio a um contexto tido como fortemente marcado pela disputa de hegemonia acadêmica nas ciências sociais entre marxistas e não marxistas, o que, por corolário, relegava estudos sobre “cultura brasileira” a um lugar, para dizer o mínimo, secundário.
  • 12
    Ao passo que ampliaram o seu alcance, as traduções possibilitaram que o trabalho dialogasse com a produção acadêmico-intelectual de contextos francófonos, anglófonos e hispanófonos. Entre as questões exploradas nessa rica e variada interlocução, pode-se mencionar, por exemplo, dilemas envolvendo a construção do espaço público no Brasil (VIDAL, 2014VIDAL, Dominique. Urbanisation, contraintes de l’espace et défi démocratique au Brésil. Espace populations sociétés, vol. 2, n. 3, p. 71-83, 2014.), relações entre miscigenação e identidade nacional (LAVELEYE, 2002LAVELEYE, Didier de. Le « Métissage » et la culture « populaire » au Brésil. Civilisations, n. 50, p. 153-174, 2002.), cultura e desigualdade social em El Salvador (RODRIGUEZ, 2016RODRIGUEZ, Irene Lungo. Justificaciones sobre las desigualdades sociales. Notas sobre el caso salvadoreño. Estudios Sociológicos, vol. XXXIV, n. 101, p. 407-422, 2016.), cidadania e construção de identidade política no Peru (LLANOS, 2018LLANOS, Ernesto W. La ciudadanía como conexión política entre las identidades en el Perú. Anales Científicos, v. 79, n. 1, p. 13-20, 2018.), o caráter relacional da sociedade brasileira (FREEMAN, 2014FREEMAN, James. Raising the Flag over Rio de Janeiro’s Favelas: citizenship and social control in the Olympic City. Journal of Latin American Geography. v. 13, n. 1, p. 7-38, 2014.), a busca de privilégios como traço presente nos diversos setores do nosso país (ROTH-GORDON, 2009ROTH-GORDON, Jennifer. The language that came down the hill: slang, crime, and citizenship in Rio de Janeiro. American Anthropologist, v. 111, n. 1, p. 57-68, 2009.), entre outras.
  • 13
    A tradução em língua francesa data de 1983, a inglesa, de 1991. Já a espanhola é de 2002.
  • 14
    Como mostram, entre outros, os trabalhos de Rabotnikof (1993)RABOTNIKOF, Nora. Lo público y sus problemas: notas para una reconsideración. Revista Internacional de Filosofía Política, n. 2, p. 75-98, 1983. e Araujo (2012)ARAUJO, Kathya. La relación con las normas en América Latina y el ordinario trabajo moral del sujeto. In: KRON, Stefanie; COSTA, Sérgio; BRAIG, Marianne (Orgs.). Democracia y reconfiguraciones contemporáneas del Derecho en América Latina. Madrid: Iberoamericana, 2012. p. 19-41., o debate entre O’Donnell e DaMatta representa um ponto de inflexão nas análises comparadas envolvendo formas de sociabilidade, direito e identidade nacional na América Latina.
  • 15
    Sem esconder a sua admiração intelectual e pessoal por Turner, DaMatta (2005DAMATTA, Roberto. Apresentação liminar à obra e à graça de Victor Turner e à sua antropologia da ambiguidade. In: TURNER, Victor. Floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu. Niterói: Eduff, 2005[1967]. p. 15-28., p. 15) o define, na apresentação de Floresta de símbolos, como um dos “grandes mestres que modificaram o rumo da antropologia social [e, concomitantemente, como um] amigo e companheiro de aventura intelectual”.
  • 16
    Seguindo a trilha aberta por DaMatta, outros pesquisadores têm se ocupado da complexa coexistência entre a ética individualista/igualitária e a holista/hierárquica no Brasil, o que vem contribuindo para o aperfeiçoamento do esquema analítico originalmente proposto para lidar com a questão. Nesse sentido, entre inúmeras outras, podem ser citadas as pesquisas desenvolvidas por Roberto Kant de Lima que, ao refletir sobre os efeitos de Carnavais, malandros e heróis em seu trabalho de antropólogo, constata que sua “trajetória profissional poderia ser resumida, de certa maneira, como uma continuação, ou desdobramento, de algumas questões colocadas neste livro” (KANT DE LIMA, 2000KANT DE LIMA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: O dilema brasileiro do espaço público. In: GOMES, Laura Graziela; BARBOSA, Lívia; DRUMOND, José Augusto (Orgs.). O Brasil não é para principiantes: Carnavais, malandros e heróis, 20 anos depois. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 105-123., p. 105). Considerando as especificidades do ordenamento jurídico brasileiro, ele chama a atenção para o fato de que a convivência entre princípios hierárquicos e igualitários se faz presente nos diversos domínios da vida social brasileira, incluído o plano normativo, contrariando, assim, a formulação de que este seria regido por princípios formais e leis globais. Prova disso reside no instituto da prisão especial e do foro privilegiado por prerrogativa de função, que concede a autoridades políticas a possibilidade de ser julgadas por um tribunal diferente daqueles destinados aos cidadãos comuns.
  • 17
