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O caminho invisível da punição: Problematizando a prática profissional do Serviço Social nas Comissões Técnicas de Classificação (CTC)

The invisible path of punishment: Problematizing the professional practice of social work in the Technical Classification Commissions (CTC)

Resumos

O objetivo deste artigo é traçar considerações preliminares a respeito de relatórios produzidos por assistentes sociais às Comissões Técnicas de Classificação (CTC) no Rio de Janeiro. A partir de uma amostra de 25 processos em fase de execução penal, perscrutamos suas narrativas concebendo tais documentos enquanto parte de um caminho invisível do processo disciplinador das prisões, mas, também de um labirinto que condiciona as movimentações técnicas intramuros para caminhos preconcebidos pelo próprio sistema.

Palavras-chave:
comissão técnica de classificação; execução penal; Rio de Janeiro; serviço social; sistema prisional


The purpose of this article is to outline preliminary considerations regarding reports produced by social workers to the Technical Classification Commissions (CTC) in Rio de Janeiro. From a sample of 25 processes in the criminal execution phase, we scrutinized their narratives conceiving such documents as part of an invisible path of the disciplinary process of prisons and as a labyrinth that conditions the intramural technical movements to paths preconceived by the system itself.

Keywords:
technical classification commission; penal execution; Rio de Janeiro; social servisse; prison system


Introdução

Aprisão moderna é constituída quando se requere, ainda que indiretamente, uma nova forma de observação e relação com o corpo do “condenado”. À medida que os suplícios e todo o ritual que retorna poder ao soberano se tornam intoleráveis, a sobrevivência do elemento punitivo passa a depender de uma espécie de remodelação da arte de castigar. As instituições emergem como cátedras de disciplina corporal e almática, fixando, classificando, distribuindo cada um dos indivíduos espacial e simbolicamente. Em seu interior, os diversos elementos operativos - os guardas, versões remodeladas dos “carrascos”, outros profissionais e o próprio ente subjetivo da punição - incidem sobre os condenados, de modo que o consumo de seu tempo e força passa a ser revertido em uma disciplina exaustiva de seus corpos, mentes e almas (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.).

Já que a máxima da morte não poderia mais pertencer à entidade punitiva, tornou-se necessário castigar de modo que aquele corpo também se tornasse útil, dócil. A docilização se trata de um interlúdio direto à sujeição do condenado, pois, à medida que a rebeldia de seu corpo dá lugar a um ente disciplinador, a sua capacidade de assujeitar o outro se transmuta em uma constante assujeitamento de si (MISSE, 1999MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 1999.). Nesse sentido de tornar o corpo rebelado em docilizado, submisso, a prisão revela igualmente seu caráter exaustivamente contínuo, uma vez que os diversos profissionais que ali se inserem perscrutam as mais variadas nuances da vida do condenado não com um intuito individualizador da pena, mas regulador, onidisciplinar, conforme nos explica Foucault (2014)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014., que também afirma: “Não se pune, portanto, para apagar um crime, mas para transformar um culpado” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 126).

É certo que, ao buscarmos uma compreensão aprofundada do que tem se tornado o ambiente prisional - deslocando o debate para o recorte brasileiro, com suas nuances e particularidades - muito temos investigado sobre as relações intramuros que consolidam a dominação dos sujeitos e a punição de seus corpos. A literatura mais recente produzida no Brasil é um exemplo da prevalência de estudos a partir das dinâmicas visíveis do sistema prisional (BIONDI, 2009BIONDI, Karina. Junto e misturado: Imanência e transcendência no PCC. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.; DIAS, 2011DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: Expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2011.; GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.; MALLART, 2019MALLART, Fábio. Findas linhas: Circulação e confinamentos pelos subterrâneos de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.; PORTO, 2019PORTO, Camille. “O que há de moral na carreira moral: Sobre dispositivos de transformação de si em ‘egressantes’ do sistema penitenciário”. Dilemas: Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, pp. 477-498, 2019.). Contudo, as prisões também se consolidam a partir de suas tramas invisíveis, compostas por uma série de ordenamentos burocráticos que permitem o trânsito e a continuidade do sistema. Constituem esses caminhos invisíveis processamentos, relatórios institucionais, sociais, psicológicos, laudos, perícias, avaliações disciplinares, utilizados como uma espécie de medidor disciplinar junto ao sujeito encarcerado, dentre outros.

Tanto nas ciências sociais tradicionais quanto nas aplicadas ainda são rarefeitos os estudos que privilegiam a análise documental como elementar no debate sobre sistema prisional. Apesar disso, alguns ainda têm destacado a importância desse mecanismo enquanto técnica de pesquisa (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. “Verdade policial como verdade jurídica: Narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 35, n. 102, pp. 1-15, 2019., 2016JESUS, Maria Gorete Marques de. O que está no mundo não está nos autos: A construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016.; MACHADO, 2022MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: Um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.;), uma vez que ela se mostra como um meio de validação e compreensão da realidade tão eficaz quanto a observação (PRATES; PRATES, 2009PRATES, Jane Cruz; PRATES, Flávio Cruz. “Problematizando o uso da técnica de análise documental no serviço social e no direito”. Sociedade em Debate, Pelotas, vol. 15, n. 2, pp. 111-125, 2009.). Tendo isso em vista, o debate que proporemos neste artigo se consolida diante da necessidade de alargarmos o horizonte analítico sobre as prisões, compreendendo-a enquanto uma estrutura que não é composta somente pelas relações estabelecidas pelos indivíduos entre si e com a instituição penal, mas também por uma série de comunicações que se movimentam no cotidiano das unidades.

Ao falarmos dessas “comunicações”, abrangemos uma gama de documentos que poderiam ser utilizados como objeto para esse estudo. Como forma de direcionar o debate, optamos por consolidá-lo a partir dos relatórios produzidos por assistentes sociais para as Comissões Técnicas de Classificação (CTC),1 1 De acordo com a Lei de Execuções Penais (LEP), nº 7210/84, as Comissões Técnicas de Classificação (CTC) são responsáveis pela avaliação e posterior organização de um “programa individualizado” para o sujeito preso que passou pela avaliação via exame criminológico. Este exame, por sua vez, é produzido por três profissionais que compõem a CTC: assistente social, psicólogo(a) e psiquiatra. A partir dos laudos, é suposto que se possa tecer um plano individualizado para a pena em questão. responsáveis pela aplicação do chamado exame criminológico. Esses relatórios produzidos para as respectivas CTC foram localizados em uma amostra processual da execução penal do Rio de Janeiro, o que nos foi tempestivo, dado que os documentos não foram interpretados apenas como parte de uma comunicação, mas também enquanto instrumento profissional com vistas à garantia de direitos.

Nosso objetivo é pensar de forma interdisciplinar. Buscaremos compreender, primeiramente, as narrativas contidas nos relatórios, uma vez que são elas que possibilitam o funcionamento dessa engrenagem institucional. A própria estrutura dos documentos também nos interessa, uma vez que condiciona os profissionais a uma série de requisitos. Para essa análise detida, valemo-nos do vocabulário de motivos, de Wright Mills (2016)WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, vol. 15, n. 44, 2016., e, com temperança, do accountability social, de Scott e Lyman (2006). São duas conceituações já utilizadas em estudos anteriores (MACHADO, 2022MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: Um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.) e que auxiliam sobremaneira a compreensão da fala enquanto elemento sociológico e como parte operativa de um controle social. Concebemos o Serviço Social, neste caso, enquanto elemento de uma estrutura labiríntica (GODOI, 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021.), que incide sobremaneira na prática profissional e que o coloca enquanto agente disciplinador da instituição, mas também como elemento disciplinado. Esse é o segundo ponto que abordaremos.

Embora consolidada em sua originalidade, é certo que uma análise que paute essencialmente documentos produzidos por profissionais para pensar a estrutura invisível do sistema prisional ainda é algo novo para a Sociologia e, principalmente, para o Serviço Social. Por isso, destacamos o caráter preliminar e introdutório da presente análise, mas ainda assim promissor no que se propõe. Fortuitamente destacamos que esta análise é fruto da pesquisa Os sentidos do cárcere: incapacitação e ressocialização na realidade prisional brasileira contemporânea, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU-UFRJ).

Objeto e metodologia

Os processos utilizados para a elaboração desta investigação foram selecionados mediante amostras produzidas ao longo da pesquisa referenciada, que conta com um extenso acervo dos autos produzidos em comarcas do Rio de Janeiro. São aproximadamente 100.000 processos distribuídos pelo estado, sendo que a parcela mais significativa de documentos redunda dos últimos vinte anos, como registrou Godoi (2021)GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021.. Esse conjunto se subdividiu em temas específicos para análise, em que destacamos a execução penal como objeto. Como o nosso objetivo é tratar esse conjunto específico, não nos aprofundaremos em outras questões mais gerais concernentes à pesquisa. Trataremos a metodologia a partir da concepção desse recorte e da necessidade de nos debruçarmos sobre eles com um objetivo específico de análise.

A amostra referente aos processos veiculados nas Varas de Execução Penal (VEP) do Rio de Janeiro contou com um total de 25 sentenças, cujos casos centralizavam-se no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC). Para perfilá-las, utilizamos uma ficha de sistematização2 2 A construção das fichas de sistematização foi idealizada e supervisionada pelo prof. dr. Rafael Godoi, a quem agradeço pela oportunidade de contribuição junto à pesquisa. que continha, além dos dados gerais do processo, uma espécie de “linha do tempo”. Destacamos a síntese da trajetória, incriminações, resultados de sentenças e os movimentos referentes ao processamento da execução. A ficha foi construída para todos os casos e permitiu-nos avaliar, por exemplo, a operacionalização da execução quanto à questão do cômputo diferenciado e a outros benefícios extramuros, como a visita periódica ao lar (VPL), além da própria postura das instituições no limite da concessão de direitos.

A leitura mais detalhada dos processos e das fichas de sistematização deu-nos condições de tecer algumas indagações referente a esse último ponto que citamos, qual seja, o papel das instituições e de seus operadores. Nessa fase, diversos documentos chamaram a nossa atenção, especialmente aqueles que eram produzidos com o intuito de estabelecer comunicações entre diferentes órgãos a respeito de “benefícios” relacionados ao regime semiaberto. Contudo, os exames criminológicos se tornaram peças interessantes para serem avaliadas por algumas razões que, posteriormente, tornaram-se também motivações: primeiro, devido à forma; segundo, ao conteúdo; terceiro, aos componentes que os constituem - ponto em que optamos por avaliar a conduta do Serviço Social em detrimento dos demais profissionais.

As primeiras aproximações a esses documentos específicos revelaram que sua aplicação era condicionada pelo crime cometido pelo sujeito. Nos casos da amostra que estudamos, os exames eram administrados em situações de grave ameaça a pessoa, como homicídio, estupro, lesão corporal etc. A respeito da forma, observamos que, sem exceção, os documentos eram construídos a partir de modelos pré-concebidos pela própria administração penitenciária, o que nos levou a indagar sobre a possível influência da padronização no modo de trabalho dos técnicos que compõem as equipes de CTC. Essa interrogação se alia à segunda razão que citamos, uma vez que a existência desse “modelo” agrega um condicionamento do que é registrado pelos profissionais.

A escolha por determo-nos à prática profissional do Serviço Social se deu por uma razão estrutural, concernente ao próprio conteúdo dos exames, mas também pessoal: primeiro, porque dos três profissionais elegidos para a elaboração dos relatórios - em que adicionamos os(as) psicólogos(as) e os(as) psiquiatras - aqueles construídos por assistentes sociais tinham um maior número de informações de próprio punho, para além das questões previamente estabelecidas pelo modelo da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP). A existência dessa particularidade é fundamental, principalmente quando compreendemos a importância dos estudos e relatórios sociais em uma categoria profissional cujo cerne da prática é a efetivação de direitos sociais (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012.). Segundo, pelo fato de a autora, além da formação em Sociologia, ser também graduada em Serviço Social, tendo desenvolvido e colaborado com alguns estudos na área que auxiliariam na compreensão da dinâmica de trabalho dos(as) profissionais nesse contexto (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018.; MORAES; GONÇALVES, 2020MORAES, Carlos Antônio de Souza.; GONÇALVES, Carla Mangueira. “Contribuições para o debate da relativa autonomia do serviço social a partir da formação profissional”. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 26, pp. 131-145, 2020.; MORAES et al., 2017aMORAES, Carlos Antônio de Souza et al. “A autonomia relativa do assistente social nos limites das tensões capital × trabalho. I Colóquio Internacional e IV Colóquio Nacional sobre o trabalho da(o) assistente social, Maceió, 2017a., 2017bMORAES, Carlos Antônio de Souza et al. “Serviço social e trabalho profissional: Uma análise da autonomia relativa frente à relação capital × trabalho”. III Jornada Nordeste de Serviço Social, Recife, 2017b.).

Sobre o processamento das motivações, a pergunta evidenciada foi: sabemos que a prática profissional do Serviço Social se baseia (ou pretende-se) em um constante aprimoramento criativo e investigativo diante das demandas sociais que lhes são impostas (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012.). Ambos, quando manejados, ofertam ao(à) assistente social não somente possibilidades de intervenção, mas uma leitura aprimorada e crítica da realidade. Assim sendo, em que medida a forma e o conteúdo dos exames criminológicos os aproxima ou os afasta desse ideal? E, mais precisamente, de que modo essa intervenção registrada nos exames se insere muito mais em uma realidade labiríntica do que emancipadora? Isso porque, quando falamos da metáfora do labirinto para caracterizar o fluxo das prisões (GODOI, 2015GODOI, Rafael. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: Entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivência: Revista de Antropologia, Natal, n. 46, pp. 131-142. 2015., 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021.), pensamos também nos documentos como elementos comunicantes ativos desse ordenamento e que, por vezes, são utilizados para o gerenciamento, para a manutenção de um dado ordenamento.

Tendo isso posto, era necessário pensar em uma metodologia que nos concedesse a possibilidade de avaliar os documentos de uma forma efetiva. Optamos pela utilização do vocabulário de motivos, proposto por Wright Mills (2016)WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, vol. 15, n. 44, 2016., uma vez que ele já se mostrou um meio eficaz de compreensão argumentativa em estudos pregressos (MACHADO, 2022MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: Um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.). A partir do entendimento do motivo enquanto construção social dotada de sentido, nossas análises se deterão não somente na estrutura dos relatórios dos(as) assistentes sociais, mas, sobretudo, no modo como se construíram, suas similitudes e discrepâncias, caso haja. Essas características, aliadas ao debate teórico da categoria, dar-nos-ão uma visão melhorada a respeito da realidade em que se insere o(a) profissional de Serviço Social e, consequentemente, sua prática. Evocamos igualmente a ideia de accountability social, de Scott e Lyman (2006), ainda que de forma secundária, por compactuarmos com a defesa dos autores em construir uma sociologia da fala, tendo como principal objeto justamente a construção de justificativas dos atores sociais.

Reflexões sobre os exames criminológicos a partir das diretrizes da profissão

Sabemos que os exames criminológicos são manejados atualmente com vistas à concessão de benefícios, aplicados em casos cujos crimes são classificados como hediondos. Mas, para que possamos compreendê-los na atualidade, é necessário resgatar sua construção sócio-histórica. A esse respeito, Reishoffer e Bicalho (2017)REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017. comentam que, na década de 1940, após influências positivistas, são introduzidos no cenário prisional brasileiro os chamados exames de verificação de cessação de periculosidade (EVCP), que, segundo os autores, são “exames psiquiátricos aplicados ao final de um processo estabelecido, impostos aos julgados considerados especialmente perigosos e semi-imputáveis, para determinar a cessação de ‘sua’ periculosidade e os efeitos de um tratamento penal reconhecidamente inexistente” (REISHOFFER; BICALHO, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., p. 36). Evidentemente, resultados positivos ou negativos poderiam acarretar ao sujeito preso o afrouxamento ou perpetuação da condenação.

Esse sistema perdura até a promulgação da Lei de Execuções Penais (LEP), em 1984, momento em que outro elemento importante passa a vigorar no sistema: a possibilidade de individualizar a execução penal. O sujeito preso deveria “ser classificado por meio de seus antecedentes e personalidade, de modo a ser indicado o tratamento penitenciário adequado” (REISHOFFER; BICALHO, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., p. 37). Para que isso fosse possível, os presos deveriam submeter-se ao exame criminológico no início e durante a execução penal, como forma de avaliar as mudanças comportamentais produzidas pela prisão. A estrutura técnica é a que já conhecemos: os estudos são produzidos pela Psicologia, Psiquiatria e pelo Serviço Social, e todo esse aparato está inserido nas CTC.

O objetivo inicial da CTC era o de “propor um projeto individualizado de execução da pena ou da medida” (PEREIRA, 2016PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016., p. 16), que englobava todos os sujeitos encarcerados, independentemente do crime cometido. De acordo com a previsão da LEP, caberia à CTC a criação e manutenção de um plano individualizado e individualizador da execução penal, de modo que a privação de liberdade atendesse a diferentes finalidades, a depender do perfil do sujeito atendido. Contudo, isso não foi possível. Questões como a superpopulação carcerária e índices criminais levaram os juristas à compreensão de que, no Brasil, não se fala em indivíduo, mas em massa carcerária. Logo, até mesmo o modo como se construíram as unidades prisionais revelavam um ultraje ao direito do preso à individualização3 3 O modo como os sujeitos encarcerados são distribuídos pelas unidades prisionais impacta diretamente, ainda hoje, em um distanciamento progressivo de suas famílias. Relatos de mulheres visitantes são um exemplo dos impactos causados pela estrutura carcerária e sua composição (SPAGNA, 2008; GODOI, 2015). - tanto da pena, quanto do espaço físico (PEREIRA, 2016PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016.).

Na direção oposta à possibilidade de implementar uma nova conduta prisional, a CTC passou a resumir-se à relatórios de encaminhamentos de progressão de regime e concessões de benefícios. É possível enxergar de maneira manifesta a dimensão burocrática dessa função, que é conduzida mediante pré-requisitos estabelecidos pela própria SEAP. Mas, conforme destaca Pereira (2016)PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016., ainda há elementos que podem ser descortinados e avaliados para se pensar a gestão intramuros da prisão. Nas palavras da autora, “a CTC pode se ocupar de verificar se as normas relativas a horários a serem cumpridos nas saídas externas são compatíveis e razoáveis diante das distâncias a serem vencidas, aos horários de maior circulação, o que pode ser objeto de novas propostas a serem levadas ao Juízo” (PEREIRA, 2016PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016., p. 20). Uma ação que, em certa medida, humaniza o trabalho junto ao sujeito encarcerado.