    Prova do sucesso da obra de Holanda encontra-se no expressivo número de edições e traduções de Raízes do Brasil. O livro já conta com cerca de 30 edições, além do que, como aponta Costa (2014)COSTA, Sérgio. O Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Sociedade e Estado, v. 29, n. 3, p. 823-839, 2014., “foi traduzido para o espanhol, o italiano, o francês, o japonês e o alemão; em 2012, foi publicada uma versão em inglês” (p. 823). O historiador goza também de considerável prestígio internacional. Mesmo com algumas críticas à ausência da herança africana na sua definição do “caráter nacional” brasileiro (OWENSBY, 2005OWENSBY, Brian. Toward a history of Brazil’s “cordial racism”: race beyond liberalism. Comparative Studies in Society and History, v. 47, n. 2, p. 318-347, 2005.) ou a uma essencialização da “cordialidade” como imagem da nação (JOHNSON, 2001JOHNSON, Paul Christopher. Law, religion, and “public health” in the Republic of Brazil. Law & Social Inquiry, v. 26, n. 1, p. 9-33, 2001.), pode-se afirmar que Holanda tem sido reconhecido como um dos grandes intérpretes do país (MORSE, 1982MORSE, Richard M. Sérgio Buarque de Holanda (1902-82). The Hispanic American Historical Review, v. 63, n. 1, p. 147-150, 1982.; OWENSBY, 2005OWENSBY, Brian. Toward a history of Brazil’s “cordial racism”: race beyond liberalism. Comparative Studies in Society and History, v. 47, n. 2, p. 318-347, 2005.).
  • 18
    De acordo com Piva (2000)PIVA, Luiz Guilherme. Ladrilhadores e semeadores: a modernização brasileira no pensamento político de Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, Azevedo Amaral e Nestor Duarte (1910-1940). São Paulo: 34, 2000., Holanda chega a ver em “curso processos que autorizam certo otimismo. Mas, cauteloso, temendo o peso de estruturas arraigadas, alerta para possíveis dificuldades e barreiras capazes de impedir que ‘nossa revolução’ se realize” (p. 182).
  • 19
    Os mal-entendidos e dissensos interpretativos em relação ao conceito de homem cordial, por exemplo, podem ser depreendidos do modo como este tem sido apropriado no sentido de reforçar visões estereotipadas dos brasileiros a partir de um suposto “traço psicológico positivo” (COLI, 2013COLI, Jorge. Fabrique et promotion de la brésilianité: art et enjeux nationaux. Perspective, n. 2, p. 213-223, 2013.). A menção ao termo também costuma ser feita como recurso para exemplificar a existência de um tipo ideal histórico portador de múltiplas contradições (ZAMANT, 2016ZAMANT, Véronique. De l’individuel au collectif, des mythes aux pratiques: le paysage culturel de Rio de Janeiro vu par ses habitants. Projets de paysage, 2016.) e, mais frequentemente, como forma de mobilizar uma autoimagem genérica da população brasileira (CHIRIO et al., 2018CHIRIO, Maud et al. La crise politique au Brésil: temporalités, acteurs et enjeux. Brésil(s), n. 1, 2018.; DE MATOS, 2016DE MATOS, Yanet Aguilera Viruéz Franklin. Le Congrès Columbianum. Cinémas d’Amérique Latine, n. 24, p. 32-39, 2016.; GEFFRAY, 1997GEFFRAY, Christian. Le lusotropicalisme comme discours de l’amour dans la servitude. Lusotopie, n. 4, p. 361-372, 1997.; SILVA, 2010SILVA, Patricia Sampaio. Histoire du Brésil, XIXe-XXe siècles. Annuaire de l’EHESS, p. 189-190, 2010.).
  • 20
    Silva (2005)SILVA, Mozart Linhares da. Aquém e além da modernidade: aproximações e distanciamentos entre Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Agora, vol. 11, n. 1, p. 83-96, 2005. identifica na leitura de Raízes do Brasil a potencialidade de se pensar uma modernidade específica, situada na fronteira móvel da tradição-modernidade, naquilo que chama de interstício das diferenças. Nesse sentido, diz ele, “se o Homem Cordial representa, de certa forma, nosso não lugar na modernidade, ele constitui ainda um híbrido entre a tradição e a modernidade. Seus rompantes modernos, apesar de sufocados pelos traços tradicionais, são latentes, o que evidencia um sujeito singular, criatura nacional” (Silva, 2005SILVA, Mozart Linhares da. Aquém e além da modernidade: aproximações e distanciamentos entre Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Agora, vol. 11, n. 1, p. 83-96, 2005., p. 130).
  • 21
    Como apontam Schwarcz e Monteiro (2016SCHWARCZ, Lilia Moritz; MONTEIRO, Pedro Meira. Uma edição crítica de Raízes do Brasil: o historiador lê a si mesmo. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil: Edição crítica. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 24), “Raízes do Brasil se tornou um símbolo de prestígio, uma espécie de capital simbólico fundamental, e também uma marca. Uma forma de nos apalparmos e nos reconhecermos na diferença que deixa de ser histórica e passa a ser essencial. Em sites de turismo, os brasileiros são definidos como “cordiais”. Em programas de TV, sambas-enredo, até em novelas voltaríamos ao homem cordial como nossa melhor promessa. O conceito entrou no vocabulário do pensamento conservador, mas também recebeu aval da interpretação mais liberal”.
  • 22
    Tomamos emprestada a formulação empregada por Tavolaro (2011)TAVOLARO, Sérgio B. F. Freyre, DaMatta e o lugar da natureza na “singularidade brasileira”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 83, p. 217-257, 2011. para fazer referência à proximidade nas maneiras como Gilberto Freyre e Roberto DaMatta “vislumbram os principais pilares da sociabilidade do Brasil contemporâneo e delineiam a aclamada particularidade dessa sociedade em contraste com outros cenários” (p. 219). Consideramos que tal proximidade também se verifica nas obras de DaMatta e Holanda. Daí o uso da expressão.

Referências

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Fontes da imprensa

Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2022
  • Aceito
    19 Out 2022
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