Na tentativa de individualização e humanização do trabalho, Pereira (2016)PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016. relembra que houve, no Rio de Janeiro (2000-2005), um órgão técnico responsável por perfilar os sujeitos encarcerados e suas famílias. Após elaboração conjunta, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras emitiam o Plano Individualizado de Tratamento (PIT). Era uma construção continuada, uma vez que todas as movimentações do preso no interior do sistema eram registradas no documento, transformando-o em um arcabouço rico da sua condição intra e extramuros. Utilizado, sobretudo, em movimentações entre unidades prisionais, o PIT caiu em desuso por não ser considerado um documento importante no processo de reclusão, ainda que contivesse informações necessárias e que, quando flexionadas criticamente, poderiam fornecer dados importantes sobre a política interna do cárcere local.

A partir de 2003, mediante a Lei nº 10.792/03, o exame criminológico deixa de ser elemento obrigatório no processamento da execução penal, não sendo mais necessário, por exemplo, na condução de condicionais ou progressões. Contudo, conforme elaboram Reishoffer e Bicalho (2017)REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., por mais que haja essa desobrigação, o Sistema Judiciário ainda o reivindica em determinados casos, como um elemento central para possíveis concessões de direitos aos sujeitos encarcerados. Isso revela que, “mesmo em face de uma mudança na esfera legal, não foi possível produzir inovações nas práticas judiciárias” (REISHOFFER; BICALHO, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., p. 38), o que nos leva a pensar em um enrijecimento da dinâmica labiríntica da prisão para todos os atores envolvidos, incluindo os profissionais técnicos.

Compreender o lugar ocupado por assistentes sociais na produção de relatórios aos exames criminológicos implica desvelar alguns elementos norteadores da prática profissional, como Código de Ética, Lei de Regulamentação da Profissão (nº 8662/93), notas técnicas e demais orientações, combinadas a legislações federais, como a própria LEP. Em sua maioria, esses documentos são emitidos pelos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social (CFESS-CRESS). Destacamos para a finalidade deste artigo o termo de orientação aos(às) profissionais assistentes sociais que atuam em CTC, emitido pelo CRESS RJ 7ª Região em 2017 e demarca outras requisições fundamentais relacionadas à produção de exames criminológicos no sistema carcerário do estado.

Inicialmente, o documento relembra o contexto histórico em que a LEP foi fundamentada enquanto marco regulatório do sistema penal brasileiro, anterior à redemocratização, carregando consigo algumas marcas do período ditatorial. Os órgãos argumentam que, quando falamos da população encarcerada, mencionamos um contingente “proveniente dos segmentos mais pobres da classe trabalhadora, em especial a juventude negra, historicamente destituída do acesso a direitos fundamentais” (CFESS, 2017, p. 1). Além disso, citam a realidade de superlotação do sistema prisional, que se torna um impeditivo para uma prática profissional mais efetiva e um propagador de diversas violações.

A respeito do processo de individualização da pena a partir do exame criminológico, o CRESS (2017, p. 2) acrescenta que “a classificação com base nestes parâmetros pode remeter a uma perspectiva que entende o ato criminoso como produto de uma determinada personalidade, desconsiderando todo o contexto econômico, social, político e cultural que produz o crime”, ou seja, as camadas da dita complexidade que compõe a questão social (ROBERTO, 2008ROBERTO, Ana Carla Junqueira Meirelles. Teoria da complexidade: Uma contribuição para o serviço social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.). Sendo assim, a postura do Serviço Social se baseia nos princípios éticos cunhados na legislação vigente, em que destacamos a “defesa intransigente dos direitos humanos, a recusa ao arbítrio e ao autoritarismo”; “ampliação e consolidação da cidadania”; o “posicionamento em favor da equidade e da justiça social”; e o “compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional” (CFESS, 1997CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional do assistente social. Brasília, DF: CFESS, 1997.). Nesse sentido, Pereira (2016PEREIRA, Tânia Maria Dahmer. Nota técnica: Problematizando a função da Comissão Técnica de Classificação no contexto do Estado penal. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, DF, pp. 1-22, 2016., p. 20) afirma:

O(a) assistente social que integra a CTC observa que determinadas faltas são recorrentes, seja por um(a) mesmo(a) preso(a) ou por maior número deles(as). Buscar entender os motivos que residem na origem das repetidas faltas é importante para revelar, por exemplo, a intolerância reinante nas turmas de vigilância, [diante de] suas nefastas condições de trabalho, poucos(a) agentes/inspetores(as) penitenciários [diante de] um número excessivo de presos(as). A ausência ou escassez de recursos de assistência às necessidades dos presos podem resultar em alteração do volume da voz e tantas outras situações conflitantes do cotidiano.

O CRESS (2017) demarca duas situações que merecem atenção: a prática profissional que proporciona o acesso a direitos e, em contrapartida, a que reforça uma postura punitiva e disciplinar, da qual o Serviço Social se esforça para se distanciar e que está introjetada na dinâmica prisional. Quanto ao primeiro ponto, o conjunto destaca que são atitudes que proporcionam o acesso a direitos a escuta do sujeito preso; a manutenção do direito de defesa e da transparência ao longo de todo o processo; o acesso a informações de possíveis violações no interior das unidades, o que possibilita uma prática assertiva; e, por fim, a progressão de regime. Em contrapartida, são formas de reforçar o contexto punitivo as limitações para progressão; também para o relacionamento com familiares, transferências não desejadas etc.; coação para que o sujeito preso assuma ou confesse algo relacionado a infração; desrespeito e falta de esclarecimento quanto ao trâmite processual.

O Serviço Social e a produção de pareceres às Comissões Técnicas de Classificação (CTC)

Ainda que os documentos e órgãos fiscalizadores concernentes ao Serviço Social tratem da postura e da prática profissional diante das demandas, que pode ser uma que proporciona a efetivação ou supressão de direitos, é possível elaborar ambas as questões a partir do que é produzido pelos(as) profissionais. Isso porque os documentos, sejam estudos, relatórios ou pareceres sociais, quando flexionados a questões estruturais, como relações de poder, de trabalho etc., revelam-nos aspectos importantes do cotidiano profissional. Quando mencionamos que uma de nossas questões diz respeito ao procedimento labiríntico da prisão, atestamos a existência de um duplo elemento que rodeia a própria prática profissional do Serviço Social no cotidiano: a categoria enquanto parte dos caminhos invisíveis da prisão e como produtora de sentidos disciplinadores; e, enquanto parte integrante do labirinto, tendo suas ações condicionadas pela realidade intramuros.

Salientamos que os “sentidos disciplinadores” se alojam nos discursos e percorrem esse caminho invisível como elemento operador das ações dos sujeitos no interior da prisão. Como dissemos, utilizamos como percurso metodológico o vocabulário de motivos, de Wright Mills (2016)WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, vol. 15, n. 44, 2016., compreendendo-os enquanto “termos com os quais procede a interpretação de condutas por parte dos atores sociais” (WRIGHT MILLS, 2016WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, vol. 15, n. 44, 2016., p. 11). A partir disso, temos a possibilidade de avaliar as condições em que os argumentos se desenvolvem e, posteriormente, atinar para a razão de certos motivos serem utilizados em detrimento de outros.

Diferente do que é posto quando falamos de relatórios e estudos sociais enquanto instrumentos da categoria, os que constituem os exames criminológicos solicitados pelas CTC dispõem de uma estrutura bastante peculiar, pela qual começamos nossa exposição. Nos nove processos da execução penal que continham esses registros, de um conjunto de 25 autos, verificamos que os relatórios dos(as) psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais são de um modelo previamente estabelecido pela SEAP, com uma série de questões a serem assinaladas e/ou preenchidas pelos(as) profissionais. As folhas são previamente elaboradas não apenas com o timbre da Secretaria, mas com uma gama de informações que delimitam aquilo que é de interesse do Estado.

A manipulação de documentos padronizados é algo ainda pouco trabalhado, mas alguns estudos nos concedem a dimensão de seus impactos. Garau (2021)GARAU, Marilha Gabriela Reverendo. “Os modelões e a mera formalidade: produção de decisões e sentenças em uma vara criminal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro”. Revista Antropolítica, Niterói, n. 51, pp. 85-110, 2021., por exemplo, ao realizar uma etnografia em uma vara da Baixada Fluminense, revelou que as sentenças produzidas naquele local seguiam uma padronização, uma procedimentalização não só estrutural, no sentido de organização do documento; “as decisões sobre os casos são tomadas antes mesmo dos fatos serem denunciados” (GARAU, 2021GARAU, Marilha Gabriela Reverendo. “Os modelões e a mera formalidade: produção de decisões e sentenças em uma vara criminal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro”. Revista Antropolítica, Niterói, n. 51, pp. 85-110, 2021., p. 92). A juíza não era direcionada pela presunção de inocência, mas de culpa. Lia o acusado como culpado sem avaliar as nuances de cada caso. Tratava-os como parte de uma massa.

O que afirmamos desde já é que a utilização dos modelos não leva em conta um fator importantíssimo ao processamento legal: a individualização de cada caso. Ao tratarem, por exemplo, esse furto de bicicleta como mais um, os funcionários e até mesmo a juíza ignoram completamente as particularidades concernentes ao ato, mas, sobretudo, ao sujeito. Interpretam-no como culpado, justificando que as ações da defesa são as mesmas utilizadas em todos os outros casos, sem levar em conta as particularidades que por vezes serão ínfimas, mas ainda assim existentes. A não individualização transforma somente os sujeitos presos em uma “massa carcerária”, impedindo-os de prosseguir de forma mais efetiva em seus processos.

Na padronização dos relatórios produzidos pela SEAP e enviado aos(às) profissionais que compõem a CTC, citamos: grau de escolaridade, profissão, telefone de contato e endereço completo, constituição familiar, informações sobre recebimento de visitas, sobre o delito cometido pelo preso e perspectivas para a vida extramuros. No caso dos pareceres psiquiátricos, são colocadas as informações básicas do preso, como nome, unidade e artigo qualificado no caso, seguido do “exame psiquiátrico” de múltipla escolha. As questões são previamente estipuladas, cuja função dos profissionais - nesse caso, da psiquiatria - é de apenas assinalar a alternativa que se encaixa à realidade do preso: qual seu quadro psicopatológico naquele momento e o parecer médico.

O relatório psicológico conta com uma espécie de rigor mais apurado das informações, embora ainda siga uma certa padronização imposta pela SEAP. Tendo os dados básicos do preso, seguem-se as questões posteriores a serem assinaladas pelos(as) psicólogos(as), portanto, definidas previa e anteriormente, sem a participação dos profissionais. São pontos importantes o grau de escolaridade, experiência profissional (ambos a serem assinalados), motivo da condenação e possibilidade de reincidência, estado civil, regularidade das visitas, atividades desenvolvidas no interior da prisão, perspectivas para o futuro e, por fim, um parecer por escrito do profissional quanto à condição do preso. O espaço concedido pelo documento para essa elaboração final é de aproximadamente duas linhas.

Diferente dos pareceres anteriores, o relatório social é o que mais se aproxima de uma integração autônoma entre profissional e sujeito, ainda que utilizemos esse termo com bastante parcimônia, por compreendermos que a relativa autonomia do(a) assistente social é uma questão em debate (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018.; MORAES; GONÇALVES, 2020MORAES, Carlos Antônio de Souza.; GONÇALVES, Carla Mangueira. “Contribuições para o debate da relativa autonomia do serviço social a partir da formação profissional”. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 26, pp. 131-145, 2020.; SIMÕES, 2012SIMÕES, Nanci Lagioto Hespanhol. Autonomia profissional × trabalho assalariado: Exercício profissional do assistente social. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012.). Tendo os dados de identificação preenchidos, o relatório se baseia em uma narrativa colhida e contada exclusivamente pelo(a) assistente social responsável, em que são abordadas, em maior ou menor grau de detalhes, questões relativas à situação do preso em uma perspectiva crítica. Dessa forma, informações a respeito da relação familiar, de ordem pessoal de suas vivências, vínculos empregatícios etc. são pontos fulcrais nas narrativas construídas pelos(as) profissionais.

Nos casos que estudamos, a partir do que foi produzido pelos(as) próprios(as) assistentes sociais,4 4 Como optamos por realizar uma pesquisa em um nicho bastante específico - os relatórios sociais contidos em exames criminológicos, em uma amostra de processos da execução penal - também foi uma escolha não nos atermos a quaisquer outros documentos das peças que manejamos. Isto por duas razões: primeiro, para dar uma centralidade à questão dos documentos e ao debate sobre as expressões labirínticas da prisão, por serem dois pontos ainda pouco explorados na literatura; segundo, porque a adição de problemáticas poderia enriquecer, mas, ao mesmo tempo, desviar este trabalho de seu principal objetivo. Para próximas publicações, desejamos aprofundar algumas questões relacionadas a outros elementos das peças processuais, já que não é algo que faremos neste artigo. elegemos alguns atributos para nos atermos: 1) descrição familiar; 2) informações gerais sobre o encarceramento; 3) confissão de inocência; 4) planos futuros; 5) possível parecer do(as) assistente social. Estes foram listados após uma leitura geral de cada um dos relatórios sociais produzidos, que nos revelou a possibilidade de localizarmos certas similitudes entre cada um dos documentos. A organização dos motivos a partir dessas características nos auxiliou também na construção de uma espécie de perfil dos estudos, capaz de nos responder à indagação a respeito do tipo de conteúdo que estamos falando quando avaliamos os documentos produzidos por assistentes sociais em exames criminológicos.

Comecemos, portanto, pela questão familiar. Unanimemente, observamos que os relatos trazem alguma menção à composição nuclear do sujeito preso em primeiro plano. Geralmente, fala-se de uma “família de origem atualmente constituída por genitora e três irmãos”; “família de origem composta por genitora que se encontra separada e seis irmãos”; “família atual composta por genitores, dois irmãos, um deles menor de idade. Alega que residia com a avó materna antes do cárcere”; especificamente, que “não chegou a conhecer o genitor, tendo sido criado pelo padrasto”; “o companheiro seguinte de sua genitora o espancava com frequência, por isso fugiu de casa”; “tem mais oito irmãos, um dos motivos que o fez interromper os estudos na quarta série do EF [ensino fundamental]”; “família de origem atualmente constituída por genitora e cinco irmãos, sendo o genitor falecido”. Sobre possível companheira e/ou filhos, os(as) assistentes sociais registraram em alguns momentos que “possui uma filha com quinze anos, fruto de união desfeita”; que “mantém relacionamento afetivo há três anos, não possuindo filhos”; que está “sem companheira ou filhos no momento”; ou que “refere não possuir companheira nem filhos”.

Neste sentido, a família ganha um destaque importante quando passamos às informações sobre o encarceramento. Isso porque os(as) assistentes sociais mencionam com frequência a questão das visitas intramuros aos sujeitos presos, em que deduzimos questões que rodeiam a persona de quem as faz. Nas respostas, verificamos que “no cárcere, conta com o apoio e assistência do irmão, com vínculos afetivo-familiares aparentemente preservados”; “recebe visitas regulares da genitora (mãe) tendo a genitora comparecido em entrevista com o Serviço Social para o referido benefício”; “recebe visitas da mãe, irmão, avó e tio”; “há cerca de três anos mantém matrimônio com [nome da esposa], que o visita no cárcere e ficará responsável pela entrevista do benefício de VPF (sic); “no cárcere, recebe visitas regulares, contando com o apoio e assistência”.

Essa presença ativa de familiares na construção de uma relação entre o sujeito preso e a vida extramuros nos relembra as considerações de Godoi (2015)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. a respeito dos vasos comunicantes5 5 Godoi (2015) conceitua a ideia de vasos comunicantes como “toda forma, meio ou ocasião de contato entre o dentro e o fora da prisão”. Para ele, são articulações particulares, mas que une duas dimensões dissociadas da sociedade e define suas fronteiras de separação. É uma comunicação entre dois mundos distintos, o social e o do crime (FELTRAN, 2010; 2012). A maior parte desses vasos, salienta, são vias institucionalizadas previstas e reguladas pela instituição e legislação penal - cartas, por exemplo. construídos entre a rua e a prisão. O autor destaca a história de três mulheres cujas rotinas são atravessadas pela dinâmica prisional da preparação do jumbo6 6 Jumbo, na literatura proposta por Godoi (2015), é organizado com diversos alimentos, roupas, artigos de higiene, cigarros, medicamentos etc. Geralmente, o jumbo é organizado pelos familiares que visitam o cárcere, sendo uma espécie de componente dos vasos comunicantes entre o universo intra e extramuros. e das visitas semanais. Utilizamos o termo “atravessamento” porque esse processo mobiliza uma gama de pessoas para que seja possível adentrar o cotidiano das prisões. No caso de Mercedes, por exemplo, Godoi (2015)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. relata uma mobilização dos membros da família para realização da rotina da casa e, principalmente, na preparação do jumbo que seria enviado ao filho na penitenciária. Por conta de visitas e jumbos terem dias diferenciados de entrada no sistema, Mercedes contou com a ampliação da rede por meio da ajuda de uma vizinha que tinha o marido recluso no mesmo pavilhão que o jovem e que se responsabilizou por levar os dois jumbos nos dias combinados.

A presença das mulheres enquanto visitantes majoritárias é algo que localizamos tanto na literatura, como citamos anteriormente, quanto nos próprios relatórios. Isso já foi pontuado por outras autoras, como Machado (2022)MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: Um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022., que identificou esse padrão em sentenças emitidas contra adolescentes; como Filho e Mello (2021)FILHO, Roberto Efrem; MELLO, Breno Marques de. “A renúncia da mãe: Sobre gênero, violência e práticas de Estado”. Horiz. Antropol., Porto Alegre, vol. 27, n. 61, pp. 323-349, 2021., ao destacarem o processamento da renúncia da figura materna ante as ações do Estado; como Vianna e Farias (2011)VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: Dor e política em situações de violência institucional. Cad. Pagu., Campinas, n. 37, pp. 79-116, 2011., que destacam o protagonismo das mães que lutam por justiça aos seus filhos, mortos pela violência de Estado; e também como Spagna (2008)SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008., que procura elaborar o processo de estigmatização das mulheres responsáveis pelas visitas no cárcere, que carregam consigo o codinome de “mulheres de bandidos”, a quem iremos nos ater.

Um dos pontos destacados por Spagna (2008)SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008. é a questão da dinâmica do cuidado, que recai principalmente sobre as mulheres. Os relatos da autora nos mostram que essas mulheres, independente do grau de afeto estabelecido com o sujeito encarcerado, permanecem até o fim do cumprimento das penas. Não é o que acontece em situações opostas, como quando são mulheres que estão em cumprimento de alguma pena. Os homens, nesse caso, tendem a abandonar suas companheiras no cárcere e seguir suas vidas extramuros, sem quaisquer vinculações simbólicas ou objetivas que lhes causem dano. Para a autora, a constância feminina se dá também por uma devoção à família e ao seu papel social, “associando-as à criação dos filhos, união da família e estabilidade do lar” (SPAGNA, 2008SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008., p. 6).

Mas, ainda que as mulheres sejam acompanhadas por esse espectro do cuidado, elas, enquanto família, são lidas pelo sistema de uma forma duplicada: de um lado, são vistas como culpadas pelo crime cometido pelo sujeito, uma vez que a responsabilidade da transgressão recai sobre o seio familiar (HORST; MIOTO, 2017HORST, Cláudio Henrique Miranda; MIOTO, Regina Célia Tamaso. “Serviço social e o trabalho com famílias: Renovação ou conservadorismo?” Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 15, n. 40, pp. 228-246, 2017.). Nos relatos da autora, elas externaram que “sentem que estão sendo punidas junto ao respectivo interno por um crime que não cometeram. Descrevem como extremamente ofensiva a desconfiança com que são vistas, como se também fossem criminosas” (SPAGNA, 2008SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008., p. 10). Por outro lado, a partir dos próprios documentos que manejamos, observamos que essas mesmas famílias têm de lidar com a responsabilidade da ressocialização, dado que a sua presença regular no cárcere demonstra que 1) o sujeito encarcerado é “alguém”, já que recebe visitas de pessoas que se preocupam com sua vida intramuros; e 2) se a família é a causadora do delito, ela também pode ser a responsável por salvar o sujeito da bandidagem.

Para Horst e Mioto (2017)HORST, Cláudio Henrique Miranda; MIOTO, Regina Célia Tamaso. “Serviço social e o trabalho com famílias: Renovação ou conservadorismo?” Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 15, n. 40, pp. 228-246, 2017., a condução neoliberalizante das políticas sociais desloca a família desse lugar protetivo e protegido pelo Estado. O desmonte gradativo do que poderíamos conceber enquanto sustentáculo destes núcleos - sobretudo, as políticas sociais básicas - coloca essas famílias em um outro lugar. Em um contexto de reprodução capitalista cada vez mais acentuado, os núcleos passam a ser responsáveis pela sua própria proteção, em detrimento de um Estado que se desresponsabiliza cada vez mais.

O que estamos tentando demonstrar é a contraditória relação entre política social no capitalismo dependente, agravada pela crise atual, e a centralidade nas famílias da classe trabalhadora. Como sinaliza o título que abre o presente tópico, essa confluência perversa para as famílias - mas nada para o capital - sempre acarretará sobrecarga e culpabilização das famílias e, principalmente, das mulheres. (HORST; MIOTO, 2017HORST, Cláudio Henrique Miranda; MIOTO, Regina Célia Tamaso. “Serviço social e o trabalho com famílias: Renovação ou conservadorismo?” Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 15, n. 40, pp. 228-246, 2017., pp. 231-232).

Essa culpabilização das famílias gera como consequência a ideia de desestrutura. À medida que os relatórios sociais insistem em afirmar de pronto a existência de uma família estruturada, compreendemos que a concessão de quaisquer benefícios ao longo do processo de execução penal está submetida à necessidade de certo ordenamento - tanto por parte do sujeito preso quanto de sua família. O destaque à composição familiar e à relação harmônica é, em um primeiro momento, uma forma de assegurar o padrão desejável ao sistema judiciário e prisional; mas, em um segundo, de empobrecer a prática do(a) assistente social, incapacitado(a) de avançar pelos meandros sociopolíticos e econômicos que constituem aqueles núcleos. A existência dessa dualidade nos revela o conflito presente no trabalho do Serviço Social, pensando-o enquanto categoria assalariada e parte integrante do labirinto: a resposta qualificada à população usuária, a partir de uma leitura crítica da realidade, inclinada às complexidades produzidas pelo sistema capitalista sobre os indivíduos x a necessidade de responder às instituições a partir dos parâmetros exigidos pelos empregadores, o que desbasta a prática cotidiana e refina a já relativa autonomia profissional (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018.; MORAES; GONÇALVES, 2020MORAES, Carlos Antônio de Souza.; GONÇALVES, Carla Mangueira. “Contribuições para o debate da relativa autonomia do serviço social a partir da formação profissional”. Sociedade em Debate, Pelotas, v. 26, pp. 131-145, 2020.).

Passemos ao terceiro ponto: a confissão de inocência. Embora não tenha sido um elemento unânime como a questão familiar, foi algo que se fez presente em alguns dos estudos que analisamos. É importante destacarmos que, de acordo com o termo de orientação emitido pelo CRESS RJ 7ª Região, é visto como uma conduta punitivo-disciplinadora das CTC a coação do(a) preso para que se verbalize qualquer tipo de confissão. Em geral, os relatos nos informaram que “foi a primeira vez que o sujeito da ação foi preso e afirmou ser inocente”; “[diante do] delito pelo qual foi condenado relaciona a acusação a um desentendimento com a ex-companheira, negando qualquer tipo de agressão física”; “[diante do] ato ilícito, acredita em sua inocência”; “[…] admitindo seu erro e responsabilidade por tratar-se de menores, sic”; “avalia criticamente o ato ilícito e suas consequências, alertando quanto à conduta futura”.

Podemos pensar a confissão de culpa como parte do processo de avaliação proposto pela estrutura do exame criminológico que, como reiteram Reishoffer e Bicalho (2017)REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., tem como objeto observar as mudanças ocorridas a partir do processo de encarceramento. Nesse sentido, compreender-se como “culpado” e “merecedor” daquela realidade, qual seja, as prisões, que “longe de serem instituições destinadas à reinserção do social no sentenciado, transformam-se em espaços de pura segregação social” (REISHOFFER; BICALHO, 2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., p. 40), o reportaria enquanto um “experimento bem-sucedido” do sistema penal. Afirmamos isso porque, a partir de estudos pregressos, podemos concluir que a Justiça, quando confrontada com versões que não reiterem a culpa do indivíduo julgado, tende a criar diversos mecanismos simbólicos e narrativos para que aquela confissão, ainda que de maneira indireta, passe a existir (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. “Verdade policial como verdade jurídica: Narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 35, n. 102, pp. 1-15, 2019.; MACHADO, 2022MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: Um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.; MIRAGLIA, 2002; ROCHA, 2020; VIANNA; FARIAS, 2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: Dor e política em situações de violência institucional. Cad. Pagu., Campinas, n. 37, pp. 79-116, 2011.). A confissão seria uma forma de demonstrar que aquela realidade, com aqueles mecanismos e características, é plenamente possível.

Esse procedimento de manipulação para que a confissão exista tem uma razão, explicada por Kant de Lima (1997)KANT DE LIMA, Roberto. “Polícia e exclusão na cultura judiciária”. Tempo Social, São Paulo, v. 9, n. 1, pp. 169-183, 1997.. O autor sugere que somente ela pode dar ao juiz total segurança sobre sua sentença e possível acerto, o que justifica a assertiva anterior. Isso acontece porque o procedimento legal brasileiro se estabelece a partir de um mosaico de sistemas de verdades, diferente do modelo norte-americano, por exemplo, que busca uma verdade negociada entre as partes. Aqui, a figura do juiz se sobrepõe ao Estado no momento do julgamento, o que supõe uma capacidade racional do ato de julgar, bem como neutra e imparcial, dotada dos requisitos necessários para se obter o que o autor nomina como verdade real dos fatos. A confissão ratifica o julgamento, mas, acima de tudo, o julgador.

Verificamos a mesma questão a partir da legislação específica da categoria. De acordo com o artigo 6, alínea b do Código de Ética Profissional do Serviço Social, é vedado ao(à) assistente social “bloquear o acesso dos(as) usuários(as) aos serviços oferecidos pelas instituições, por meio de atitudes que venham coagir e/ou desrespeitar aqueles que buscam o atendimento de seus direitos”, compreendendo a confissão de inocência como uma espécie de coação. No que diz respeito às responsabilidades gerais dos(as) profissionais, podemos sugerir ainda o artigo 3, alínea c, que dispõe como dever “abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes”. Além disso, destacamos o artigo 5, alínea b, que evoca como dever do(a) assistente social “garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos(as) usuários(as), mesmo que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos(as) profissionais, resguardados os princípios deste Código” (CFESS, 1997CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional do assistente social. Brasília, DF: CFESS, 1997.).

Ao avaliarmos o motivo da confissão tendo em vista estritamente a legislação profissional, podemos compreendê-lo como um apêndice dos deveres e vedações concernentes à prática. Destacamos como problemática esse tipo de conduta, sobretudo nos exames criminológicos, porque ela se vincula diretamente a um atendimento das expectativas das instituições que, por si só, já atribuem ao sujeito uma conduta de não sujeito e de necessidade de punição constante, seja pela via explícita ou simbólica, como a confissão. Assim como discorremos a respeito das famílias, essa questão da culpa também sinaliza um elemento que pode ser utilizado como forma de exercer sobre o corpo dos indivíduos uma espécie de punição sobre sua própria consciência (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.). Em detrimento de uma prática emancipadora, a adoção desse tipo de conduta reserva ao Serviço Social um lugar aliado junto às instituições prisionais, acentuando a realidade labiríntica para os sujeitos presos.

Aqui, não defendemos uma postura aliada às imposições e quereres institucionais, uma vez que as compreendemos como incompatíveis com o projeto profissional da categoria e com os princípios que são defendidos pelo Serviço Social. Contudo, é importante que saibamos da existência desse conflito entre capital x trabalho, principalmente dos seus rebatimentos no cotidiano dos usuários e do(as) profissionais de Serviço Social. Reishoffer e Bicalho (2017REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. “Exame criminológico e psicologia: Crise e manutenção da disciplina carcerária”. Fractal, Niterói, vol. 29, n. 1, pp. 34-44, 2017., p. 42) sugerem que uma análise dos exames criminológicos que seja puramente técnica e que destaque a estrutura como uma problemática à qualidade das produções é “tornar-se cego”. Mas, o que a base teórico-metodológica da categoria nos impõe se traduz em um olhar para a estrutura que se atente não somente ao que está dado, como o conflito, mas às vicissitudes e complexidades que constituem o saber-fazer das equipes técnicas; aqui, do Serviço Social (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012.). É certo que os exames criminológicos têm sua parcela de eficácia no processamento da execução penal e da concessão de benefícios aos sujeitos encarcerados, mas como essa característica tem sido preterida?

Ainda que instrumentos manejados dessa maneira, em certa medida, alcancem seus fins, é importante pensarmos os estudos, relatórios e pareceres sociais enquanto instrumentos cativos ao Serviço Social e, por isso, enquanto mecanismos de intervenção no social que são dotados de complexidade e riqueza analíticas. Nas palavras de Gonçalves (2018)GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018., “a correta utilização destes instrumentos dá ao(à) profissional uma visão ampla e profunda acerca das realidades analisadas, permitindo intervenções efetivas” (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018., p. 71). Fávero (2012)FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012. compreende que a prática profissional que individualiza o sujeito, que o reduz a uma mera contação de histórias de vida, e que o localiza enquanto produtor e não como produto de uma estrutura, tende a reproduzir uma espécie de controle social sobre esses usuários, de cunho favorável ao capital. Pode-se pensar em um controle social na perspectiva foucaultiana, das populações, a partir da governamentalidade (FOUCAULT, 2019FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.), mas também, em um controle de autonomias (ROMANO; SILVA, 2021ROMANO, Pedro Machado; SILVA, Bráulio Figueiredo Alves. “Sujeição ou evidência: A excepcionalidade do flagrante por tráfico de drogas. Dilemas: Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, vol. 14, n. 3, pp. 711-730, 2021.), uma vez que a incapacitação do sujeito, o seu isolamento para posterior reinserção social, se dá pelo reconhecimento de falhas dele mesmo, não do sistema social.

Por isso a necessidade de problematização dos instrumentos manejados pelo Estado e colocados a serviço dos profissionais técnicos como elementos de “emancipação” quando, na verdade, traduzem-se como mecanismos de controle social e que não têm a capacidade de desmembrar as condições sociais, econômicas, psicológicas, políticas, demográficas de um indivíduo em privação de liberdade. Quando falamos dos processos de governabilidade e de controle das populações, há de se pensar também nos modos de operacionalização que são exteriores ao que é explícito ao corpo (FOUCAULT, 2019FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.). Os documentos que aqui analisamos são meios de controle dos sujeitos que passam despercebidos justamente por percorrerem um caminho invisível, quase entre as paredes das prisões, mas que apresentam um imperativo fundamental na dinâmica do controle. Os meandros nos quais o Serviço Social se propõe a desbravar são muito mais profundos do que as meras informações básicas sobre um sujeito.

À medida que o estudo social, ou o Serviço Social de casos em suas bases originais, realiza em vários espaços de trabalho a seleção para que o usuário do Serviço Social tenha acesso aos meios de sobrevivência, aos serviços de saúde, ao trabalho, à moradia, à institucionalização de crianças em razão da pobreza, à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes que praticam infração, a medidas legais e sociais dirigidas a adultos encarcerados etc., o exercício da profissão pode colocar-se a serviço da reprodução do capital, naturalizando as relações que produzem e reproduzem a desigualdade social que condiciona o surgimento desses “problemas sociais” (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012., p. 4).

No sentido de mapear a construção de estudos sociais, Fávero (2012)FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012. desenvolveu uma pesquisa na cidade de São Paulo, cuja metodologia baseou-se em uma análise documental de peças processuais, em que se destacam os relatórios sociais. Os casos, vinculados às varas especializadas da infância e juventude, versavam sobre a perda do pátrio poder e as condições socioeconômicas das famílias. Esses núcleos, segundo a autora, estavam imersos em situações de desemprego e subemprego, com renda aquém do mínimo para sobrevivência e sem grau de escolaridade básico (eram analfabetos ou semianalfabetos). Os estudos sociais, contidos nos relatórios, foram o que chamaram a atenção da autora. Nas considerações das assistentes sociais, observou-se “pareceres sugestivos de preconceito de classe social e de gênero”, além de uma constante “culpabilização de indivíduos e famílias pela situação de precariedade social vivida, sem estabelecimento de articulação com a base social e econômica geradora da dificuldade” (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012., p. 5). O modo como se deu a construção destes relatos evidencia as raízes conservadoras que insistem no interior da categoria.

Assim como elucida a autora, essas colocações são importantes para que se possa refletir sobre a profissão, tendo em perspectiva não somente o conservadorismo, mas também o projeto ético-político profissional; e, a partir disso, construir coletivamente novas formas de enfrentamento. As questões colocadas aos(às) assistentes sociais não são simplórias; antes, são construídas a partir de uma complexidade de fatores que cabe aos profissionais compreender, a partir da utilização dos instrumentos, da dimensão teórico-metodológica, técnico-operativa da profissão. “Estabelecer a relação entre a expressão concreta da questão social que atende no dia a dia e sua construção sócio-histórica, inserindo-a no campo dos direitos humanos, é competência do assistente social no trabalho com os indivíduos sociais” (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012., p. 6).

Restam dois elementos a serem citados aqui, e que o faremos de pronto: os planos futuros e possíveis pareceres dos(as) assistentes sociais. A respeito do primeiro, localizamos algumas prospecções no sentido da futura vida extramuros dos sujeitos encarcerados. De uma forma geral, foi possível observar um desejo por “uma nova oportunidade na tentativa de estruturar sua vida com base no respaldo familiar e na reinserção no mercado de trabalho em lanchonete, juntamente com a genitora”; tendo “suas expectativas [estão] remetidas à oportunidade de vivenciar novamente o cotidiano sociofamiliar, com propósito de cumprimento de normas concernentes ao benefício em pauta”; assim, “deseja o benefício a fim de permanecer mais tempo próximo aos seus familiares os quais lhe acompanham no cárcere”; “suas expectativas estão remetidas à obtenção do benefício, vislumbrando vivenciar novamente o cotidiano sociofamiliar, com propósito de cumprimento das normas concernentes ao benefício pleiteado”. Observemos que, novamente, é atribuído à família um papel central na ressocialização dos sujeitos na vida extramuros e, ao mesmo tempo, ainda que implicitamente, na necessidade de fazê-lo não delinquir (SPAGNA, 2008SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008.).

A respeito dos possíveis pareceres dos(as) assistentes sociais sobre o procedimento dos exames criminológicos, indagamos a presença de motivos e argumentos que sinalizem a relação entre o(a) profissional e a construção dos documentos. Nesse sentido, observamos dois momentos similares que merecem destaque, quando o(a) assistente social afirmou que “não há como prever prognóstico da conduta futura que respalde o cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade ou a sua redução em menor medida”; e que o documento fora “elaborado a partir de uma única entrevista. Sem condições de prever condutas futuras”. Essas duas sentenças nos remetem à discussão anterior sobre instrumentos, especialmente sobre estudos e relatórios sociais, uma vez que os(as) profissionais cumprem o requisito institucional sem deixar de destacar a insuficiência da forma como ele é solicitado e conduzido pelo sistema prisional.

Sabemos que, quando manejados de forma incorreta ou rarefeita, os instrumentos concernentes ao Serviço Social acabam por produzir reflexões incapazes de abarcar a realidade complexa do usuário em questão. Ao falarmos da prática profissional no interior das prisões, também devemos levar em conta a relação demanda x resposta e a questão da imediaticidade. Sobre esta, Guerra (2013) é direta ao afirmar que a sua existência é sinônimo de aperfeiçoamento à dinâmica institucional e, sobretudo, do capital, levando o(a) assistente social a um lugar de reprodutor e mero executor das demandas que lhes são direcionadas. Esse modelo de execução nos traz a esse contexto dos estudos contidos nos exames criminológicos, porque, quando os colocamos em perspectiva, conseguimos vislumbrar sua manifesta semelhança, ainda que tenham sido produzidos por profissionais e em anos diferentes.

A afirmação de insuficiência do modelo estabelecido pela SEAP como sendo o mecanismo dos exames criminológicos é fundamental, mas ainda destaca dois problemas: a postura minoritária e a reafirmação do modelo. Sobre o primeiro, assim argumentamos porque esse tipo de afirmação foi encontrado em apenas dois documentos, dos nove que analisamos e que continham registros de intervenção das CTC. O segundo porque ainda que se faça esse tipo de objeção, a construção dos estudos e das narrativas particularizadas ainda são extremamente engessadas em um modelo previamente concebido e amplamente difundido. Guerra (2007GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, Belo Horizonte, 2007., p. 10), sobre isso, afirma que “reconhecer e atender às requisições técnico-instrumentais da profissão não significa ser funcional à manutenção da ordem ou ao projeto burguês”. A redução do Serviço Social enquanto elemento técnico, continua a autora, transforma-o em um caminho para se alcançar qualquer fim, limitando à prática profissional à demanda do mercado.

Compreendendo as expressões da questão social enquanto realidades complexas, multifacetadas, constituídas por diversas camadas sociais, econômicas, políticas, raciais, de classe, gênero etc., é necessário que se entenda a importância de desvincular o Serviço Social de uma prática imediatista, reducionista ou pontual. Recorrendo novamente às palavras de Guerra (2007GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, Belo Horizonte, 2007., p. 11), “elas implicam intervenções que emanem de escolhas, que passem pelos condutos da razão crítica e da vontade dos sujeitos, que se inscrevam no campo dos valores universais (éticos, morais e políticos). Mais ainda, ações que estejam conectadas a projetos profissionais aos quais subjazem referenciais teórico-metodológicos”. Mas, como o título desse artigo sublinha, estamos falando dos caminhos invisíveis da punição que entrelaçam não somente os sujeitos presos, mas os(as) profissionais que se vinculam a eles em certa medida. Ainda que falemos de percalços bastante diferentes para cada um, é certo que o labirinto que se instaura na produção e reprodução de sentidos para a dinâmica vivenciada pelos presos (GODOI, 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021.) se apresenta também à profissionais como assistentes sociais, e influenciam diretamente o modo como o trabalho se institui e desenvolve no interior das comissões.

O labirinto: desafios da prática profissional frente à dinâmica intramuros

A metáfora do labirinto tem sido amplamente difundida em diversos estudos produzidos a partir da pesquisa Os sentidos do cárcere: incapacitação e ressocialização na realidade prisional brasileira contemporânea (NECVU) enquanto “dispositivo heurístico que, em suas diversas manifestações e das mais variadas maneiras, ajuda a qualificar esse particular e desconhecido rito de nosso sistema de justiça” (GODOI, 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021., p. 3). É uma interpretação que extrapola a questão estrutural, conforme o autor pondera, e que avança para elementos produzidos pelos próprios indivíduos no interior das instituições, tendo um “caráter paradoxal, aporético, contraditório, que sintetiza a ordem e o caos, o artifício e a confusão” (GODOI, 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021., p. 3).

Godoi (2021)GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021. se aproxima da narrativa grega do labirinto do Minotauro para pensar essa metáfora e salienta três formas de avaliá-la: de cima; por dentro; e como elemento narrativo, opção escolhida por ele e também por nós, uma vez que nos permite perscrutar outros pontos que estão para além da relação entre preso e o cotidiano intramuros, que são igualmente importantes no processamento das penas. Salientamos que nossas percepções a respeito da realidade labiríntica imposta ao Serviço Social ainda são preliminares por estarem sendo construídas; contudo, julgamos importante trazê-las como elemento argumentativo porque cremos que essa interpretação pode abrir caminhos para importantes considerações a respeito da prática profissional no interior das prisões.

Na descrição que o autor faz a respeito do labirinto e suas aproximações com a realidade que expusemos, o monstro Minotauro, enquanto um dissipador de vidas, seria a metáfora da própria prisão como conhecemos; Teseu, quem o derrota, é o “herói egresso”, uma vez que consegue fazer o movimento de entrada e saída do labirinto, carregando em si o êxito da vitória sobre a criatura mitológica; Dédalo, quem cria e orquestra a estrutura, é também a vítima de sua própria criação, mas que ainda assim consegue encontrar seus meios de fuga. Por fim, Ariadne é a detentora dos “segredos” que conduzem à saída do labirinto. Godoi (2021)GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021. aponta que se assemelham a ela, por exemplo, as mães e familiares dos presos, além dos defensores públicos, que respectivamente os nutrem e os conduzem no percurso da execução penal.

Metaforicamente, é o que propomos como análise quando falamos da realidade labiríntica que está posta ao Serviço Social. Nosso intuito é flexionar a construção de motivos a um cotidiano que também é constituído por percalços, dificuldades, “monstros”, e que precisa ser trilhado para que o sujeito encarcerado seja conduzido à liberdade. O(A) assistente social é alvo de uma dupla existência no labirinto: é aquele(a) que detém o fio condutor para a saída, como Ariadne; mas é também aquele que está no interior da construção, como um prisioneiro, como um refém da própria estrutura em que se insere. Neste momento, é importante pensarmos a categoria profissional a partir de seu assalariamento e os rebatimentos que a conduta intramuros exerce sobre os profissionais. Podemos recuperar, ao falar do labirinto, o conceito de panóptico desenvolvido por Foucault (2014)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014. e os(as) assistentes sociais enquanto sujeitos constantemente observados pela dinâmica interna, que têm um processo de trabalho baseado nos quereres institucionais e na própria vigilância por ela exercida.

Existem diversos fatores que contribuem para que o labirinto do Serviço Social se torne cada vez mais complexo de ser percorrido. Para além de um debate centralizado na burocratização das instituições judiciárias, falamos também de uma série de incursões produzidas pela estrutura e que, invariavelmente, influenciam o processo de trabalho cotidiano. Ao nos depararmos com os motivos, por exemplo, pensando justamente no conflito entre o trabalho rarefeito e a possibilidade de alcance dos benefícios dos presos porque os documentos “dançavam conforme a música” do sistema, indagamos: o que leva os(as) assistentes sociais a, por vezes, renunciarem a uma prática ético-político-crítica e complexa no manejo dos instrumentos para que o sujeito encarcerado tenha a mínima chance de avançar na execução penal?

Cremos que o primeiro elemento que podemos retomar nesse sentido é a questão da relativa autonomia da categoria profissional. Gonçalves (2018)GONÇALVES, Carla Mangueira. A nova morfologia do trabalho e a autonomia relativa do(a) assistente social na relação Brasil-Portugal. Trabalho final de curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytavazes, 2018. ponderou que os vínculos empregatícios exercidos nas instituições são fatores primordiais para o exercício autônomo mais ampliado ou restrito. Em sua pesquisa já citada neste artigo, a autora afirmou que a condição de contratos temporários dos(as) assistentes sociais por ela analisados foi um elemento central para que se justificassem as condutas profissionais. Ou seja, por receio de terem seus cargos ameaçados, o trabalho era, por vezes, reduzido a meras reproduções e análises rasas sobre a realidade dos usuários, o que desqualificava em certa medida a prática profissional. Embora não tenhamos acesso a informações a respeito da situação dos vínculos empregatícios dos(as) assistentes sociais que produziram os estudos dos exames criminológicos, não podemos descartar esse fator como um possível rebatimento que intensifica a dinâmica labiríntica para os/as profissionais, colocando-os à mercê do seu algoz, o Minotauro.

Retornando à metáfora, podemos afirmar que o Minotauro também vitimiza os(as) profissionais que exercem suas funções no interior das prisões. A degradação e superlotação das unidades (GODOI, 2021GODOI, Rafael. “No labirinto do Minotauro: Uma etnografia da execução penal no Rio de Janeiro”. VII ENADIR: Encontro Nacional de Antropologia do Direito, pp. 1-15, 2021.), por exemplo, intensifica o trabalho das equipes, que precisam elaborar as respostas mais diversas, para diferentes órgãos jurídicos, em um curto espaço de tempo. Torna-se um desafio para a profissão a construção de elaborações contundentes, críticas, que também atendam às requisições institucionais. Infelizmente, a combinação dos fatores citados anteriormente emerge naquilo que podemos observar nos estudos sociais: sistematizações descritivas a respeito de uma parcela da vida dos presos, uma espécie de contação de histórias de vida em um sentido bastante rarefeito (FÁVERO, 2012FÁVERO, Eunice Teresinha. “O estudo social na perspectiva dos direitos”. XX Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, Córdoba, 2012.; GUERRA, 2007GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, Belo Horizonte, 2007.).

Não podemos afirmar claramente a qual figura mitológica atribuiríamos o Serviço Social. Isso porque, ao mesmo tempo em que os(as) profissionais têm o “fio de Ariadne” que conduz os sujeitos encarcerados à saída do labirinto, mediante a efetivação de direitos e de uma série de ações propositivas cuja finalidade é a retomada da vida extramuros, eles(as) não estão fora desse constructo, aguardando os seus “heróis”. Estão, antes, dividindo o espaço do labirinto com esses mesmos Teseus que procuram a saída, porque à medida que fornecem os meios aos outros, também são alvos da confusão do labirinto. Trocando em miúdos: falamos de uma categoria profissional que é construída a partir de um projeto ético-político emancipatório (BARROCO; TERRA, 2012BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Sylvia Helena; CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (org.). Código de ética do(a) assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.), cujos princípios fundamentais se baseiam na liberdade e defesa intransigente dos direitos humanos (CFESS, 1997CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional do assistente social. Brasília, DF: CFESS, 1997.), que possui em suas mãos o fio capaz de conduzir os sujeitos presos à liberdade. Contudo, esse processo de levá-los à vida extramuros é permeada por dificuldades porque, antes de serem tudo isso que citamos, os(as) assistentes sociais são trabalhadores(as) assalariados(as) e, como tais, sofrem os rebatimentos positivos e negativos dessa condição em seu cotidiano de trabalho, que incidem diretamente nas respostas dadas aos casos, aos usuários e às instituições.

Portanto, ao introduzirmos o debate sobre a realidade labiríntica tendo como ponto de incursão os(as) profissionais técnicos - especialmente assistentes sociais - relembramos que a sua condição de assalariamento e o modo como o sistema prisional incide sobre ele são dois elementos importantes a ter em conta para pensarmos a condução do preso pelo labirinto e também do(a) próprio(a) assistente social. Poderíamos nos perguntar a razão pela qual os(as) profissionais deveriam conduzir a si mesmos em busca da saída desse lugar, em um processo de fuga do Minotauro, já que as chaves já lhes foram entregues. A resposta é simples, embora também complexa e já problematizada por outros autores, sobretudo o que citamos: porque quanto mais livres das amarras do labirinto e da ameaça do Minotauro, mais próximos chegamos de uma prática profissional efetivamente emancipatória - para nós e para os sujeitos encarcerados.

Conclusão

Neste trabalho, nosso objetivo era o de tecer algumas considerações iniciais a respeito da produção de relatórios e estudos sociais nos exames criminológicos solicitados pelas CTC, tendo como referências os processos em fase de execução penal veiculados no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC). A principal questão que emergiu a partir da leitura dos processos e das discussões coletivas diz respeito à existência de uma realidade labiríntica que abarca não somente a questão arquitetônico-estrutural ou relacional das prisões, no tocante ao cotidiano dos presos. Passamos a pensá-la a partir de um terceiro viés, qual seja, o labirinto percorrido pelos(as) profissionais técnicos, em que destacamos os(as) assistentes sociais.

Esse labirinto faz parte do que chamamos inicialmente de “caminhos invisíveis da punição”. Quando optamos por realizar uma análise detida em análises documentais e motivos, o fizemos por reconhecermos que o processo punitivo de que fala Foucault (2014)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2014., ao tratar sobre o surgimento e desenvolvimento das prisões não está contido somente nas relações explícitas entre corpos e hierarquias. Ainda que seja mais fácil observar esse processamento disciplinar pela via do corpo, existem outros mecanismos, invisíveis, que percorrem uma espécie de fluxo e que auxiliam na manutenção daquilo que podemos observar e classificar como punição. Sobre os documentos, não o nomeamos como parte de uma “punição velada”, porque reconhecemos que todo o processo é explícito. O caráter invisível se dá pelo fato de, analiticamente, atentarmo-nos pouco para elementos que são primordiais, cotidianos e protagonistas no funcionamento das instituições prisionais.

A partir dessa afirmação, escolhemos os relatórios sociais contidos nos exames criminológicos como objeto, e o discurso como categoria central. Era primordial compreendermos em que medida o labirinto, para os presos, era manifesto por meio das conclusões dos(as) assistentes sociais; mas também, de que modo a realidade do dédalo se manifestava para os(as) profissionais como uma espécie de entrave em suas dinâmicas de trabalho, condicionando-os a uma prática afinada às requisições institucionais. Como resposta ao primeiro ponto, verificamos que os estudos se construíram a partir de determinantes padronizados, localizados em todos os processos que analisamos. Questões como composição familiar, confissão, vida no cárcere, projeções futuras foram pontos que destacamos.

O modo como os(as) assistentes sociais flexionaram as informações nos fizeram compreender que 1) há um entendimento institucional a respeito da formação familiar que precisa ser atendido como parte dos requisitos de progressão da pena, por isso a constante descrição minuciosa a respeito dos familiares e suas condições; 2) recai sobre as famílias a responsabilidade de fazer com que o sujeito encarcerado, uma vez adquirindo benefícios extramuros, não volte a delinquir ou a evadir; 3) por vezes, os(as) assistentes sociais recusam as orientações das entidades representativas da profissão e se colocam no lugar de apelar pela confissão do sujeito entrevistado, o que atribui à profissão um caráter eminentemente punitivo, disciplinador e monitorador; 4) à Justiça, interessa que esse tipo de postura seja cada vez mais constante, uma vez que a confissão de uma possível culpa atribui ao sistema um sentido de que a prisão, em seus moldes atuais, “dá certo”, ainda que seja invasiva.

Se retornarmos brevemente ao termo de orientação emitido pelo CRESS 7ª Região, a respeito da prática profissional em CTC, verificaremos que este estudo não se aloja nem nas práticas que contribuem para a efetivação de direitos, tampouco nas que são essencialmente punitivas. Os motivos que elencamos estão em uma espécie de pêndulo, ora indo para um lado, ora para o outro. A esse comportamento atribuímos o segundo sentido da realidade labiríntica que propomos aqui: o que incide diretamente sobre os(as) assistentes sociais enquanto personagens integrantes dessa estrutura, que, assim como os presos, também busca meios de libertar-se. Na medida em que desvendamos os motivos, passamos a pensar nas razões pelas quais eles emergiram nos documentos. Nossas respostas vão de encontro aos múltiplos “minotauros” que vivem neste labirinto prisional e que tencionam a prática profissional para que ela seja cada vez mais adequada ao sistema. Questões como a operacionalização da relativa autonomia profissional, os vínculos empregatícios via contratos ou concursos públicos, as demandas e a imediaticidade das respostas requeridas e, sobretudo, a padronização dos documentos a partir de modelos pré-concebidos pelos quereres institucionais se tornaram caros às análises.

Ao tratarmos do Serviço Social enquanto elemento técnico das CTC, observamos a dualidade presente na metáfora do labirinto: falamos de dois sujeitos que habitam o mesmo indivíduo. Um, que detém o “fio de Ariadne”, capaz de levar os sujeitos perdidos rumo à liberdade. E outro, que é também um sujeito perdido que procura a liberdade, mas que é tensionado constantemente pela realidade do labirinto. A isso, referimo-nos aos conflitos existentes entre os tipos diferentes de requerimentos - os institucionais e os concernentes à categoria profissional - entre as categorias capital e trabalho, que na interpretação da profissão, emergem da condição de assalariamento e influenciam diretamente a relação entre assistente social e usuários. O que podemos concluir, por ora, é que a estrutura prisional como a conhecemos, caracterizada pela superlotação e degradação das unidades em diversos níveis, tende a intensificar a realidade do labirinto para o Serviço Social enquanto profissão, o que incide diretamente nas respostas produzidas em prol dos sujeitos presos. Uma reforma certamente mudaria o cotidiano das equipes e, possivelmente, a formulação de suas respostas institucionais, mas, em que medida o caráter “invisível” do caminho que percorrem continuaria reforçando aquilo que vimos, qual seja, uma espécie de pêndulo entre a punição e o direito? E, ainda, de que forma esses meandros que não enxergamos a olho nu, porém existem, seguiriam reforçando a dinâmica do labirinto a esses(as) profissionais? São questões para pensarmos.

Notas

  • 1
    De acordo com a Lei de Execuções Penais (LEP), nº 7210/84BRASIL. Lei de execução Penal. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Brasília, DF: [s. n.], 1984., as Comissões Técnicas de Classificação (CTC) são responsáveis pela avaliação e posterior organização de um “programa individualizado” para o sujeito preso que passou pela avaliação via exame criminológico. Este exame, por sua vez, é produzido por três profissionais que compõem a CTC: assistente social, psicólogo(a) e psiquiatra. A partir dos laudos, é suposto que se possa tecer um plano individualizado para a pena em questão.
  • 2
    A construção das fichas de sistematização foi idealizada e supervisionada pelo prof. dr. Rafael Godoi, a quem agradeço pela oportunidade de contribuição junto à pesquisa.
  • 3
    O modo como os sujeitos encarcerados são distribuídos pelas unidades prisionais impacta diretamente, ainda hoje, em um distanciamento progressivo de suas famílias. Relatos de mulheres visitantes são um exemplo dos impactos causados pela estrutura carcerária e sua composição (SPAGNA, 2008SPAGNA, Laiza Mara Neves. “‘Mulher de bandido’: A construção de uma identidade virtual”. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 7, pp. 203-228, 2008.; GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.).
  • 4
    Como optamos por realizar uma pesquisa em um nicho bastante específico - os relatórios sociais contidos em exames criminológicos, em uma amostra de processos da execução penal - também foi uma escolha não nos atermos a quaisquer outros documentos das peças que manejamos. Isto por duas razões: primeiro, para dar uma centralidade à questão dos documentos e ao debate sobre as expressões labirínticas da prisão, por serem dois pontos ainda pouco explorados na literatura; segundo, porque a adição de problemáticas poderia enriquecer, mas, ao mesmo tempo, desviar este trabalho de seu principal objetivo. Para próximas publicações, desejamos aprofundar algumas questões relacionadas a outros elementos das peças processuais, já que não é algo que faremos neste artigo.
  • 5
    Godoi (2015)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. conceitua a ideia de vasos comunicantes como “toda forma, meio ou ocasião de contato entre o dentro e o fora da prisão”. Para ele, são articulações particulares, mas que une duas dimensões dissociadas da sociedade e define suas fronteiras de separação. É uma comunicação entre dois mundos distintos, o social e o do crime (FELTRAN, 2010; 2012). A maior parte desses vasos, salienta, são vias institucionalizadas previstas e reguladas pela instituição e legislação penal - cartas, por exemplo.
  • 6
    Jumbo, na literatura proposta por Godoi (2015)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., é organizado com diversos alimentos, roupas, artigos de higiene, cigarros, medicamentos etc. Geralmente, o jumbo é organizado pelos familiares que visitam o cárcere, sendo uma espécie de componente dos vasos comunicantes entre o universo intra e extramuros.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2022
  • Aceito
    29 Mar 2023
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